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Parte Geral – V
SISTEMA DE ENSINO
Livro Eletrônico
DIREITO CIVIL
Parte Geral – V
Carlos Elias
Sumário
Apresentação. . .................................................................................................................................. 3
Parte Geral – V.................................................................................................................................. 5
1. Fatos Jurídicos.............................................................................................................................. 5
1.1. Definição: Fato Jurídico e Fato Material.. .............................................................................. 5
1.2. Classificação.............................................................................................................................. 7
1.3. Planos dos Fatos Jurídicos.. ...................................................................................................13
2. Negócios Jurídicos..................................................................................................................... 14
2.1. Elementos dos Negócios Jurídicos...................................................................................... 14
2.2. Termo, Condição e Encargo...................................................................................................15
2.3. Reserva Mental....................................................................................................................... 18
2.4. Representação.........................................................................................................................19
2.5. Classificação dos Negócios Jurídicos. . ................................................................................21
2.6. Validade dos Negócios Jurídicos......................................................................................... 26
2.7. Defeitos dos Negócios Jurídicos.......................................................................................... 34
3. Atos Ilícitos................................................................................................................................. 52
Questões de Concurso.................................................................................................................. 55
Gabarito............................................................................................................................................ 69
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Parte Geral – V
Carlos Elias
Apresentação
Bom dia, boa tarde ou boa noite! Não importa o horário em que você está lendo esta aula.
O que importa é que você saiba que, nesta aula, eu falarei sobre o tema que, em termos de
quantidade, é o mais cobrado em Direito Civil.
Irei aprofundar ao máximo, porque quero que você esteja preparado para acertar as ques-
tões mais difíceis. Saiba que, em concurso público, não basta “passar”; é preciso ser “nomea-
do”. Quando você acerta as questões mais difíceis, você sai na frente dos concorrentes.
Vamos lá!
Resumo
Amigos e amigas, quem tem pressa deve ler, ao menos, este resumo e, depois, ir para os
exercícios. É fundamental você ver os exercícios e ler os comentários, pois, além de eu apro-
fundar o conteúdo e tratar de algumas questões adicionais, você adquirirá familiaridade com
as questões. De nada adianta um jogador de futebol ter lido muitos livros se não tiver familia-
ridade com a bola.
Seja como for, o ideal é você ler o restante da teoria, e não só o resumo, para, depois, ir
às questões.
O resumo desta aula é este:
• Os fatos jurídicos lato sensu podem ser divididos em: (1) fatos jurídicos stricto sensu,
quando decorre de fenômeno da natureza; (2) atos jurídicos lato sensu, quando provém
de conduta humana; e (3) atos-fatos jurídicos, quando a vontade humana for irrelevante;
• Os atos jurídicos lato sensu podem ser divididos em: (1) atos jurídicos stricto sensu,
quando os efeitos jurídicos decorrerem de lei; e (2) negócios jurídicos, quando os efeitos
jurídicos puderem ser modelados pela vontade humana;
• Os elementos dos negócios jurídicos podem ser: (1) essenciais, quando a sua ausência
gerar inexistência ou invalidade; (2) naturais, quando forem inerentes ao negócio; e (3)
acidentais, quando forem facultativos e influírem na eficácia do negócio;
• Como exemplo de elementos acidentais dos negócios jurídicos, temos o termo (evento
futuro e certo), a condição (evento futuro e incerto) e o encargo (obrigação que influi na
eficácia de uma liberalidade);
• A regra geral é o que os negócios jurídicos não dependem de uma forma, ou seja, a
regra é que os negócios jurídicos sejam informais. Todavia, quando houver lei ou pacto
expresso, o negócio pode ser formal. É o caso do art. 108 do CC, que exige escritura
pública para negócios envolvendo direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30
salários mínimos;
• Há dois tipos de invalidade: a nulidade e a anulabilidade;
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PARTE GERAL – V
1. Fatos Jurídicos
1.1. Definição: Fato Jurídico e Fato Material
Transformar FATO
MATERIAL em = JURIDICIZAÇÃO
FATO JURÍDICO
Caríssimo amigo e caríssima amiga, nem todos os fatos da vida são jurídicos, mas só
aqueles que potencialmente podem produzir efeitos jurídicos, ou seja, só aqueles que pos-
suem relevância para o ordenamento jurídico. Os fatos que não são jurídicos são designados
de fatos materiais, aos quais o Direito não alcança. Quando o Direito decide tornar um fato
material em um fato jurídico, tem-se o fenômeno da juridicização, que se opera quando uma
norma jurídica incide sobre um fato material. Há inúmeros fatos materiais, como o carinho em
um cachorro, um rompimento de namoro, um rompimento de noivado, a mera chuva. Esses
fatos não possuem relevância jurídica por si só; não geram, ainda que potencialmente, efeitos
jurídicos. Esses fatos, porém, podem vir a ser tidos por jurídicos com elementos adicionais
indicados pelo ordenamento jurídico, como, por exemplo, eles podem ser a condição suspen-
siva a que está exposto um determinado contrato: doação de um dinheiro se o donatário fizer
carinho no cachorro, ou se ele romper o namoro ou o noivado, ou se fizer chuva. No caso do
namoro e do noivado, eles não são fatos jurídicos por si sós em razão de inexistir regra jurídica
a reputá-los relevante no Direito. O casamento ou a união estável, porém, já possuem efeitos
jurídicos.
