Você está na página 1de 51

Faculdade de Educação Física e Desporto

UC Filosofia das Actividades Físicas

Quem somos, enquanto somos?


Contributo ao pensamento crítico do Profissional

Maria João Castelbranco Silveira, PhD

NB. qualquer citação retirada destes materiais compilados para o Aluno deve ser identificada
pelas Normas APA e usada conforme à lei (cfr. Direitos de Autor / protecção e privacidade de Dados).

1
Resumo Temático

Este não é, formalmente, um manual da UC, mas implica e contém o desenvolvimento dos meus Sumários
académicos, ou seja, a memória das aulas expositivas. Constituem revisões dos títulos da matéria, surgidos a pedido
dos meus Alunos. Em nada substituem a exposição teórica, argumentação crítica e respectiva compreensão
intelectual (que ocorre, como momento genuíno, em sala de aula). No entanto, talvez a leitura e compreensão deste
Resumo facilite (em conjunto com a frequência e registo das aulas, aliada às leituras complementares aconselhadas) o
total aproveitamento da matéria dada pelo Aluno: é esse o objectivo destas linhas. Advirto ainda que, na escrita dos
mesmos, procedi em desacordo com o Acordo Ortográfico.

Introdução

Apesar de a Filosofia vulgarmente possuir uma imagem demasiado teórica, sendo


considerada quase inútil ao nosso quotidiano, a verdade é que ela nasceu com uma
vocação claramente prática: discutir (pensando) ou pensar (discutindo).

Todas as discussões são formas de poder. Quem melhor discute, mais depressa
convence (sem violência). Quem é convencido, se for intelectualmente honesto, aceita a
supremacia do outro. Assim foi, há 24 séculos, na ágora de Atenas, berço da Filosofia
ocidental, bem no meio da praça pública onde todos discutiam sem regras, mas
apaixonadamente...

Os filósofos colocaram regras ao «jogo da discussão»: por isso, filosofar é também


um modo de JOGAR. Definiram-se termos, conceitos, condições, pontuações, finalidades e
até regras de fair-play… A argumentação filosófica estabeleceu critérios claros e o seu
método crítico originou teses que hoje comandam o mundo das ideias práticas, como
ciência, democracia, ética ou direitos humanos.

A finalidade da Filosofia na área da Educação Física e Desporto é também


eminentemente prática: a formação do pensamento crítico, a criação de uma defesa
racional e honesta, a estruturação de uma forma de ataque cívica e generosa, uma
autonomia pessoal superior a qualquer mordomia clubística.

O objectivo do pensamento filosófico é imediato e útil na medida em que ensina a pensar


sempre, pensar metodicamente, adaptar-se com o pensamento a múltiplas novas
situações que não vêm com «livro de instruções».

A vida é dinâmica. É sábio aquele que se adapta a esse dinamismo sem ceder no essencial.
E o essencial mantém-se pela reflexão, pela ponderação, pela revisão dos passos dados,
pela autoavaliação corajosa…

É através do hábito do pensamento (uma qualidade difícil, para o apressado indivíduo


contemporâneo) que pode haver discernimento ético e pedagógico. É necessário tempo
para ter «tempo de qualidade pensante»: é nele que se cultiva a crítica, a atenção, a
ponderação, a prudência, a honestidade intelectual…, elementos cognitivos que possibilitam
que as várias situações profissionais, éticas, científicas ou outras possam ser vividas de
modo genuíno.

2
INDICE:

1. Quem somos, enquanto somos «pensantes»? Quem é o ser humano?

2. O ser humano na sua essência tridimensional: elogio da Unidade, negação da Dualidade


2.1. Pensar ao longo de três dimensões operativas
2.2. Os nove patamares cognitivos até à autonomia atitudinal (ou autoregulação)

3. Todos iguais, todos diferentes:


Fundamentos Antropológicos Universais na Sociedade Global Eclética
3.1. Todos iguais: o Fundamento Antropológico da Igualdade Universal
3.2. Todos diferentes: o Fundamento Antropológico da Diferença Universal.
3.3. E somos ou não todos livres?
Diversos sentidos e graus da liberdade humana
O livre arbítrio na decisão profissional e na atitude ética diária

4. Ética Vs Moral: universal versus casual


4.1. Somos todos éticos? Ou somos todos morais?
4.2. Vivemos numa cultura ética universal ou numa cultura moral relativista?

5. As interpretações do Corpo Pessoal: temos corpo ou somos corpo?


5.1. As diversas Filosofias do Corpo ao longo da história e a sua permanência ainda
hoje
5.2. A versão do Corpo como Instrumento (ou: o excesso material disponível)
5.3. A versão do Corpo como Erro ou Provisoriedade (ou: o desejo de ultrapassar a
matéria, o tempo e o espaço)
5.4. A versão do Corpo como Lugar da Pessoa (ou: a realidade pessoal enquanto
realidade corpórea e digna)

6. Filosofia e Mentalidades predominantes no Mundo Contemporâneo: os paradigmas


civilizacionais presentes no nosso tempo
6.1. O paradigma mitológico: mentalidade, atitude, cultura
6.2. O paradigma religioso: mentalidade, atitude, cultura
6.3. Diferenças e semelhanças entre as culturas mitológicas e os grupos religiosos
6.4. O paradigma crítico: mentalidade, atitude, cultura
6.5. A fase de transição às ideias Pós-Modernas
6.6. O paradigma ecléctico da Sociedade Globalizada

7. Sumário e Reflexão final


8. Sugestões bibliográficas para estudo

3
1. Quem somos, enquanto somos «pensantes»?

Ao longo dos tempos, temos assumido que a vitória e permanência do Homo


Sapiens Sapiens depois de vários cataclismos naturais se deve à sua capacidade
inteligente, que o coloca como «o único animal que pensa».

Coloque-se, então, a primeira interrogação: o que é PENSAR? O que significa? O


que nos leva a pensar tudo radicalmente, frontalmente?

Pensamos realmente «com a cabeça»?


Os sentidos enganam-nos?
Somos «animais racionais» …?
De facto, devemos «deixar de parte o coração» para decidir?
Podemos estar aqui apenas «de corpo presente»?
Ao esforçar o corpo, não esforçamos «a cabeça»?

Iremos agora analisar alguns temas numa perspectiva que pode mesmo contrariar
alguns ditados do senso comum, como por exemplo, o da frase popular «pensamos
com a cabeça» ou ainda a generalizada definição de que «o homem é um animal
racional». Vamos ver como estes provérbios têm na raiz equivocadas concepções
antropológicas (sobretudo: emanam de tradições dualistas ou mesmo dicotómicas,
hoje desfeitas pelas neurociências, além da filosofia).

O pensamento acontece no ser humano de modo gradual, intensivo e mediato,


embora pareça dar-se de modo imediato ou instantâneo. Nada mais enganador,
porém. Por outro lado, não pensamos com a cabeça, mas sim com o corpo todo.
Também nos é difícil perceber isso..., mas é um facto. Todo o nosso corpo é
inteligente (em modo e intensidade diferente). A estrutura humana (a nossa
constituição antropológica) é total na sua captação e adesão ao mundo (mais ou
menos caótico) onde vivemos. Vivemos para o pensar.

Contudo, não o pensamos de modo linear: pensamos o mundo de modo completo,


integral e integrante. Recebemos informação a todo o tempo, inicialmente através
dos nossos sentidos passivos, posteriormente por eles alterada segundo a nossa
intencionalidade activa. E pensamos em total dinamismo e complexidade. Mas
(talvez felizmente) não nos apercebemos disso: tudo parece extraordinariamente
simples. Não o é.

O ser humano supera a sua definição básica: «animal racional»; ele não é somente
tal. A afirmação exclusiva do ser humano como ser vivo (animal sensorial) pode
conduzir a corte epistemológico da possibilidade que o mesmo ser humano tem de
negar, reconverter, sublimar ou submeter os instintos. O acto de pensar (como acto
completo de conhecimento), se for concebido enquanto desligado do corpo físico,
conduz também a problemas irresolúveis e absurdos (como, por exemplo, negar e

4
não explicar o mundo da natureza). Além de que também desliga a acção ética da
sua responsabilidade material…

Por outro lado, a afirmação exclusiva do homem como ser racional e inteligente
pode levar à negação da sua integralidade ou complexidade antropológica (que
inclui a sensibilidade e a voluntariedade). O homem-máquina ou o homem-
processador não precisam da natureza, do corpo físico, do mundo real. A alucinação
e a patologia mental associam-se neste extremo da «desconsideração total do
corpo», obra de um platonismo grosseiro ou de um cartesianismo apressado. Ao
dar-se tal afirmação na História do Pensamento, empobreceu-se durante séculos a
filosofia e, com ela, a cultura, a ética e toda a teoria dos valores.

Há que compreender seriamente que o acesso ao Mundo se faz através da


estrutura ou constituição antropológica, dado inato e básico a todos os seres
humanos, consubstanciada num corpo físico vivo e funcional.

Conhecer é, assim, passar da experiência à ciência, do caos à ordem, do múltiplo


ao uno, dos fenómenos variados às leis dos mesmos fenómenos, do
desconhecimento generalizado aos saberes específicos.

Esse conhecimento é, portanto, uma redução dos efeitos à sua causa, um


reconhecimento da Lei da causalidade universal. Assim, é um enriquecimento (e
não um reduccionismo, apesar do papel unificador do conhecimento) que faz o ser
humano enquanto ser pensante.

Mas reparemos que a possibilitação do pensamento e do conhecimento está no


corpo humano enquanto sua sede e seu acesso: este corpo, na sua constituição
antropognoseológica universal, comum a todos os homens, garante o mesmo
acesso ao saber e o carácter idêntico da ciência e dos saberes específicos.

Nesse sentido, inato e universal, o corpo humano pessoal é fundamento da


igualdade humana. Mediante ele, todos os homens, são à nascença, sujeitos
competentes em si mesmos, portadores de possibilidades, possuindo os mesmos
direitos e deveres ante a comunidade de conhecimento. Designa-se, por isso, o
corpo humano pessoal como Fundamento Antropológico da Igualdade Universal.

5
2. O ser humano na sua essência tridimensional:

elogio da Unidade, negação da Dualidade

Não raras vezes se afirmou (numa filosofia mesclada de outros saberes menos
autónomos) que o ser humano era uma dualidade, um «dois», uma «díade»:
matéria e espírito, corpo e alma, positivo e negativo. Apresentaram-no como em
permanente estado inatural, desarmonioso, agressivo, desejoso de sair de si,
insatisfeito.

Entre eles, Platão chamou ao corpo «caverna» e «carrasco da alma», num sentido
claramente negativo; Maniqueu afirmou que a matéria corporal era limitativa e
Descartes acentuou a liberdade racional totalmente separada e superior aos dados
dos sentidos.

Estes três filósofos erraram nas suas suposições dualistas, opondo no ser humano
duas partes ou compostos. Esse erro repercute em afirmações do senso comum,
que simplificam e contrariam o conhecimento científico.

Comprovamo-lo hoje no pensamento contemporâneo, nas ciências contemporâneas


e, sobretudo, com as novas ciências cognitivas: o ser humano não é dual, não
actua separadamente na sua mente e no seu corpo. Pelo contrário, formamos uma
unidade (complexa e ambígua, é certo), mas nunca fora do corpo nem contra o
corpo. Pelo contrário, é nele que o ser humano consegue conhecer, conhecer-se e
superar-se!

A linguagem imprópria e quase desprezível sobre a importância do corpo humano


no conhecimento conduziu a erros, tradicionalmente atribuídos a correntes
filosóficas tão antigas como esse maniqueísmo e platonismo (que consideraram
existir no indivíduo duas forças antagónicas essenciais, ou melhor: afirmaram ser o
indivíduo um conjunto fictício de duas realidades separadas e separáveis) e a
outras correntes (não tão antigas, mas sim modernas) como o cartesianismo, o
mecanicismo e, em geral, a posição exagerada quer do racionalismo, quer do
biologismo (que consideram o ser humano em realidades diferentes ou separadas).

A dicotomização do ser humano tem fragilizado a compreensão da sua natureza


unitária e das suas operações altamente integrantes e integradas. As actuais
neurociências resgatam uma filosofia da UNIDADE, ao sublinhar a profunda
compenetração e univocidade do conhecimento humano.

Ou seja, a unidade do ser humano não é uma soma de DOIS (que pode ser sempre
vista como oposta divisão), mas sim uma natureza de três dimensões
operacionalmente únicas e unitárias. Quando sente, conhece e actua. Quando
conhece, sente e actua. Quando actua, sente e conhece. Nenhum abismo entre
dimensões, nenhuma divisória ou separação entre mente e corpo. Aliás, este foi «o
erro de Descartes», como escreveu o neurologista António Damásio.

6
O modo de ser humano é um modo próprio (ONTOS / essência / em grego),
ontológico, essencial, específico. O seu modo de ser, isto é, a sua ontologia opera a
três dimensões, que o conduzem, em última instância, à sua unidade tridimensional
essencial: é específico do humano sentir, conhecer e agir. Nenhum dos planos é
dispensável ou pode ser omitido na acção humana; todos os planos são
determinantes.

Este modo de ser possui disposições inatas, igualmente essenciais e próprias. São
elas a sensorialidade, a racionalidade e a intencionalidade, unidas e una na
tridimensionalidade do conhecimento humano. O ser humano é sensível, inteligente
e volitivo na sua estrutura ontológica primordial. Se o separarmos de qualquer
desta função não teremos humanidade específica.

2.1. Pensar é usar três dimensões operativas (ou competências essenciais,


naturais ao ser humano) ao longo dos seus respectivos nove patamares
cognitivos

Faremos de seguida uma análise das capacidades da pessoa humana no seu corpo
pessoal e tridimensional.

Esta estrutura humana desenvolve-se em três dimensões que formam uma única
unidade indivisível: são elas a dimensão ou capacidade sensorial (básica e inicial), a
dimensão ou capacidade intelectual (que estrutura e vincula à dimensão seguinte),
e a dimensão ou capacidade intencional (que finaliza as dimensões anteriores).
Sentir, entender e querer: eis as três capacidades inatas ao ser humano.

a) A sensorialidade, sensibilidade ou capacidade sensorial do indivíduo é a fonte


do seu conhecimento sensitivo. A caracterização da sensibilidade mostra-se na pura
passividade e receptividade dos orgãos externos ao real que nos circundeia
(sensores neuronais). A possibilidades e/ou os limites da nossa sensorialidade são
coincidentes com as suas operações próprias, na captação dos fenómenos externos,
o caos circundante que paulatinamente se unifica nas operações sensitivas (ou
seja, nas sensações, percepções, emoções e imagens). O conhecimento sensorial é
poderoso e fundante no ser humano. Cada vez mais, as Ciências (a psicologia
infantil, psicologia intrauterina, neurologia, neurociências, arte, pedagogia)
provam-no: sem sensações, o conhecimento humano sai lesado e diminuído. A
sensorialidade concede amplitude e criatividade ao conhecimento humano. Ele é
mesmo decisivo para o equilíbrio integral do ser humano. Quanto maior a
exploração correcta da sensorialidade, mais disponibilidade antropológica nas
capacidades seguintes.

b) A racionalidade ou inteligência ou capacidade intelectual, fonte do


conhecimento lógico-racional e abstracto, interliga-se natural e imediatamente com

7
os dados sensoriais. Esta capacidade ontológica, a razão, é mediadora e dialógica,
estabelecendo uma coerência contínua entre a sensibilidade e a vontade. Os limites
da inteligência ou razão humana são coincidentes com as suas operações próprias.
A razão é finita, relativa aos objectos conhecidos (também finitos). Mas na sua
finitude é, de certo modo, gloriosa e imensa, construindo mundos no mundo. O
conhecimento conceptual é constitutivo do ser humano: o aspecto decisivo da
nossa espécie inicia-se aqui. Porém, os seus limites e falhas são óbvios se for
concebido isoladamente: correntes de pensamento como o idealismo, o
racionalismo ou o logicismo mostram as suas fraquezas quando se desligam do
mundo real e sensorial.

c) A intencionalidade ou voluntariedade (vulgo: força de vontade) é uma


capacidade humana de determinação volitiva, fonte do conhecimento intencional ou
finalizador (dos actos racionais). Como capacidade, ela caracteriza-se enquanto
activa, criativa, transformadora. Esta capacidade ontológica tem inúmeras
possibilidades, mas é também limitada, como seria de esperar numa condição
humana «condicionada». Os limites da vontade coincidem com as suas próprias
operações: nunca é possível deliberar tudo, escolher tudo, tudo decidir. Porém, ela
é livre: possui a distinção do livre-arbítrio, poder oposto ao instinto, única forma de
o superar. A vontade livre é um «querer ou não querer». Nesse sentido (o da
liberdade, que da vontade decorre) a dimensão intencional é determinante na
transformação do mundo (que só o homem, pela civilização, pode fazer –em
sentido ético ou sem este). Na história do mundo, o excesso no exercício da
vontade (o voluntarismo) tem mostrado também a sua perigosidade: ao longo dos
séculos, a cegueira da razão e o esquecimento do corpo conduziram a situações
tiranas e exclusivistas, onde a liberdade própria se perdeu em favor de «outras
liberdades» de outrem. Todos os regimes totalitários (sejam os individuais, sejam
os colectivos) são histórias de «liberdades descontroladas», voluntarismos
desequilibrados.

Assim como somos, assim conhecemos, assim pensamos: isto é, as nossas


capacidades ontológicas (ONTOS / essência em grego) reflectem-se nos nossos
respectivos passos cognoscitivos (GNOSEO / gnose / conhecimento / em grego). O
modo de conhecer do ser humano é profundamente unitário e unívoco. Por isso
referimos a unidade ontognoseológica do ser humano como a mais profunda a
alcançar. «Assim como somos, assim conhecemos» (escreve Aristóteles).

A nossa gnoseologia (o nosso modo de conhecer) é uma unidade perfectível (nunca


completamente perfeita, acabada, fechada, mas sim mais perfeita e aberta que no
momento anterior). Não só conhece, como conhece em coerência e sintonia com o
passo gnoseológico anterior. E também actua como tal, se o seu curso não for
intencionalmente detido. A isso se chama «intenção» (intencionalidade ou vontade)
e é isso que está na base da grande diferença do humano com o animal em geral: o
seu livre-arbítrio, ou seja, a expressão de uma intenção que escapa à previsão
alheia ou mesmo própria (caso dos gémeos monozigóticos). A sensorialidade,
racionalidade e voluntariedade são uma estrutura complexa num sistema único e
unitário de conhecimento. Uma unicidade essencial (ontológica) e uma
operacionalidade diversa (gnoseológica).

