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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO


EXERCÍCIO E METABOLISMO

Francisco Paulino de Abreu Neto


Introdução
O exercício e a atividade física exercem um papel importantíssimo dentro da nossa rotina diária. Tornar-
se fisicamente ativo é uma questão de sobrevivência, pois precisamos nos locomover para poder
explorar o mundo e alcançar nossos objetivos. Além disso, na atualidade, o exercício se tornou também
a maneira mais barata e eficaz de garantir uma melhor qualidade de vida e prevenir uma série de
doenças da modernidade. Movimentar-se é, portanto, uma atividade inerente de nossa fisiologia, e
entender como o exercício e a atividade física alteram nossas funções fisiológicas é fundamental. É
justamente este o papel da fisiologia do exercício: compreender como nosso corpo funciona a uma série
de estímulos e mudanças relacionadas ao exercício.
Assim, tendo em vista a importância desse assunto, nesta unidade, você terá acesso a uma série de
conceitos de grande valia para o profissional que quiser se destacar no mercado de trabalho e oferecer
um atendimento de qualidade aos clientes, compreendendo o que é o exercício, seu papel e como tudo
se inicia por meio do estudo da fisiologia do movimento humano.
Você conhece a bioquímica envolvida na liberação de energia? E como metabolizamos e fornecemos
energia para o corpo se movimentar? Como as reações químicas ocorrem? Como aproveitamos os
nutrientes de nossa alimentação para o fornecimento de energia? Finalmente, como o exercício e o
treinamento causam adaptações em nossos sistemas? Todas essas perguntas você terá oportunidade
de responder ao longo desta unidade, na qual você compreenderá, ainda, como a bioenergética é
importante para entendermos sobre a intensidade e duração do exercício, sobre o gasto energético e,
ainda, descobrirá como podemos medir o gasto energético.
Pronto(a) para começar? Bons estudos!

1.1 Conceitos importantes


Antes de iniciarmos nossos estudos sobre fisiologia do exercício, é importante entendermos alguns
conceitos que, no dia a dia, costumamos tratar de maneira muito simples e até mesmo como sinônimos,
mas que possuem certas diferenças. É muito comum, assim, que conceitos como exercício, aptidão
física, condicionamento físico, saúde, entre outros, sejam compreendidos de maneira equivocada ou
simplista. Contudo, há diferenças fundamentais entre esses termos que são importantes para
compreendermos como os sistemas fisiológicos são alterados por meio dessas práticas. Apesar de
necessariamente diferentes, esses conceitos se completam e muitas vezes agem uns sobre os outros,
pois, como você verá, os sistemas fisiológicos não são uma gaveta com várias divisórias, mas sim uma
grande engrenagem que se movimenta de forma interligada, na qual um pequeno movimento faz toda
máquina funcionar.

1.1.1 O que é o exercício?


Existem muitas explicações a respeito do que é o exercício, desde uma sucessão de contrações
musculares para um devido fim, uma resposta motora a um determinado estímulo e até mesmo uma
atividade realizada para desenvolver uma aptidão física. Porém, o certo é que o exercício físico é o ponto
de partida para as respostas fisiológicas que irão começar a desencadear em nosso organismo as
adaptações agudas e crônicas a respeito da atividade física (MCARDLE, 2016).
1.1.2 O que é aptidão física?
Assim como a definição de exercício, a definição de aptidão física também depende muito do contexto
no qual ela está inserida. A aptidão física está relacionada ao tipo de estresse ao qual o corpo humano é
submetido, e assim como existem diversos tipos de exercícios, existem também diversos tipos de
aptidões físicas: podemos falar sobre aptidão física relacionada à força e potência muscular; resistência
aeróbia e resistência muscular; flexibilidade e composição corporal. Esta última, por mais estranho que
possa parecer, é sim uma aptidão física, pois também define uma predisposição ao exercício. Assim, ela
também é classificada como aptidão física (FLECK; KRAEMER, 2014).

1.1.3 O que é treinamento físico?


O treinamento físico pode ser descrito como uma sequência de exercícios físicos realizados de uma
forma organizada e sistêmica para o desenvolvimento de uma ou mais aptidões físicas. É essencial
entender esse conceito para compreender a importância da sequência de exercícios propostos em uma
sessão de treinamento físico, por exemplo. Tudo deve ter um porquê e um objetivo bem definido, pois o
corpo humano só irá se transformar, adaptar-se e provocar as mudanças necessárias para o
desenvolvimento das aptidões se promovermos os estímulos certos, na dose certa e no momento certo.
Esses diferentes estímulos e diferentes respostas ao exercício físico e ao treinamento são o principal
objeto de estudo da fisiologia do exercício.