O Direito não deve abranger todos os fatos da vida. Há fatos que devem ser considerados
materiais por questão de Justiça. Não pode o Direito agir com arrogância para submeter todos
os fatos da vida à sua tutela, sob pena de causar desarmonias na sociedade. Por exemplo, se
o Direito imprimisse efeito jurídico ao namoro, isso poderia aumentar a litigiosidade entre pes-
soas que ainda estão se conhecendo e que ainda não se comprometeram reciprocamente, de
modo que eventual “traição” de um dos namorados acabaria parando nos tribunais em ações
de indenização por dano moral. Relacionamentos incipientes como o namoro são mais bem
tutelados pela moral do que pelo direito.
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Há discussões candentes e sensíveis nesse aspecto. O Direito pode obrigar o pai e a mãe
a amar? O amor parental é um fato material ou um fato jurídico? Seria possível que o filho não
amado pleiteie indenização por dano moral em razão do abandono afetivo? Será que juridicizar
o amor parental não acabaria por gerar efeitos desastrosos, como o de pais indiferentes que
acabariam por exercer o direito de visita ao filho sem a paixão e o calor desejáveis? Seria salu-
tar para a criança conviver com um pai que – nas palavras de Vinicius de Moraes e Toquinho
na música “Testamento” – exige “o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento sem
espírito”? Há, ainda outras questões sensíveis, como a relativa à filiação socioafetiva. Seria
razoável que o Direito passasse a dar efeitos jurídicos de filiação a casos de “pais de criação”
que não querem dar efeitos jurídicos à relação de afeto e de carinho dispensado a uma criança
abandonada? Haveria um desestímulo à generosidade caso o Direito impusesse efeitos jurídi-
cos ao afeto nessas situações específicas de “pais de criação” que não desejavam transbordar
do campo da moral? Não seria mais adequado permitir que o afeto aí seja um mero fato mate-
rial, e não um fato jurídico? Enfim, parece-nos que o Direito não tem condições de tutelar todos
os fatos da vida e, se o fizer, poderá desaguar em consequências desastrosas. Há fatos que
devem continuar sendo materiais diante da maior eficiência de outros ramos do saber para a
sua tutela, como a moral.
Seja como for, o Direito está em constante processo de reformulação diante da ininterrup-
ta tensão entre os diversos grupos de interesses da sociedade na concepção aristotélica de
problema do poder e diante das novidades impostas pela Era da Informação. Isso faz com que
fatos atualmente materiais migrem para o terreno do direito, passando a ser fatos jurídicos
pelo fato de o ordenamento emprestar-lhes relevância jurídica. Esse fenômeno de constante
migração de fatos para o terreno do direito é potencializado quando se trata de direitos da per-
sonalidade no cenário atual de constitucionalização do direito civil. Vários fatos que eram tidos
por irrelevantes jurídicos (eram fatos materiais) ganharam foro jurídico, tornando-se direitos da
personalidade, a exemplo da filiação socioafetiva, do direito ao esquecimento, da possibilidade
de mudança de nome e de sexo etc. O fascínio pelo novo, todavia, não deve descambar para
niilismos nem para o desprezo à tradição, porque, como ensinava Aristóteles, virtus in medium
est (a virtude está no meio).
