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Recebido em 29 jan. 2007 / aprovado em 17 ago.

2007

Transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC): características,
classificação, sintomas e
tratamento
Obsessive Compulsive Disorder (OCD): main characteristics,
classification, symptoms and treatment

Editorial
Dacio Ronie Soares da Silva1; Eduardo Tadeu da Silva Alencar2; Emerson da Silva Dias3;
Fabiana Gatti de Menezes4
1 Graduando no curso de Psicologia (ênfase na prevenção e promoção da saúde) – Uninove. São Paulo – SP [Brasil] daciosoares@terra.com.br
2 Graduando no curso de Psicologia (ênfase na prevenção e promoção da saúde) – Uninove. São Paulo – SP [Brasil] etadeu@gelre.com.br
3 Graduando no curso de Psicologia (ênfase na prevenção e promoção da saúde) – Uninove. Osasco – SP [Brasil] emerson_mv@hotmail.com
4 Docente das Disciplinas de Farmacologia e Psicofarmacologia do Departamento de Saúde – Uninove. São Paulo – SP [Brasil] fabiana.gatti@uninove.br

Ponto de vista
Quando as manias dificultam a rotina da vida das pessoas, podemos dizer que
a probabilidade de elas apresentarem transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é
considerável. Neste trabalho objetivou-se caracterizar esse transtorno, identifi-

Artigos
cando suas principais características, sintomatologia e possibilidades de trata-
mento que, cada vez mais, têm solicitado a atenção multidisciplinar das áreas da
saúde. Os autores, pesquisadores de psicologia e farmacologia, investigaram, por
meio da literatura disponível, tudo a respeito desse assunto que tem solicitado
a atenção de médicos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, farma-
cêuticos e psicólogos. Em suma, os resultados obtidos evidenciam as vantagens
de abordar esse tema em paralelo com os conhecimentos multidisciplinares das
ciências engajadas na área, como a utilização de antidepressivos, que atuam como

para os autores
inibidores de recaptação da serotonina, que auxiliam na diminuição de sintomas
obsessivo-compulsivos, possibilitando a inserção do sujeito nos processos psi-

Instruções
coterápicos, ou ainda a associação de antidepressivos com mecanismos de ação
diferentes, proporcionando ao tratamento farmacológico vantagens, tais como
menor quantidade de efeitos colaterais e maior tolerância a dosagens.
Palavras-chave: Análise do comportamento. Antidepressivos.
Benzodiazepínicos. Transtorno obsessivo-compulsivo.

When stereotyped behavior is time consuming (taking more than an hour a


day) or significantly interferes with the person’s health, social or occupational
functioning, it is possible to be an Obsessive Compulsive Disorder (OCD). In this
review, it was aimed to define symptoms and treatments of OCD and to show
the necessity of a multidisciplinary health professionals team. To sum up, the re-
sults emphasize advantages and disadvantages of a multidisciplinary approach
(physicians, psychologists, nurses, pharmacists and others). Antidepressants that
inhibit serotonin recapture and contribute to reducing obsessive and compulsive
symptoms and promote patient’s participation in psychotherapy or antidepres-
sants association, with different mechanisms of action, lowering drug doses,
minimizing adverse effects and tolerance event.
Key words: Antidepressants. Benzodiazepines. Comportamental analysis.
Obsessive compulsive disorder.

ConScientiae Saúde, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 351-359, 2007. ISSN 1677-1028. 351


Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): características, classificação…