1.1.4 Adaptações agudas e crônicas ao exercício físico


As adaptações ao exercício e/ou ao treinamento físico ocorrem de duas maneiras. Conheça esses dois
tipos de adaptações clicando nas abas a seguir:

Inicialmente, temos as mudanças imediatas ao exercício: saímos do ponto de


repouso no qual nos encontramos e iniciamos algum movimento. Assim, o
Adaptaçõe
organismo precisa sair de seu ponto de homeostase e provocar as primeiras
s agudas
adaptações, como contração muscular, aumento da frequência cardíaca, sudorese
etc. Para essas adaptações, damos o nome de adaptações agudas.

Com o passar do treinamento – uma semana, duas semanas, um mês, três meses
Adaptaçõe –, surgem mudanças corporais como hipertrofia, aumento do ventrículo esquerdo,
s crônicas aumento da capacidade cardiorrespiratória etc. Chamamos essas mudanças de
adaptações crônicas (FLECK; KRAEMER, 2014).

A seguir, conheça mais sobre uma das adaptações crônicas ao treinamento.


VOCÊ SABIA?
Entre as adaptações crônicas ao treinamento, podemos destacar a hipertrofia.
Ela é uma das adaptações mais estudadas pelos profissionais da área para
entender melhor o ganho de massa muscular. Diversas estratégias e tipos de
treinamento físico são realizados para otimizar o ganho de massa magra,
como o treinamento resistido (musculação) de oito semanas, por exemplo, por
meio do qual ocorre o aumento da força e/ou hipertrofia muscular em função
da maior ativação elétrica nas fibras musculares durante o exercício. Tal
adaptação se dá, assim, por meio de diferentes métodos de treinamento que
possuem, cada qual, séries e repetições e aumento de carga de maneira
contínua e adaptada ao objetivo e ao indivíduo (FLECK; KRAEMER, 2014).

A seguir, você compreenderá como ocorrem esses processos e descobrirá, ainda, qual o passo a passo
para controlar cada adaptação. Acompanhe!

1.2 O que é homeostase?


Quando estamos em repouso – como, por exemplo, agora, enquanto você está lendo este conteúdo –,
encontramo-nos em um momento que chamamos de homeostase. Esse momento não indica que nada
esteja ocorrendo, apenas que os sistemas estão em equilíbrio e suas funções corporais se combinam
para manter a homeostase. A homeostase é um importante conceito para entendermos que o estresse é
muito importante para a adaptação e melhora dos sistemas fisiológicos, mas que após vivenciá-lo, o
organismo tende sempre a voltar ao equilíbrio. Quando mais rápido isso acontecer, mais teremos uma
indicação de que o sistema está eficiente.

1.2.1 Sistemas de controle corporal


No nosso organismo, possuímos inúmeros sistemas de controle corporal, desde sistemas para controlar
a respiração, o batimento cardíaco, a contração muscular, a pressão arterial, a sudorese, entre muitos
outros. Nesta unidade, veremos os principais sistemas relacionados ao exercício e as adaptações que
decorrem dele.
Os componentes do sistema de controle corporal são baseados em três pontas, as quais você conhece
clicando a seguir:

A primeira refere-se ao receptor do estímulo.


A segunda diz respeito à unidade de controle.

A terceira é concernente ao mecanismo efetor.


Para exemplificar, podemos observar o mecanismo de controle da pressão arterial. Com o aumento da
frequência cardíaca e o aumento da circulação sanguínea relacionados ao exercício ou estado de
estresse, a pressão arterial também sofre alteração. Sendo assim, entra em ação o sistema de controle
para que não ocorra a hipertensão. Vários mecanismos sensoriais provocam alterações de
vasodilatação (artérias e veias) para ocasionar um aumento em seu calibre e para que, assim, o sangue
possa circular de maneira mais eficiente, gerando uma vasodilatação e fazendo com que a pressão
arterial não atinja níveis prejudiciais.
Outro sistema de controle interno importante que funciona durante o exercício é o controle da sudorese.
Chamamos esse sistema de termorregulação ou controle hídrico. Quando nos exercitamos, os
músculos em contração aumentam a produção de calor, sendo assim, para mantermos a temperatura
corporal em valores normais, esse calor deve ser direcionado para o ambiente externo. Como o corpo
tem receptores ao calor na pele, bem como, na região do cérebro, o aumento da temperatura no sangue
é sentido pelo hipotálamo, temos uma estimulação nervosa e a sudorese. Desse modo, perdemos a
maior parte desse calor por meio da evaporação do suor expelido pela nossa pele. A perda de líquido em
forma de suor pode chegar a dois litros por hora se a temperatura do ambiente estiver quente e/ou
úmida e a intensidade do exercício for alta.
Figura 1 - Na imagem, é possível ver com detalhes os locais onde é produzido e excretado o suor.
Fonte: sciencepics, Shutterstock, 2019.