Vejamos esses patamares ou passos:

8
a). Na dimensão sensorial: o conhecimento empírico inicia-se e constitui-se em
sensações (a recepção organicamente sentida do objecto externo), logo a seguir
em percepções (a «consciência sensorial» da sensação, feita pelo sistema nervoso
periférico pela recepção do objecto externo que é percebido enquanto tal),
seguindo-se as emoções (a reacção sensorial na zona límbica cerebral, enquanto
valorização, positiva ou negativa, da «consciência sensorial» da recepção do
objecto externo, à qual adere por prazer ou recusa por dor) e sedimentando-se as
imagens (a substituição representativa e abstracta do objecto emocional, ou seja,
a posse sem matéria da experiência anteriormente material). Neste caso, se as
imagens são intensamente retidas, ficam presentes pela memória; se as imagens
são projectadas ou pedagogicamente preparadas face a experiências futuras,
tornam-se imaginação ou mesmo criatividade.

b). Na dimensão racional: o conhecimento intelectual começa por ser uma


organização da memória sensorial total pela estruturação dos primeiros conceitos
básicos. Um conceito é «o nome universalmente aceite do objecto», uma linguagem
de sentido que dispensa a existência real do objecto. Daí que se chame a este
passo do conhecimento humano o «conhecimento abstracto», vazio da matéria
objectiva real. O uso cada vez mais hábil dos conceitos permite distingui-los entre
conceitos simples e concretos (próximo ao objecto) ou conceitos teóricos e
abstractos (longínquo ao objecto ou mesmo «sem objecto referencial»). Quando
dois ou mais conceitos entram em diálogo ou oposição «nasce» o juízo, o juízo
como atribuição de valor cognitivo ao referente. Os princípios éticos naturais
elaboram todo o nosso posterior conhecimento, entrando na área mais sofisticada
dos juízos de valor e decisórios, base da ética.

c). Na dimensão intencional: o conhecimento voluntário, intencional ou final. É o


último patamar de competências do ser humano, uma área que lhe é exclusiva.
Nem o animal, nem a máquina possuem esta possibilidade consciente da
«intenção» ou consciência de si. Só o ser humano se destina, se projecta, se
realiza.

Denomina-se assim na medida em que esta competência humana finaliza os dois


anteriores conhecimentos, mas também na medida em que, pela vontade, o ser
humano se mostra a si próprio as suas «finalidades existenciais», o que quis ou não
quis. A voluntariedade é «o reino dos fins», como aludia Kant, na medida em que
aqui se mostra todo o horizonte humano na sua plenitude ou na sua pobreza. Os
passos operacionais da intencionalidade são expressos e visíveis na escolha (ou
reflexão deliberativa), mantida coerentemente na decisão (ou reflexão vinculativa)
que, manifestada socialmente, se chama acção, atitude, comportamento.

Eis aqui a dimensão da acção claramente humana, pelo uso do livre-arbítrio, na sua
expressão intencional e ética completa. Se este passo gnoseológico operacional for
coerente, ou seja, em consonância e equilíbrio com as operações anteriores (da
sensibilidade e da racionalidade), a atitude humana daqui resultante é livre ou
harmónica.

A importância do equilíbrio de todas as faculdades humanas (sensibilidade,


racionalidade e intencionalidade, que crescem connosco ao longo da vida,
sobretudo em alguns períodos decisivos, muito bem conhecidos na psicologia da
aprendizagem e nas ciências neuronais) é decisiva para a realização de uma

9
personalidade livre. A ausência de liberdade compreende-se como presença de um
desequilíbrio operacional, uma incoerência ontognoseológica.

«Assim como somos, assim conhecemos», repete Aristóteles de modo simples. Mas
diz com isso uma verdade imensa: da nossa ontologia decorre a nossa gnoseologia;
das nossas dimensões essenciais decorrem os passos gnoseológicos operacionais
respectivos.

Portanto, a Sensorialidade, a Racionalidade e a Voluntariedade (ou:


dimensões ontológicas do ser humano pessoal) manifestam (no plano da
operacionalidade gnoseológica) passos ou funções complexas num sistema único e
unitário. Uma unicidade essencial e operacionalidade diversa, porém.

O ser humano passa, no seu corpo pessoal, do patamar do conhecimento sensorial


ou empírico (gradualmente composto pelas sensações, percepções, emoções e
imagens –estas retidas pela memória ou projectadas pela imaginação ou ficção),
para o patamar do conhecimento intelectual (onde faz a organização da memória
sensorial total, a estruturação dos primeiros conceitos básicos, os posteriores
conceitos teóricos ou complexos, o embate dos primeiros juízos do entendimento –
referentes aos princípios lógicos apodícticos-, a elaboração posterior e mais
sofisticada dos juízos de valor e decisórios) até à acção ou comportamento
claramente humanos (uso do livre-arbítrio, na sua expressão intencional e ética
completa) que começa na escolha (ou reflexão deliberativa), mantida
coerentemente na decisão (ou reflexão vinculativa) que, manifestada socialmente,
se chama acção, atitude, comportamento.

Sumariando:

O conhecimento humano é sempre realizado em situação (conhecimento situado)


1. a sensação como recepção passiva do mundo externo
2. a percepção como informação activa no sistema nervoso periférico
3. a emoção como reacção sensorial de valorização instintiva no neocortex
4. a capacidade imagética como base da memória e da imaginação
5. o conceito lógico-racional, base da inteligibilidade universal e padronizada na
cultura humana
6. o juízo de valor, relação hierárquica entre conceitos (concretos e abstractos)
7. a escolha (ou deliberação intencional) como ponderação do «melhor juízo de valor»
em situação existencial
8. a decisão (enquanto selecção do único objecto da anterior escolha definitória)
9. a atitude (o comportamento situado, social e manifesto do livre arbítrio humano)

Por outro lado, uma vez que «o homem é, por natureza, um ser social»
(Aristóteles), essa acção é tão natural quanto social. Essa tripla operacionalidade do
ser humano, que é realizada em unidade ontológica, faz dele quem é: um ser vivo,
inteligente e volitivo, construtor do próprio projecto de vida, portador de
autodeterminação e de autoconsciência. Em última instância, é um ser de escolhas,
um ser que pode escolher: talvez seja esta a melhor das definições para si próprio
(embora a mais perigosa, porque o livre arbítrio acarreta consequências pesadas).

10
A importância do equilíbrio de todas as faculdades humanas (sensibilidade,
racionalidade e intencionalidade) é decisiva para a realização de uma personalidade
livre. «Quem mais conhece, a mais se obriga», regista Paracelso.

A formação em Educação Física e Desporto obriga a mais: conhecer é um


compromisso com a realidade cívica. Quanto mais conhecemos, mais
responsabilidade auferimos.

3. Todos iguais, todos diferentes:


Fundamentos Antropológicos Universais na Sociedade Global Eclética

Somos todos iguais?


Não é mais visível, até, que somos todos diferentes?
Porém, as nossas histórias de vida não mostram semelhanças incríveis?

Bom, então, em que aspectos somos iguais, em que medida somos diferentes?

Ao estudar estas temáticas chegaremos a algo fundamental para a nossa cidadania


enquanto profissionais da Educação Física e do Desporto: deparamo-nos, por via
cognitiva, com o complexo campo dos Direitos Humanos.

Somos, de facto, iguais e diferentes. Por diverso prisma se pode afirmar ambas as
coisas em simultâneo, mas por diferente motivo. Como o explicar a algum atleta, a
algum dos nossos formandos, às equipas, aos sócios?

3.1. Todos iguais:

o Fundamento Antropológico da Igualdade Universal

Pela estrutura específica, viva e corpórea todos os seres humanos somos


potencialmente idênticos e competentes ante o conhecimento e a liberdade:
unidade de competências tridimensionais, como expusemos no ponto 2.

«Animal racional intencional», eis a definição completa e o menos imperfeita


possível de cada um dos indivíduos humanos: este é também o Fundamento
Antropológico da Igualdade Universal. Somos todos iguais por sermos,
enquanto espécie, seres pensantes livres.

Além disso, todos partilhamos (na programação neuronal da espécie) de instintos


primordiais comuns. Vejamos.

11
A natureza humana possui, por dote próprio e inato (in natu), o conhecimento a
priori de algumas noções inegáveis e claras, que lhe são universais. São estes
Princípios apodícticos que, por sua vez, garantem a universalidade do conhecimento
a posteriori ou experiencial. Os princípios universais são aquilo que Noam Chomsky
chamou «gramática inata», algo que os cientistas da cognição denominam
«conhecimento específico».

De facto, a espécie humana está programada para o sentido, isto é, para


encontrar o sentido das coisas. Possui geneticamente a capacidade de ler a ordem
das coisas, para reconhecer o seu projecto, a sua finalidade (telos). E recusa o que
não tem sentido, escapa do vazio. Neste sentido, dizemos que a espécie humana é
teleológica, possui e constrói finalidades. E fá-lo naturalmente, com recurso a
células específicas, inatas: as da sua inteligência específica, num sentido muito lato
(mas também muito concreto, dado que nela se inclui a intencionalidade ética,
fenómeno único deste ser vivo e de nenhum outro).

A natural tendência de cada humano a um fim ou LOGOS confirma como


desvio ou insanidade a queda no KAOS; a loucura é a impossibilidade de
reconhecer o caótico. Está louco aquele que os não distingue. Os neurocientistas
confirmam que a demência se inicia ao não reconhecer o sentido das coisas: está
insano aquele que confunde o ser e o vazio, a ordem e a desordem. Daí poder
afirmar-se que sem o reconhecimento dos princípios universais inatos (seja por
disfuncionalidade genética / deficiência cognitiva, seja por intencionalidade
específica), a acção ética fica comprometida.

São muito poucos os princípios universais. Podem assemelhar-se a um mínimo


denominador comum à razão humana na sua fuga à irracionalidade. São
partículas ínfimas da vida lógica e social, mas transversais a toda a espécie humana
na tal «diferença específica»: a tridimensionalidade.

Os Princípios Inatos são de ordem lógica (3) e também de ordem ética (3),
simétricos entre si.

Os Princípios Universais da Lógica Humana estruturam toda a linguagem humana de


modo inato, fundamentando precisamente a lógica da cognição e do discurso
(mental e verbal). Quando conhecemos, conhecemos sempre ALGO enquanto tal,
sem contradições. Funda-se aqui o realismo do conhecimento humano, a sua
assertividade natural: o nada não se conhece porque não é.

São estes os princípios com que, espontaneamente, reconhecemos a realidade:

1. princípio de identidade («A» é «A»);


2. princípio da não-contradição (o que é idêntico não se contraria nem falseia:
«A» não pode ser «B»);
3. princípio do terceiro-excluído (a identidade unívoca dos dois primeiros
princípios lógicos redunda na convicção evidente e axiomática: a realidade exclui a
não-realidade. «A» não pode ser «A» se for «B». Como «A» é «A», «B» não é «A»).

12
Os Princípios Universais da Ética Humana expressam na plataforma comum, a
social, a mesma assertividade natural: cada indivíduo, se não for cognitivamente
incapaz ou culturalmente obnubilado, reconhece de modo espontâneo estas três
indicações que estruturam a mais mínima ética natural:
1. (o princípio da) Identidade ou mesmidade de mim perante mim. O indivíduo
experimenta-se como «si próprio», «eu mesmo», assim que atinge o patamar da
consciência evidente. A expressão «eu sou eu» cunha a consciência da
individualidade, da intimidade, ou foro pessoal. Implica também a defesa natural,
quase instintiva, do que é próprio (o próprio corpo, a própria vida, a própria
dignidade, a própria expressão de si) e manifesta saúde mental;
2. (o princípio da) Alteridade ou heterogeneidade, que é expresso por «tu és
tu», no singular ou no plural, atesta a naturalidade da percepção social.
Percebemos de modo muito evidente o OUTRO quando se confirma o EU; aliás, o
OUTRO vinca mais o domínio do EU e da sua consciência de si; a alteridade é outra
forma de ser EU. Só é social aquele ser humano que, saudavelmente, reconhece no
OUTRO um outro EU. A impossibilidade deste reconhecimento pode implicar um
transtorno neurológico ou uma patologia social.
3. (o princípio da) Comunidade, sociedade ou solidariedade: EU e TU somos
mais EU e TU quando nos reunimos em NÓS. O «NÓS» nasce quando somos
plurais, isto é, quando o conhecimento reflexo (que implica discernir a propriedade
privada da propriedade comum, em sentido amplo), protege essa propriedade com
a mesma determinação pessoal da própria. Referimo-nos à propriedade natural do
corpo, da intimidade, da livre expressão, da consciência da dignidade aqui e agora
DE TODOS PARA TODOS.

Estes três (ou seis, se considerarmos a sua aplicação a campos diferentes da Lógica
e da Ética) princípios ínfimos são, porém, poderosos na estruturação do próprio
conhecimento conceptual, categorias das categorias. Os conceitos e os juízos (os
dois patamares operativos da dimensão racional humana) organizam-se em torno
destes Princípios Universais, sem os contrariar (ou, fazendo-o, atestam insanidade
mental e/ou obnubilação).

3.2. Todos diferentes:

o Fundamento Antropológico da Diferença Universal.

Nenhuma espécie existe em abstracto: todas as espécies vivas se individualizam e


concretizam em seres diferenciados dentro da mesma espécie. Pelos contextos reais
da vida individual, todos verificamos ser indivíduos diferentes, únicos e irrepetíveis,
o que igualmente gera respostas diferentes ante a sociedade e os outros. Aqui se
verificará o fundamento oposto, mas não contraditório do anterior: o Fundamento
Antropológico da Diferença Universal.

13
Repare-se que, de modo vulgar, vê-se notória e diariamente a nossa diferença:
basta olhar em volta, sair à rua, abrir a televisão e assistir, com espírito de análise,
a um telejornal. Que mundos diferentes! Que clubes diferentes! No entanto, e ao
mesmo tempo, que grandes parecenças temos, uns e outros...

«Todos iguais, todos diferentes»: de facto, a igualdade ontognoseológica


coexiste com a diversidade contextual de cada ser individual. Que quer isto
dizer? Quer dizer que, pese a essência igual (a essência humana), a existência de
cada um faz a diferença. E essa existência diferente de cada um de nós começa
no gene, acentua-se pelo meio e define-se pela opção de cada um.

Gene, meio e opção são os três contextos que marcam as nossas diferenças, isto
é, as situações existenciais privadas e pessoais que nos distinguem uns dos outros.

Denominamos esse fundamento ou razão de ser como Fundamento


Antropológico da Diferença Universal, e pode, portanto, compreender-se a três
níveis ou contextos estruturais da vida humana individual:

a) o património genético (que implica todo o determinismo biológico plasmado pela


hereditariedade, e face ao qual se afirma que homem algum altera o seu código
ancestral na sua própria geração): neste contexto diferenciador, apesar de
específico aos humanos, prova-se que somos portadores de um ADN único. Esta
carga genética herdada não pode ser alterada, pelo que de nada serve a
reactividade à herança familiar. Este contexto não se relaciona, pois, com a
liberdade ética do indivíduo, dado que a nível genético não há opção (só há cuidado
e desenvolvimento do património recebido).

b) o património educacional ou social (em senso lato e nos seus múltiplos


âmbitos, com ênfase diferente para cada um, desde a primeira formação no período
uterino à última aprendizagem do ser vivo). Este contexto de diferenciação entre os
humanos pode também implicar um certo determinismo social pela força genérica
do património educativo. Ou seja, um homem é também sempre e em certa
medida, filho das suas circunstâncias. No entanto, já neste contexto se conhece,
por influência ética directa do último (o da auto-gestão de si, o do senhorio das
próprias coordenadas vitais) um certo indeterminismo individual, pois o sujeito
pode inverter em certa medida e nalgum aspecto concreto a sua herança
educacional, escolar, económica, política, religiosa, etc.

c) o património pessoal autónomo, auto-decisivo ou auto-gestor: este é o


contexto onde as diferenças entre os seres humanos mais se acentuam. É uma
dimensão activa, procurada continuamente pela personalidade madura e que não
tem expressão completa (pois não há perfeição exacta para nenhum projecto
pessoal, mas só a sua actualização constante). É apenas neste âmbito que os dois
patrimónios anteriores poderão ser geridos pela lucidez e consciência pessoais da
fragilidade humana (mas também da sua única grande possibilidade: a liberdade
interior). Neste plano percebe-se que a liberdade é (apenas, mas sublimemente)
uma gestão de prioridades pessoais, de decisões íntimas e actuações conformes,
numa área imune à reacção ou estimulação exterior.

14
3.3. E somos ou não todos livres?

Os diversos sentidos e graus da liberdade humana

A análise da estrutura natural ao homem, a sua integração e compreensão no


contexto universal da cultura, identifica os primordiais direitos e deveres de todos
os humanos, na sua essência comum. Um acto livre surge como integração das
diversas vertentes do conhecimento humano (inteligência sensível ou emocional,
inteligência teórica ou conceptual, inteligência ética ou prática) na construção do
plano pessoal de liberdade.

A Liberdade (acção livre) é fruto da integralidade e equilíbrio antropológico, e


enquanto fruto da maturidade activa. Supõe não-escravidão de uma funcionalidade
gnoseológica sobre outra (equilíbrio no processo de conhecer, gerador de
conhecimento completo e coerente). Exemplo: o conceito não deve predominar no
processo total do conhecimento, mas exercer a sua parte correspondente.
Tampouco a emoção ou a judicação se devem sobrepor sobre os passos anteriores
e posteriores. Por isso, a resposta emocional não é uma resposta livre: implica uma
atitude previamente gerada, resposta a um estímulo e não uma decisão nova,
pronta, autónoma. (ex. da atitude de Kant em Koenisberg, e seu lema: «Sou livre.
Não reajo. Ajo».) A liberdade tem, pois, de nascer do pensamento global, não da
emoção parcial. Não resulta de «apetites» (apetece-me ou não fazer, que ficam no
patamar parcial da emoção) mas exprime-se no «querer» («não me apetece mais
ainda assim quero fazer», que está no patamar final da atitude completa).

Esse equilíbrio gnoseológico reforça a rectidão antropológica. “Assim como somos,


assim conhecemos”. Por outro lado, permite uma maior lucidez final, ou seja, ética.
O verdadeiro sentido da liberdade só pode situar-se aqui, no plano ético activo.

Se a liberdade for vista num sentido absoluto ou material (enquanto


transgressão, fuga ou isenção da condição humana -que é claramente uma
condição espacio-temporal), então essa liberdade não é uma liberdade humana,
mas ingénua, fictícia, utópica, sobrehumana, pseudo-heróica. Não existe nada
nem ninguém capaz de fugir ao tempo, ao espaço ou à sua própria condição. Esta
liberdade fantasiosa é tão rebelde como ingénua.

Esperar impossíveis, esquecer o tempo ou supor a exclusão das necessidades


(exemplos de desejos irrealistas e materialistas), significa não conhecer o âmbito
funcional da liberdade humana. É imaturo desejar transgredir a condição humana: é
na sua aceitação que está a liberdade.

A aceitação da condição humana (que é uma condição limitada e mortal) reduz a


liberdade a uma hipótese: a liberdade relativa (relativa à condição espacio-
temporal, portanto) ou condicionada: condicionada em primeiro lugar ao nosso
corpo mortal, finito, temporal, progressivo, limitado.