1 Introdução uma nova obsessão, gerando um interminável


“sobe e desce” de ansiedade e desconforto.
Banaco e Zamignani (2003) apontam que Cabe ressaltar que nas discussões de
as preocupações inerentes que se tornam foco Banaco e Zamignani (2003) nem todo pensa-
de um pensamento obsessivo estão intimamen- mento repetitivo, preocupação ou dúvida po-
te relacionadas com a cultura, na qual a pessoa dem ser classificados como obsessivo-compul-
vive. Atualmente, de acordo com as condições sivos. Alguma(s) superstição(ções) ou ritual(is),
culturais, os principais temas que povoam as como andar pelas ruas contabilizando grades,
obsessões dizem respeito a problemas do mun- postes, ou outros objetos/pessoas, somente
do contemporâneo. Algumas pessoas têm medo serão consideradas obsessivo-compulsivas se
de perder o ente querido e outras, de contami- ocuparem um tempo considerável nas rotinas,
nar-se por meio do contato com pessoas, agu- ocasionando, conseqüentemente, certo grau
lhas, pelo compartilhamento de objetos ou por de sofrimento ou impedimento de outras ati-
transfusão. Outros mantêm rituais para que vidades.
algo não aconteça a eles nem a um ente querido. Cordioli e Souza (2005), ao definirem
Conforme o ambiente (empresas, escolas, par- o TOC como transtorno mental incluído no
ques, cinemas, entre outros), encontramos dife- Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais da Associação Psiquiátrica Americana
rentes tipos de problemática que podem afetar
(DSM-IV) entre os chamados transtornos de
o portador desse transtorno.
ansiedade, que se manifesta sob a forma de
A violência do dia-a-dia pode ser gran-
alterações do comportamento (rituais ou com-
de desencadeadora dos sintomas do TOC.
pulsões, repetições e evitações), dos pensamen-
Algumas pessoas que relataram terem sofrido
tos (obsessões como dúvidas e preo­cupações
assalto, por exemplo, disseram que, após pas-
excessivas) e das emoções (medo, desconforto,
sarem por esse trauma, decidiram desenvolver
aflição, culpa e depressão), parecem concordar
rituais de “checagem”, como verificar portas,
com as considerações de Banaco e Zamignani
trancas, janelas, portões, cadeados e correntes.
(2003), que complementam ainda que sua ca-
Entretanto, não é somente por esse motivo que
racterística principal é a presença de obsessões:
essa doença se manifesta. Esse mal pode se dar
pensamentos, imagens ou impulsos que inva-
também diante da necessidade de arrumar e
dem a mente e são acompanhados de ansieda-
ordenar, situação que nem sempre envolve o de ou desconforto, e das compulsões ou rituais
medo de que algo de ruim aconteça. Pode ocor- e de comportamentos ou atos mentais volun-
rer, por exemplo, quando nos deparamos com tários e repetitivos realizados para reduzir a
uma pessoa que sente desconforto por uma sé- aflição que acompanha as obsessões. Entre as
rie de fatores, tais como a desorganização, ba- mais comuns está a preocupação excessiva com
gunça, objetos fora do lugar, números ímpares, limpeza (obsessão), que é seguida de lavagens
necessidade de colecionar coisas, jornais, revis- repetidas (compulsão). Um outro exemplo são
tas, recortes e papéis. as dúvidas (obsessão), acompanhadas de verifi-
Podemos observar, inicialmente, que a ca- cações (compulsão).
racterística comum é que todas elas, ao realiza- Heldt (2000) define TOC como um trans-
rem um ritual ou satisfazerem sua compulsão, torno psiquiátrico bastante comum, que se
sentem um alívio temporário de seu mal-estar, caracteriza pela presença de obsessões e/ou
seja porque se livraram de uma situação des- compulsões, suficientemente severas para ocu-
confortável ou de uma ameaça presente, seja par boa parte do tempo do paciente, causando
porque neutralizaram algo de ruim provocado desconforto e comprometendo seu desempenho
pela obsessão. E esse “alívio” é rompido por profissional e seus relacionamentos interpesso-

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SILVA, D. R. S. da et al.

ais. Esse mal pode ser leve ou severo o suficiente 2 O TOC via determinantes
para incapacitar seus portadores. Destaca como filogenético, ontogenético e
manifestações mais comuns a necessidade repe- cultural
tida de o paciente lavar as mãos ou o corpo, de
repetir coisas, de fazer verificações, contagens Segundo Matos e Tomanari (2002), o com-
(rituais ou compulsões), ou então ter a mente in- portamento está sempre em reconstrução e
vadida por um ou mais pensamentos, palavras, deve ser compreendido, considerando-se que o
frases que não consegue afastar mesmo que as organismo vivo sofre influências de contingên-
cias filogenéticas (banco genético das espécies),
considere disparates (obsessões). É comum ain-
ontogenéticas (repertórios comportamentais
da os portadores de TOC manifestarem temores
dos indivíduos) e culturais (práticas grupais de
absurdos ou exagerados e, em razão disso, evi-