Na sequência, verificamos outros exemplos dos principais sistemas de controle biológico acionados
durante o exercício. No quadro, à esquerda, você verá os efeitos de cada sistema de controle
mencionado, estando presentes apenas aqueles que possuem uma ação direta com o exercício, como o
aumento do metabolismo, a diminuição da glicose, o aumento da ventilação pulmonar, aumento da
frequência cardíaca, aumento da sudorese, diminuição da resistência vascular e o aumento da
reabsorção de água pelos rins. Na coluna do meio, é possível verificar qual será o estímulo e o seu órgão
efetor que desencadeará a ação. Por fim, à direita, é apresentada sua função dentro da resposta ao
exercício e/ou ao treinamento.
Quadro 1 - Sistemas de controle biológico mais importantes durante o exercício.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

Cada um desses exemplos demonstra um sistema de retroalimentação, o que significa que há uma
maneira de controlar os estímulos positiva ou negativamente. Para entender de maneira mais simples,
quando uma concentração de um determinado estímulo estiver muito alta, o organismo tende a criar
situações para baixá-la; e quando a concentração estiver muito baixa, o organismo cria situações para
aumentá-la, buscando, assim, sempre o equilíbrio homeostático.

1.3 O que é metabolismo?


O metabolismo é o termo utilizado para mensurar o gasto energético do organismo. O corpo possui uma
necessidade individual de gasto energético para suas funções vitais, tais como batimento cardíaco,
circulação sanguínea, manutenção da temperatura corporal etc. Ele gasta, em média, cerca de 1200 a
2000 calorias só em repouso.
Nesta unidade, veremos aquilo que o exercício muda nesse processo; quanto a mais de calorias podem
ser acrescentadas nesse metabolismo; as diferenças entre intensidades de exercícios; as diferentes
reações químicas que são provocadas para o fornecimento de energia para a atividade física; e,
finalmente, como os sistemas musculares se adaptam e melhoram para produzir de forma mais
eficiente essa energia.

1.3.1 O que é energia?


O organismo não armazena energia de uma forma direta e, por isso, não consegue utilizá-la
imediatamente, ou seja, precisa-se de um estímulo para que se inicie uma série de reações químicas que
irão liberar essa energia, que chamamos de energia química. Desse modo, dizemos que a energia não
pode ser criada ou destruída, mas modificada de uma forma a outra.
A transferência de energia será sempre processada no sentido do aumento da excitação das moléculas
e, assim, a “energia livre” será obtida. Diante disso, podemos definir a energia a qual necessitamos como
aquela que se obtém a partir das ligações químicas ou da quebra dessas ligações.
Para entender esse processo, é importante nos lembrarmos de que quase tudo que nos circunda – como
o nosso corpo – é formado por ligações químicas. Desse modo, a energia química tem grandes
possibilidades para ser realizada, sendo uma das mais importantes para nossa sobrevivência: a
alimentação que ingerimos tem energia química que é quebrada, fornecendo-nos aquilo que precisamos
para sobreviver (ANDRADE, 2016).

1.3.2 ATP: nossa moeda de energia


Segundo Robergs (2012, p. 28), a ATP

[...] é uma molécula de alta energia produzida pelo organismo, presente em todas as células,
que consiste em uma molécula de adenosina (adenina) unida a uma molécula de
nucleosídeo (ribose) e a três radicais fosfato (composto de fósforo unidos a oxigênios),
conectados em cadeia, onde a energia é armazenada nas ligações entre os fosfatos. A
quebra de uma molécula do grupo fosfato libera uma grande quantidade de energia,
aproximadamente entre 7,3 e 7,6kcal/mol, reduzindo o ATP a uma molécula de adenosina
difosfato (ADP) e uma molécula de fosfato inorgânico (Pi). A energia livre liberada nessas
reações é responsável pelos processos de contração muscular e pelos estímulos elétricos
neurais que controlam os movimentos corporais e a regulação hormonal.

