Você está na página 1de 9

Unidade 3 - Ginecologia Processos Inflamatórios Genitais: Diagnóstico e Tratamento

CAPÍTULO 22

PROCESSOS InFLAMATÓRIOS GEnITAIS:


DIAGnÓSTICO E TRATAMEnTO

1. DESCRIçãO

Quadros clínicos de corrimento e prurido genital ocorrem com grande


frequência nos serviços de ginecologia e traduzem desde distúrbios de uma
complexa microbiota, como nas vaginoses, até infestação por parasitas (por
exemplo, Trichomonas vaginalis).

2. vAGINOSE BACTERIANA

» Condição que traduz um desequilíbrio da microbiota vaginal, onde


passa a haver um predomínio de bactérias anaeróbias vaginais sobre as
aeróbias.
» Embora a condição esteja associada a diversos patógenos,
morfologicamente é possível identiicar por meio de métodos
complementares os morfotipos de Gardnerella vaginalis e/ou Mobiluncus sp.
» O diagnóstico é dado através de:
• o Critérios de Amsel: é necessário para o diagnóstico a observação
de três dos seguintes achados:
▪ Corrimento homogênio acinzentado
▪ pH maior que 5
▪ Teste do KOH a 10% positivo (liberação de odor fétido pela
alcalinização)
▪ Achados citológicos ou bacterioscópicos característicos de
Gardnerella vaginalis e/ou Mobiluncus sp.

247
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand

• Escore de Nugent:
▪ Contagem em esfregaço corado pelo método de Gram de
morfotipos bacterianos de lactobacilos, Gardnerella vaginalis
e Mobiluncus sp. Escores : 0-3 (normal); 4-6 (condição
intermediária); 7-10 (vaginose bacteriana).

» O tratamento da condição deve independer do patógeno identiicado.


» O diagnóstico é clínico e laboratorial.
» O índice de recorrência, mesmo com tratamento adequado é de cerca
de 50%.
» Não há necessidade de tratar o parceiro.
» Tratamento oral :
a) Metronidazol : 2 g dose única.
b) Tinidazol : 2 g dose única.
c) Secnidazol : 2 g dose única.
» Tratamento Tópico :
a) Metronidazol 0,75 : uma aplicação à noite por 7 dias.
b) Tinidazol : uma aplicação à noite por 7 dias
c) Clindamicina : uma aplicação à noite por 3 dias
• Na gravidez:
▪ Preferência pelos tratamentos tópicos.
▪ Ainda não se tem comprovado em estudo, malefícios para
fetos humanos, mas a terapia oral, quando indicada, deve icar
restrita para após o 1o trimestre de gestação.

3. fUNGOS (LEvEDURAS)

Os fungos fazem parte do microbioma vaginal normal e vivem em


harmonia com as bactérias comensais, basicamente os lactobacilos produtores de
peróxido.
» Fator imunológico local e genética do hospedeiros são importantes tanto
no desencadeamento do quadro, quanto na sua persistência e recidiva.
» O patógeno mais associado ao quadro é a Candida albicans.
» Estima-se que 75% das mulheres terão pelo menos um episódio de
candidíase vulvovaginal e que 40 a 45% terão dois ou mais episódios,
enquanto 5% terão 3 ou mais episódios, estas últimas caracterizando a
vulvovaginite complicada recorrente.

248
Unidade 3 - Ginecologia Processos Inflamatórios Genitais: Diagnóstico e Tratamento

» Clinicamente os quadros podem ser classiicados como:


• não complicados
• complicados.

Quadros de candidíase não complicados Quadros de candidíase complicados


Candidíase vulvovaginal esporádica Candidíase vulvovaginal recorrente
Candidíase vulvovaginal leve a mode- Candidíase vulvovaginal acentuada
rada Candidíase vulvovaginal por espécie
Candidíase vulvovaginal associada à não albicans de Cândida
Cândida albicans Candidíase vulvovaginal em mu-
Candidíase vulvovaginal em imunocom- lheres debilitadas, com diabete não
petente controlada, imunodeprimida e em
gestante.

» O quadro clínico é representado por corrimento de cor branca com


aspecto de “leite coalhado” com maior característica para o prurido
vulvovaginal intenso. Odor de “enxofre” pode ser referido por algumas
mulheres. A observação de hiperemia vulvar e intensa colpite pode ser
associada a presença de um conteúdo branco aderido a colo e paredes
vaginais. Isto pode ser sugestivo, mas não prescinde dos exames
complementares para o adequado diagnóstico.
» Diagnóstico complementar:
• Exame direto ou à fresco em tempo real (com salina ou KOH
a 10%): evidencia blastoconídios, pseudo-hifas e pseudomicélios
das leveduras.
• Método de Gram: blastoconídios e pseudomicélios Gram (+).
• Papanicolaou : blastoconídios e pseudomicélios das leveduras em
coloração amarronzada.
• Cultura : meio de Saboraud.
▪ Identiicação da espécie de Cândida para conirmar tratar-se
de albicans ou não albicans.
▪ Identiicação de Cândida em cultura na ausência de sintomas
não é indicação para terapia.
» Tratamento de quadros de candidíase vulvovaginal não complicada
• Tópico
• Nistatina creme/óvulo: 100.000 U uma a duas vezes ao dia por 10
dias.