Editorial
uma cultura ou sociedade).
tarem tocar em objetos.
Banaco e Zamignani (2003) concordam
É importante conceituar os termos obses-
com essa visão de compreender o homem e
são e compulsão, uma vez que são freqüente-
exemplificam como mudaram os casos de ob-
mente utilizados: sessão da antiguidade, geralmente associados
à religião, para os atuais, mais relacionados à
• Obsessões: são pensamentos ou idéias (ex.:

Ponto de vista
violência, aos rituais de coleção, à checagem, à
dúvidas), impulsos, imagens, cenas, que organização, à limpeza, à contaminação, entre
invadem a consciência contra a vontade da outros. Nesse sentido, negar esta determinan-
pessoa, de forma repetitiva, persistente e te no comportamento obsessivo-compulsivo
estereotipada, seguidas ou não de rituais poderia facilmente confundir o diagnóstico
destinados a neutralizá-las. São experi- e/ou tratamento.
mentadas como intrusivas ou invasivas, Torres (2002) afirma que, em geral, o TOC
inapropriadas ou estranhas pelo paciente é um problema crônico de início precoce, co-
meçando na adolescência ou na fase adulta.

Artigos
em algum momento ao longo do transtor-
no. Não se consideram as obsessões e os Acomete, na mesma proporção, homens e mu-
medos exagerados relacionados com pro- lheres adultos. Estima-se que, em 20% dos ca-
blemas reais (DSM-IV). sos, esse mal se manifesta já na infância, com
• Compulsões: são comportamentos repeti- maior probabilidade de afetar precocemente os
tivos (lavar as mãos, tomar banhos repeti- sujeitos do sexo masculino, enquanto no femini-

para os autores
no seu início é mais tardio. A natureza cultural
das vezes, verificar janelas, portas, botões

Instruções
e agora a filogenética são, portanto, elementos
do fogão, torneiras, gás, alinhar coisas, re-
fundamentais para o estudo dos sintomas, das
petir atos ou gestos), ou atos mentais (re-
características, da classificação e para o trata-
zar, contar, repetir palavras ou frases) que
mento dessa doença.
a pessoa é levada a executar em resposta a
Banaco e Zamignani (2003) discutem di-
uma obsessão ou em razão de regras que
versas teorias que tentaram dar explicação
devem ser seguidas rigidamente. Os com- plausível para o surgimento do TOC: educação
portamentos ou atos mentais são destina- repressora, responsável pelo seu desenvolvi-
dos a prevenir ou reduzir o desconforto as- mento; trauma de infância; falha derivada da
sociado à obsessão, precaver-se de algum relação mãe-bebê. Entretanto, tais teorias tor-
evento ou situação temida e, em geral, não naram-se especulações. Atualmente, o TOC é
possuem conexão realística ou direta com classificado como uma doença multidetermina-
o que pretendem evitar, ou são claramente da - havendo predisposição e ambiente. Nesse
excessivos (DSM-IV). caso, podemos considerar a importância do