Assim, tanto no repouso ou em qualquer outra atividade produzida por meio de movimentos, tem-se uma
liberação de energia pela quebra de moléculas de ATP utilizadas para a realização dessas práticas.

1.4 Bioenergética
A ciência que estuda como a energia é convertida de uma forma a outra em seres vivos é denominada
bioenergética. Para a fisiologia do exercício, é fundamental o estudo dessa ciência para entendermos
como a energia química é processada para a disposição do organismo ao movimento. A seguir, clique e
conheça as principais leis desta ciência:

Primeira lei

A primeira lei da bioenergética diz que a energia nunca é


destruída, mas sempre transformada. Portanto, as reações
químicas que são realizadas em nosso organismo promovem
diversos tipos de reações, assim como a contração muscular
que gera o movimento. A quebra da molécula de ATP será uma
das principais responsáveis por isso.

Segunda lei
A segunda lei da bioenergética nos ajuda a compreender o
porquê ou em qual direção ocorreu a reação química e, dessa
forma, o quanto de energia química foi liberada. Na reação
química que quebra o ATP, ocorre a liberação de energia que é
utilizada pelos músculos para o movimento. A molécula de ATP
se transforma em ADP e, nessa reação, são liberadas cerca de
14 kcal/mol de ATP hidrolisado em adenosina difosfato, o que
abastece os processos envolvidos no trabalho celular, tais como
a contração muscular.

No esquema a seguir, podemos observar o modelo da molécula de ATP e suas ligações e, na sequência,
o modelo do esquema da quebra do ATP.
ATP = ADENOSINA – ENERGIA – Pi – ENERGIA – Pi – ENERGIA – Pi
Na liberação de energia, ocorre a seguinte reação:
(ATP) ADENOSINA – Pi – Pi – Pi / ação da enzima ATPase / Quebra de uma ligação de Pi
A molécula fica, então, da seguinte maneira:
(ADP) ADENOSINA – Pi – Pi + ENERGIA – Pi
Quando há uma ingestão excessiva de alimentos, as células não aumentam os seus estoques de ATP
proporcionalmente a essa alimentação, uma vez que elas não possuem espaço suficiente para acumular
ATP. Sendo assim, o excesso de moléculas de glicose é utilizado para formar um outro substrato
energético: o glicogênio. Havendo uma quantidade ainda maior de alimento, esse excesso também pode
ser direcionado para a formação de ácidos graxos (gordura). Portanto, glicogênio e ácidos graxos são
estoques de substratos ricos em energia que o organismo forma para ter à disposição quando em
situações nas quais a demanda por energia durante o exercício aumente.

1.4.1 Metabolismo celular


Para o exercício, temos dois momentos muito importantes no processo celular: o catabolismo, momento
de quebra de energia; e o anabolismo, momento de ressíntese de energia. Muitas dessas reações
ocorrem de maneira conjunta, funcionando em um equilíbrio dinâmico: uma maior quebra de energia
aumenta o catabolismo e uma diminuição sua aumenta o anabolismo, e vice-versa. A velocidade das
reações pode ocorrer de diversas maneiras, sendo importante para nosso estudo a compreensão de
como a intensidade do exercício pode influenciar nesse processo.

1.4.2 Catabolismo e anabolismo


Para compreender mais sobre os processos de catabolismo e anabolismo, podemos nos voltar para o
local onde ocorre o movimento: o músculo esquelético. Apesar de que, para fins didáticos, normalmente
estudamos cada particularidade sua de forma separada, é importante entendermos que todas as
especificidades do metabolismo ocorrem simultaneamente. Tendo isso claro, tenhamos em mente que
o músculo esquelético pode produzir ATP necessário para promover uma contração muscular a partir de
uma combinação de três vias metabólicas: sistema fosfagênio ou ATP-CP; sistema glicolítico; e sistema
aeróbio.

• Sistema fosfagênio ou ATP-CP


Como visto anteriormente, primeiro temos a quebra da molécula de ATP disponibilizando energia por
meio da liberação de um fosfato inorgânico de sua cadeia. Porém, para manter o sistema ativo, temos
também o reverso da equação. A fosfocreatina (PC) tem uma cadeia de fosfato de alta energia, e
decompõe-se na presença da enzima creatina fosfoquinase. A energia liberada é, então, utilizada para
formar novamente uma molécula de ATP, a partir do ADP. A importância desse sistema é que ele pode
regenerar o ATP rapidamente. Durante o exercício, devemos lembrar que a reserva de ATP intramuscular
é limitada. Sendo assim, ela pode ser deletada durante um exercício intenso como, por exemplo, o sprint
de 100 metros no atletismo.