249
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand

• Miconazol 40 mg : uma aplicação à noite por 5 dias.


• Clotrimazol : uma aplicação à noite por 6 dias.
• Tioconazol a 0,2% : uma aplicação à noite por seis dias.
• Tioconazol a 6,8% : dose única.

» Oral
• Cetoconazol 200 mg : 400mg ao dia por 05 dias
• Fluconazol 150 mg : dose única
• Itraconazol 100 mg : 200 mg duas vezes ao dia em um único dia.
• O tratamento do parceiro sexual não é recomendado, mas pode ser
considerado nos casos de candidíase vulvovaginal recorrente ou
Candidíase vulvovaginal complicada

» Candidíase vulvovaginal recorrente:


• Deinida como mais de 3 episódios sintomáticos por ano.
• Afeta menos que 5% das mulheres sintomáticas.
• Em cerca de 20% das vezes é causada por espécies não albicans.
• É necessário cultura para deinição da espécie.
• 30 a 40% das mulheres terão recorrência após o im do tratamento.
• O tratamento do parceiro é controverso.
• Tratamento:
▪ Tratamento oral:
a) Fluconazol 150 mg : 150 mg no primeiro dia da menstruação
por 06 meses.
b) Itraconazol 100 mg : 200 mg no primeiro dia da menstruação
por 6 meses.
▪ Terapias alternativas:
a) Violeta de genciana óvulos : aplicar à noite por 14 dias.
b) Ácido bórico 600 mg; aplicar 2 vezes ao dia por 14 dias
(não usar em gestantes)

» Candidíase vulvovaginal acentuada:


• Quadro de intensa vulvovaginite com eritema, edema vulvar e
• escoriações.
• Não responde bem a terapias curtas.

250
Unidade 3 - Ginecologia Processos Inflamatórios Genitais: Diagnóstico e Tratamento

• Tratamento pode ser tópico em um período de 10 dias ou oral com


luconazol 150 mg ou itraconazol 200 mg em duas oportunidades
com intervalo de três dias.
» Candidíase vulvovaginal não albicans:
• Espécies de Cândida não albicans tendem a apresentar quadros
recorrentes mais frequentemente por conta de resistência a terapia
convencional que, por vezes, é inata na espécie.
• Terapia mais demorada.
• Outra opção terapêutica é o uso de ácido bórico 600mg intravaginal
diariamente por duas semanas.
» Candidíase vulvovaginal em imunocomprometida:
• A associação da cronicidade de quadros de candidíase está muito
relacionada a déicit imunológico, basicamente da imunologia
celular.
• Nestas circunstâncias a terapia consiste em terapia antimicótica
convencional prolongada.
• O tratamento em HIV positivas não difere das mulheres soro-
negativas. A quimioproilaxia também não é recomendada.

» Candidíase vulvovaginal em gestantes:


• Recomendado o tratamento tópico por período prolongado (7 a
10 dias).
• O uso de ácido bórico é contra-indicado.

4. TRICHOMONAS vAGINALIS

» Parasita transmitido por via sexual, piriforme, móvel, lagelado, com


núcleo excêntrico.
» O quadro clínico normalmente é representado por corrimento de cor
levemente esverdeada com odor fétido quando em contato com meios
alcalinos (sangue menstrual e esperma). Ocasionalmente prurido pode
ser referido, bem como disúria.
» Presume-se que atualmente este quadro ocorra em cerca de 0,5 a 1%
das mulheres com queixa de corrimento vaginal em um serviço de
ginecologia geral.
» Diagnóstico:
• Exame direto ou à fresco em tempo real (em solução salina) do

251
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand

conteúdo vaginal: estrutura arredondada de grande mobilidade.


• Papanicolaou: estrutura piriforme esverdeada de núcleo claro.
» Tratamento:
• Oral: O tratamento do parceiro é obrigatório
▪ Metronidazol : 2 g dose única.
▪ Tinidazol : 2 g dose única.
▪ Secnidazol : 2 g dose única.
• Na gravidez: Tratamento tópico
▪ Metronidazol 0,75%: uma aplicação ao dia por 7 - 10 dias.
▪ Tinidazol: uma aplicação ao dia por 7 - 10 dias.
▪ Clindamicina a 2%: uma aplicação ao dia por 7 – 10 dias.
• Pacientes HIV positivo: conduta não se altera.

5. ACTINOMyCES Spp.

» Encontrado em portadoras de DIU (10%). Nestes casos o tratamento


inclui a retirada do dispositivo.
» Diagnóstico:
• Exame bacterioscópico pelo método de Gram
• Papanicolaou: morfologicamente lembram “tufos algodonosos” de
coloração violácea.
• Cultura
» Tratamento oral:
a) Tetraciclina: 500 mg de 6 em 6 horas por 7 a 10 dias.
b) Minociclina: 100 mg de 12 em 12 horas por 10 dias.
c) Azitromicina: 1 g em dose única.