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Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): características, classificação…

determinante ontogenético que evidencia sua co, filogenético e cultural, conforme discutimos),
parcela na construção, no desenvolvimento ou entre outros conceitos. Os autores mencionados
no tratamento do TOC quando observamos a indicam esses manuais como ponto de partida,
possibilidade de o determinante filogenético ou seja, indicadores de topografias de respos-
não se manifestar ou manifestar-se em menor tas/comportamentos, embora considerem falho
proporção em relação aos sujeitos que foram ex- e grave o fato de alguns behavioristas radicais
postos a contingências de enfrentamento e de orientarem-se e recorrerem unicamente ao DSM
superação de obstáculos. ou a outros manuais (CID) como fonte e base
Assim, o componente biológico tem par- para diagnóstico, intervenção e tratamento de
ticipação importante no desenvolvimento do transtornos e de doenças mentais. O DSM pare-
quadro obsessivo-compulsivo, por exemplo: ce orientar-se por concepções internalistas que
subtipo de TOC que tem início na infância, focam unicamente topografias dos comporta-
quando o indivíduo fica resistente aos trata- mentos. Essa postura crítica ao uso de manuais
mentos e, em paralelo, pode apresentar tiques normativos acerca do comportamento humano,
(TORRES, 2002); infecções pela bactéria estrep- conforme discutido, vai de encontro aos prin-
tococo, na qual a manifestação dos sintomas ob- cípios filosóficos, metodológicos e científicos
sessivo-compulsivos é associada a um processo da análise do comportamento propostos pelo
auto-imune ativado pela bactéria (BANACO; americano B. F. Skinner (1974), que olha para
ZAMIGNANI, 2003). o homem em constante interação com o mun-
do. Os comportamentos, portanto, não seriam
explicados com base em eventos internos, mas,
3 CID-10 e DSM-IV como sim, considerando as contingências ambientais
ferramentas de apoio com as quais estão relacionados.
para diagnóstico Por meio da análise do comportamento,
e tratamento do TOC depara-se com os tradicionais modelos de clas-
sificação dos manuais de diagnóstico CD-10 e
Cavalcante (1997) afirma que as tentativas DSM-IV, considerando-os como parte do com-
de classificação dos transtornos mentais são de- portamento (respostas de um organismo) dito
correntes da busca de uma concepção de lou- patológico (TOC), e não como comportamento
cura ou alienação. Em razão da dificuldade das propriamente dito (eventos antecedentes - res-
diferentes escolas de pensamento que acompa- postas do organismo - eventos conseqüentes à
nharam os esforços da medicina para compre- resposta = história de vida do sujeito).
ender a loucura e a alienação, surge em 1952,
o DSM ou Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais, sucedendo o CID – 10 4 Diferenças entre o DSM-IV
(Classificação de doenças mentais), cujas edi- e a CID-10
ções refletem diferentes perfis teóricos e episte-
mológicos, na tentativa de suprir as necessida- Entre os manuais diagnósticos e estatís-
des de comunicação e de coerência para tratar ticos, podemos sintetizar suas diferenças e es-
dos diferentes perfis teóricos e epistemológicos pecificidades da seguinte maneira: a) DSM-IV
sobre o assunto. – inclui o TOC entre os transtornos de ansieda-
O DSM ainda se mostra ofensivo aos beha- de, exige um tempo mínimo gasto em rituais ou
vioristas radicais por ser incompatível com os obsessões (1 hora/dia) e reconhece atos mentais
princípios da análise do comportamento, com a como compulsões (do DSM-III - R para o DSM-
noção de contingências, controle de estímulos, IV); b) CID-10: segundo a Organização Mundial
determinantes do comportamento (ontogenéti- da Saúde (OMS, 2000) e Who (1993), considera-

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se TOC quando está incluída numa categoria depressivos também possuem ação anti-obses-
distinta; não exige um tempo mínimo gasto por siva, entre as quais clomipramina, paroxetina,
dia em rituais ou obsessões; sintomas presentes fluvoxamina, fluoxetina, sertralina e citalo-
na maior parte dos dias, por duas semanas; a pram. O cloridrato de clomipramina, utilizado
execução da compulsão não deve ser prazerosa; para o tratamento do TOC desde 1967, visa obter
deve haver, pelo menos, um sintoma ao qual o o controle dos sintomas do transtorno, embora
paciente não consegue resistir. seus efeitos colaterais não sejam tão favoráveis.
Esse medicamento pode induzir ganho de peso,
deixar a boca seca, causar obstipação intesti-
5 Farmacoterapia do TOC nal, hipotensão postural (conhecido também
por tontura ao levantar-se repentinamente), di-