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1.2. Classificação
Ordinário
Qualquer FATO
Fato jurídico
que gera efeitos
stricto sensu
jurídicos
Extraordinário
Lícito
Ato jurídico
stricto sensu
Fato jurídico Ato jurídico Ilícito
lato sensu lato sensu
Negócio jurídico
Reais
Caducificantes
Quero começar te mostrando uma questão de concurso; resolva-a, meu amigo e minha amiga.
Veja que se trata de um tipo de questão que a maior parte dos candidatos iriam errar ou deixar
em branco. Isso significa que, se você acerta uma questão dessa, você sai na frente e pode,
além de ser aprovado no concurso, ser nomeado!
A resposta é “certo”. O ato jurídico em sentido estrito tem seus efeitos procedentes de lei. A
vontade humana não tem autonomia para definir os seus efeitos. Os efeitos decorrem da mera
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conduta humana; a vontade humana limita-se a ter ou não essa conduta. Por isso, pode-se fa-
lar que a autonomia da vontade não se aplica em ato jurídico stricto sensu.
Certo.
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alterar os efeitos jurídicos indicados na lei, essa mera possibilidade já é suficiente para carac-
terizar um negócio jurídico. Num testamento ou num contrato, os seus efeitos jurídicos, como
o relativo ao momento e a forma de transferência dos bens, são desenhados pela vontade hu-
mana, e não pela lei, razão por que ilustram casos de negócios jurídicos. Os negócios jurídicos
exigem indivíduos com capacidade de autogoverno depurada, pois eles desenharão os efeitos
jurídicos de seus atos. Por isso, os arts. 104 ao 184 do CC, ao disciplinar os negócios jurídicos,
estabelecem a invalidade dos atos praticados por incapazes, além de admitir invalidações por
vícios de consentimento, como o erro, o dolo, a coação etc.
Continuando, temos também os atos jurídicos stricto sensu. Nos atos jurídicos stricto sen-
su ou atos não negociais, os efeitos jurídicos são preestabelecidos pela lei, de maneira que
a vontade do indivíduo não pode negociar esses feitos. Os efeitos jurídicos decorrem da lei,
são estritamente legais, são efeitos necessários, são ex lege. Por isso, não se admite termo,
condição e encargo em atos jurídicos stricto sensu, pois os efeitos jurídicos decorrem da lei,
sem margem negocial ao indivíduo. É indiferente se o indivíduo quer ou não a produção dos
efeitos jurídicos, pois eles decorrerão de lei. O que importa, no ato jurídico stricto sensu, é a
vontade do agente de praticar ou não o ato, visto que os efeitos jurídicos serão impostos pela
lei. Não há necessidade de uma “vontade qualificada”, para se servir de expressão de Moreira
Alves (1986, p. 98). A conduta presta-se apenas a preencher o suporte fático com base no qual
serão irradiados os efeitos jurídicos já predeterminados em lei. O reconhecimento de filiação
(paternidade ou maternidade) é uma conduta humana que gera efeitos jurídicos independente-
mente da vontade humana, pois estão predefinidos em lei, como o dever de pagar alimentos.
O mesmo sucede em relação à fixação de domicílio, cujos efeitos jurídicos serão espargidos
pela lei, e não pela vontade.
O casamento também é um ato jurídico stricto sensu, conforme melhor doutrina (há diver-
gências, de qualquer forma), porque a lei predetermina os efeitos jurídicos desse ato, como os
deveres matrimoniais previstos no art. 1.566 do CC (como o de fidelidade recíproca), sem que
os nubentes possam negociar ou mudar esses efeitos. O pacto antenupcial, porém, é negócio
jurídico, e não ato jurídico stricto sensu, porque ele dá liberdade para os nubentes negociar os
efeitos patrimoniais do casamento.
Nas palavras de Marco Bernardes de Mello, outros exemplos são a interpelação para cons-
tituição do devedor em mora (art. 397, parágrafo único, CC) e a comunicação ao devedor da
escolha feita pelo credor de um dos objetos na obrigação alternativa (art. 252, CC), pois se
trata de ato jurídico reclamativo, cujos efeitos jurídicos decorrem de lei. Trata-se, pois, de ato
jurídico stricto sensu.
Como lembra Maria Helena Diniz com suporte em Orlando Gomes, também são atos ju-
rídicos stricto sensu a denúncia, que é uma interpelação destinada a resilir um contrato por
vontade de uma das partes (art. 473, caput, do CPC), e também as notificações, como a que é
feita ao devedor para garantir o efeito da cessão de créditos (art. 296, CC) etc.