• Sistema glicolítico
A glicose oriunda do excesso de nutrientes é armazenada no músculo e no fígado. A esse substrato
damos o nome de glicogênio, e recorremos a ele para fornecer mais energia ao movimento. Navegue no
recurso a seguir e conheça mais sobre o glicogêncio e o sistema glicolitico:

O glicogênio muscular é uma molécula grande constituída por unidades de glicose. Ao


catabolismo da glicose, por sua vez, damos o nome de glicogenólise.

A glicogenólise anaeróbia representa também um dos principais fornecedores de ATP


durante atividades de alta e média intensidade e de curta duração como as corridas de curta
distância.

É o caso, por exemplo, de provas de 400 e 800 metros e também de provas de 50 e 100
metros na natação, além de muitas vezes, ainda, atividades mistas como os esportes
coletivos de alto nível. Essas atividades – denominadas atividades anaeróbias – dependem
maciçamente do sistema fosfagênio e da glicólise anaeróbia.

Finalmente, cumpre destacar que temos dois tipos de atividades anaeróbias: as aláticas e as
láticas. A primeira ocorre como descrito no sistema fosfagênio, no ponto anterior; e as
láticas são as descritas aqui no sistema glicolítico.

Elas são láticas porque produzem resíduos dessa reação – como o lactato –, que
armazenam energia para o processo continuar no próximo sistema: o aeróbio.

• Sistema aeróbio
Ao passo em que a intensidade do exercício diminui e a duração é prolongada, diminui-se a dependência
que vem dos fosfagênios intramusculares e da glicólise anaeróbica e a produção aeróbia de ATP, por seu
turno, torna-se cada vez mais importante. A partir da quebra incompleta da glicose, o sistema glicolítico
fornece um substrato que conhecemos como piruvato. Esse substrato adentra a mitocôndria
começando, assim, o processo que conhecemos como Ciclo de Krebs. O sistema aeróbio é
particularmente adequado para a produção de ATP durante o exercício prolongado tipo resistência
(endurance), portanto, para que tenhamos energia suficiente para suportar atividades muitas vezes de
algumas horas, dependemos de todas as vias metabólicas funcionando tanto no sentido da quebra das
moléculas para fornecer energia quanto na ressíntese para promover a continuação do fornecimento de
energia.

Figura 2 - Em jogo coletivo como o futebol, as fontes energéticas predominantes mudam a todo
momento, e todas trabalham de uma forma integrada para o fornecimento de energia.
Fonte: Natursports, Shutterstock, 2019.

Desse modo, durante um jogo de futebol, por exemplo, existe o predomínio de diferentes vias
metabólicas. O grande desafio é justamente em atividades mistas como essa e em outros esportes
coletivos, tendo o corpo de se adaptar criando um aporte energético necessário para que se mantenha
em alto nível durante o exercício.
VOCÊ QUER LER?
Uma das principais fontes de conteúdo técnico e científico para fisiologistas de
todo o mundo é o site do American College of Sports Medicine. Sobre o tema das
vias metabólicas, o artigo “Modelos de progressão no treinamento de resistência”,
de Kraemer et al., publicado originalmente no site, traz pontos importantes a
respeito da progressão nos treinamentos e seus conceitos. A leitura do artigo
traduzido está disponível em: <https://www.cdof.com.br/acsm5.htm
(https://www.cdof.com.br/acsm5.htm)>. Confira!

Anteriormente, vimos que a ingestão de alimentos pode fornecer energia química. Mas quais são os
nutrientes que estão incluídos nesses alimentos e que nos fornecem energia? Vejamos na sequência!

1.4.3 Quais nutrientes alimentam o fornecimento de energia?


Os principais nutrientes utilizados pelo organismo no metabolismo energético são os carboidratos
(glicose), a gordura (ácidos graxos) e as proteínas (aminoácidos). A seguir, clique nas abas para
conhecer cada um deles.

Glicose

A glicose é o carboidrato predileto do metabolismo no músculo. O glicogênio é constituído


por uma proteína interna a qual as moléculas de glicose são anexadas.
Lipídeos

Os principais lipídeos, por sua vez, são aqueles que chamamos de glicerol.

Aminoácidos

Os aminoácidos possuem átomos de nitrogênio que serão importantíssimos na fase de


ressíntese, no anabolismo.

