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Francisca Martins nº.

340123021 TP1

A Recusa do Pensamento Crítico


Será que o ser humano, na complexidade da sua existência, envereda pelo ato
incessante de busca pelo pensamento crítico de si próprio e do mundo que o
rodeia? Ou, ad contrarium, permanece indiferente ao questionamento filosófico e
rende-se à terrível inércia, marcada pelo comodismo e superficialidade?

Lamentavelmente, concluo que o meu posicionamento acerca deste tema, se


revela evidente: a sociedade contemporânea, tendencialmente, tem vindo a recusar
a atitude de refletir profundamente sobre o que quer que seja. Aliás, como jovem,
reconheço esta fragilidade como sendo um dos maiores “males da sociedade” e é
na perspetiva da auto-conscientização que se revelou tão preponderante,
desconstruir e fundamentar este meu achismo.

Em primeira instância, é imperativo clarificar o conceito estruturante que


acompanha todo o processo argumentativo, o pensamento crítico. Este consiste na
observação e análise cuidadosa das mais diversas ideias, informações e situações,
com vista à construção de uma opinião sólida sobre uma determinada matéria. No
fundo, o pensamento “kritikos”1 é a busca incansável pelo saber compreender o
mundo em que estamos inseridos. Estar disposto a abandonar determinadas
posições ideológicas quando estas se revelam débeis e erróneas, permite ao ser
humano aproximar-se de um conhecimento fidedigno. Aperfeiçoar o nosso
discernimento cognitivo, moral, ético, político, … com o recurso ao
questionamento hiperbólico e sistemático, capacita o ser humano a olhar o mundo
sem estereótipos, preconceitos e dogmas.

Para a Filosofia, o único pensamento legitimo é, precisamente, o pensamento


caracterizado pelo seu carácter reflexivo e como tal, neste âmbito, existem
diversas perspetivas filosóficas que surgiram ao longo do tempo, na tentativa de
definir este conceito. Na Antiguidade Clássica, nomeadamente na Grécia Antiga,
destacou-se Sócrates2 (“A vida sem exame não vale a pena viver”), posteriormente
3
Francis Bacon (“Saber é poder”) , John Dewey 4e entre muitos outros autores.
Contudo, a definição mormente utilizada pela contemporaneidade é a de Alec
1
kritikos (κριτικός) refere-se ao pensamento critico. Surge na Grécia Antiga e traduz-se na capacidade
intelectual de julgamento e de discernimento.
2
Sócrates é considerado um dos primeiros grandes influenciadores do pensamento critico. Ao
desenvolver o método Socrático, o filosofo da Grécia antiga, incentivou o questionamento persistente
sobre todo o conhecimento, para que posteriormente este fosse devidamente refletido e analisado.
PLATÃO.”Apologia de Sócrates”

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Fisher5 e de Michael Scriven6 de que o pensamento critico é – “a skilled active


inter-pretation and evaluation of observations, comunications, information and
argumentation”.7

Em concordância com as ideias dispostas anteriormente, acerca do pensamento


crítico, iniciarei, sem mais delongas, o processo argumentativo que fundamenta a
minha tese. Numa perspetiva inicial, considero que um dos motivos da recusa da
atitude critica sobre o pensar é o medo da mudança. Na verdade, o que proponho é
estar disposto a desafiar as ideias preexistentes e procurar alternativas que não
tenham sido perspetivadas, independentemente de representarem a incerteza.
Assim, salienta-se que o medo do desconhecido é um comportamento
característico do ser humano, desde os primórdios8 e é visível nas mais diversas
áreas da sua vida, incluindo no ato de pensar. Historicamente, as constantes
ameaças à sobrevivência dos nossos antepassados, resultaram na criação de
mecanismos de defesa contra a incerteza, ou seja, este comportamento foi
transmitido geneticamente e constitui hoje, um dos meios de reação que compõe a
nossa herança cultural. Cientificamente, Leda Cosmides e John Tooby 9,
especialistas em Psicologia Evolutiva, desenvolveram um estudo acerca do
desenvolvimento do domínio cognitivo e a forma como o medo evoluiu, para
proteger os seres humanos de ambientes desconhecidos. Ainda relativo à
fundamentação científica acerca deste medo, demonstra-se preponderante

3
Francis Bacon criou o método científico, o que evidenciou a importância da observação, da
experimentação e do recurso ao raciocínio logico para alcançar um verdadeiro pensamento critico.
BACON, F.” Novum organum”
4
John Dewey desenvolveu o conceito do pensamento critico aplicado à educação, promovendo uma
aprendizagem marcada pela resolução racional de problemas.
DEWEY, J.” How We Think”
5
Alec Fisher é um professor de Filosofia na Universidade East Anglia.
6
Michael Scriven é um celebre autor académico australiano. Obteve o Doutoramento em Filosofia na
Universidade de Oxford em 1956. Os dois autores supramencionados criaram a definição contemporânea
de pensamento critico.
Fisher, A., & Scriven, M. (1997). Critical Thinking.
7
“Uma interpretação e avaliação ativa e habilidosa de observações, comunicações, informações e
argumentação” – Critical Thinking -pág 20
8
Refente à Pré-História e ao período em que o homem vivia exclusivamente em regime recolector (caça)
e se tinha que proteger de outros animais.
9
Leda Cosmides é uma psicóloga estadunidense, bióloga de formação e com o Ph.D em Psicologia
Cognitva. John Tooby é um antropólogo norte-americano, formado pela Universidade de Harvard. Estes
especialistas são casados e juntos foram pioneiros no estudo da Psicologia Evolutiva.