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Parte Geral – V
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Os atos jurídicos stricto sensu podem ser divididos em: (1) atos jurídicos lícitos, que não
vulneram a lei e que estão disciplinados no art. 185 do CC, abaixo mencionado; (2) atos jurídi-
cos ilícitos, que reúnem os atos censurados pelo Direito Civil, a saber os previstos no art. 186
(causar culposamente dano a outrem, violando direito) e 187 (abuso de direito) do CC.
Ao contrário do que sucede nos negócios jurídicos, os atos jurídicos stricto sensu não de-
pendem do mesmo nível de capacidade de autogoverno, e sim do discernimento mínimo para
a compreensão do ato em si, pois a lei é que irradiará os efeitos jurídicos. Por essa razão, o art.
185 do CC, que se inspirou no CC italiano, estabelece que as regras de negócios só se aplicam
aos atos jurídicos stricto sensu no que couber. Num caso, por exemplo, de uma adolescente
de 14 anos que acabou de dar à luz e que está portando um documento subscrito pelo mé-
dico atestando ter feito o parto nela, como a Declaração de Nascido Vivo – DNV, parece-nos
razoável que a menor tenha pleno discernimento para, ao menos, afirmar se deu ou não à luz,
razão por que deve ser admitido esse ato dela independentemente de representação. O nosso
ordenamento reconhece outros casos, como o direito da criança de 12 anos de consentir ou
não com a adoção, conforme art. 28, § 2º, do ECA.
No tocante aos atos jurídicos stricto sensu lícitos, pode-se falar de diferentes espécies,
como: (1) os atos jurídicos reclamativos, que envolvem reclamações ou provocações, como na
interpelação pela qual o interpelante reclama a constituição do devedor em mora ou indica o
objeto que escolheu na obrigação alternativa; (2) os atos jurídicos comunicativos, que dizem
respeito aos que veiculam uma mera comunicação de uma vontade que gera efeitos jurídicos,
como a comunicação da escolha da prestação pelo devedor na obrigação alternativa; (3) atos
jurídicos enunciativos, que envolvem exteriorização (= enunciação) de conhecimento, como na
declaração de reconhecimento de filiação, na confissão, no perdão, na quitação etc.; (4) atos
jurídicos mandamentais, que são declarações de vontade que impõe ou proíbem procedimen-
tos, como a exigência de demolição do prédio vizinho na iminência de ruir (art. 1.280, CC) ou o
aviso-prévio de uso temporário da área do vizinho para a realização de obras (art. 1.313, CC);
(5) atos jurídicos compósitos, que são atos de vontade que integram uma parte do suporte
fático de uma situação jurídica, mas que dependem de outras circunstâncias fáticas para a
completarem, como a gestão de negócios do art. 861 do CC, que envolve a vontade de gerir o
negócio alheio (vontade), mas que depende também de que haja a efetiva gestão (dado fáti-
co). Outro exemplo de ato jurídico compósito é a fixação de domicílio, que depende do ânimo
definitivo (vontade) e também da residência (dado fático). O adjetivo “compósito” diz respeito
a coisas caracterizadas pela heterogeneidade de elementos, pela composição por mais de um
elemento. O ato jurídico compósito é caracterizado por envolver a vontade e um dado fático.
Por fim, vamos aos atos-fatos jurídicos.
O ato-fato jurídico é qualquer conduta humana para a qual o Direito não reputa significante
a vontade humana por força de lei, de costumes ou de princípios. Há uma conduta humana (daí
se falar em “ato-“), mas o direito desconsidera a presença de discernimento para o ato, como
se o indivíduo estivesse agindo pelo seu instinto natural, pela natureza (daí se falar em “-fato”).
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Trata-se de uma mescla dos fatos e dos atos jurídicos. O que importa no ato-fato é o resultado
obtido, e não o elemento volitivo. É irrelevante se houve ou não vontade em praticar o ato-fato;
basta a prática do ato pelo indivíduo. É o caso, por exemplo, da ocupação prevista no art. 1.263
do CC, que é apropriação de coisa de ninguém (res nullius) ou de coisa abandonada (res de-
relicta), como a pesca de um peixe ou o assenhoreamento de uma raquete de tênis jogada no
lixo. Não importa se quem se apropriou da coisa era alguém sem discernimento algum do que
estava fazendo, pois o elemento volitivo é irrelevante para o ato-fato.