Esses principais nutrientes são responsáveis por diversas funções tanto no catabolismo quanto no
anabolismo. Eles também são utilizados de forma diferente dependendo da intensidade do exercício: em
atividades mais intensas, irá ocorrer uma utilização mais rápida e disponível da glicose fornecida mais
rapidamente pelos carboidratos; em uma atividade física prolongada, será necessária a reserva
energética oferecida pelas gorduras na forma de glicerol; as proteínas, finalmente, serão melhor
aproveitadas na ressíntese proteica com a utilização dos aminoácidos para reconstrução dos músculos.

1.4.4 Gasto energético e ergometria


Durante o exercício, utilizamos energia química para a contração muscular. Além disso, ao longo do dia,
utilizamos energia para nossas funções vitais, gastamos energia para a manutenção da temperatura e,
ainda, para muitas outras funções do nosso sistema fisiológico. Assim, produzimos trabalho e potência.
Para podermos medir esse trabalho, cientistas desenvolveram métodos que podem quantificá-lo. Testes
são aplicados de maneira que o indivíduo, ao realizar um exercício de forma controlada, possa mensurar
seu nível de esforço. Quando se controla a intensidade do exercício, as respostas metabólicas podem
ser comparadas entre indivíduos diferentes ou, ainda, pode-se comparar as respostas de um mesmo
indivíduo em circunstancias diferentes.
Esses testes são importantes para sabermos qual o balanço calórico total, ou seja, a quantidade de
calorias gastas durante uma atividade física e durante nosso dia como um todo. Para descobrirmos tal
balanço, primeiramente dividimos o gasto energético em dois momentos: no primeiro, calculamos a taxa
metabólica basal (TMB), isto é, a quantidade de calorias gastas para o corpo se manter vivo, apenas a
contar suas funções vitais. Sendo assim, devemos usar, de forma indireta e bem prática, uma equação
muito utilizada na literatura. Trata-se de uma equação padrão criada pelo pesquisador Harris Benedict,
em 1918, que segmenta os gêneros masculino e feminino em função da diferença de composição
corporal entre massa magra e gordura corporal. Dessa maneira, temos as seguintes equações:

• masculino: TMB = 66,5 + (13,75 x peso em kg) + (5,003 x altura em


cm) - (6,755 x idade em anos);
• feminino: TMB = 655,1 + (9,563 x peso em kg) + (1,850 x altura em
cm) - (4,676 x idade em anos).
Para exemplificar, consideremos um homem de 80 quilogramas, com 1,75 metros de altura e 30 anos de
idade. Diante desses dados, teríamos:
TMB = 66,5 + (13,75 x 80) + (5,003 x 175) - (6,755 x 30)
TMB = 66,5 + (1100) + (875,525) - (202,65)
TMB = 66,5 + (1975,525) - (202,65)
TMB = 2042,025 - 202,65
TMB = 1839,375 calorias
Esse valor é a taxa metabólica basal desse indivíduo, que representa, portanto, a quantidade de calorias
que ele gasta para manter suas funções vitais durante o dia. Para um exemplo feminino, precisaríamos
escolher a outra equação. Essas equações são diferentes devido ao fator biológico: as mulheres
possuem, geneticamente, uma diferença entre porcentagem de massa magra em relação aos homens,
em virtude de fatores hormonais. A equação das mulheres leva a considerar que o gasto energético em
situações equivalentes é menor.
VOCÊ SABIA?
O gasto energético utilizado durante a atividade física pode variar bastante de
pessoa para pessoa e de atividade para atividade. Isso ocorre porque o gasto
depende de fatores como a intensidade do exercício proposto, o tempo de
realização da atividade e a composição corporal do indivíduo. É evidente,
contudo, que quanto maior a porcentagem de massa magra, maior o gasto
energético, uma vez que a célula de gordura não gasta energia, ela armazena.

Observemos, agora, o quadro a seguir, no qual podemos verificar o que um homem de 80 quilogramas e
uma mulher de 60 quilogramas gastariam para cada 30 minutos de diferentes atividades físicas
relacionadas ao esporte. Nesse caso, não foi considerado o percentual de massa magra dos indivíduos.
Quadro 2 - Gasto energético por atividade física e gênero. É possível observar que o gasto energético de
mulheres é menor que o de homens.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