Editorial
Tratando-se de farmacoterapia, podemos minuição da velocidade urinária, aumento da
considerar, diante dos avanços tecnológicos da pressão intra-ocular, anorgasmia, convulsões
indústria farmacêutica, diferentes medicações em doses altas, alteração na condução elétrica
eficazes para o tratamento do TOC. Em alguns cardíaca etc. Já os ISRSs (cloridrato de fluoxeti-
casos, podem ser prescritas isoladamente ou em na, cloridrato de sertralina, cloridrato de paro-
associação. xetina, maleato de fluvoxamina, citalopram) são

Ponto de vista
Segundo Wielenska e Lima (2002), primei- bem tolerados quanto aos efeitos colaterais, em-
ro, escolhe-se um profissional qualificado, que bora não sejam isentos (diarréia, anorgasmia,
precisa construir com o paciente uma relação entre outros) (WIELENSKA; LIMA, 2002).
firmada na confiança e no respeito. Após uma Para nos fazer refletir sobre a questão far-
bateria de entrevistas, exames e testes para a macológica do tratamento do TOC, Wielenska
formação do diagnóstico clínico, o paciente e Lima (2002) afirmam que, na seleção dos me-
deve seguir a posologia e participar de sessões dicamentos, faz-se, em paralelo, a avaliação
complementares de psicoterapia e dos grupos dos efeitos colaterais. Mesmo que os ISRSs, por
de apoio. exemplo, produzam efeitos colaterais mais tole-

Artigos
Quanto aos fármacos, Cordioli e Souza ráveis, se o inibidor de recaptura estiver provo-
(2005) destacam que a clomipramina e os cando diarréia em um paciente idoso, portanto
Inibidores Seletivos da Recaptura de Serotonina mais propenso à desidratação, surge a necessi-
(ISRSs) são considerados de primeira linha no dade de reavaliação medicamentosa.
tratamento farmacológico do TOC. São minis- Nesse sentido, entre os efeitos colaterais

para os autores
trados, inicialmente, em baixas doses, aumen- dos medicamentos mais utilizados podemos ci-

Instruções
tadas à medida que haja tolerância aos efeitos tar: a) clomipramina: constipação intestinal, ton-
colaterais pelos pacientes. turas, “queda de pressão”, boca seca, visão borra-
Cordioli e Souza (2005) relatam que um da, sonolência e retardo na ejaculação. São mais
tratamento farmacológico é mais eficaz quando raros tremores das mãos e sudorese noturna; b)
aliado à terapia comportamental. Ao utilizar o fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina e
fármaco como único tratamento, seu uso fica citalopram: inquietude, náuseas, dor abdominal,
restrito a fatores como intolerância aos efeitos diarréia, insônia, dor de cabeça, disfunção sexu-
colaterais e recaídas. No entanto, os medicamen- al, tremores e, eventualmente, sonolência.
tos são a alternativa preferencial dos pacientes Cordioli e Souza (2005) ressaltam que os
que apresentam predominantemente obsessões ISRSs são efetivos na redução dos sintomas.
e rotinas de vida comprometidas, tais como an- Esse grupo de medicamentos e as técnicas com-
siedade e depressão. portamentais de exposição e prevenção de ritu-
Os mesmos autores destacam, ainda, que ais (EPR) são considerados, na atualidade, trata-
alguns dos medicamentos utilizados como anti- mentos de primeira linha para o TOC.