Também ilustram os atos-fatos jurídicos a especificação do art. 1.269 do CC (dar espécie
a uma matéria-prima alheia, como fazer uma escultura com a argila do vizinho), o achado de
tesouro (art. 1.264, CC), a descoberta (art. 1.233, CC) e o exercício da legítima defesa da posse
ou do desforço pessoal imediato diante de esbulho ou turbação possessória prevista no art.
1.210, § 1º, do CC. Outro exemplo são os contratos de pequeno valor feitos por crianças sem
estarem representados pelos pais, como a compra de balinha, de comida, de revistas etc. O
costume trata esses contratos feitos por menores como atos-fatos jurídicos.
A principal relevância prática do ato-fato jurídico é a de que não se falará em sua invali-
dade por questões relativas à falta de discernimento ou de capacidade de autogoverno do
indivíduo, pois a vontade depurada é irrelevante para esses atos. Não se poderá invalidar uma
compra de cachorro-quente por uma criança por falta de representação nem a aquisição de
uma coisa abandonada (ocupação), tampouco a sua conduta de fazer uma escultura com uma
matéria-prima alheia e, por isso, tornar-se proprietário da coisa (especificação) ou a sua resis-
tência física a uma turbação (legítima defesa da posse). Caso, porém, essa criança fizesse um
contrato de mútuo com um banco, ter-se-ia um negócio jurídico, o qual é inválido por falta de
representação do incapaz. A distinção entre um e outro caso aí é o fato de que o costume e os
princípios jurídicos toleram negócios de pequeno valor feitos por incapazes por considerarem
a vontade irrelevante juridicamente para o resultado do ato.
A questão pode assumir complexidade maior no caso de compras de produtos virtuais
por crianças com o cartão de crédito de seus pais, como no caso de jogos de videogames,
de aplicativos de aparelhos celulares, de programas vendidos em serviço de TV fechada. In-
clinamo-nos a tratar essas situações como atos-fatos jurídicos, pois o costume dos tempos
cibernéticos devem tolerar esses tipos de negócios sob a presunção de que os próprios pais,
ao deixarem plataformas virtuais acessíveis a seus filhos, reconhecem a autonomia de seus
filhos na prática de negócios virtuais.
Por fim, os atos-fatos jurídicos podem ser divididos em atos-fatos reais, indenizativos ou
caducificantes.
Os atos-fatos reais, que também são batizados de atos materiais, são os que geram um
resultado na realidade concreta e material (daí ato-fatos reais ou materiais), os que deságuam
em um dado fático ou, na expressão de Marcos Bernardes de Mello (2008, p. 136), os “atos
humanos de que resultam “circunstâncias fáticas, geralmente irremovíveis”, como a ocupação,
o achado de tesouro, a descoberta e a especificação.
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Os atos-fatos indenizativos correspondem aos atos humanos lícitos que geram o dever de
indenizar por causar dano ao patrimônio de terceiros. Eles não abrangem os casos de dever de
indenizar por atos ilícitos, pois estes são classificados como ato jurídico stricto sensu diante
do fato de que a ilicitude pressupõe relevância do elemento volitivo. Os atos-fatos indenizati-
vos são excepcionais, pois fogem à regra de que só há dever de indenizar danos oriundos de
ilicitudes e, por isso, exigem regra jurídica expressa (lei ou princípio jurídico) impondo o dever
de indenizar. Ex.1: dever de indenizar terceiros lesionados no caso de não terem causado o
fato ensejador de legítima defesa, de exercício regular de direito ou estado de necessidade,
conforme arts. 188, 929 e 930 do CC. Ex.2: passagem forçada, que, embora seja permitida em
lei, acarreta o dever de o titular do imóvel encravado indenizar o titular do imóvel vizinho, nos
termos do art. 1.275, CC. Ex.3: os danos causados por desforço pessoal imediato em caso
de suposto esbulho possessório quando sobrevém sentença desfavorável, segundo Marcos
Bernades de Mello.
Os atos-fatos caducificantes são os que implicam a extinção de direitos ou de pretensões
pelo tempo – a caducidade –, a exemplo da prescrição, decadência e preclusão. No caso da
prescrição e decadência, a doutrina oscila em classificá-los como fatos jurídicos stricto sensu
ordinário (ênfase no transcurso do tempo), como atos jurídicos stricto sensu (foco na conduta
omissiva do titular do direito) e como ato-fato caducificante (mescla do tempo e da omissão
humana). A nosso sentir, esta última corrente é a mais adequada e encontra apoio em Marcos
Bernardes de Mello e Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, por explicar até mesmo a possi-
bilidade de fluência da prescrição e da decadência contra o relativamente incapaz, de modo a
reservar a suspensão do prazo apenas contra o absolutamente incapaz (art. 198, I, CC).