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referenciar a Teoria da Perspetiva de Daniel Kahneman e Amos Tversy 10, no


âmbito da psicologia cognitiva.
Contudo, é possível contrariar o ponto de vista retratado anteriormente, pelo
que não é necessária uma mudança abrupta e radical no que diz respeito ao
pensamento. A introdução gradual do questionamento, preferencialmente,
iniciando pela problematização de questões mais simples e posteriormente, das
mais complexas, não irá sensibilizar o indivíduo ao choque de realidades
(perceção superficial e inconsciente do Mundo vs. Perceção profunda e consciente
do Mundo) e irá promover a sua adesão ao pensamento critico.
Mesmo assim, ainda que possa considerar uma mudança gradual da atitude
critica, é forçosamente uma alteração paradigmática na forma como
compreendemos o mundo e é inevitável o choque de realidades. Aliás, o
pensamento reflexivo é constante, logo a mudança é um dos elementos que o
acompanha ao longo do nosso percurso. Concluindo, rejeitar a mudança é recusar
o pensamento critico.
Numa segunda perspetiva, é imperativo indicar como fundamento à minha
tese, a manutenção de crenças pregressas e dogmáticas como meio de defesa do
ego.11 Deste modo, verifica-se que a renúncia do ato de pensar criticamente, pode
surgir do desejo de manter as crenças que já possuíamos como meio de proteção
do nosso orgulho e das nossas convicções. Reconhecer erros e debilidades no
nosso raciocínio é admitir que somos imperfeitos e que não somos “donos” da
razão, ou seja, os altos representantes da verdade. Sendo assim, a adoção do
pensamento critico cria um determinado desconforto psicológico, porque à partida
nada é considerado como verdadeiro, a não ser que exista um fundamento lógico
que justifique essa crença. A possibilidade do individuo ser questionado é
entendida como uma ameaça à autoimagem, logo este afasta-se deste tipo de
12
pensamento. A teoria da Dissonância Cognitiva de Leon Festiger é,
evidentemente, a corroboração das ideias defendidas. Esta sugere que os
10
Estudos como os de Tversky e Kahneman (1981) na área da psicologia comportamental destacam a
aversão à incerteza como uma tendência humana. A incerteza associada à mudança pode gerar
desconforto.
11
Ego é um conceito da teoria psicanalítica de Sigmund Freud e refere-se, de uma forma muito simplista,
à parte consciente dos indivíduos. Pretende equilibrar os nosso desejos e impulsos (Id) com os valores
morais e culturais da realidade (Superego).A aceção pretendida nesta expressão é a de “eu” que
caracteriza a nossa personalidade.
12
Leon Festiger é um conhecido psicólogo de Nova Iorque que desenvolveu a teoria da Dissonância
Cognitiva.

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indivíduos possuem uma motivação intrínseca para manter a consistência das suas
crenças, ao passo que, para evitar a dissonância, recusa-se a problematização das
questões relacionadas com os indivíduos e com mundo ao qual estão circunscritos.
Ressalvar ainda, neste âmbito, o estudo sobre o Viés da Confirmação de Peter
Wason 13. O viés da confirmação é um fenómeno através do qual os indivíduos
procuram encontrar informações que venham a confirmar as suas conceções.
Trata-se de uma desconsideração de todas as ideias que se apresentem contrárias
às do agente, na tentativa de impor a veracidade das suas. Perentoriamente, existe
a correlação clara da negação do raciocínio indagador com o comportamento
dogmático de manutenção do conhecimento preexistente, sendo este justificado
pelas teorias acima apresentadas.
Embora, este argumento seja detentor de um fundamento consideravelmente
sólido, é possível contrariá-lo, defendendo a ideia de que todos nós de alguma
forma desejamos que as nossas ideologias sejam as mais verossímeis, tanto o
núcleo de indivíduos afetos à reflexão crítica como aqueles que não o são. A
pretensão do ser humano em permanecer intocável é universal e, portanto, a
recusa do pensar não se deve exclusivamente ao critério da autopreservação do
“eu”.
No entanto, considerando, adicionalmente, esta variável reconhece-se que a
problemática que envolve esta questão, prende-se com o facto de que aqueles que
prosseguem o pensamento crítico são dotadas da capacidade de discernir entre
aquelas que são as suas vontades (aconchegam o ego) e o conhecimento obediente
ao raciocino logico. Pelo contrário, aqueles indivíduos que se mantém afetos à
própria conceção e confortáveis com essa posição, não são dotados de
imparcialidade, logo, são manipulados pelos próprios interesses.
Introduzindo uma nova perspetiva, é importante notabilizar-se como fator
preponderante de confirmação da minha tese, o desinteresse e o facilitismo face ao
raciocínio critico. De facto, o ser humano encontra-se assoberbado de
informações, reflexo da transmutação da realidade tecnológica proveniente do
processo de Globalização14. Este fenómeno veio permitir a celeridade e a
acessibilidade às mais diversas fontes do saber. No entanto, ao contrário do