15
Portanto, a liberdade real, verdadeira, assume-se no sentido não-absoluto e não
material, ou seja: no sentido interior, na dimensão íntima e subjectiva, onde a
autonomia do sujeito é ou não manifesta, através da eticidade da virtude (força) ou
do vício (ausência de força). Liberdade é poder-ser (ou não-ser, o que seria –pela
ausência- a prova da possibilidade livre). Tanto posso ser como não ser: o possível
(e não o necessário) é que é o reino da liberdade.

Assim, em conclusão, não somos absolutamente livres, mas sim relativamente


livres. A nossa liberdade é uma realidade relativa à nossa condição humana, finita,
frágil, errónea.

Mas a liberdade humana relativa tem graus ou intensidades variáveis: a liberdade


de cada um de nós é mínima face ao seu contexto biológico ou genético, na
medida em que ninguém, mesmo querendo-o drasticamente, pode alterar
decisivamente (livremente) a sua história pessoal genética. Deparamo-nos com o
determinismo físico ou natural: o limite de cada um de nós é o limite da mãe-
natureza. O «tecto biológico» é um inultrapassável (não se considerando correções
superficiais epidérmicas feitas por cirurgiões estéticos ou regenerativos, etc.).

Numa segunda acepção, a liberdade relativa permanece como mínima (se bem que
menos determinada) a nível sócio-cultural, ou seja, no património familiar e
educativo: vivemos imersos em redes complexas de significação global, sendo o
nosso passado (sobretudo, enquanto jovens) de avaliação exterior. Pode ser média
se no nosso contexto social começarem a manifestar-se as escolhas autónomas.
Diz-se então que essa liberdade tanto pode ser mínima como média, embora
sempre relativa (na relatividade do que nos constituiu): ninguém pode optar fora do
«baralho de cartas» com que joga (sob pena de parar de jogar).

Porém, a nossa liberdade (a única possível, ou seja, aquela que é relativa a uma
condição humana que é sumamente CONDICIONADA) é uma liberdade relativa
máxima –se e quando vista em relação à autodeterminação activa do sujeito.
Apenas no plano intencional (nas suas três operações: escolha, decisão e atitude)
podemos surpreender a relativa liberdade que possuímos, através de uma acção
livre em situação-limite. Se a liberdade individual corresponder a um intencional e
equilibrado plano de vida, eleito em sentido autónomo (não-reactivo, pensado,
deliberado, comparado, conducente a um estado mais permanente de coerência e
integridade pessoal) então essa é a maior liberdade possível à condição humana.

A liberdade relativa máxima é a expressão completa da liberdade humana.


E dá-se pelo pensamento consciente, pacífico para com os Princípios
Universais (da Lógica e da Ética). A maior liberdade é ser coerente.

Portanto, ser livre não é, em sentido pleno «sair da prisão»: isso é a libertação de
uma circunstância física. Ser livre não é «pisar a relva onde está a tabuleta NÃO
PISE»: isso é adolescência e vale uma multa. Ser livre não é nunca um «enriquecer
de um momento para o outro», um «esquecer semáforos para vencer a corrida»,
um «ignorar os outros para beber sem barreiras», uma «violação de regras jurídicas
para ultrapassar a sociedade».

Essa liberdade material mínima é só tentativa de «libertação da condição humana»


num sentido imaturo e reactivo. Procuramos esquecer os limites da biologia e da

16
mortalidade numa tentativa absolutista estéril, que a nível da personalidade a reduz
a uma reactividade extrema, ignorante e insensata. A esse nível, nunca seremos
livres.

Pelo contrário, o espaço íntimo de autonomia pessoal, senhorio próprio ou


autogestão é o único «espaço» verdadeiramente livre (no sentido de: isento de
coacção não desejada). Sabemos que essa liberdade interior demora e custa mais
que a externa, material ou fictícia, tendo Kant lembrado há quatro séculos atrás
que, no panorama da humanidade do seu tempo, conhecia poucos seres livres a
actuar…, mas muitos humanos a movimentarem-se.

Os homens aceitam facilmente um movimento superficial de liberdade emocional


e reactiva (pouco autónoma, portanto), esquecendo a livre determinação do seu
próprio projecto vital, que deve ser estabelecido em resposta a coisa nenhuma, mas
sim em ordem ao aperfeiçoamento ético. Essa é a acção livre, a liberdade
ponderada e activa, que determina um projecto intencional em ordem a um
equilíbrio pessoal ontognoseológico. A liberdade conduz, assim, à harmonia e
equilíbrios subjectivos (isto é, do sujeito).

«A liberdade é coerência ontognoseológica (essência e existência)», remata


Aristóteles.

A relação da liberdade com a felicidade é grande, mas não no sentido material e


sim pessoal e autónomo. É mais livre o homem com um projecto autónomo de
aperfeiçoamento ético, que um homem cuja existência parece não possuir barreiras
sociais, económicas ou políticas: o espaço de liberdade deste último é exterior a si.
Não tem liberdade: tem poder. Mas o “poder” mais difícil (o último na ordem da
consecução, segundo Aristóteles e Kant) é o poder sobre si mesmo.

Entende-se por poder sobre si mesmo o (citado) equilíbrio total, antropológico


(ontológico e gnoseológico) cuja tradução ética é transparente. Daí que se conclua
que a verdadeira acepção de liberdade é a autonomia ou autogestão (sempre que
esta autogestão seja finalizada a nível ético e virtuoso, pois o contrário não é ético
mas anti-ético ou vicioso).

A relação da liberdade com o compromisso é um tema interessante: a liberdade


tanto pode levar ao vínculo e ao compromisso como pode não os efectivar. Nem uns
nem outros por si só atestam o ser humano livre: ser livre não significa não ter
compromissos, assim como ter compromissos não significa a perda da
liberdade. Depende apenas do motivo de coerência ontognoseológica que levou a
assumi-los ou a evitá-los.

17
4. O que é «ser ético»?

Ética vs. Moral: universalidade vs. casuística

Postos à conversa sobre a atitude ética ou não de algum jogador ou de algum


treinador, todos temos opinião e todos teremos uma certa razão. Porém, também
igualmente a perdemos no oceano de definições sobre ética, moral, desportivismo,
deontologia ou fair-play…

Porquê?

A origem da palavra ÉTICA advém do complexo termo grego Êthos, que alude
literalmente à casa, à «toca», ao lugar íntimo onde cada um de nós se recolhe e
abriga. Mas o seu sentido total não fica nesta palavra física linear: refere, sim, ao
modo de ser, ao modo essencial e especificamente humano, que o distingue dos
demais modos-de-ser-vivo habitando a terra. Em última instância, indica a
consciência reflexiva, a reflexão sobre si próprio (com-ciência-de-mim), a
consciência como «o lugar onde cada um se recolhe para ser e pensar quem é». Esse
é o traço mais específico do humano: pensar-se.

Portanto, a Ética é uma ciência da consciência, transversal ao género humano por


dote genético, e implica reconhecimento reflexivo. Devemo-la a Aristóteles, na obra
do mesmo nome («Ética»), a obra mais antiga e mais universal que se conhece.

Mais tarde, na história das ideias e dos conceitos (e num esforço positivo de
helenização/romanização), os legisladores romanos traduziram erroneamente o
ethos grego para o latim mos (ou mores, no plural), que significa (infelizmente)
hábitos e habituação, costume ou costumes.

Daí deriva a palavra MORAL enquanto ciência dos procedimentos e hábitos


humanos, ou conhecimento normativo e usual na sociedade humana. Portanto, a
moral define e estabelece aquilo que é habitual ao ser humano fazer, realizar ou
actuar em contexto social variável.

Nesta tradução do grego para o latim marcaram-se logo diferenças conceptuais


abissais: a Moral não tem a força da «consciência» (mas apenas as do hábito, e nem
sempre bom…) e a Ética não tem porque seguir «procedimentos» tidos como
habituais, socialmente aceites ou não (sob pena de violação da consciência). São,
pois, dois campos diferenciados ainda que o senso comum as possa julgar próximas
ou até idênticas.

Claro que tanto uma como outra (ou seja, quer o êthos –como modo de ser ou
carácter essencial-, quer o mores –como costume habitual ou diferenciador-)
pretendem indicar um tipo de comportamento propriamente humano, digno e
orientado, diverso da natureza animal e do mundo material em geral.

18
Mas na noção de moral ou costume (de raiz romana) descortina-se um constructo
que não é natural, ou seja, com o qual o homem não nasce (como se fosse um
instinto reflexivo, próprio do sistema neurológico humano), mas sim que é “adquirido
ou conquistado por hábito”. Por isso, pertencem à moral realidades muito diferentes,
dinâmicas e variáveis: códigos de educação, manuais de etiqueta, normas sociais e
grupais, comportamentos financeiros, diplomacias políticas, regras desportivas,
condutas pedagógicas, boas práticas rodoviárias, etc., etc.

Em contraste, a ética (no sentido originário grego) não diz respeito a uma realidade
humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações colectivas dos
seres humanos nos contextos onde nascem e vivem. Pelo contrário, a Ética alude ao
permanente traço constitutivo do ser humano, o ontos (ontologia). E este traz
consigo algo radical, inicial, distintivo do hábito acidental meramente possível ou
casual. Ser ético é, em gíria filosófica, uma condição necessária, um hábito entitativo
próprio e indispensável ao ser humano, não apenas acidental, hipotético, possível.

Radicalmente, a Ética define-se como conhecimento consciente, uniforme e


universal aos humanos. A ética é, por isso, permanente. Qualquer discussão sobre
um caso entitativo deve ser resolvida a esta luz. Na ética («lugar do ser humano»)
assentam as bases de todos os Direitos Humanos e seus simétricos deveres.
Enquanto «ciência da consciência», a reflexão ética protege a vida, a sua dignidade e
a sua fragilidade. Estes são temas incontornáveis e não mudam de valor.

A fundação da Ética neste plano universal fez-se na Escola de Atenas, e pertence a


um conjunto de autores que inicia em Tales de Mileto (seu fundador no séc. 7 aC)
um estilo diferente aos estilos anteriores patriarcais: é um espírito crítico, aberto e
reflexivo: «pensa por ti mesmo. Nada aceites sem antes o pensar», aconselha o
filósofo.

Mais tarde, Aristóteles, discípulo da mesma Escola de Atenas, recolhe esta tradição
redigindo o primeiro documento sistemático («Ética a Nicómaco»), onde todos os
seres humanos são achados livres e iguais perante a lei, a cidadania do intelecto, a
responsabilidade pessoal e o dever consciente de proteger a vida.

É com Aristóteles e as suas obras (a «Ética» e a «Política», entre outras) que vemos
estruturar-se uma matriz que hoje se equivale à educação e cultura ocidental básica.
Esta cultura não depende de factores religiosos, políticos, mitológicos ou económicos
para considerar que «todos nascemos livres e iguais». Vem directamente da
consciência por lei natural.

Segundo Aristóteles, a possibilidade de alcançar uma vida ética não está reservada
só a alguns, mas pertence a todo o género humano: significa a possibilidade da
consciência, a possibilidade de ter consciência de si, dos outros e ainda a
consciência de uma autosuperação, de um «dever-ser» mais e melhor (tendência
universal da humanidade digna, não corrupta).

Porém, ao longo dos tempos, esta claridade e esta exigência serão mitigadas. Com a
latinização da sociedade, o termo ÉTICA vai sendo substituído pelo termo MORAL. A
sociedade divide-se.

19
A distinção científica entre Ética e Moral é a mesma distinção que se pode fazer entre
um plano universal e um plano aplicado: a Ética é um conhecimento consciente
transversal e único nas evidências, enquanto a Moral é a casuística normativa
de cada sociedade e seus valores, um património comum de assuntos que podem
ou não advir da ética universal.

Pertencem à moral realidades muito diferentes, dinâmicas e variáveis: códigos de


educação, manuais de etiqueta, normas sociais e grupais, comportamentos
financeiros, diplomacias políticas, regras desportivas, condutas pedagógicas, boas
prácticas rodoviárias, boas prácticas de sustentabilidade, conselhos ecológicos,
direitos do consumidor, orientações fiscais, sigilos sindicais, etc., etc.

A moral (e todas as morais dela pois derivadas: sociais, profissionais, desportivas,


religiosas, económicas ou outras) é um conhecimento não-universal, mas particular
ou particularizado, aplicável a um pequeno ou grande grupo humano –mas não ao
universal conjunto Humanidade. A moral muda e é revisível, conforme à opinião
social global. Em comparação, a ética não pode mudar sempre que a opinião social o
delibere (porque não nasce do social nem do opinável).

Uma moral não é necessariamente má nem necessariamente boa: existem óptimos


planos morais em inúmeras organizações e entidades, nacionais e mundiais, assim
como existem péssimos planos morais nas mesmas instâncias. Mas a moral é
necessariamente particular e aleatória. Pode desaparecer a sua necessidade no
momento seguinte, dado que ela não segue as normas da consciência universal, mas
sim as dos hábitos (mos, mores) particulares de um povo, de um espaço geográfico
ou de um tempo.

Precisamente porque o ser humano é um ser eminentemente social, expressivo e


comunicante, à Ética é também confiada uma regulação social e cultural básica
através da reflexão moral comum (a Moral, propriamente dita). A Moral é uma
linguagem humana, e expressa a comunicação, exposição ou vulgarização social da
Ética natural. A Moral decorre da Ética no mesmo sentido em que do entitativo (a
essência) decorre o correlativo (os costumes ou mores, na etimologia latina,
fundadora da expressão: moral).

Enquanto exposta, a Moral é sempre relativa e circunstancial às diferentes


sociedades ou grupos (é dinâmica, refere consensos democráticos, pode ser mudada
em qualquer sentido porque é arbitrária na comunidade humana. Não é nem
universal nem permanente). Pertence aos âmbitos sociais mutáveis e pode (e é)
alterada. Mas não a Ética, uma realidade permanente.

Por isso, pode dizer-se, resumidamente, que existe UMA ética da consciência e
MUITAS e diversas morais sociais (todas elas legitimamente apelando a inúmeras
normas, interpretações, melhoramentos, adaptações).

A única ética válida à consciência humana resume-se a «muito pouca coisa»: a


protecção da vida como uma EVIDÊNCIA. A vida, a sua dignidade e livre expressão
são quantitativamente POUCAS verdades, mas essas poucas verdades são as
primordiais e válidas para a Humanidade e a sua própria sanidade mental.

20
Conhecemos essas verdades de modo inato, evidente e intemporal: vida, morte,
aborto, eutanásia, suicídio, pena de morte, liberdade de pensamento e de expressão,
eis alguns exemplos. São estes os únicos temas éticos.

O verdadeiro dilema para qualquer consciência surge quando a Moral pretende


responder antes ou melhor do que a Ética. Isto é: quando a nível pessoal ou social a
resposta casuística suplanta ou distorce a resposta universal. Vence assim o
particular subjectivo e não o universal comum.

Por compromissos económicos, políticos e mesmo pessoais, há legisladores e


governantes que apresentam a norma moral como superior à norma ética: nesses
moldes comprometidos, por vezes corruptos, a VIDA perde EVIDÊNCIA (ética
universal) e ganha apenas um VALOR (moral social), discutível e oscilante de país
para país, de código moral para código moral.

Dá-se assim a “moralização”. A moralização ou os moralismos (em sentido filosófico)


dão-se quando um tema de direitos humanos é tratado como um acordo social, ou
quando a defesa da vida é conversada como transação comercial. Ou seja, portanto:
quando a ética é tratada como moral.

Um país moralizado e não ético (tal como um profissional moralizado e não ético)
segue mais a voz social (variável de época para época) do que a voz da consciência
(que tende a proteger bens evidentes e permanentes). Acontece que o indivíduo
cede à pressão daquilo que «toda a gente faz», e não daquilo que, em consciência,
seria justo fazer. Dá-se, então, a subversão: «já que não vivo como penso, vou
pensar como vivo». O declínio pessoal leva a maior moralização subjectiva, leva a
autojustificações cada vez mais indignas e encapotadas.

No moralismo debilitante da consciência ética, a mutação é inicialmente consciente:


depois perde-se na neblina de narrativas, discursos e textos que se entrepõem entre
a realidade ética e a consideração moral do assunto.

A pessoa (e a personalidade) perde-se ao chegar intencionalmente à opacidade e


neblina dos Primeiros Princípios Éticos (vida, protecção, dignidade). Dá-se a
obnubilação daquilo que era inato, e que foi preterido pela construção social da
verdade.

Por isso, o apriorismo natural e universal dos Princípios Éticos garante a (respectiva)
universalidade ou homogeneidade desse conhecimento. Ou seja, a Ética é uma
ciência universal (não particular nem subjectivada) porque as ilações a retirar dos
três primeiros princípios são iguais para todos. Radicalmente, a Ética é universal e
uniforme: qualquer discussão sobre um caso deve ser resolvida a esta luz, por
dedução lógica dos primeiros princípios. Eles assentam as bases de todos os Direitos
Humanos evidentes.

O conhecimento natural dos Princípios Éticos Universais (identidade, alteridade,


comunidade e solidariedade) torna-os indiscutíveis, axiais, apodícticos. Mas a
apropriação cultural dos mesmos pelas sociedades ao longo dos tempos leva a
códigos morais particulares como propiciação particular ao bem (numa interpretação
que pode chegar a ser duvidosa).

21
Outras vezes, porém, nem o bem ético é moral nem o bem moral é necessariamente
ético. A Ética e a Moral podem realmente separar-se. Há casos de consciência (por
exemplo: a consciência deontológica1, no campo do dever profissional) onde o código
escrito ou a lei positiva escrita prevê uma situação que a consciência daquele
indivíduo não se permite a si própria.

Trata-se da Deontologia (ou pensamento aplicado), que gere assuntos éticos


ou assuntos morais no âmbito profissional. A deontologia toca a ética quando
precisa de decidir em consciência bens evidentes (relacionados com a vida); a
deontologia toca a moral quando precisa de decidir em consenso normativo certos
bens valorativos (sem relação directa com a protecção da vida e das suas esferas de
dignididade e liberdade).

No campo deontológico, a dúvida ou dilema acontece quando o código que o assiste


(código deontológico da profissão ou Ordem) prescreve valores em vez de evidências
ou vice-versa. Só a formação clara e a limpeza de intenções do profissional são a
chave certa da sua resolução ética.

Em caso semelhante, gera-se uma aporia: vale a lei ou vale a consciência? Numa
ordem profissional digna, este dilema não deveria existir. Nenhuma lei escrita
poderia conter o risco de obstar à realização da «liberdade consciente» dos seus
membros. Precisaria, então, de voltar a «escrever-se» (esse código, dessa Ordem
profissional).

Escreveu Gilles Deleuze, um filósofo contemporâneo que “Ética é estar à altura do


que nos acontece”. Essa possibilidade só acontece pelo hábito constante da reflexão
sensata, do autoconhecimento crítico, da prudência atenta, do equilíbrio pessoal
(numa palavra grega: harmonia ontognoseológica).