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Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): características, classificação…

O uso de medicamentos apresenta algu- Considerando cada sujeito como único e,


mas desvantagens: cerca de 20% dos pacientes portanto, com posologia de acordo com o seu
conseguem eliminar por completo seus sinto- diagnóstico, são duas as principais preocupa-
mas; a maioria segue com sintomas residuais ções ao iniciar o tratamento medicamentoso:
que predispõem a recaídas; intolerância aos observar se há (boa) tolerância aos efeitos cola-
efeitos colaterais; recaídas freqüentes quando terais (todos os medicamentos os apresentam)
se interrompe o tratamento. Uma pesquisa mos- e se o medicamento reduz os sintomas da do-
trou que elas ocorrem em até 90% dos pacientes ença. Os efeitos colaterais são mais fortes no
nos primeiros quatro meses após a interrupção. início da medicação, variam de pessoa para
O efeito dos medicamentos fica comprometido pessoa e tendem a ser mais intensos em idosos
quando há outras comorbidades: tiques, trans- e crianças. Tais efeitos também atingem pesso-
torno de Tourette, psicoses, ou transtorno do as muito sensíveis a medicamentos, que nunca
humor bipolar. Nessa situação, eventualmente, os utilizaram ou que estejam muito magras ou
está contra-indicada a utilização de um antide- desnutridas, e costumam atenuar-se de três a
pressivo pelo risco de fases maníacas. quatro semanas.
Em geral, as doses administradas no trata- Marques (2001) complementa o tratamen-
mento dos sintomas do TOC são mais elevadas to farmacológico do TOC da seguinte maneira:
do que as utilizadas na depressão. Os efeitos po- em 1966, Fernandez e Lopes desenvolveram,
dem demorar até três meses para se manifestar. na Suíça, estudos clínicos com clomipramina
O desaparecimento dos sintomas é gradual, po- e uma vez que a resposta a esse medicamento
dendo progredir ao longo de vários meses. Um pode ser decorrente da inibição da recaptura de
dos problemas mais sérios dos medicamentos é serotonina, os ISRSs puderam ser utilizados e
que a melhora tende a ser incompleta, isto é, a passaram a ser investigados no tratamento de
redução dos sintomas é parcial, como já comen- TOC. Tais medicamentos têm como vantagens
tamos. Embora haja redução significativa entre menos efeitos colaterais e são bem tolerados em
40% e 60% dos pacientes, dificilmente os sinto- doses altas.
mas desaparecem por completo. Infelizmente,
mesmo que sejam utilizadas as doses preconi-
zadas ou mesmo as doses máximas por tempo 6 Contribuições da terapia
prolongado, muitas vezes os sintomas continu- comportamental ao
am em níveis considerados graves. tratamento do TOC
Cordioli e Souza (2005) comentam ainda
que, em geral, o início do tratamento é feito com A terapia analítico-comportamental as-
doses diárias menores do que as recomendadas. sociada à farmacoterapia é, atualmente, consi-
Elas vão sendo aumentadas gradualmente até derada primeira opção ao tratamento do TOC.
atingir doses médias em quatro ou cinco sema- Felizmente, na maioria das vezes, essa associa-
nas (no caso de boa tolerância ao medicamento). ção terapia-farmacologia consegue atenuar ou
Três meses é um período razoável para saber se eliminar completamente os sintomas obsessi-
eles estão produzindo algum benefício. As doses vo-compulsivos.
diárias usuais aproximam-se de: clomipramina: Wielenska e Lima (2002) destacam que um
100 a 300 mg/dia (média: 200 mg/dia); fluvoxa- grande número de substâncias já foi experimen-
mina: 100 a 300 mg/dia (média: 200 mg/dia); tado no tratamento do TOC; no entanto, parece
fluoxetina: 20 a 80 mg/dia (média: 50 mg/dia); haver consenso de que as drogas inibidoras da
sertralina: 50 a 200 mg/dia (média: 150 mg/dia) recaptação da serotonina, como clomipramina,
; paroxetina: 20 a 60 mg/dia (média: 50 mg/dia); fluvoxamina, fluoxetina, sertralina, paroxetina,
citalopram: 20 a 60 mg/dia (média: 50 mg/dia). e mais recentemente, o citalopram, são bastante

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SILVA, D. R. S. da et al.