Marcos Bernardes de Melo defende que há atos-fatos jurídicos que não se enquadrariam
em nenhuma das três categorias acima, por não caracterizam um ato real nem ocasionarem
dever de indenizar tampouco implicarem caducidade. Cita, como exemplo, o pagamento e o
usucapião. Parece-nos, no entanto, que tal entendimento não condiz com o atual CC, que em-
presta relevância jurídica à vontade de pagar e exige vontade de usucapir.
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ameaça de, mediante provocação do interessado, essa eficácia ser cassada diante da declara-
ção posterior de anulação. Há situações de atos nulos que, excepcionalmente, podem vir a ter
eficácia, como no caso do casamento putativo (art. 1.561, CC).
Sigamos, por fim, ao plano da eficácia. O plano da eficácia diz respeito à aptidão do fato
jurídico para irradiar efeitos jurídicos. Em metáfora, um fato jurídico existente e válido, mas
ineficaz, é como uma lâmpada apaga: não irradia raios luminosos.
2. Negócios Jurídicos
2.1. Elementos dos Negócios Jurídicos
Aplicam-se a
Aqueles Gerais
TODOS os NJ
INDISPENSÁVEIS à
Essenciais existência e
validade do NJ Aplicam-se a
Particulares
determinados NJ
Termo
Influem no plano
Acidentais Encargo
de eficácia
Condição
Meus amigos e minhas amigas, os negócios jurídicos são compostos por elementos es-
senciais, naturais e acidentais. Vamos cuidar deles agora.
Elementos essenciais ou estruturais são aqueles indispensáveis à existência e à validade
do negócio jurídico. A sua presença é obrigatória (= essencial, estrutural). A legislação deter-
mina sua presença, sob pena de inexistência ou invalidade. A declaração de vontade é um ele-
mento essencial do negócio jurídico de compra e venda, por exemplo. Sem ela, não há negócio
jurídico de compra e venda. O preço, a coisa e o consentimento, igualmente, são elementos
essenciais do negócio de compra e venda. Os elementos essenciais podem ser gerais, os quais
se aplicam aos negócios em geral, ou particulares, quando são específicos apenas de determinados
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negócios. O preço, por exemplo, é um elemento essencial particular, pois é específico ao con-
trato de compra e venda. A capacidade de fato, por outro lado, é geral.
Elementos naturais são aqueles que decorrem da natureza do negócio jurídico. Não há
necessidade de serem mencionados expressamente no negócio jurídico, pois eles são conse-
quências naturais do negócio. Assim, por exemplo, a transferência de propriedade do bem é
inerente ao contrato de compra e venda e, por isso, é um elemento natural do negócio. Se al-
guém celebra um contrato de compra e venda e limita-se a, qual um formulário, lançar o nome
do contrato como título e os pertinentes dados nos campos do comprador, do vendedor, do
objeto, do preço com a assinatura das partes, a transferência do bem é decorrência natural do
contrato; não precisa estar expresso no título.
Por fim, os elementos acidentais dos negócios jurídicos são aqueles que influem no plano
da eficácia do negócio jurídico, como o termo, a condição e o encargo (arts. 121 ao 137 do
CC). Eles não são de presença obrigatória no negócio jurídico, razão por que são chamados de
“acidentais” (= não essenciais). São, pois, introduzidos facultativamente no negócio.
Condição suspen-
siva: impede a aqui- O titular pode praticar atos
Condição
sição e o exercício para conservar a coisa
do direito
Condições cen-
suradas e condi-
ções ilícitas
Vamos falar um pouco sobre os três exemplos de elementos acidentais do negócio: termo,
condição e encargo. Antes, veja a questão.
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Termo é evento futuro e certo que influi na eficácia do negócio jurídico. Diz-se certo no
sentido de que o evento haverá de acontecer, embora não necessariamente se possa precisar
o momento. A certeza aí diz respeito à superveniência do evento, e não ao seu momento de
ocorrência. A propósito, o termo pode ser classificado como certo, quando o momento da
ocorrência também é certo (a exemplo de uma data), ou como incerto, quando o momento é
incerto, embora a superveniência seja certa (a exemplo da morte de uma pessoa, que certa-
mente sobrevirá, embora não se saiba o momento).