No dia a dia, como vimos, também executamos diversas atividades que possuem, muitas vezes, um bom
gasto energético e que, se executadas várias vezes ao dia e por um período de tempo grande, podem
fazer diferença para o balanço energético. Por isso, é importante não só praticar atividades físicas, como
também ter um estilo de vida ativo, executando atividades com gasto energético ao longo do dia.
Observe, no quadro a seguir, os gastos energéticos relacionados às atividades do dia a dia com base nas
mesmas características especificadas no quadro anterior: um homem de 80 quilogramas e uma mulher
de 60 quilogramas.
Quadro 3 - Em atividades diárias, também há gastos que fazem diferença para o balanço energético.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

Agora, já temos duas informações importantes para o cálculo do gasto calórico total de um indivíduo: já
sabemos como calcular o gasto da taxa metabólica basal e temos uma referência de diferentes
atividades físicas e a proporção por tempo de exercício. Assim, só precisamos saber qual atividade
física e por quanto tempo o indivíduo a praticou, sendo possível, então, fazermos o cálculo do gasto
energético total (GET).
Anteriormente, para o indivíduo de nosso exemplo, vimos que ele possui uma TMB de 1839,37 calorias,
em repouso. Mas caso ele praticasse corrida, como ficaria o seu gasto energético total?
CASO
Imagine, por exemplo, um indivíduo chamado Pedro, do sexo masculino, de 80
quilogramas de massa corpórea, 1,75 de altura, 35 anos. Pedro pratica corrida
três vezes na semana, e a cada dia de treinamento, corre 45 minutos. Com
base nisso, podemos calcular o gasto energético total de um dia de treino de
Pedro. Para o cálculo, iniciamos, como vimos, descobrindo qual a TMB de
Pedro a partir do seguinte cálculo:
Masculino: TMB = 66,5 + (13,75 x peso em kg) + (5,003 x altura em cm) –
(6,755 x idade em anos). Logo, TMB = 66,5 + (13,75 x 80) + (5,003 x 175) -
(6,755 x 30) = 1839,37 calorias.
Agora, observemos que, em relação à corrida, temos o seguinte valor de
referência: 292 quilocalorias de gasto energético a cada 30 minutos. Contudo,
como Pedro pratica 45 minutos de corrida por dia de treinamento, e não 40,
para calcularmos as calorias totais de sua atividade, precisamos utilizar uma
regra de três. Assim, se em 30 minutos Pedro gasta 292 quilocalorias, em 45
minutos, Pedro gasta X:
X = 292 x 45 / 30 = 438 calorias.
Assim, obtivemos o gasto de Pedro na atividade. Para saber qual o GET, é só
somar esse valor ao cálculo da TMB:
GET = 1839,37 + 438,00 = 2.277,37 calorias no dia que pratica o treinamento
de corrida.

Mas por que esses cálculos são importantes?


Clique nas abas a seguir para entender:

Nutrição e composição corporal

Para prescrever uma nutrição e identificar casos em que o indivíduo tem de alterar sua
composição corporal, é imprescindível sabermos dessas taxas. Quando desejar emagrecer, por
exemplo, o indivíduo terá de consumir menos do que gasta. Já para manter o peso, precisará ter
uma ingestão equilibrada entre gasto e consumo. Finalmente, caso o sujeito necessite aumentar
seu peso, terá de ingerir mais calorias do que normalmente gasta.

Aumento da massa magra


Outro fator importante dentro do processo de controle da taxa metabólica basal é o aumento da
massa magra: quanto maior for o percentual de massa magra do indivíduo, maior será o seu
metabolismo basal. A massa magra gasta mais energia para se manter do que a gordura, sendo
assim, um indivíduo que possui a mesma massa corpórea que outro, mas com mais massa
magra, possui uma maior taxa metabólica basal.

Ergometria

Em relação à ergometria, ela diz respeito a uma maneira de medir o trabalho realizado pela
atividade física. Primeiramente, podemos definir trabalho como a força multiplicada pela distância
(trabalho = força x distância). Além disso, normalmente costuma-se medir, também, a potência,
termo utilizado para descrever a quantidade de trabalho realizado dividido por unidade de tempo
(potência = trabalho / tempo).