eficazes na redução dos sintomas. Na prática, ca, histórias comportamentais e a cultura, todas
principalmente na saúde pública de nosso país, podem estar envolvidas nesse processo.
nem sempre os pacientes estão em condições de Resumindo, a filosofia do behaviorismo
procurar uma terapia analítico-comportamen- radical propõe aos analistas do comportamento
tal. Nesses casos, a farmacoterapia costuma ser que o objeto de estudo da psicologia deva ser o
introduzida, inicialmente, isolada, complemen- comportamento dos seres vivos, especialmente
tando-se posteriormente por terapia disponível, do homem. É radical na medida em que nega
de acordo com os recursos de cada paciente. ao psiquismo a função de explicar sua postura,
Wolpe (1978) afirma que o aspecto mais embora não negue a possibilidade de, por meio
distinto da terapia analítico-comportamen- de uma estrutura da linguagem, estudar even-
tal é o comando que ela dá ao terapeuta tanto tos encobertos, tais como pensamento e emo-

Editorial
para o planejamento da estratégia geral da te- ções, só acessíveis ao próprio sujeito. As bases
rapia quanto para o controle de seus detalhes do behaviorismo radical encontram-se na obra
à medida que prossegue. Quando um tipo de do psicólogo americano B.F. Skinner (1904-1990)
técnica falha em mudar comportamentos, ime- e, nesse sentido, contribuem para que a análise
diatamente outra é tentada. Em contrapartida, do comportamento em relação ao tratamento do
quando há mudanças comportamentais deseja- TOC possa:

Ponto de vista
das, é nítida e pode ser facilmente mantida e/ou
reforçada. As observações científicas permitem A) Auxiliar na categorização, mudança e con-
que se faça a previsão e, por conseguinte, o pla- trole de hábitos/comportamentos;
nejamento de eficazes intervenções. Esses dife- B) Auxiliar na aderência de sujeitos ao trata-
renciais fazem essa terapia ser requisitada para mento farmacológico;
ajustar hábitos e comportamentos indesejados C) Elaborar grupos de apoio como alternati-
(neuroses, transtornos, psicoses etc.). vas psicoterapias;
Quando um analista do comportamen- D) Discutir e discorrer sobre determinantes
to é convocado para mudar a conduta de uma do comportamento e como este comporta-

Artigos
pessoa, por exemplo, ele tem como pressuposto mento se mantém;
metodologias do behaviorismo radical que, se- E) Contribuir para que os sintomas não retor-
gundo Sidman (2003), referem-se a freqüências, nem após a suspensão do tratamento far-
ou seja, chamam-se alguns alunos de falantes, macológico;
pois se observa que falam bastante; uns de inte- F) Envolver e sensibilizar familiares, capaci-

para os autores
ligentes, em razão de estudarem muito; outros tando-os para auxiliar no combate ao TOC;

Instruções
de céticos, pois questionam muito seus profes- G) Minimizar desconfortos e ansiedade dos
sores; de felizes, porque sorriem demais. Enfim, sujeitos diagnosticados com TOC; contri-
dizemos que uma pessoa tem TOC quando buir com pesquisas acerca do TOC e para
apresenta uma série de rituais obsessivo-com- os avanços tecnológicos da área.
pulsivos, e assim por diante.
Sidman (2003) retoma, ainda, a importân-
cia de compreender uma patologia pelos três 7 Considerações finais
níveis determinantes do comportamento (filo-
genético, ontogenético e cultural), em que ne- Em suma, podemos afirmar que há comple-
nhuma “bula mágica” jamais curará todos os xidade no tratamento do TOC e que a redução dos
casos patológicos e psicopatológicos. As origens atos obsessivo-compulsivos não deve ser conside-
do “comportamento doente” e os fatores que a rada pelos profissionais da área da saúde como
mantêm naquele estado diferem de pessoa para “fraqueza de caráter” ou problema de ordem/na-
pessoa: a química do corpo, a herança genéti- tureza única e exclusivamente psicológica.