De facto, não é hoje possível um carácter definitivo ou conclusivo dos temas: o


relativismo intelectual vigente, o célere dinamismo social e o paradoxo constante que
é a livre actuação humana, levam a excluir quer soluções genéricas, quer
perspectivas superficiais. Não há «receitas» éticas, nem manuais dogmáticos e
ingénuos, nem respostas preparadas para cada caso (...que nunca se repetem na
subjectividade humana profunda).

Hoje, a temática da eticidade e do código moral profissional levam, de per se, a uma
questionação intensiva do Mundo onde cada um corre o risco da sua liberdade
(directamente proporcional à sua formação e à sua consciência, pois «quem mais
conhece, a mais se obriga», como registou Paracelso).

A ética aplicada não é senão a moral (ou seja, a contextualização da ética, a sua
redução a problemáticas concretas). Nós não vivemos sózinhos nunca: vivemos em
sociedade, vivemos em partilha ou em guerra, vivemos com linguagem. Como disse

1 Deontologia (do grego deon "dever, obrigação" + logos), na filosofia moral contemporânea, é uma das teorias normativas segundo as quais as escolhas são
moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. Portanto inclui-se entre as teorias morais que orientam as nossas escolhas sobre o que deve ser feito. O termo foi
introduzido em 1834, por Jeremy Bentham, para referir-se ao ramo da ética cujo objecto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais. É conhecida
também sob o nome de "Teoria do Dever". Pode referir-se, também, uma deontologia aplicada, caso em que já não se está diante de uma moral normativa, mas sim
descritiva e inclusive prescritiva. Tal é o caso da chamada "Deontologia Profissional". A ética, a moral e a deontologia são, tradicionalmente, discursos da filosofia,
procurando dissertar acerca da vertente universal e/ou particular dos valores humanos. A deontologia, como aplicação prática da ética, procura tornar real o discurso
desta. Neste sentido, a deontologia pretende ser o estabelecimento de normas e regras concretas, situadas, que regem uma determinada profissão ou prática laboral,
visando o cumprimento do dever-fazer e do dever-ser.

22
Aristóteles, somos eminentemente sociais. Precisamos da linguagem ética para
«dizer» a nossa própria consciência: daí escrevermos «códigos» que nos honram e
outros que nos desonram…

Nenhum aluno contemporâneo pode passar por estes temas simplesmente


aceitando-os ou negando-os. Deve pensar profundamente, depois de os estudar.
E dinâmicamente ir interpretando a realidade económica, profissional e social em
função destas alterações éticas e morais. Sem reflexão não há vida ética, mas
apenas comportamentos miméticos, reactivos, mais ou menos correctos ou mais ou
menos incorrectos. Mas nunca comportamentos em consciência!

O limite, a fronteira traçada a vermelho para qualquer um de nós, aluno,


profissional, governante ou mero cidadão são os Direitos Individuais da pessoa
humana.

Ou seja, sinteticamente, teremos de ter em conta (e identificar nas nossas práticas


de cidadania) diferentes respostas existenciais que oscilam entre a ética e a moral.
Umas são realmente de evitar…

Quando se afirma que «TUDO é admissível para todos», encontramos a posição


do relativismo –derivando do ecletismo globalizado. Nele a moral depende do tempo
e espaço cultural, nada é válido sempre, nenhuma cultura tem superioridade, não há
limites para nada. Esta posição pode anular a clareza e exigência dos Direitos
Humanos.

Quando a divisa é que «NADA é admissível fora do meu contexto», deparamos


com o dogmatismo – derivando porventura do autoritarismo de algumas mitologias e
algumas religiões: a moral é definida ou pelo sangue e poder da terra (sob qualquer
forma) ou pela autoridade religiosa imperante. Este modo de estar repele diálogo,
respeito e a defesa do espaço de cada um.

Se, cautelosa e prudencialmente, a resposta for DEPENDE do tema em causa (ou


seja, tudo poderá ser válido desde que não toque na dignidade humana), então
encontramos o humanismo. Todos os temas são possíveis desde que não rocem a
vida humana na sua evidência e autonomia. No humanismo, o indivíduo não pode ser
considerado um meio, mas sim «um fim em si mesmo». A humanidade é e deve ser
sempre um «limite inultrapassável» para o estadista, para o cidadão, para o aluno e
o professor. A reflexão e o diálogo têm de ser a chave, ainda que por vezes não abra
à primeira a porta da solução.

23
5. As interpretações do Corpo Pessoal:

TEMOS corpo ou SOMOS corpo?

5.1. As diversas Filosofias do Corpo ao longo da história e a sua permanência ainda


hoje

Desde sempre, o ser humano, olhando, usando ou experimentando o seu corpo, pensou sobre
ele de muitos modos, interpretou-o, desenhou-o, esculpiu-o, projectou-o. Desta milenária
leitura antropológica têm surgido distintas correntes sociológicas, morais, económicas e, até,
políticas, pois não é indiferente a nossa consideração «sobre nós próprios» na construção de
um mundo humano. Aliás, algumas destas correntes servem ainda hoje (feliz e /ou
infelizmente, nalguns casos) de base a programas ditatoriais, anti-democráticos, de
extremismo religioso ou, pelo contrário, a programas de solidariedade, equilíbrio e justiça
social.

Resumimos em três sentidos principais esse «olhar sobre o próprio corpo»: os dois primeiros
desconsideram a importância da Pessoa no seu Corpo Pessoal. São elas o extremismo material
e, no seu antípoda, o extremismo espiritual. O terceiro sentido, no âmbito do realismo
fenomenológico considera que o Corpo Pessoal é sempre lugar de consciência integrada e que,
por isso mesmo, merece toda a dignidade ética natural.

5.2. A versão do Corpo como Instrumento (ou: o excesso material disponível)

As filosofias do Corpo que o encaram na sua apresentação básica e unidimensional afirmam


que o ser humano é matéria a explorar como instrumento: de prazer, de trabalho, de energia.
O ser humano tem o corpo como POSSE, e essa propriedade concede-lhe usufruir, ou seja,
dispor do seu uso enquanto valor material útil.

Esta consideração do Corpo como exclusiva matéria-prima (com exigências mamíferas,


necessidades básicas e metabolismo afim) efectua uma redução antropológica do ser humano
à sua primeira competência (a sensorial). O Corpo humano visto como mera instrumentalidade
pragmática explora a materialidade sem finalidade ulterior ao momento útil: a consciência do
humano sobre si no seu corpo é relegada (como acontecimento de certo modo inútil, opaco).
As vivências imediatas são o objectivo moral (no sentido de moralidade já acima apontado),
pelo que a ética não é uma meta importante.

Correntes que se inspiram nesta interpretação do corpo enquanto «excesso material


disponível» podem ir desde o hedonismo ao esclavagismo, do biologismo ao materialismo, de
situações de opressão corpórea e fobias afim, como à sua errática ou anárquica entrega.

Nesta consideração da realidade humana como radical «matéria corpórea» podem prevalecer
atitudes como idolatração, veneração e cuidado estético extremo, mas também a sua
exaustão, esgotamento, opacidade, desrespeito ou venda.

24
Segundo este materialismo antropológico, o corpo não é locus de dignidade pessoal, nem via
para a consciência de si. A redução da vida humana à vida biológica não específica leva a
comportamentos díspares, ainda hoje visíveis em modas ou factos correntes, que (usando
como máxima um carpe diem quase em desespero) potenciam adições, desequilíbrios
pessoais, vícios sociais, usurpação do corpo de outrem, tráfico humano, modernas formas de
escravatura pelo trabalho físico, narcisismo de si, culturismo exacerbado, enfim: todas elas
triste culto e idolatria de um corpo sem pessoa e sem amanhã.

Nesta filosofia do Corpo, o indivíduo vale o que o seu corpo vale, no mais estrito sentido do
termo, sendo o seu pagamento uma estrita relação comercial (biológica, laboral ou outra). A
instrumentalidade rasa do corpo termina em episódios ou etapas menos felizes, menos belas
ou menos úteis: a velhice, a doença, a morte.

5.3. A versão do Corpo em Déficit, Provisoriedade e Erro (ou: o desejo de ultrapassar a


matéria, o tempo e o espaço)

Algumas perspectivas sobre o Corpo ao longo dos tempos (presentes até hoje) preferem
considerar que «a melhor parte» do ser humano está exactamente no não-corpo, ou seja, na
afirmação de que a essência humana não é material nem precisa da matéria, ou que, antes
pelo contrário, as formas corpóreas são provisórias, dispensáveis, erróneas e conducentes ao
erro intelectual. Esta versão sobre o Corpo humano excede ou releva a sua corporeidade
material, biológica e opaca, revelando um certo desejo de ultrapassar os limites e
condicionantes como o tempo, o espaço, a imperfeição ou o erro.

Em quadros mentais como o espiritualismo, maniqueísmo, platonismo, idealismo e


racionalismo, existe a tendência em afirmar o humano como transitoriamente corporal. Já
afirmava Platão que a posse do corpo é passageira, e que, de algum modo, obstaculiza o
conhecimento exacto (dado que os erros sensoriais só se evitariam se este não existisse),
sendo desejável que -de certo modo- desapareça. A razão humana, superior à informação
empírica, não só dela duvida como, em circunstâncias taxativas, deve mesmo negá-la (a essa
ilusória informação dos sentidos corpóreos).

Estas filosofias etéreas do corpo em déficit, em ausência de densidade humana, em negação


de importância, separam dicotomicamente as competências humanas, privilegiando apenas
uma dela e afirmando que o corpo não é digno como realidade material, mas sim
(separadamente) a mente ou o espírito. Neste enquadramento, o corpo da pessoa humana não
tem um lugar digno e visível na sociedade e na cultura, mas as suas aquisições serão sempre
de segunda ou terceira classe.

No senso comum, atitudes negatórias da importância cívica e expressiva do corpo humano


(enquanto lugar da pessoa) permitem sem crítica profunda que não se cuide a sua saúde, que
não se aprofundem desequilíbrios ou desvios (como anorexias ou bulimias, enquanto meras
chamadas de atenção), negligenciando obsessões e comportamentos perigosos (abrindo
hipótese à prática da violência como «mal menor», ou ao suicídio fundamentalista enquanto
«martírio», ou ainda a práticas atentatórias sobre o corpo alheio, como a mutilação genital
feminina, entre outras).

25
As atitudes que prevalecem são de rejeição, fuga e negligência da materialidade humana. A
mente deve encontrar forma de subjugação do corpo, mas dificilmente se alia (e nunca se
aceita a unidade natural que é o humano).

5.4. A versão do Corpo como Lugar da Pessoa (ou: a realidade pessoal enquanto
realidade corpórea e digna)

Ao longo da história do pensamento crítico, vários pensadores alertam para a extraordinária


(mas simples) funcionalidade unitária do ser humano. Quando este sente, pode compreender
(o que sente) e, quando compreende, pode escolher (sentir ou não sentir, compreender mais
ou não compreender mais). Esta impressionante decorrência metabólica, neuronal e,
finalmente, consciente de si é inata à pessoa humana, desenvolvendo-se em etapas que vão
desde a infância até à plenitude, na maturidade.

Neste realismo fenomenológico encontramos o Corpo como lugar total da pessoa humana, que
nele alcança consciência e autonomia. Não se concebe o humano como uma dualidade, mas
antes como uma unidade integrada em todas as suas dimensões. O corpo é lugar de
conhecimento e de liberdade. A autoconsciência do ser humano não nega, não idolatra, não
reduz o corpo, mas afirma que todo o ser humano é um corpo sensorial, racional e, sobretudo,
livre, com vontade própria e responsabilidade dos seus actos.

Somos uma UNIDADE TRIDIMENSIONAL com SEDE NO CORPO. O corpo é digno, é local da
pessoa humana, não é de menos qualidade que eu próprio. Aliás, eu não existo sem corpo, o
meu corpo sou eu! Não o possuímos, mas sim SOMOS corpo.

Esta filosofia do equilíbrio ontológico defende o ser humano como um corpo consciente e livre
em unidade tridimensional. Só nesta versão da Filosofia do Corpo se fundamenta a ética como
lei natural, universal a todos os seres pensantes. Só nesta versão do Corpo Pessoal se
equaciona a defesa dos Direitos Humanos que iniciam no direito à vida (e vida num corpo
digno, responsável e livre).

26
6. Filosofia e Mentalidades predominantes no Mundo Contemporâneo:

os paradigmas civilizacionais presentes no nosso tempo

Quase tudo o que hoje pensamos, testamos ou fazemos nasceu ANTES como
hipótese: as grandes teses actuais (as nossas ideias) têm raízes milenárias ou
centenárias. Talvez seja difícil aceitar isso, mas hoje, não há assim tanto pensamento
original ou acção exclusivamente contemporânea (por muito estranha que possa
parecer esta afirmação na gloriosa era digital galáctica). As grandes hipóteses podem
ser muito antigas e ainda funcionais…

Por isso, «quem desconhece, não pode amar (o desconhecido)», afirmou o realismo
filosófico. Temos de conhecer o nosso património humano, a fim de o proteger. O
desconhecido, o ignorado, só absurdamente poderá ser protegido. Portanto, com
Heródoto (o proclamado «pai da História»), afirmamos que conhecer o PASSADO
permite compreender melhor o PRESENTE, e assim prever mais e preparar melhor o
nosso FUTURO. Não defenderemos o que não conhecemos.

Conhecer os nossos direitos e deveres não só nos dá maior consciência, como


gratidão: havemos de preservar, não podemos perder o património humano,
sobretudo aquele que nos trouxe da barbárie para a civilização. Ou seja, o
conhecimento leva-nos à defesa do Humanismo.

Um Humanismo prático, efectivo, próximo à paz dos povos e aos direitos dos mais
frágeis: o âmbito da Educação Física e Desporto tem esse papel facilitador enquanto
instrumento ou via a favor do talento e do mérito sem fronteiras. Nenhum credo,
nenhuma etnia, nenhuma posição social pode ser obstáculo aos Direitos Humanos
Individuais.

Desde as primeiras pinturas rupestres à Pedra da Roseta, que os testemunhos do


pensamento e cultura humana nos servem para comprovar o percurso e o
comportamento humano ao longo da sua evolução. Desde que o homem é homem (e
a Antropologia Cultural já atribui a posse de uma certa consciência ou autoreflexão ao
Homo Sapiens Sapiens, porque ele regista uma aprendizagem que pretende ensinar
ou transmitir) que a cultura é passível de ser documentada.

Seja na pré-história, seja na história, seja por primordiais fósseis, seja por
manuscritos (sob suportes diversos e todos interessantes), a História é uma ciência
evidente. Todo o pensamento humano no tempo pode nela registar-se. A ciência
nasce aí.

A história narra as duas mais essenciais manifestações de cultura: a reflexiva e a


autoreflexiva. A cultura, numa primeira versão lata e abrangente, implica toda a
transformação da natureza realizada por obra humana, onde a finalidade principal é a
sobrevivência e/ou qualidade de vida em geral. Visa usos e costumes dos povos.
Traduz-se em instrumentos, técnicas e tecnologias, processos e conceitos dos mais
simples aos mais complexos. Pode equiparar-se a uma certa riqueza patrimonial das

27
sociedades humanas, ou mesmo (num indivíduo), a uma especialização, erudição ou
versatilidade pessoal.

Noutra vertente, de modo próprio e rigoroso, mais preciso, a cultura dirige-se às


respostas fundamentais da vida humana. Tem como finalidade principal, segundo
Tales de Mileto, a satisfação de poucas Questões Originárias e Primordiais: «quem
sou, de onde venho, para onde vou?». Ou seja, a essência, a origem e a finalidade do
sujeito no mundo. Vamos aqui, neste tópico, seguir a esteira do fundador da cultura
ocidental, o incógnito emigrante de Mileto, Tales.

Dele herdamos as Questões Primordiais (uma sugestão grega de síntese sapiencial) buscam o
conhecimento profundo das estruturas do universo enquanto correlato de um
autoconhecimento. Visam a sabedoria (não em extensão, o que seria um mero enciclopedismo,
mas sim em verticalidade: sabedoria pessoal). Esta dimensão principal de cultura advém da
universal capacidade humana da autoreflexão (esse pensar sobre si mesmo, o sujeito, e sobre
os outros sujeitos humanos, em ordem a um plano ético final). Ou seja, cada civilização, cada
grupo cultural pensou e tentou responder às Q.P. (Questões Primordiais): tendo isso em
comum, têm depois em separado as diferentes respostas (o que conduz a que se separem e
difiram enquanto culturas diversas, até adversárias, dando respostas adversárias: R: Q.P.).

É convicção de Tales que a História do Pensamento pode ser arrumada em modo sistemático
sob três formas maiores de R.Q.P., ou seja, Respostas às Questões Primordiais: são eles os
três maiores modelos mentais da humanidade, a saber: o paradigma mitológico, o
paradigma religioso e o paradigma crítico.

Mitologia, religião e criticismo aludem a diferentes reflexões e autorreflexões, interpretam e


marcam a realidade de modo definitivo e diversificado. Nenhum paradigma neutraliza o
anterior paradigma e, embora cronologicamente surgidos por esta ordem, todos os três vieram
e permanecem no pensamento contemporâneo com pesos diferentes.

Aliás, persistem visivelmente no século XXI em quatro modos diversificados: enquanto


pensamento mitológico, enquanto pensamento religioso, enquanto pensamento crítico e
enquanto pensamento misturado e mesclado de todos estes: esta quarta resposta, vulgar na
sua superficialidade denomina-se pensamento eclético. Este paradigma tem hoje maior
expressão quantitativa que os anteriores; na globalização deu-se o cruzamento “impossível”
dos três pensamentos anteriores. O mundo global, da sociedade inculta do conhecimento
generalizado, mistura todas as formas mentais sem conhecer bem nenhuma. Segundo Lyotard,
temos no eclecticismo o grau zero da «ignorância».

Portanto, para entender a mentalidade contemporânea, nenhum dos quatro modelos


epistemológicos deve ser esquecido: eles estão todos presentes na complexidade do mundo
contemporâneo, onde o profissional trabalha, onde estuda comportamentos e onde ele próprio
se comporta.

Damos início, assim, aos seguintes maiores quatro tópicos da matéria, os PARADIGMAS
presentes no Mundo Contemporâneo:

1. A realidade segundo o MITO: a cultura e a mentalidade mitológica


2. A realidade segundo a RELIGIÃO: a cultura e a mentalidade religiosa
3. A realidade segundo o CRITICISMO: a cultura e a mentalidade crítica
4. Estes três paradigmas estão hoje vinculados numa quarta mentalidade difusa e
estendida pelo globo, denominada: ECLECTICISMO

28
6.1. O paradigma mitológico: mentalidade, atitude, cultura

«Mito» significa em grego «obscuro», ou seja, aquilo que se considera ser complexo e
incognoscível de modo racional conceptual. Neste caso, para as comunidades mitológicas,
obscura é a natureza material poderosa e desconhecida: todo o mundo físico, das
energias telúricas galácticas, é obscuro, inexpugnável, fechado em si. Não possui uma
causalidade regulada, é instável e como que dotado de um poder imune à Ciência.