6. HERpES SIMpLEx vÍRUS

» Herpes genital está geralmente associado ao HSV tipo 2, embora


possa ocorrer também com o tipo 1.
» A maioria das portadoras não é diagnosticada.
» Diagnóstico:
• Clínico: Presença de lesões vesiculares coalescentes que
rapidamente se rompem deixando lesão ulcerada associada à
sensação de ardor. Antes do surgimento de quadro recidivante

252
Unidade 3 - Ginecologia Processos Inflamatórios Genitais: Diagnóstico e Tratamento

pode haver um período prodrômico de sintomas localizados vagos.


• Cultura: sensibilidade diminui com o tempo da lesão
• oImunoluorescência: não distingue HSV 1 de HSV 2.
• Diagnóstico por citologia corada por método de Giemsa ou de
Papanicolaou (célula de Tzanck) é possível, mas a sensibilidade é baixa.
• Teste sorológico

» Tratamento:
• Oral:
Acicloguanosina (aciclovir): 200 mg cinco vezes (intervalos
aproximados de 4 horas) ao dia por 5 dias
Valaciclovir, cloridrato 500 mg duas vezes ao dia, por 5 dias (casos
mais graves, prolongar o tratamento por 10 dias)

• Tópico:
a) Acicloguanosina (aciclovir)
Aplicar cinco vezes ao dia (intervalo aproximado de 4 horas) por cinco dias.

O tratamento tópico é considerado de pouca eicácia e alguns


autores o desconsideram na terapia do quadro de herpes genital.

7. CHLAMyDIA TRACHOMATIS

» A infecção é sexualmente transmitida e ocorre com maior frequência


entre adolescentes e adultos jovens.
» Patógeno presente em cerca de 50% dos casos de cervicite crônica
e frequente causador de uretrite não gonocócica.
» Com alguma frequência seu encontro está associado a quadros de
infecção gonocócica.
» Os quadros de infecção genital têm como principal complicação à
doença inlamatória pélvica com sequelas como dor pélvica crônica e
infertilidade.
» Recomenda-se um rastreio de infecção por Chlamydia anual para
mulheres jovens sexualmente ativas ou para aquelas mais velhas
com novo parceiro sexual.
» Diagnóstico:
• Clínico : pode haver um quadro cervical mucopurulento, mas na
maioria das vezes a infecção cursa de maneira assintomática.

253
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand

• Métodos complementares:
▪ Cultura : não recomendada para clínica diária.
▪ Imunoluorescência direta: diiculdades técnicas diicultam
seu uso rotineiro.
▪ Pesquisa por captura híbrida: boas sensibilidade e
especiicidade.
▪ Método de escolha para rastreio.

» Tratamento oral:
1) Doxiciclina 100 mg: 100 mg, duas vezes ao dia por 10 dias.
2) Azitromicina 500 mg: 1 grama em dose única.
3) Oloxacina 300 mg: 300 mg, duas vezes ao dia por 7 dias.
4) Eritromicina 500 mg: 500 mg de 6 em 6 horas por 10 dias.

» Na gravidez
Pode ser utilizada terapia com eritromicina acima descrita, mas
ressaltando-se que deve ser utilizada na forma de estearato, evitando
oestolato de eritromicina.

8. LEpTOTRIx Sp

» Bacilos longos, frequentemente associados a infecções por outros


patógenos, principalmente Trichomonas vaginalis e Cândida sp.
» Sua presença sem associação com patógenos não necessita tratamento.
» Se associado a outro patógeno, o tratamento instituído deve ser para
tratar o último.

9. vAGINOSE CITOLÍTICA

» Trata-se de um situação de desequilíbrio da microbiota vaginal, em que


um superdesenvolvimento das bactérias aeróbias, mas especiicamente,
dos Lactobacillus residentes na vagina leva a uma destruição de células
escamosas ricas em glicogênio, com fenômenos irritativos associados
a um mais baixo pH vaginal e ação de enzimas lisossomais liberadas
pela destruição das células epiteliais.
» Caracterizada por corrimento, ardor e prurido vulvovaginal
associado a quadro citológico de intensa citólise, sem que seja possível
evidenciar patógenos.

254
Unidade 3 - Ginecologia Processos Inflamatórios Genitais: Diagnóstico e Tratamento

» Critérios de Cibley (1986) para o diagnóstico:


• Corrimento associado a prurido ou ardor
• pH < 4,5
• Superpopulação de bacilos
• Intensa citólise
• Ausência de Cândida, Trichomonas, Gardnerella e Mobiluncus

» Tratamento:
• A conduta consiste de tratamento tópico à base de asseios com
solução de bicarbonato de sódio (30 a 40 gramas em um litro de
água), duas a três vezes por semana.
• Existe a opção do uso de bicarbonato de sódio em óvulos
manipulados.

255

Você também pode gostar