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Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): características, classificação…

O reconhecimento da cultura e do compo- o tema pode entrar em atrito com a definição


nente biológico das causas do TOC é importante de eficácia, de tratamento e de diagnóstico. No
não só para encaminhar, adequadamente, os su- entanto, adotou um cuidado metodológico para
jeitos a tratamentos psicoterápicos e farmacoló- registro de topografias de comportamento e de
gicos, mas também para que as famílias desses sintomatologia, acumuladas e organizadas nos
sujeitos não atribuam a culpa a si mesmas ou a atuais manuais diagnósticos e estatísticos (DSM-
eventos não relacionados ao transtorno. Nesse IV e CID-10), que, ao servirem de apoio de identi-
sentido, compreender a natureza do TOC, por ficação, permitiram a essa área de conhecimento
meio de determinantes filogenéticas, ontoge- grande acúmulo de informações relevantes a tra-
néticas e culturais, é extremamente importante tamentos e discussões sobre “eficácia”.
para o trabalho das equipes de saúde que aten- Tratamentos do TOC, ao serem aderidos
dem sujeitos com esse transtorno. Quanto ao isoladamente (farmacológico e psicoterápico),
tratamento farmacológico, continuam em deba- terão sua eficácia comprometida, uma vez que
te os avanços acerca do uso de antidepressivos separarão e, em alguns casos, ignorarão o co-
como tratamento medicamentoso alternativo, nhecimento da ciência alheia, tendo ambos os
apresentando como vantagens os efeitos colate- tratamentos avançado nas pesquisas sobre os
rais mais tolerantes. cuidados que devem ser considerados no com-
É fato que a associação de clomipramina bate a esse mal, cujos resultados identificam
com os ISRSs, assim como da psicoterapia com cruzamentos cada vez mais coerentes entre far-
o tratamento farmacológico, amplia as chances macologia e psicoterapia.
de desfechos positivos no combate aos sintomas Na área de psicoterapia, destacamos a te-
do TOC, porém o aumento do uso dos ISRSs se rapia analítico-comportamental, em decorrência
dá basicamente pelo fato de eles produzirem de suas considerações filosóficas sobre o beha-
menor quantidade de efeitos colaterais e serem viorismo radical do americano B. F. Skinner, que
tolerados em doses mais altas. considera o homem como determinado (filoge-
Segundo Miguel (2005), os antidepressivos nética, ontogenética e culturalmente), em uma
que atuam como inibidores de recaptação da se- visão não-dualista e, portanto, único em sua
rotonina é que dão início a efeitos terapêuticos totalidade. Nesse sentido, os comportamentos
(redução de sintomas discutidos neste trabalho) categorizados nos manuais diagnósticos e esta-
e ao tratamento do TOC que varia de duas a tísticos ganham aspectos qualitativos ao se sub-
quatro semanas e, após a melhora, costuma-se meterem às análises funcionais de terapeutas
manter a medicação por, pelo menos, um ano. A comportamentais e podem, portanto, ser alinha-
suspensão precoce do tratamento farmacológi- dos aos tratamentos farmacológicos, garantindo,
co tende a ser seguida de recaídas. Já os antide- em parceria multidisciplinar, que cada sujeito te-
pressivos que atuam sobre a noradrenalina não nha direito a um tratamento diferenciado, único
atingem o efeito desejado. e compatível com sua história de vida.
Compreender esse transtorno à luz de uma
visão multidisciplinar, como tentamos concluir
neste artigo, dá aos profissionais de saúde fer- Referências
ramenta para conceber o sujeito como um todo
(filogenética, ontogenética e culturalmente) e, BANACO, R. A.; ZAMIGNANI, D. R. Lavar...Arrumar...
portanto, executando tratamentos eficazes que Contar...Quando as manias se tornam um problema: o
comportamento obsessivo-compulsivo. In: BRANDÃO,
afetem o sujeito em todas essas determinantes.
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Devido à complexidade que se constitui Comportamento humano II: tudo (ou quase tudo) que você
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Para referenciar este texto


SILVA, D. R. S. da et al. Transtorno obsessivo-
compulsivo (TOC): características, classificação,
sintomas e tratamento. ConScientiae Saúde, São Paulo,
v. 6, n. 2, p. 351-359, 2007.

ConScientiae Saúde, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 351-359, 2007. ISSN 1677-1028. 359

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