13
Peter Wason foi um psicólogo cognitivo da Universidade College em Londres. Obteve o mestrado em
Psicologia pela Universidade de Oxford. Desenvolveu o estudo sobre o Viés da Confirmação em 1960.
14
Globalização é o um dos processos de aprofundamento internacional de
integração econômica, social, cultural e política.

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expectável, a população mundial afastou-se radicalmente do ato de pensar


criticamente sobre qualquer matéria. A facilidade de aceder aos mais diversos
conteúdos, sem recorrer ao questionamento, provocou um fenómeno de propensão
de desinteresse, motivado pela complexidade de informação à disposição. Assim,
é relevante referir o estudo "Cognitive Load Theory: An Overview of Theoretical,
15
Empirical, and Practical Aspects" comprova as ideias defendidas anteriormente.
Passo ainda a citar a celebre expressão de Nicholas Carr, 16reconhecido jornalista
americano – “A internet obriga a pensar de uma forma ligeira e utilitária”, na
medida em que, é evidente que o ato de pensar é inerente ao individuo, embora
que se trate de um modelo de pensamento superficial e acrítico. Toda a
informação que adquirimos das plataformas tecnológicas, nomeadamente do
Google, ou ainda das tecnologias da informação, especialmente os medias é
tomada como verdadeira e indubitável. Destarte, de grosso modo, não existe
vontade em problematizar as informações com que nos deparamos dado que estas
se encontram disponíveis a qualquer momento e satisfazem as nossas vontades
(carácter utilitário). Sintetizando, a inércia domina a atitude questionadora das
pessoas, provocando o desinteresse absoluto por analisar com profundidade as
suas crenças.
Apesar do argumento anterior justificar a tese defendida, é importante
ressalvar que a alteração paradigmática do status quo relativo ao fluxo de
informação, visa potenciar o pensamento crítico e não o contrário. Teoricamente,
se existe mais informação disponível, imperativamente também existe mais
conteúdo objeto de questionamento. Logo, obedecendo a este ordenamento de
ideias, a Globalização seria o despertar de um mundo lúcido e racional.
Todavia, esta realidade não se verifica, na medida em que, o ser humano é
dotado de livre-arbítrio e simplesmente, decide não agir perante a possibilidade de
pensar analiticamente. Aliás, esta minha conclusão deriva do conhecimento do
mundo atual. Tomemos como exemplo o contexto político português. André
Ventura, representante do partido Chega, proferiu, variadíssimas vezes,
declarações xenófobas e racistas contra a comunidade cigana e LGBTQIA+. Uma
15
A teoria da sobrecarga cognitiva examina como a sobrecarga de escolhas (de informação) pode levar à
redução do esforço cognitivo e afetar a tomada de decisões.
Sweller, J. (2010). Cognitive Load Theory: An Overview of Theoretical, Empirical, and Practical
Aspects. Educational Psychology Review, 22(1), 1-2.
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Nicholas Carr é um jornalista e escritor americano que publicou várias obras e artigos acerca da
tecnologia, negócios e cultura. Formou-se a Universidade de Harvard e de Darthmouth.

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das declarações foi emitida por André Ventura a Joacine Katar Moreira, deputada
do partido Livre - “devia ser devolvida ao seu país de origem”. No entanto, pese-
se que, apesar de, já ter vindo a demonstrar este seu carácter anticonstitucional e
desumano, o líder do partido de extrema-direita, continua a progredir, arrecadando
cada vez mais deputados em sede de Assembleia da República. Este é apenas um
exemplo, de como a população, em especial a portuguesa, renuncia o questionar e
refletir do mundo que a rodeia.
Em última instância, como conclusão, tecerei algumas considerações gerais
sobre todo o processo argumentativo. Evidentemente, justifiquei que o
afastamento da atitude critica por parte dos indivíduos, se deve mormente ao
medo da mudança, à autodefesa do ego e ainda numa parte final, ao desinteresse e
ao facilitismo. Estes pressupostos não são cumulativos nem têm um caracter
generalizado. Admite-se que apenas considerei todos aqueles não adotaram o
referido tipo de pensamento.

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