A «natura» apresenta-se como a matéria primordial universal, ou seja, a espantosa, terrível e


poderosa composição material dos universos, suas manifestações e seus compostos. As
comunidades mitológicas relacionam-se com a natureza material sobretudo de modo emocional
(medo, reverência, terror, pânico, perplexidade, adoração são emoções), sem pretender
compreender e, muito menos, racionalizá-la.

A mitologia ou narração mitológica apoia-se na atitude inicial de inquietação, ansiedade, receio


e necessidade de sobrevivência. O homem vive num mundo obscuro (mythos) e desconhecido.
Constrói uma crença plausível, embora fantástica, para justificar o que faz ou o que lhe
acontece: a construção da narração parte do esforço humano para compreender o mundo, o
homem, as forças superiores.

Todos os fenómenos da vida material e natural são tidos como emanações de um poder
obscuro, perante o qual o frágil ser humano deve sobreviver ou aprender a fazê-lo. As
narrações das mitologias maiores e das mitologias menores distinguem-se pela
intensidade (maior ou menor) deste sentimento de pertença e dependência, mais ou menos
sangrento, mais ou menos absurdo, mais ou menos imaginativo, mais ou menos hierárquico ou
social.

Após a primeira comunidade humana, quiçá a do Sapiens Sapiens, pode registar-se na História
a tomada de consciência acerca da fragilidade humana, a sua necessidade de sobrevivência, a
sua cultura básica e útil, a sua relação dura com a Natureza desconhecida. O primeiro homem,
pleno de capacidade sensorial (e naquela que se denomina «infância da Humanidade») busca
controlar e prever o obscuro (mythos) através de rituais, objectos e entes mágicos (os
demiurgos) antropomorfizados.

Vejam-se agora as três principais características da mentalidade mitológica (presente quer nas
maiores, quer nas menores expressões da mitologia ancestral, e ainda hoje em vigor nos
novos fenómenos sociais da comunicação mitológica).

Todas as narrativas mitológicas mostraram como são permanentes no homem certas


inquietações, idênticas em todos os tempos e latitudes, o ser humano interroga-se
similarmente. O que é isto? Como é isto tudo? Porque é assim? De onde vem? Porque
desaparece? Posso controlá-lo? Quem sou eu? Que será o fim do tempo? Eis as perguntas que,
com maior ou menor variante, nalgum momento da sua vida, o indivíduo coloca (e
habitualmente responde, no seio da cultura a que pertence por contexto educacional).

As comunidades mitológicas respondem a essas Questões Primordiais (origem, essência e


finalidade da própria vida humana) através dessa relação de dependência: o seu centramento

29
na matéria natural leva a um foco único nessa relação emocional. São matéria, produto da
natura, e regressam à natura. Segundo a mitologia, a vida humana é naturocentrada
(naturocentrismo).

Por outro lado, dado que o poder da matéria natural é tido como total e interno, dela
imanando, as narrativas mitológicas são também narrativas imanentistas, ou seja: aderem
espontaneamente ao Princípio da Imanência (segundo o qual está dentro da matéria natural
obscura a sua própria gestação e fundamento). O imanentismo mitológico crê que a origem de
tudo o que existe na natureza está contido no próprio poder permanente da matéria, que é
autocausadora de si própria. Segundo a mitologia, a origem da matéria é imanente
(imanentismo) e sem princípio nem fim (eterno, no sentido de causalidade intrínseca).

Para justificar e facilitar a comunicação com a matéria obscura, superior em força e poder, o
ser humano mitológico recorre às imagens antropomórficas de conciliação de dois mundos ou
dois planos contrastantes: ao poder causador da matéria não chega o mais comum dos
mortais, mas sim aquelas figuras heróicas (que a imaginação ajuda a fabular e sobre cuja
existência real ou ideal não importa discorrer) que são os demiurgos.

Os demiurgos são seres intermédios, mesclados, justificados pelas suas tarefas não-humanas,
quase heroicas. São mediadores fictícios, mas emocionalmente eficazes entre o poder da
natureza e a fragilidade humana, e têm a tarefa de veicular informação sensorial rica e
fantástica, que facilite a passagem de testemunho aos mais novos, de modo a que as
comunidades mitológicas cresçam sem perder a noção naturocêntrica e imanentista da vida
humana.

A veneração a estes demiurgos acontece pela antropomorfização, mecanismo psicológico


básico que todos possuímos (podendo ou não usá-lo), e que consiste em investir de valor e
intenção humana (morfê=forma; antropos=humano) aquilo que não é humano, mas sim
simples matéria. Esta matéria é vista como sempre: um poder obscuro, que, de modo
antropomórfico, fica assim mais próxima, quase em poder do ser humano.

A antropomorfização resulta de um processo sensorial imagético (com uso prioritário da


dimensão sensorial humana), cria seres imaginários, e denomina-se igualmente (por via do
latim) superstição quando utiliza objectos ou situações em ordem ao favorecimento do
indivíduo ou da comunidade, sendo que, se se alterarem as condições, os resultados são
exactamente o contrário (perniciosos ao indivíduo).

Na actualidade persistem formas difusas e subtis de mitologia contemporânea: o indivíduo


rege a sua vida pelas «decisões que a matéria escolhe por ele», sejam ela jogos de sorte e
azar, fetiches, astros, vísceras, ferraduras de cavalo, patas de coelho, trevos de quatro folhas,
espanta-espíritos, totoloto, euromilhões, conchas, búzios, bolas de cristal, gatos pretos,
amuletos, etc, etc, etc.

Esta dependência da matéria natural (ou dos elementos naturais) permite que se conclua que,
nas mitologias (passadas e presentes), o sujeito humano possa ter pouca consciência
autónoma de si próprio. A sua autopercepção é limitada pela sensorialidade: ele vive na
dependência da matéria, por ela oprimido, ou por ela seduzido.

A demiurgia ou antropomorfização é um pretexto tipicamente humano que substitui a


definição: ou seja, se ainda não é possível o conhecimento certo do fenómeno, então hipotiza-
se sobre ele, dando-lhe uma forma próxima e reconhecível: a do próprio homem.
Antropomorfizar é assemelhar ao homem o mistério da natureza e tomar como MEDIADOR

30
uma figura que reúna em si própria os dois mundos numa só forma (morfê): o mundo humano
e o mundo natural.

Nas mitologias, o ser humano não tem atitudes decisionais, ou seja, não escolhe nem decide.
Segue as forças do universo desconhecido e instável. A cultura mitológica é rica em
imaginação e criatividade, elabora substituições causais de modo mágico e ficcional, capaz de
aliviar emoções e provocar sentimentos, mas não considera unitariamente o ser humano,
antes o divide e exclui. Para as mitologias, o ser humano vive apenas numa dimensão, a
primeira: a dimensão sensorial e as suas operações próprias, empequenece-se. Tal redunda
num reduccionismo antropológico.

O padrão de conhecimento sugerido pela mitologia é, portanto, um único paradigma


sensorial, coartando o ser humano em competências definidoras e definitivas (tais como a
razão e o livre-arbítrio). O poder da matéria anula, de certo modo, o pensamento humano. Ele
não passa da dimensão básica inicial, a dimensão sensorial. Reduz-se à sua ínfima expressão.
Só surge em ficcionada versão de acordo, ritual sacrificial, imagética relação com o poder
superior da matéria: a lei da causalidade é subvertida pelas emoções. Ou seja, procuro efeitos
emocionais positivos (sorte, prazer, poder) imaginando que a sua causa está nos objectos
materiais; guiam-se esses objectos «como se» fossem verdadeiras causas reais,
independentes do sujeito. Há (segundo Auguste Comte, um dos fundadores da Sociologia) uma
espécie de ingenuidade ou infantilidade nas sociedades erguidas pela magia (palavra grega
para feitiçaria / bruxaria / superstição), cujo denominador comum significa a rendição do ser
humano ao poder da matéria.

Permanecem vivas no mundo contemporâneo:

1. as clássicas mitologias antigas (e o seu padrão de mentalidade sensorial).


Legendárias civilizações como as Maia, Azteca, Fenícia, Suméria, Celta, Chinesa, Persa,
Egípcia e Grega, não estão ainda completamente extintas, encontrando-se gerações
tardias dos seus descendentes.
2. as comunidades mitológicas novas ou recém registadas (séc.XX e XXI) na
Sociedade das Nações (povos antigos, mas hoje melhor conhecidos nas suas origens
étnicas e dispersos por vários continentes). Referimo-nos a naturais de povos indígenas
(esquimós, índios sioux, apache, comanche, cheyenne, guaranis, aborígenes, etc.), hoje
melhor conhecidos e protegidos pela humanidade em geral.
3. Mas é sobretudo real, estendida e em todo o lado visível as «novas mitologias
globais», uma mitologia contemporânea e habitualmente urbana ou cosmopolita.
No século 21, o pensamento contemporâneo e as relações interpessoais que se baseiem
na submissão e centramento ao poder da matéria (o consumismo contemporâneo)
são herdeiras deste naturocentrismo materialista.

Esta «nova mitologia global» (particularmente apetecível às nações e indivíduos recém-


chegados ao mundo intelectual e científico) centra-se num absurdo consumismo, além da já
referida superstição generalizada.

Esta nova tendência pode ser vista como continuidade do poder sedutor da matéria, perante o
qual o indivíduo se anula e perde a autoconsciência livre. Por outro lado, a fragilidade com que
o indivíduo ainda cede ao poder da matéria, mostra que, tanto o consumismo como a
superstição são resultado comum de ignorância, superficialidade, fraqueza intencional ou
insuficiente autoreflexão. O dinheiro, o luxo, a vaidade, a posse, a ostentação de riqueza ou
das marcas é hoje o rosto dessa «mentalidade sensorial», infantil, fantasiosa, um pouco

31
inconsciente de si e das suas competências ontognoseológicas. A escravidão às emoções
permanece hoje de modo evidente.

Esta mitologia contemporânea (ou as «novas mitologias globalizadas da LyfeStyle») levam


à despersonalização, à ausência do humano, à impossibilidade da atitude livre (só há
reactividade às emoções) e conduz essas faixas da humanidade a uma desistência de si,
entregando a sua escolha livre à arbitrariedade material exterior, pela exibição ou
exteriorização material do subjectivo. Perdida a intimidade, perde-se também a
autoconsciência.

Este(s) «novos mitos da globalização» são transversais às cidades e aldeias pelas


comunidades em rede (net). Na dita «Sociedade do Conhecimento» elas confundem-se com as
ágeis mitologias do luxo, da ostentação, da imagem, do corpo, da eternização da elegância, da
marca, todos sinais de dependência e de adicção material ao naturocentrismo, mediados pelos
novos demiurgos: as estrelas de cinema, do desporto, da música, da televisão, das redes
sociais.

Os novos «heróis» contemporâneos (cujas figuras e famílias aparecem constantemente nas


redes sociais, alimentando o grande Big Brother) mostra como continuamos na dependência de
seres inexistentes, apenas criados pela imaginação… e, afinal, tão mortais como todos nós.

A vaidade e prazer são a raiz deste traço da mentalidade mitológica. Vaidade e prazer são
emoções naturais que (se permanecerem como núcleo da personalidade na vida adulta) podem
conduzir a um certo infantilismo e inconsequência. Estas emoções levam a outras, registando-
se a sua viralidade em fenómenos de autoadulação como o Facebook (e, em geral, como em
quase todas as redes sociais destinadas à promoção da autoimagem fabulada e
antropomorfizada), ou em outros fenómenos igualmente virais como o culto de si próprio, o
Botox, a correcção cirúrgica constante do próprio corpo, a adoração da própria forma física nos
ginásios, o coaching de imagem, a futilidade, o consumismo, etc., etc.

O culto do prazer (tão antigo quanto actual) regista agora maior rapidez e facilidade de
expansão, numa sociedade mitológica global, que despenaliza e tolera com mais facilidade
comportamentos como a adicção química, a sexualidade irresponsável, a devassa da
intimidade para ganho de audiências televisivas, etc.

Concluindo: nestas mitologias contemporâneas persiste a ancestral fragilidade do ser


humano face a um poder muito maior que lhe retira a sua existência autónoma e
digna. Vivem em dependência da imagem e de seres imagético. O poder das coisas materiais
(matéria ou NATURA) oprime e seduz o indivíduo de uma forma que nem ele próprio poderá
avaliar, dado ter desprezado as outras dimensões e competências racionais e intencionais da
sua unidade tridimensional. A matéria obscura (mitologias de ontem e de hoje) continua
a anular a verdadeira capacidade livre do ser humano: anestesia-o.

É certo que este versátil materialismo gerou textos, narrativas, poesias, pinturas e danças
maravilhosas, que ainda hoje dignificam a cultura estética de vários povos. Enquanto posição
imagética, mágica e ficcional, a mitologia exibe uma maravilhosa criatividade, só possível ao
ser humano. Mas quando este se reduz a essa produção sensorial, anulando deveres e direitos
intencionais, perdendo a autoconsciência, então vive em estado básico quase animal.

Tal fenómeno antigo (a mitologia enquanto narração mágica) permanece na


contemporaneidade, sob capa renovada ou camuflada: o mundo negocial do Espectáculo.

32
6.2. O paradigma religioso: mentalidade, atitude, cultura

A palavra «religião» advém de expressões que remetem à noção de laço e de ligação. Define-
se como sendo a crença, sentimento ou convicção de estar ligado a um Ser Superior,
Diferente sem composição material, cuja essência é o espírito (=negação da matéria). A
designação grega Theos e depois latina Deos, ou seja, «Deus» (em português), significará
precisamente esse carácter puramente espiritual de um Ser que não habita a NATURA.

Se (como vimos no ponto anterior) o mito supõe a ligação obscura ao poder da matéria
mundana (materialismo total), a religião (em contraposição total a este) supõe a negação da
matéria, o estado não-material, a presença do espírito não mundano (espiritualismo total).

A ligação ou relação do ser divino espiritual com o ser humano é tida como uma relação
espiritual, profunda e total: relação filial será a que melhor explica a palavra «fides» ou «fé»
(no caso, filiação divina). O Ser Criador é Pai da única criatura (entre todas as criaturas) que
tem a possibilidade de o conhecer e de o reconhecer. O ser humano é filho deste Pai Criador.

Esta relação de filiação divina pode ser apercebida de modo pessoal e intransmissível
(religiosidade individual) ou de modo comunitário (religiosidade eclesial). No primeiro
caso, refere-se o indivíduo que é autonomamente religioso; no segundo caso, alude-se ao
indivíduo que se insere e assim pertence a uma religião comunitária (eclesial / igreja).

A narração religiosa (ou pensamento religioso) assenta, portanto, não numa explicação
humana, mas numa iniciativa divina (a Revelação: o Deus que vem e se revela ou mostra) e
consequente resposta de fé (confiança do homem no Ser Superior, tendencialmente único, e
criador do mundo e da criatura). Portanto, é o Ser Superior quem toma a iniciativa da sua
própria revelação. A resposta do homem será filial, estabelecendo-se entre ambos a relação
criacionista de paternidade / filiação, ou seja, a convicção religiosa de que a vida de cada
homem depende de um Ser Superior. Esta convicção habitualmente existe dentro da religião
oficial ou confessional, mas também pode dar-se à margem da religião –e refere-se então
apenas ao sentimento espiritual da religiosidade, sem pertença ritual a uma grande religião
histórica.

Como características fundamentais, as religiões possuem três traços comuns: a primeira


consiste em que respondem às Questões Primordiais de modo centrado em Deus (Theos); são,
por isso, teocêntricas. O teocentrismo significa a tal consciência de fé (filiação diviva): o ser
humano deriva “à volta de Deus”. Ele é filho (criatura) de Deus, sustentado e providenciado
em Deus, regressando a Deus no fim da vida. Esta circularidade focal prova a sua qualidade
existencial.

Assim, este teocentrismo é também um criacionismo: o Criador é Deus. As criaturas são a


matéria criada por este Ser Espiritual. O teocentrismo criacionista espiritual resume esta
primeira característica (que, por exemplo, o budismo não perfilha, afastando-se do traço
comum à religiosidade confessional e sendo, por isso, discutível e bastante improvável que
seja uma religião).

Por outro lado, as religiões apoiam-se geralmente num Princípio da Transcendência: o


transcendentalismo religioso significa oposição frontal à resposta imanentista da mitologia,

33
na medida em que a teologia considera que a origem de tudo o que existe reside fora (trans)
do mundo e da matéria. A origem de tudo está «fora» e é superior à NATURA (ou seja, é
sobrenatural, é transcendente). O Criador é puro Espírito e a sua criação é acção sobrenatural.
Sendo Deus eterno (permanência sem autocriação), o mundo e todos os seres são temporais,
guiados no tempo por sua vontade. Este transcendentalismo é, portanto, espiritual e eterno.

O pensamento religioso (assente nas grandes religiões universais, seja a animista, sejam
sobretudo as grandes religiões reveladas dos Livros Sagrados: a védica, a judaica, a cristã e a
islâmica) tende a ser monoteísta, transcendente e espiritual. O seu criacionismo não é
antropomórfico, mas sim teocêntrico. O humano é feito à imagem e semelhança de Deus.

Como última nota, deve referir-se que todas as religiões –embora nomeiem os seus ascetas de
modo diferente (umas chamam santos, outras monges, irmãos, faquires, profetas, eremitas,
missionários, etc)– possuem uma característica comum, ou seja, uma proposta de salvação: a
escatologia. Esta realiza-se mediante uma ascese (subida) praticada pelo asceta («aquele
que sobe a Deus, negando a matéria») e que se deve mostrar mediante práticas de vida o
menos mundanas possível. O asceta eleva-se até Deus através dos meios que escolher para
tal: a oração, o jejum, a mortificação, o desprendimento dos seus bens, a solidariedade, o
voluntariado, a pobreza, etc. Estes meios afastam-no da matéria (que não é Deus) e
aproximam-no do espírito (que é Deus).

Esta característica denomina-se integralmente ascetismo escatológico e consiste na


apresentação de vários seres humanos exemplares na sua relação de Fé com Deus, que
facilitam o caminho dos restantes por terem sido modelos de vida. No entanto, será erro
(idolatria) confundir estes seres ou criaturas com o próprio Criador.

Ao longo dos tempos, por documentação registada (que as religiões e as igrejas consideram
também fruto de revelação divina, mas que os cientistas da Histórica catalogam de modo
rigoroso e neutro numa cronologia linear mediante provas documentais em laboratório
científico), foram-se conhecendo as maiores concentrações religiosas comunitárias (isto é, as
mais antigas e maiores igrejas confessionais e públicas, entidades claras na história
documental, e que deixaram rasto civilizacional em milénios) através desses escritos tidos por
sagrados.