O conceito de potência é importante para entendermos a relação do trabalho com a velocidade com que
está sendo realizado. Dependendo de cada atividade física, podemos utilizar um ergômetro, isto é, um
aparelho ou dispositivo empregado para mensurar um tipo de trabalho específico. Se precisarmos medir
o gasto energético durante uma corrida, usamos a corrida em esteira, em campo, ou podemos verificar o
gasto em uma bicicleta ergométrica ou até mesmo em tanques para natação. A especificidade é
importante, mas não são em todas as atividades que temos testes adequados para essa medição. Para
isso, usamos protocolos de testes padrões que podem ser aplicados na grande maioria das pessoas
para poder, assim, comparar e/ou acompanhar os resultados.
VOCÊ QUER VER?
Testes ergométricos podem ser realizados de diversas maneiras, até mesmo em
academias ou em laboratórios superavançados. Atualmente, a ergometria está
muito mais acessível do que antigamente. É evidente que testes mais precisos e
específicos ainda estão restritos aos laboratórios, mas hoje podemos conseguir
informações muito importantes para o treinamento com testes mais simples.
Acompanhe uma entrevista com o médico Marconi Gomes, realizada pelo jornal
Bom Dia Minas, que trata da importância dos testes ergométricos antes de
atividades físicas: <https://globoplay.globo.com/v/5965067/
(https://globoplay.globo.com/v/5965067/)>.

As avaliações ergométricas são importantes por vários motivos. O primeiro é para definir limites, ou seja,
por meio de testes desse tipo, podemos determinar o limiar anaeróbio e/ou aeróbio daquele
indivíduo/atleta. Mas o que significa isso? O limiar será o ponto máximo de mudança do predomínio de
uma via energética sobre a outra. As vias metabólicas de energia estão trabalhando simultaneamente a
todo momento, mas dependendo da intensidade do exercício, teremos o predomínio de uma sobre a
outra. Sendo assim, cada indivíduo possui, dependendo do seu nível de condicionamento físico, um
ponto em que usará mais uma via do que outra. A esse ponto chamamos de limiar, e encontrá-lo é de
grande valia para prescrever de maneira assertiva o exercício.
VOCÊ O CONHECE?
Turíbio Leite de Barros, graduado em biomedicina e mestre e doutor em Ciências
Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo, foi membro do American
College of Sports Medicine, professor da Universidade Federal de São Paulo,
coordenador do Departamento de Fisiologia do Esporte Clube Pinheiros e consultor
na área de fisiologia para empresas voltadas para o segmento esportivo e
suplementação nutricional para atletas. Turíbio mudou o conceito de fisiologista,
fazendo o profissional ser peça fundamental das equipes de alto nível. Tornou-se
muito conhecido, ainda, em equipes como São Paulo FC, onde ficou por 25 anos e
transformou muitos conceitos da fisiologia esportiva.

Outro ponto fundamental da ergometria é a possibilidade de comparar indivíduos diferentes em relação


à mesma atividade, criar parâmetros de excelência e testar métodos de treinamento para sempre
superar os resultados. Finalmente, os testes ergométricos são também utilizados para identificar
possíveis problemas em relação à condição física do indivíduo, por exemplo, um mal funcionamento
cardiovascular pode ser identificado por meio do teste de patologias cardíacas e/ou déficits de
condicionamento que estão ocasionando ou poderão ocasionar sérios problemas de saúde ao
indivíduo/atleta.

Síntese
Nesta unidade, você pôde compreender como e de que maneira a fisiologia do exercício é importante
para conhecer as reações e funções do organismo, as diferenças entre o antes, o durante e o pós-
exercício, as suas reações e como utilizar esses conhecimentos para prescrição e acompanhamento de
um programa de treinamento.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

• descobrir o que é homeostase, reconhecendo que não se trata de


ausência de atividade, mas sim do equilíbrio entre as funções do
sistema, além de compreender os sistemas de controle do
organismo;
• diferenciar respostas agudas e crônicas ao exercício e ao
treinamento;
• entender como um sistema tenta se manter em equilíbrio por
meio dos sistemas de retroalimentações positivas e negativas;
• compreender o que é metabolismo e como gastamos energia,
energia química que liberamos por meio das reações que ocorrem
em função das diferentes intensidades de exercício físico;
• entender como diferentes intensidades de exercício podem guiar
nossas reações químicas pelas vias metabólicas aeróbias ou
anaeróbias, fazendo com que o corpo decida qual será a
predominância do gasto energético;
• compreender as vias de gasto de ATP-CP, via glicolítica ou
mitocondrial;
• conhecer os diferentes nutrientes que são utilizados por nosso
organismo e como, dependendo da intensidade do exercício e de
suas funções, eles podem ser utilizados;
• diferenciar anabolismo de catabolismo, funções importantes para
que as adaptações ocorram, tornando nosso organismo mais
eficiente em função do treinamento;
• aprender a calcular o gasto energético, as diferenças entre
gêneros e os gastos com atividades físicas;
• conhecer os ergômetros que fazem as medições por meio de
atividade específicas.

Bibliografia
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