O vedismo (de inspiração politeísta, baseada nos Sagrados Escritos dos Vedas, e algo
ecléctico ao adoptar figuras do mundo animal e natural como mediadores antropomórficos),
hoje geográficamente contígua ao hinduísmo, seguida do judaísmo (primeira religião de
perfil monoteísta, seguindo a fé dos ascetas Moisés e Abraão, registada na Torah e na Antiga
Aliança que Deus fez com o povo judeu na sua deriva à procura da Terra Prometida, e ainda
esperando o Messias que há-de reparar a separação original do primeiro homem e da primeira
mulher), o cristianismo (igualmente religião monoteísta, que crê que Jesus foi há dois mil
anos o Messias Salvador, e que narra essa redenção nos textos da Nova Aliança –que, unida à
Antiga, perfaz o Livro (Bíblia) do amor e compaixão de Deus pelo seu povo), e por fim, mais
jovem em cerca de 600 anos em relação ao cristianismo, o islamismo (cujo fundador, o
profeta Maomé, se reclama último e definitivo nos mistérios da salvação religiosa, deixando no
Corão o registo das virtudes principais do Islão).

Cada uma das religiões tradicionais e mais antigas tem, depois, as suas derivações sociais e
temporais (fracturas e sub-divisões em igrejas/ comunidades eclesiais). Estas diferenças nas
igrejas nem sempre foram provocadas por motivos negativos, mas sim inevitáveis no tempo e
no espaço dinâmico da vida humana. Tal é visível sobretudo na igreja cristã e nas suas
divergências familiares ao longo de vinte séculos (católicos, ortodoxos, anglicanos e

34
protestantes pertencem à mesma tradição revelada por Jesus) e ainda as suas derivações
ascéticas internas. Ou seja, cada proposta escatológica de um santo (asceta) pode ser uma
nova caminhada na fé e uma nova forma exemplar de chegar a Deus, segundo a mentalidade
interpessoal religiosa. De modo simples, comparando metaforicamente a um mapa de uma
cidade, as igrejas são as várias avenidas, ruas ou vielas conducentes a um único monumento
(a religião).

No mundo contemporâneo existe ainda um novo fenómeno poderoso, a proliferação dos NMR
(Novos Movimentos Religiosos) que, por três motivos técnicos principais, não são
considerados propriamente igrejas nem religiões pela História das Religiões, mas sim NMR
(parte ou parcela –seita- do povo de Deus).

Eis os três motivos pelos quais se distinguem das confissões religiosas clássicas:

1. Os NMR têm grande (demasiada) juventude fundacional face às igrejas antigas: os


seus documentos datam de anos próximos, 40, 60, 80 ou, no máximo, 100 anos. Antes
disso, o seu nome não constava nas actas e nos arquivos dos países, nem na história do
pensamento religioso mundial. Ou seja, os NMR acabam de nascer (quando se
comparam com igrejas de 3, 4 mil anos de existência).
2. Os seus fundadores (ou co-fundadores) estão vivos e ainda vão alterando o património
religioso escrito ou documentado, pelo que a mensagem religiosa dos NMR ainda
não estabilizou (não é estável e, portanto, ainda não é definível).
3. Por outro lado, a sua característica mais determinante é também a mais alarmante: são
eclécticos na recolha e apropriação da documentação sagrada, na utilização de
verdades de outras fés anteriores, nos rituais de outras igrejas, nos
procedimentos sociais e socializantes, etc., incluindo, porventura, elementos do Mito e
do Criticismo, se nessa síntese se conseguisse um modo apelativo de chegar ao cidadão
contemporâneo. Exemplo maior deste eclecticismo próprio dos NMR é a
(autodenominada) «Igreja da Cientologia» ou o Movimento Raeliano de Portugal,
encarregue de conduzir a humanidade ao contacto com os extraterrestres. Tendem a ser
dinâmicos, a aparecer e a desaparecer com frequência do mapa sociológico das
religiões.

Em resumo: ao contrário do paradigma mitológico (que reduz o ser humano a UMA dimensão
privilegiada: a sensorialidade e as suas operações –sensação, percepção, emoção e
imaginação), o paradigma religioso abre a uma «quarta dimensão» que julga ser a
determinante, superior às outras três (sensorialidade, racionalidade e intencionalidade), ou
seja, a dimensão da fé ou da filiação divina. Não basta ter atitudes livres e coerentes, para o
religioso. A relação com o Pai Deus eleva o ser humano a um outro campo superior (segundo
os religiosos); será difícil dialogarmos com um crente se não aceitarmos que, quando nos fala,
não está a usar apenas as suas três competências ontognoseológicas, mas «algo mais».

Daí que, como extremo, algumas minorias religiosas possam inclusivamente referir, não sem
certa cegueira (origem de fanatismos e fundamentalismos, no passado e no presente de
muitas religiões) que «a salvação é superior à liberdade», isto é, que a fé vale mais que a
atitude consciente (9ºpasso integral).

Caso se colocasse a pergunta ao religioso («qual a melhor competência do ser humano?», isto
é, qual a sua significação em termos existenciais), teríamos a resposta da ampliação
antropológica: para a mentalidade religiosa, o ser humano vale o que valer a sua Fé. A Fé

35
acrescenta uma dimensão ao ser humano. Para um religioso, a consciência da filiação divina (a
Fé, portanto) vai mais além da consciência livre.

A presença civilizacional da religião é dado assente no mundo real. A contemporaneidade está


cheia de testemunhos religiosos. Os meios de comunicação da Sociedade Global passam,
várias vezes ao dia, informação de carácter actual que versa comunidades religiosas mundiais
e a sua passagem de testemunho fideísta. Aliás, os maiores eventos políticos do século 21
deveram-se a provocações religiosas ao mundo materialista (primeiro paradigma cultural) e ao
mundo crítico e científico (terceiro paradigma cultural).

Persistem, portanto, no pensamento contemporâneo:


1. as maiores e tradicionais comunidades religiosas (religiões confessionais oficiais);
2. as suas derivações em «igrejas» diferenciadas (sub-divisões familiares internas de
cada uma das grandes religiões);
3. emergem, pequenos, variados e muitas sínteses internas, os NMR;
4. irrompem os movimentos fundamentalistas (minorias religiosas levadas ao fanatismo
religioso, sobretudo as derivadas do Islão onde se faz na Contemporaneidade uma
interpretação radical abusiva do Corão).
5. Por outro lado, cresce a religiosidade individual, difusa e aconfessional, sendo este
fenómeno sociológico algo novo, dado que a espiritualidade (num mundo
simultaneamente supersticioso e consumista) poderia tender a desaparecer. São
cidadãos à margem das igrejas, mas com apelo pela religião.
6. Por último, sublinha-se o vazio espiritual generalizado dos indivíduos (seja por
ateísmo, indiferença ou rebeldia) exteriores às sociedades de raiz religiosa.

Em suma: o traço religioso mais negativo no nosso tempo é o do fanatismo religioso,


sobretudo quando se alia ao poder (seja territorial, seja económico, seja político). Tal deixa
perplexos e mais distantes aqueles que supõem a espiritualidade da religião (que é, aliás,
sua característica definidora) e que comprovam que, em atentados à vida humana e à
liberdade, algumas igrejas (ou NMR ou grupos fanáticos) manipulam material e efectivamente
os destinos sociais (…atitudes nada espirituais!).

Porém, a par disto, permanece uma cada vez maior sensibilidade ecuménica e o respeito
universal pelos credos, sem que este limite a livre expressão. Grandes representantes das
maiores religiões tradicionais fazem constantes esforços por manter a religião no âmbito da
espiritualidade ascética e escatológica.

6.3. Diferenças e semelhanças entre as culturas mitológicas e os grupos religiosos

Os paradigmas anteriores (mito e religião) são narração discursiva, própria do ser


humano, tentando dar uma resposta causal às Q.P, mas sem pretensão científica,
com linguagem simbólica, metafórica, alegórica e cifrada. São respostas diferenciadas:
uma apoia-se no Princípio da Imanência, outra no Princípio da Transcendência para explicar a
passagem do NADA à existência de ALGO (ou seja, o primeiro momento de vida, a existência
do mundo). Ambas conhecem a Lei Causal universal, mas explicam-na por diferente ordem de
conhecimento: ou o pré-causal (pré-lógico) ou o criaccional divino (pós-lógico).

36
Embora completamente opostos nos seus fundamentos teóricos e especulativos, o
paradigma mitológico naturocêntrico e o paradigma religioso teocêntrico possuem
manifestações exteriores semelhantes.

As semelhanças entre ambos manifestam-se do seguinte modo:


1. Ambos conduzem comunidades e formam mentalidades com valores fortes de
tradicionalismo e conservadorismo;
2. Ambas instauram uma normatividade moral (às vezes, moralista e, por vezes, até
infelizmente antiética) enquanto forma de proteger a homogeneidade identitária;
3. Tal leva, por sua vez, a um acentuado corporativismo ou colectivismo, onde as
minorias podem ser relegadas.
4. São entidades homogéneas, estáveis, avessas à mudança, lentas e seguras para a
maioria dos seus membros.

Nas grandes narrações explicativas e autoreflexivas do mundo em que vivemos, a Tradição é a


pedra-base. O orgulho da pertença e da secularidade da sua narração existencial faz com que,
na sua atitude individual, privilegie a honra, o sacrifício, a abnegação. Essas narrações
tradicionalistas acentuam um sentido de coesão e identidade cultural, fechando-se um pouco
ao mundo exterior, à novidade, à diferença. São comunidades conservadoras, colectivas e
simbólicas.

As culturas mitológicas, em nome do seu naturalismo, imanência e demiurgia, neglicenciaram


claramente direitos e deveres universais, deixando narrativas violentas e relatos anti-naturais.
Trata-se de obnubilações colectivas e passadas de geração em geração, em grupos pouco
habituados à autorreflexão e autonomia individual.

Em algumas comunidades religiosas, que são transcendentalistas, criacionistas e praticantes


do ascetismo, verificamos ainda hoje (sobretudo nas grandes religiões ainda vigentes pelo seu
proselitismo e actuação pública, mas também nos N.M.R., as seitas ou Novos Movimentos
Religiosos) existirem preceitos de fé religiosa que violam a dignidade humana (como o suicídio
colectivo ou o terrorismo bombista, manipulador em nome do divino, mas também a
profanação da consciência ou da integridade física da mulher, com práticas de mutilação ou de
machismo ancestral) que podem ser julgados superiores à Ética e à lei natural, em nome da
honra colectiva ou da tradição moral. Nada mais errado, nada menos digno do pensamento
humano! É certo que nem todas as religiões o fazem (é preciso sublinhar isto em abono da
verdade): algumas religiões, não só são verdadeiramente pacifistas, como defendem melhor,
com mais acção real e mais heroísmo, os Direitos Humanos do que algumas sociedades laicas
e civis.

Porém, e a modo conclusivo, diremos –a partir de agora- que, na História das Ideias Humanas,
só no pensamento crítico colocado pelos filósofos gregos (inicialmente. Mas depois também por
outros) vamos encontrar a primeira clara defesa do património comum a que se apelidou a Lei
Natural, património esse onde a Ética reside como evidência universal, transversal a todas as
culturas e religiões, e delas independente.

A vida e o pensamento não são meros valores, são evidências. Assim o postulou o
pensamento crítico, aberto e plural. De modo encadeado, sistemático, abrindo ESCOLA e
depois UNIVERSIDADE de ensinamentos, só no paradigma crítico encontraremos de modo
exigente para toda a humanidade a petição de liberdade e igualdade. Será com Tales de Mileto
e a sua Escola de Atenas, fundação informal desta metodologia e estilo, que ganharemos a
consciência profunda da essência humana.

37
Sem este reconhecimento, ciências sociais e humanas não teriam feito a sua história enquanto
reflexão e autorreflexão sobre o comportamento livre do ser humano: estariam presas às
vicissitudes relativas a cada grupo humano e não à Humanidade em geral.

6.4. O paradigma crítico: mentalidade, atitude, cultura

O paradigma crítico, também denominado CRITICISMO, advém da palavra grega KRISIS=


crise, crítica. Em sentido literal significa «fazer a crise», «fazer uma crítica»; e em sentido
conceptual, significa analisar e fazer a destruição (ou queda) do modelo anterior, para re-
construção e proposta de um novo modelo, com respostas mais apropriadas, colmatando
lacunas.

Portanto, o trabalho crítico implica dois momentos: 1) análise da falha, 2) proposta da solução.
Se a proposta não existir, a crítica não é adequada: será mera detecção de problemas sem
construção de alternativa.

A crítica às sociedades mitológicas e religiosas anteriores é realizada por Tales de Mileto, em


Atenas, onde ele fundará a incipiente «Escola de Atenas», por volta do século 7 a.C. Esta
escola virá a ser berço do pensamento crítico, também conhecida como Paideia grega
(«formação do homem grego»), génese do pensamento dito humanista. Este pensamento foi
depois considerado «europeu» (dada a fundação das primeiras Universidades, recipientes
sistemáticos desse saber) e, finalmente, conhecido como «pensamento ocidental».

No séc.7 a.C, Atenas era o centro geográfico por excelência do mundo então conhecido: a sua
riqueza, a sua arte, a sua estabilidade, o seu desenvolvimento, justificam progressivamente a
sua fama. Ao falar na sua praça pública, Tales aconselhou o seu auditório: «Pensa por ti
mesmo. Nada aceites sem pensar». Inaugurou numa nova atitude de individualismo
crítico, prudente, mas autónomo e livre. E este conselho do filósofo iniciou uma revolução
epistemológica, inovadora e célere.

Gradualmente, nesta escola inicialmente informal, surgirá um novo paradigma mental que
revoluciona a forma de pensar até então estabelecida, provocando uma verdadeira ruptura
epistemológica com o mito e com a religião –ruptura que continua desde há 27 ou 28 séculos
atrás. Todos somos hoje, de um ou outro modo, devedores da «Escola de Atenas», modelo
inspirador ao longo de séculos da mentalidade crítica.

A divisa de Tales convida a repensar o que já se pensou, no sentido de o revalidar ou corrigir;


é a divisa de um modelo dinâmico, revisível, aberto à reflexão e à ciência. Convida à inovação
e ao progresso, tendo como alavanca crucial o indivíduo, o seu valor pessoal individual e
cognitivo (independente de uma tribo, de um nome, de uma hierarquia, de uma religião, de
um estatuto de poder político ou económico, de uma raça, de um credo, etc.). A Humanidade
vale o que pensa; só o pensamento coerente é valioso.

Por causa do seu lema ou divisa, Tales é intitulado «Pai do Ocidente», num sentido figurado,
enquanto inspirador do paradigma civilizacional crítico, transmitido às culturais ditas
ocidentais. Ela motiva há 28 séculos a capacidade de «pensar por si mesmo», demostrando,

38
assim, uma inusitada confiança nas competências cognitivas da humanidade. A
autonomia e liberdade individuais são também aqui implícitas, bem como o pedido de nos
atrevermos a pensar (em nove patamares cognitivos até à unidade intencional e livre).

Tal antropocentrismo (que é o Humanismo, em sentido lato) significa esta convicção de


Tales e de toda a cultura helénica (Hélade / Grécia), convicção em que o ser humano
responderá às suas próprias Questões Primordiais de modo autónomo, independente e
responsável. Tudo fica agora confiado e centrado na atitude e acção humana. O ser humano é
capaz!

Tudo assenta na atitude, a atitude crítica: «pensa por ti mesmo, nada aceites sem
pensar». Pensa muito, volta a pensar. Sê radical, vai à raiz do problema, não te contentes com
pouco, há muito por saber! Com essa pretensão inovadora, Tales acabava de caracterizar um
novo estilo ou atitude: a filosofia, inicialmente com vocação interrogativa e científica e,
depois, com vocação social e política. A «philo sophia» será essa busca descomprometida da
verdade, essa tendência amigável ao conhecimento amplo, aberto, crítico e imperfeito.

Mas essa imperfeição é característica ou «nota» humana, o que permite dizer que está
garantida a humanidade da procura. Esta atitude humilde e incansável estará na base de todo
o conhecimento humano que se diz «humanista» (tão defendido desde há dez séculos na
universidade europeia), pois é profundamente crítico, criativo, argumentativo, célere,
encadeado, logicamente causal.

Por outro lado, na cidade que é o berço da Filosofia, Atenas, Tales de Mileto apresentou
também ao seu auditório as grandes Questões Originárias de sempre, mas agora conexas de
modo sistemático: quem sou eu (essência humana)? De onde venho (origem
universal)? Para onde vou (finalidade total)? Um primeiro registo desta «aula» ficará para
todo o sempre na história factual e mental graças a um documento da época.

De modo a não errar, Tales pede também aos seus discípulos que utilizem um «methodos»
(via ou caminho) seguro, inspirado no criticismo. Tales ensina os dois primeiros passos deste
processo metódico, e estes serão o início espontâneo daquilo que hoje chamamos «método
científico universalmente aplicado ao saber reflexivo»: este pensamento interrogativo e
problemático começa pela atitude crítica, origem da Filosofia e, um dia, também origem da
Ciência.

Primeiro, determina Tales, há que olhar para todas as coisas por observação directa
(primeiro passo, implicando o conhecimento sensorial, intelectual e intencional humanos), indo
à raiz do que se vê. Sem aceitar nada que não passe pelo próprio pensamento (cepticismo
inicial), só deve aceitar o que seja evidente e ordenado. Apenas depois o sujeito observador
deve formular uma hipótese adequada (segundo passo), ou seja, uma fórmula ou
probabilidade interpretativa que explique o que foi observado. Os fenómenos devem ser
registados segundo estes dois passos: observar criticamente e hipotizar racionalmente.

Esta observação e esta hipotização são a base do método de conhecimento rigoroso e


universal, posteriormente conhecido como «método científico». Muito mais tarde, com Galileu
(um filósofo moderno, mas também ocidental seguidor da física clássica e das suas hipóteses)
estes serão completados com os outros dois passos (terceiro e quarto), que ainda hoje
constituem as regras do método que segue qualquer comunidade científica.

Galileu exige o terceiro passo: o teste (isto é, a experimentação exaustiva da hipótese


anterior, com ferramentas adequadas ao estudo em questão), assim como, após número

39
sustentado de testes, a conclusão científica, para aprendizagem da comunidade. Este quarto
passo expõe a enunciação do resultado: se a hipótese testada se comprovou nas experiências,
temos uma lei científica nova e deve ser publicitada no meio científico. Se a hipótese testada
foi incorrectamente observada e formulada, deve ser revista, reiniciando-se todo o trabalho do
cientista desde o primeiro passo inicial.

Tales é, não só o inspirador da ruptura crítica com os paradigmas do mito e da religião, como é
ainda o fundador da «mentalidade ocidental» e da sua ciência metódica. O próprio Tales
investigou as Q.P. e deu uma resposta pessoal, registada na documentação que hoje se
conhece como sendo a dos «Sete Sábios» (e primeiros Físicos): para o pensador de Mileto a
respostas às Q.P. reside na água, na molécula de água. A Teoria dos Quatro Elementos
(ar, água, terra e fogo) é expressa pelos seus colegas pensadores, e ainda completada pela
Teoria da Energia (expressão grega –como todas as outras) para designar a primeira e
fundacional noção racional de um dinamismo comum a tudo o que vive e se movimenta,
segundo Heraclito, ou mesmo a Teoria Atómica, como hipótese fundamental da estrutura da
matéria, segundo Demócrito.

Esta Primeira Geração da Escola de Atenas (nos quatro primeiros séculos da sua fundação),
dedicada ao pensamento científico natural, apresenta à cultura contemporânea os primeiros
cientistas, ou seja, aqueles que fizeram ciência sistemática e discutida entre eles, na «escola»:
Anaximandro, Anaxágoras, Pitágoras, Euclides, Ptolomeu, Arquimedes, Hipócrates, Demócrito,
Heraclito, Galeno, etc. deram origem à física, à química, à geometria, à matemática, à
medicina, à astronomia, à cosmologia…

A Escola de Atenas apresentará uma Segunda Geração alguns séculos depois (4 e 3 a.C.),
sempre sob a mesma inspiração crítica e científica: mas agora, os filósofos gregos fundarão
com Sócrates, Platão e Aristóteles, ideias humanas, sociais e políticas fortes, ainda hoje por
cumprir nas sociedades que com eles aprenderam. Devemos a esta Segunda Geração os
documentos que pedem e instauram os fundamentos reflexivos da Cidadania, Democracia,
Política, dignidade humana transversal e, concretamente, a grande ciência normativa
universal da Ética (palavras originárias todas elas da civilização grega ancestral).

O livro de Aristóteles «Ética a Nicómaco» assinala a grande viragem, afirmando pela primeira
vez a igualdade radical dos seres humanos face à natureza, e o poder da consciência
inteligente como única sede da expressiva essência humana. Aí propõe a mais difícil das
conquistas: a felicidade pessoal como um processo de escolha de bens dignos e autónomos.

Denomina-se ruptura epistemológica principal a esse corte ou cisão gnoseológica que, na


personalidade histórica atribuída a Tales de Mileto (que, sendo um físico, foi amplamente
compreendido e seguido nas humanidades por Sócrates, Platão e Aristóteles), se efectua face
ao pensamento anterior (que respondia às Questões Originárias de modo mitológico e
religioso).

A estes pensadores devemos, séculos depois, noções como: o estado de direito, a


humanidade como igualdade, a soberania do espírito, a liberdade de pensamento, os
direitos humanos das minorias, etc. Mediante esses homens, Atenas gerou um capítulo
«único» na história do pensamento universal (como afirmará no século XX o historiador
alemão Werner Jaegger), numa qualidade e intensidade de produção que jamais se repetiu.

É a este «episódio ateniense» que chamaremos Génese da mentalidade ocidental, muito


embora na mesma civilização ocidental valores por ela fundados se vejam hoje ameaçados

40
(democracias, igualdades, direitos, liberdades), negligenciados ou extremizados
(individualismos, isolacionismos, fátuas rebeldias de espírito).

Portanto, a novidade consiste agora numa nova atitude de resposta (a atitude filosófica
racional integral), chamando-se hodiernamente «ocidente» a esse padrão não-mitológico e
não-religioso. Ficará para trás, como não-ocidental, toda a história das mentalidades que não
for autónoma, crítica e individualista.

Em última instância, aplica-se a denominação de «estilo antropocêntrico» ou antropocentrismo


às culturas que respondem a Tales de modo autónomo. Faz-se o reconhecimento desse estilo
como o «estilo ocidental»: um discurso onde o Homem se coloca a si próprio no centro das
perguntas e das respostas, com notório interesse subjectivo. Infelizmente, poderá mesmo
dizer-se que, do antropocentrismo ao mal-entendido individualismo e narcisismo (actuais), o
pensamento ocidental distou apenas alguns séculos.

Em suma: este Antropocentrismo (do criticismo) ficará contraposto ao


Naturocentrismo (da mitologia) e ao Teocentrismo (das religiões). Ele opõe-se ao
tradicionalismo das sociedades não-ocidentais e orientais, sociedades essas de estilo mais
colectivista, menos permeável à crítica, conservadoras, estáveis, de evolução muito lenta ou
inexistente. Só o pensamento crítico atitudinal releva uma plataforma natural inata dos direitos
humanos universais, propícia à Educação Livre, à Ética, à Estética crítica.

Vejamos como.

A Grécia (Helade) educou paulatinamente todo o mundo latino, mediante a helenização. Ela
vem a ser procurada pelos próprios romanos, admiradores da grande capacidade intelectual
dos gregos (helenos). Uma vez instruído e preparado, o fenómeno da romanização explica a
passagem de testemunho agora feito pelo enorme Império Romano através da língua latina,
matriz da cultura europeia. Os povos conquistados pelo império conhecerão a hipótese do
Direito (chamado) Romano (porém grego de raiz), a jurisdição clara e consequente, a
organização social meritória pelo trabalho, a escolarização, a possibilidade de cidadania, etc.

Séculos depois, entrando na nascente Idade Moderna e no, por vezes muito desastroso, cruel e
indigno fenómeno da colonialização, será por sua vez feita a expansão da mentalidade crítica
e antropocêntrica aos povos do Novo Mundo. Protagonista dos Descobrimentos e das
descobertas, o Velho Mundo instruirá a condução de novas nações, desejosas da democracia
(grega) e dos direitos humanos universais (a ética aristotélica, em suma).

Como fenómeno ulterior, a globalização (particularmente efectuada pela Rede ou Sociedade


do Conhecimento), por um lado facilita a célere transmissão deste paradigma cultural de modo
mais directo e eficaz que a marcha lenta dos soldados romanos ou a viagem das naus e
caravelas; mas por outro lado, pela ignorância das fontes, pela pressa ou pela superficialidade,
coloca este património como presa frágil do eclecticismo preponderante do nosso tempo.

Estes quatro períodos longos (helenização, romanização, colonialização e globalização)


internos à história do Paradigma Crítico são também conhecidos por Idade Antiga, Idade
Medieval, Idade Moderna e Idade Pós-moderna).

Durante todos estes períodos, a Humanidade perdeu e ganhou, isto é, avançou em algumas
áreas, regrediu em outras.

41
Como exemplo cabal, basta pensar que apesar de termos hoje mais ferramentas (sobretudo,
as tecnológicas), aumentamos a poluição (e, com ela, doenças associadas e falta de qualidade
do ar). Temos facilidade de transportes, mas temos muito mais stress que alguma vez se teve
na história da Humanidade, o que coloca em causa a saúde mental em muitos países
desenvolvidos. Temos excelentes serviços de saúde, mas temos uma alimentação de
baixíssima qualidade. Os exemplos poderiam continuar…

De facto, não há uma relação directa e perfeita entre história e progresso. Nem sempre há
mais qualidade de vida no futuro, assim como pode não ter havido tanto erro no passado... O
«mito do futuro sempre melhor» ou o «mito dos bons velhos tempos» são ingenuidades
superficiais na consideração da história.

A história é um processo vivo e dinâmico, com avanços e retrocessos: portanto, não


necessariamente progressiva. Pelo contrário, pode interpretar-se a História como uma longa
herança polémica, permanente e estimulante, sendo mesmo possível a rejeição dessa herança
(no «bom» e no «mau» sentido). Nega-se, portanto, a história como “progresso inevitável”
num sentido determinista ou fatal.

Do ponto de vista das respostas às Questões Originárias o tempo histórico não tem
notoriedade progressiva: a qualidade de vida autoreflexiva pode ter sido maior no passado ou
vir a ser completamente reposta num futuro. Não há previsibilidade cultural absoluta (o que se
explica pela actuação livre dos homens).

Se a Ciência se entender, na sua essência, como o conjunto de práticas e procedimentos


específicos que a legitimam (métodos científicos), dando origem a diversos e autónomos
campos de aplicação (ciências especializadas), então é em Galileu e na Idade Moderna que
se deve procurar a segunda ruptura epistemológica com o pensamento não-
científico.

Recorde-se: a primeira (ruptura epistemológica) fora atribuída a Tales, fundador da atitude


radical e inquiridora que, no seu núcleo, permite tanto a mentalidade filosófica quanto a
científica. Galileo Galilei é o introdutor do método experimental, génese da prática
científica como tal, sendo por isso recordado como «pai da ciência moderna». Com ele cumpre-
se a verdadeira e então esperada «revolução coperniciana» (que gira o mundo geocêntrico
para o heliocêntrico). Tales instituiu a atitude prévia a todo o conhecimento verdadeiro (a
atitude filosófica) e Galileu a sua específica metodologia.

A fundação do método experimental na Modernidade (que, numa História Factual, se situa


entre os séculos 14 dC e inícios de 20 dC, tumultuosos em descobrimentos e revoluções)
introduz o critério de validade e legitimidade de verificação científica, bem como o poder de
especificação e multiplicação da Ciência nos seus vários objectos e finalidades. Dividem-se as
ciências na aplicação própria dos quatro passos do Método Experimental proposto:
observação, hipotização, experiência e conclusão (ou lei).

Em parte legitimamente vitorioso, o ambiente moderno dos séculos 17 e 18 da nossa Era é


caracterizado como euforia cientificista: a segurança oferecida pela metodologia adequada
confere miragem de domínio e controle da natureza. A ciência galileica (ou as ciências,
cada uma por sua voz) aparece como irrefutável, objectiva, todo-poderosa. A aplicação do
método experimental oferece uma ilusão ingénua de objectividade: crê-se possível um poder
correlativo, o científico, que –através das várias ciências e suas metodologias, que vão
surgindo, especializando-se e dividindo-se em pequenos campos do saber- salvará a
humanidade (da doença, da miséria, da morte, da fome, do instável, do ocasional…). O

42
indivíduo moderno julga possível controlar a natureza através da ciência, dominá-la, pô-la ao
seu serviço sem deficit.

A «promessa e a profecia» científica residem na escatologia habitual: a miragem ou utopia da


salvação do homem pelo homem (e o progressivo esquecimento da natureza, como oikos,
casa, sua parte integrante). Essa absolutização da racionalidade desequilibra a concepção
moderna da CAU, centralizando na Razão o grande poder do pensamento, excluindo a
Sensibilidade ou a Vontade como capacidades científicas.

Na Idade Moderna, o ser humano confiou exclusivamente na sua racionalidade. Também por
isso se denomina este momento histórico como Iluminismo, Idade das Luzes ou
Ilustração, sendo comum denominador a corrente filosófica do «racionalismo absoluto». È
um período rico em descobertas e revoluções (além das científicas, as sociais como a
Industrial e a Francesa, as políticas como a austro-húngara ou a bolchevique). Tudo será feito
pelo homem a favor do homem. E tudo será feito através da Razão Humana, capacidade em
que se confia exclusivamente (desequilibrando profundamente a proposta helénica da
coexistência harmónica da Sensibilidade, Razão e Vontade). O racionalismo absoluto dessa
época é a forma mais acabada e extrema de antropocentrismo.

Assim, na Modernidade Ocidental (séc.14-15 dC a séc.19-20 dC.), o Racionalismo Absoluto


mostra-se como prerrogativa narcísica da Humanidade. As conquistas em diversos flancos:
ciência, política, economia, levaram o homem moderno a um certo orgulho e individualismo. A
progressiva consciencialização do ser humano como ser poderoso aumenta através das
conquistas científicas sobre a Natureza. O método experimental e o desenho das ciências
particulares levam à passagem do estatuto científico integral (ciência como compreensão
global, presente aos Gregos e Latinos) para o estatuto científico específico (parcelização do
real, especificação de métodos e objectos de estudo, fragmentação das ciências segundo a
visão especializada do cientista).

As sucessivas Revoluções do mundo moderno (a Francesa, a Industrial, a Americana, a Russa,


etc) parecem assegurar o poder do Homem sobre os acontecimentos. Os ideais revolucionários
são aliados aos ideais dos “Novos Mundos”. As descobertas e os descobrimentos conduzem à
consideração de que apenas a Racionalidade substancializa a capacidade humana de aceder e
transformar o mundo em que vive. Reduzem por isso a perfeição humana (sempre central) a
essa única operação privilegiada: a cognitiva intelectual.

Em síntese, podemos dizer que o século XX foi o estertor e morte de um Racionalismo


exacerbado. Vejamos porquê.

6.5. A fase de transição às ideias Pós-Modernas

Entre os séculos 19 e 20, marcados por acontecimentos devastadores (como as Grandes


Guerras e a possibilidade nuclear, onde o Homem destrói o Homem pela Ciência dita moderna)
e incorporando movimentos tão incipientes como o romantismo, ou já tão próximos como o
estruturalismo, a psicanálise ou o nihilismo, dá-se a Pós-Modernidade. Esta reage aos
parâmetros absolutamente racionalistas, idealistas e antropocêntricos da Modernidade,
negando o valor exclusivo da inteligência e propondo a leitura do Mundo pelos caminhos da

43
sensorialidade e da intencionalidade, privilegiando as emoções e o livre-arbítrio humano como
expressão livre face aos totalitarismos sistemáticos de Descartes, Kant ou Hegel.

Já durante a Modernidade (ou causando nos seus últimos estertores) alguns pensadores
criticavam os ideais extremos do Racionalismo, acentuando dicotomicamente –por sua vez- as
capacidades esquecidas do homem. Focavam sobretudo as esquecidas ou subvalorizadas
Sensibilidade e Voluntariedade, dando origem a críticas ora sensistas ora volitivas, mas nunca
racionalistas. Nietzsche e Schopenhauer são vozes entre os Românticos –que mostram a
negligência poderosa das paixões, da rebeldia, da angústia e, em geral, todo o mundo interior
e livre do sujeito.

A Contra-Ilustração (sobretudo por voz de Rousseau) vem também recordar a índole


selvagem do livre-arbítrio, a impossibilidade da harmonia social. O mundo moderno (do final
da Modernidade, isto é, o do século 19) é um mundo rápido, cada vez mais conturbado por
constantes revoluções e expansões. Por outro lado, nas Grandes Guerras (entre 1914 e 1945)
o nosso tempo assinala uma certa perda de confiança na Ciência (ou, pelo menos, o cair
por terra do slogan salvífico): a ciência tem poder para matar, inclusive para exterminar o
género que deveria salvar, o humano. A indústria bélica relativiza o papel redentor da ciência.

A queda das bombas atómicas em 45, as experiências nazis em engenharia genética, o


armamento progressivo, a agressividade das propostas científicas, a degeneração da
alimentação e a consciência generalizada do poder ilimitado do cientista (até então sem a
necessidade de uma ética profissional ou disciplinar), aliada à possibilidade de que a mesma
ciência chegue à extinção da vida humana (de modo nuclear, químico, bioquímico) e mesmo
de todo o planeta (abrindo nos anos 70 a questão ecológica universal), conduzem a uma
mentalidade anti-moderna, em certo modo, anti-racional e anti-científica. Trata-se de
uma reacção compreensível, a escala global, de defesa, ressentimento e precaução. O
pensamento sobre a morte, a falibilidade humana e o sofrimento à escala mundial
assinalam a queda da Modernidade Ocidental.

Fora da opinião pública em geral, pertencendo à área especializada da Física e conhecendo a


ciência por dentro, ergue-se a séria crítica (epistemológica) de Einstein que, entre outros,
convida os colegas a repensar a famosa (e improvável) objectividade exacta do cientista
moderno. Fazendo um paralelo com a sua noção de relatividade e referencialidade, recorda ao
cientista o seu carácter primordial de sujeito: se todo o observador é sujeito (indivíduo), toda a
observação é referencialmente subjectiva. Não há observação ou ciência sem sujeito; a
condição da ciência é a referencialidade da ciência. Se ela muda, muda a exactidão: logo, não
há ciência objectiva (mas apenas o mais objectiva possível).

Einstein é um dos maiores críticos da ciência moderna. Com ele e outros epistemólogos, abre-
se, no século 20 e 21 científicos, um clima de maior modéstia para os saberes científicos.
Com este físico, toda a Ciência como CORPO ou ENUNCIADO DE CONHECIMENTOS é posta em
causa: é a terceira ruptura ou avanço na história das ciências, depois de Tales e de Galileu.

Segundo Einstein, após as Grandes Guerras da Humanidade (uma humanidade que comunica
já em «aldeia global», que já fez os Direitos Humanos), entrámos na pós-modernidade: deve
agora fazer-se a ciência em equipa, revendo resultados, aceitando correcções e fracassos, não
transmitindo sistemas fechados, dogmáticos e salvíficos como os do cientificismo moderno
(que não fazem parte dos enunciados científicos). Modéstia, revisibilidade, continuidade,
transparência e abertura, aliados a uma necessária vigilância ética deverão ser
apanágio da ciência actual. É importante repensar a CAU numa linha de equilíbrio, renovando a
importância de uma ciência feita com todas as capacidades antropológicas.

44
Ficam longe promessas globais: o único empenho da ciência contemporânea (pós-moderna,
portanto) deve ser deter o aceleramento anterior, procurar preservar o que se está a ponto de
perder: o Mundo, Deus, o Homem, as liberdades, as diferenças.

As ciências sociais e humanas, por “aviso” de alguns pós-modernos como Freud (preconizando
a inconsciência humana), Marx (avisando sobre o materialismo profundo do homem), Sartre
(mostrando a inutilidade da vitória sobre o tempo), demonstram também como o homem é
falível, desintegrado, inconsciente, material, necessitado: decai a visão iluminada do homem-
quase-perfeito da Modernidade. Na Pós-modernidade decai a crença na Razão exclusiva. Morre
o racionalismo, ascende o sensacionalismo e o voluntarismo. Continua desfeita a harmonia
da essência humana (enquanto chave para entender o homem e o seu pensamento
completo).

Nietzsche, Schopenhauer, Wagner, Goethe, Holderlin, Einstein, Freud, Marx.., são, portanto,
vozes de contingentes muito diversos, por vezes mesmo contraditórios, mas com uma nota em
comum: a crença em capacidades desconhecidas do ser humano, que excedem os limites da
razão pura. Será esta Razão profundamente criticada por estes autores, propondo uma nova
temporada, a do pensamento contemporâneo que duvida do papel glorioso da Razão,
propondo outras leituras menos racionais da existência humana.

6.6. O paradigma ecléctico da Sociedade Globalizada

A educação ou formação mental dos povos distingue-se nas respostas que eles dão às
Questões Originárias comuns. Todos os seres humanos colocam questões e pensam sobre elas.
Desde o primeiro Homem que essas questões são pensadas: nas respostas (ou seja, no seu
nível de profundidade ou de utilidade) é que diferem os seres humanos e os paradigmas que
os unem. As diferentes respostas geraram (como vimos) diferentes civilizações e
mentalidades: mitologia, religião e criticismo.

Será nesta última forma mental, o paradigma da civilização aberta e criativa da Filosofia e das
Ciências em geral que nascerá a semente da Globalização. Por consequência, a semente
ecléctica, em grande e desastrosa presença do mundo contemporâneo.

Como aconteceu este electicismo? E quais as tendências principais desse


pensamento remanescente neste século 21?

No Ocidente da Democracia, da Cidadania, da Filosofia, da Ética, dos Direitos Humanos, das


Ciências particulares (tudo criações que esse Ocidente civilizacional tem como suas desde o
berço greco-latino), as tendências do pensamento actual são complexas e, por vezes,
mesmo contraditórias com a sua essência inicial, clássica.

Por um lado, ainda persistem algumas teses modernas ou racionalistas nas mentalidades
de certos grupos e/ou individualidades científicas: são os resíduos do cientificismo, ainda
confiante no papel absolutista da prática experimental.

45
Por outro lado, a rejeição extrema dos ideais modernos também leva o homem contemporâneo
ao extremo do vazio e do niilismo. Não há valores nem ordem visível no mundo real;
generaliza-se um ambiente de contestação, de rebeldia, de perda de sentido, de consumo
desenfreado, de comodismo leviano, de miragens de êxito e autorealização. É a reacção.

Alguns grupos e pessoas julgam recuperar ou preencher lacunas através de práticas de estilo
oriental. O orientalismo em voga no mundo pós-moderno (ginásticas, terapias, leituras
autoajuda ou antistress, músicas, estilos alimentares, etc.) traz consigo algumas perspectivas
místicas e religiosas que integram o curioso puzzle pós-moderno, retomando velhas respostas
às questões originárias. No fundo, a questão seria: se o pensamento crítico não salvou o
homem, voltemos ao pensamento mitológico e religioso.

Por outro lado, desde os anos 60 reina um existencialismo intelectual e social, que –apesar
de algumas respostas válidas e consistentes- acentua o relativismo e a arbitrariedade
existencial. Os anos 80 e 90 sublinham essa mensagem casuística, compreensão parcial da
liberdade (não de cada um, mas de todos os homens).

Globalização, mundo virtual, ostentação vazia, multiculturalismo, terrorismo são


consequências pós-modernas e podem encaixar-se nos desencontrados traços da nossa época.
Somos, realmente, uma época complexa, de valores antagónicos e quase contraditórios. Que
mensagem passaremos ao futuro? É uma incógnita e, provavelmente, uma questão vazia,
inútil.

Os países soberanos e democráticos lidam com as novas realidades, mitológicas, religiosas e


críticas. A democracia, programa de organização sociopolítica que mais respeita a integridade
humana (segundo Platão), é hoje apenas uma inspiração vaga, admitindo-se no século XXI
países que ainda não reconhecem os valores universais e democráticos. No entanto, a maior
distância dos tempos políticos actuais face ao cenário da República (ela própria um ideal)
reside na falta de formação da classe política, dos cidadãos em geral e do seu grau de
empenho pelo bem comum.

A democracia tomou o sentido quantitativo da era pós-moderna; perdeu a valorização,


transformou-se no senso comum (embora tenha nascido como senso específico, filosofia do
pensamento). A vulgarização do senso comum leva a que a classe política, que deveria ser
crítica, racional e autónoma, seja colectivista, impensada, emocional e se guie por metas de
curto prazo, desprezando por vezes direitos humanos transversais e atropelando a consciência
própria e alheia.

Restam pequenas e obstinadas tentativas de estudo e legitimação séria do debate entre


cidadãos, sobretudo no estudo dos clássicos, das grandes questões democráticas e seus
actuais críticos. Nada se deve fazer sem pensar, mas há que aprender a pensar bem. Mas que
mensagem passaremos ao futuro? Permanece a incógnita.

Realmente, não se pode falar em pensamento contemporâneo pois tudo o que temos (após
os críticos anos das Guerras e pós-Guerras 40, 50, 60, 70, entre outras Revoluções
intermédias) é efeito reactivo a um padrão anterior e, portanto, não um pensamento
activo, criativo, autónomo, consistente e novo. Talvez seja preferível (como aconselham
alguns Teóricos da Cultura) considerarmo-nos apenas pós-modernos, e não exactamente
contemporâneos.

46
Assim, é prematuro dizer o que seja o pensamento contemporâneo: uma encruzilhada,
apenas, talvez mais consciente do poder e da miséria humana. Só o futuro o dirá (e aí, já não
seremos contemporâneos…).

O facto é que esta época pós-científica (também denominada criticismo pós-moderno) pôs em
causa a especificidade da Razão e a sua solitária caminhada. O ser humano é visto como um
poder voluntarioso, afectivo, sexual, inconsciente, material, anárquico, frágil, mortal,
desequilibrado... Todos estes autores, nas suas diversas áreas científicas, terão a mesma
intuição: foi esquecida a unidade integral do ser humano (SRV) e está impossibilitada a sua
liberdade.

E, como em todas as reacções calorosas, o exagero também pode acontecer: está então
legitimado o relativismo e a (sua correlativa) moralização: não há uma base única e natural,
cada um pode «desdizer» o outro na sua consciência. Dá-se o último golpe a uma Ética
universal, proliferando os moralismos pedagógicos, sociais, profissionais.

As ordens profissionais postulam nos seus Manuais ou Códigos pensamentos morais mais ou
menos equilibrados, mas de todos desapareceu a exigência primeira do lema: NADA ACEITES
SEM PENSAR E PENSA POR TI MESMO (Tales de Mileto). Os Códigos aligeiram as profissões,
preparam terreno, «facilitam» o encontro com a sociedade e a lei. Somos infantilizados e
desresponsabilizados.

Quadros deontológicos e morais aplicadas pretendem substituir o papel da consciência. O


indivíduo contemporâneo parece preferir que escolham por ele: são disso exemplo o
marketing, o consumismo, o luxo, o capitalismo desenfreado, a superstição das marcas, o
prazer imaturo, os temas éticos em referendos, a democracia inculta, a política «politicamente
correcta». Alicerça aí a sua felicidade, à qual passou a chamar «qualidade de vida». O
indivíduo contemporâneo vive ligeiramente e pensa ligeiramente. Tem, como diria o Filósofo,
uma «existência inautêntica».

Dar-se-á conta? Dar-nos-emos conta de uma certa (nossa) vida inautêntica, automática, só
reactiva, envolvida em engrenagem e rotina?

Pensamos?

Vivemos? Ou sobrevivemos?

7. Sumário e Reflexão Final

Em resumo pedagógico, não percamos de vista que:

 1. cultura mitológica: privilegia a actividade sensorial (“sinto e preciso”)


 2. cultura religiosa: privilegia a actividade intencional (“confio e sigo”)
 3. cultura científica: privilegia a actividade racional (“investigo e compreendo”)

47
Ou seja, desde que o ser humano se organiza num território, sob forma de povo,
seguindo uma liderança, fá-lo em três grandes formatos ou matrizes:

 1. formas de governo mitológico, materialista ou de subsistência


 2. formas de governo religioso, espiritualista ou de transcendência
 3. formas de governo liberal, racional e crítico (ou pela ciência)

Ao longo da História da Cultura Europeia (dita) Humanista, houve uma sequência histórica:

 Idade Antiga ou Grega (HELENIZAÇÃO)


 Atenas, séc.7 aC
 Idade Média ou Latina (ROMANIZAÇÃO)
 Império Romano, séc. 2 dC
 Idade Moderna ou «Europeia» (COLONIALIZAÇÃO)
 Velho Mundo, Novos Mundos, séc. 14 dC
 Idade Contemporânea ou «Global» (GLOBALIZAÇÃO)
 Sociedade do Conhecimento, séc. 21 dC

E, em todas estas fases, a mentalidade dita ocidental ganhou e perdeu alguma coisa.. O
ecletismo imperou na medida em que, logo após a fundação da primeira Universidade de
Bolonha, o ambiente derivou novamente no dogmatismo. O Renascimento procurou reavivar o
espírito crítico de Atenas, mas (até Maquiavel, Galileu e outros críticos) o conhecimento ficou
de novo comprometido.

Os episódios imperiais do Velho Mundo foram, eles próprios, episódios ecléticos, por vezes de
verdadeiros atentados aos Direitos Humanos, protagonizados por povos que deveríam ser os
seus defensores. Toda a história contemporânea está entretecida de versões complexas e
ambíguas, opondo-se a ética à moral de modo infrutífero.

E hoje?

Aproximando-nos do fim deste tópico, vejam-se algumas premissas conclusivas.

Desde o Sapiens Sapiens ao Homo Robot que as preocupações humanas de sobrevivência se


alteraram muito pouco. Os desafios ainda não foram respondidos (e são maiores). Quem
estará hoje preparado para lhes responder? A resposta mais filosófica é prudente: aquele que
mais pensa e que menos aceita sem pensar. Infelizmente, a Globalização traz consigo uma
nova ruptura: não ensina (re-ensina) a pensar. Aliás, retira-lhe tempo para tal.

Defendeu-se nas linhas anteriores que a expressão Ocidente se refere a uma matriz cultural (e
não territorial) fundada cerca do século 7 a C pelos sábios gregos de Atenas, expandida pelo
império romano e definida em costumes e práticas pelo cristianismo nascente (greco-romano-
cristã). São essas as respostas do Ocidente, com as suas mais-valias e também as suas
evidentes deficiências.

Existe obviamente mais do que um «pensamento» válido e eficaz. Aliás, cada cultura pode
legitimamente reclamar o seu. Mas importa distinguir: este pensamento contemporâneo, a

48
partir do qual hoje e aqui avaliamos todos os outros (pensamentos) nasce na Antiguidade
Grega, e depois é espalhado pela Civilização Latina.

A história do pensamento dito «ocidental» não aludiu grosseiramente a uma realidade


geográfica ou a um consórcio político contemporâneo. Fundamentalmente indica uma educação
(ou contexto educacional) comum a alguns povos e indivíduos desde há vinte e sete séculos,
aproximadamente: a Europa tem essa «idade» ou «tempo educativo», derivado sobretudo, das
suas universidades, do saber sistemático e dos lugares de partilha em comunidade científica
(os grandes centros ancestrais, já sociais e quase industriais).

Toda a história que não possui esta matriz conceptual pode apelidar-se: não-ocidental (sem
existir atribuição territorial nesta nomenclatura). A história não-ocidental também possui as
suas próprias respostas às universais Questões Originárias (inscrevendo-se prioritariamente
numa linha de pensamento mitológico e/ou de pensamento religioso), gerando igualmente
sólidas e interessantes civilizações.

Por isso, Ocidentalismo e «Orientalismo» (ou cultura oriental e cultura ocidental, assim
simplisticamente apelidadas no nosso tempo) são, na Teoria da Cultura, não dois lugares
geográficos, mas sim duas leituras culturais em registo antípode sobre a existência humana.

No entanto, hoje dificilmente mantemos esses dois pólos de diferença, ou seja, orientalismo e
ocidentalismo. A complexidade do mundo contemporâneo supera, desfaz, esboroa
mentalidades ocidentais e / ou orientais. Afinal, o que é o Oriente e o Ocidente depois da
Sociedade em Rede, que supera distâncias e acentua quer ignorâncias, quer a sua possível
superação?

Como síntese, podemos reter as seguintes correntes predominantes no nosso tempo:

 Ecleticismo: doutrinas contrárias convivem com facilidade; mescla de ignorâncias e/ou


superficialidade (mito+religião+ciência)
 Holismo: conexão interdisciplinar e integrada na consideração de problemas
abrangentes, mas por vezes ambígua e moralista
 Relativismo: consideração de que «tudo tem mais ou menos o mesmo valor», o que
pode equivaler a uma justificação contextual e cultural do erro e do errado (raiz do
pragmatismo e utilitarismo)
 Conformismo & Consumismo: a orientação das vidas pessoais e nacionais faz-se por
critérios economicistas (por vezes, hedonistas); a resignação ou conformação acontece
em nome do «nível de vida» ou estatuto a preservar.
 Hedonismo: o prazer como substituto da realização pessoal
 Dogmatismo religioso: em reaparição e com mais força visível (também nas redes
sociais)
 Criticismo civil (ou de cidadania): a afirmação de valores com voz disseminada
(redes sociais)

Hoje, a educação e a cultura surgem como as mais transitórias, fugazes, residuais e


incaracterísticas enquanto tal: são «filhas do seu tempo». Trazem consigo um problema (não
novo, mas nunca tão profundamente sentido como no século 21) que é também um desafio: o
ECLECTICISMO.

Como vimos, talvez a fórmula mais lapidar para a contemporaneidade se plasme exactamente
nesta palavra e nesta corrente (o ecletismo) dado que ele é a imensa mistura de conceitos

49
contrários e contraditórios, que teoricamente se anulam e repudiam entre si enquanto modelos
opostos, mas que, na vida prática, informal, célere e, por vezes, superficial dos nossos dias,
funcionam mesclados, confusos e… integrados! Uma disfuncionalidade funcional. Por isso e, de
certo modo, todos somos um pouco eclécticos, mesmo os que não sabem que o são.

A grande tendência ao ecletismo propiciou o relativismo moral-social (onde tudo vale tudo
ou vale nada, conforme a ocasião e quem o diz) e este pode levar à passividade e mesmo à
indiferença ética e moral. Hoje, no campo profissional contemporâneo, valores eclécticos e
valores relativistas são o suporte da vida quotidiana. O cidadão e o profissional contemporâneo
tendem a estar mais atentos à situação do que ao conteúdo da situação. O que conduz a erros
de avaliação constantes. Deverá, então, a nossa área científica ser igualmente ecléctica e
relativista? É certo que, se pouco soubermos de modo profundo e rigoroso, tudo tenderemos a
aceitar como igual. O ignorante não tem receio em aceitar qualquer posição, qualquer tema,
qualquer ideia, dado que pensa que tudo é horizontal e indiscriminado…

Há um grande perigo na ignorância, assim como há um grande perigo na passividade: a


desvalorização de tudo começa aí. O ecletismo levou a este vazio da sociedade ocidental,
debilitada num caldo de consumismo frustrado, adormecida no culto da trivialidade, preguiça e
ignorância, que se traduz no alvo vulnerável de todo o obscurantismo, manipulação e barbárie,
onde germina latente uma recusa de tudo a troco de nada.

E o ecletismo também contaminou grupos orientalistas através da sedução da Globalização e


dos seus mundos prometidos como fáceis. Por último, tudo o que sucumbe ao ecletismo deriva
hoje no relativismo (definido como posição moralista que pretende invadir o campo ético com
legislação local e opinião variável).

Se não se puser cobro a esse vazio relativista, poderá o humanismo diluir-se nela? É caso para
recordar que, como afirmado no início, a cultura contemporânea crítica possui todos os
problemas não resolvidos pelas diferentes épocas da sua história (Antiga, Medieval, Moderna e
Pós-moderna). Ou seja, o actual momento da história do pensamento não é simples…

Todas as culturas ditaram as suas morais. Porém, só a cultura independente crítica definiu
uma ÉTICA UNIVERSAL, inata e natural. Por ironia, sabemos que hoje, nem os povos
(inicialmente ditos) ocidentais seguem essa «eticidade», pactuando com poderes instituídos,
mentalidades fechadas e pseudo-qualidade de vida… Como exigi-lo a outros povos, educados
fora dessas premissas? Faltando o exemplo, não se pode fazer a exigência.

Contra a ligeireza pode (res)surgir a Educação enquanto investimento em pensamento forte,


pensamento crítico, pensamento genuíno, não emprestado, não corrupto. É a única forma de
resistência que terá voz no futuro. Porém, se a Humanidade perder a sua coerência atitudinal,
a defesa da lei natural, a sua vida activa pensante, a sua reflexão crítica, a sua capacidade de
escolher autonomamente, então iniciar-se-á o retrocesso da evolução humana. Regressaremos
à barbárie.

Só através do pensamento crítico, base da cultura humanista, poderá a Humanidade


permanecer como fenómeno consciente e criativo. É à Escola que cabe ensinar o pensamento
crítico, praticando-o: em cada professor, treinador, formador existe um pensador. E só há uma
forma de ensinar a pensar: pensando. A Educação é vida, resistência e civilização. Perante o
projecto formativo, somos todos iguais e indispensáveis no nosso lugar profissional.

Maria João Castelbranco da Silveira

50
Referências Bibliográficas (suporte e aprofundamento de estudo)

Carácter generalista e temático:


1. Enciclopédia EINAUDI
2. Enciclopédia UNIVERSALIS
3. Enciclopédia LOGOS

Dicionários básicos da Filosofia:


1. José Ferrater Mora
2. Simon Blackburn

Histórias do Pensamento Filosófico:


1. François Chatelêt
2. Nicola Abagnagno
3. Anthony Kenny

Dualismo vs Unidade Tridimensional / The body-mind problem


1. Damásio, António R. O Erro de Descartes.
2. Damásio, António R. O Sentimento De Si.
3. Popper, Karl. O Conhecimento e o Problema Corpo-Mente
4. Searle, John. Mente, Cérebro e Ciência.
5. Sérgio, Manuel. Alguns olhares sobre o Corpo.
6. Scopel, Evânea J., and Carolina Bartilotti. "Reflexões sobre o Corpo Como Modo de Ser-no-Mundo."

Outra Bibliografia Geral


AGAMBEN, Giorgio (2009). O que é o Contemporâneo? Chapecó: SC. Argos

ARENDT, Hannah (2007). A condição humana. Lisboa: Relógio d´Água

BAUDRILLARD, Jean (2003), A Sociedade de Consumo, Lisboa, Ed. 70

BAUMAN, Zygmunt (2007). A Vida Fragmentada. Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Lisboa: Relógio d’Água

BLOOM, Allan (1987). A cultura inculta. Ensaio sobre o declínio da cultura geral. Lisboa, Europa-América

CARVALHO, Y.M. (2001). Educação Física e Filosofia. São Paulo: Hucitec.

FENSTERSEIFER, P. E. (1996). «A contribuição da filosofia para a área de Educação Física e/ou Ciências do
Esporte». Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Ciências do Esporte 17

GIDDENS, Anthony (1997), As Consequências da Modernidade, Lisboa, Celta

GONÇALVES, Raquel (1997) Ciência, Pós-Ciência, Metaciência – tradição, inovação e renovação, Lisboa, Terramar

HEIDEGGER, Martin (1984), Carta sobre o Humanismo, Lisboa, Ed.Guimarães

JONAS, Hans (2004), El principio de responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización tecnológica, Madrid,
Herder

Journal of the Philosophy of Sport (JPS). USA: Human Kinetics

KRETCHMAR, R. Scott (2005). Practical Philosophy of Sport and Physical Activity. USA: Human Kinetics

MORGAN, William (2007). Ethics in Sport. USA: Human Kinetics

SCHWANITZ, Simon (2003). Cultura.Tudo o que é preciso saber. Lisboa: Dom Quixote

VATTIMO, Gianni (2011) O fim da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna, Lisboa, Presença

51

Você também pode gostar