Pode ser resolutivo, final ou ad quem, quando faz cessar a eficácia, ou suspensivo, inicial
ou a quo, quando impede o início da eficácia ou quando suspende a eficácia de um negócio por
um período após o qual a eficácia é restituída.
Direitos sujeitos a termo suspensivo são direitos atuais, pois já foram adquiridos pelo seu
titular, embora o seu exercício esteja sobrestado até o advento do termo (art. 131, CC). Por
isso, se alguém doa um imóvel a partir de primeiro de dezembro do ano seguinte, o donatário já
se tornará proprietário da coisa com o registro do contrato, mas só poderá exercer as faculda-
des decorrentes dessa propriedade, como morar no bem, após o advento do termo suspensivo.
Isso significa que, por exemplo, o fato gerador do ITBI já terá ocorrido e, portanto, já seria viável
a cobrança dessa exação nesse caso.
Vamos falar de condição.
Condição é evento futuro e incerto que influi na eficácia de um negócio jurídico. Também
pode ser suspensivo ou resolutivo, conforme impeça ou faça cessar a eficácia do negócio.
O direito sujeito a condição suspensiva ou resolutiva é um direito eventual, pois os seus
efeitos estão na dependência do eventual implemento de fato incerto. Esse direito eventual, to-
davia, é direito adquirido e, por isso, é protegido diante de leis posteriores, que devem respeitá-
-lo (art. 6º, § 2º, LINDB). É preciso separar o direito eventual do direito a que ele visa. Uma coisa
é o direito a se tornar proprietário de um imóvel com o advento de uma condição suspensiva,
outra coisa é tornar-se efetivamente proprietário do imóvel. A condição suspensiva impede a
aquisição desse direito que é almejado (no exemplo, o direito de propriedade sobre o imóvel). É
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nesse sentido que o art. 125 do CC estabelece que a condição suspensiva impede a aquisição
do direito a que o negócio visa. Todavia, o direito eventual (que é o direito a se tornar proprie-
tário com a condição suspensiva) é um direito adquirido, protegido diante de retroatividade de
leis nos termos do art. 6º, § 2º, da LINDB.
O direito eventual autoriza o seu titular a praticar atos destinados a conservar o bem, mes-
mo no caso de condição suspensiva (art. 125, CC). Aliás, atos praticados em contrariedade à
condição suspensiva não terão eficácia caso esta se implemente (art. 126, CC). Desse modo,
quem tem um direito a adquirir um imóvel caso se implemente uma condição suspensiva teria
legitimidade para propor ação contra alguém que esteja a ameaçar destruir a coisa, pois ele
pode praticar atos para conservá-lo. Ele também seria terceiro interessado no pagamento de
dívidas oriundas do imóvel, como o IPTU e o condomínio, caso em que terá direito à sub-roga-
ção legal (art. 346, III, CC). E, no caso de o imóvel ser vendido a um terceiro, essa venda – por
ser incompatível com a condição resolutiva – perderá eficácia com o implemento da condição.
Manipulação da condição pelo interessado é ato de má-fé e, em nome do tu quoque – um
dos corolários da boa-fé –, não reverterá em desfavor do manipulador, conforme art. 129 do
CC. Se o donatário assassina o doador com o objetivo de tornar impossível o implemento da
condição resolutiva consistente na sobrevivência deste em relação ao donatário, tem-se uma
manipulação e, nesse caso, presumir-se-á que a condição resolutiva se implementou: o dona-
tário perderá o bem doado.
Os arts. 122 ao 123 do CC censuram algumas espécies de condição. Têm-nas como ine-
xistentes se a condição não ameaçar a eficácia do negócio por ser uma condição resolutiva
impossível ou uma condição de não fazer coisa impossível. Invalidam o negócio jurídico com
condições que: (1) jamais permitam o início da eficácia do negócio jurídico, como nas condi-
ções suspensivas impossíveis; (2) sejam ilícitas, como as indicadas no art. 122 do CC; (3) não
possam ser compreendidas diante da sua má-redação que inspire contradição ou ininteligibili-
dade. O art. 122 do CC considera ilícita condição que: (1) viole a lei, a ordem pública e os bons
costumes; (2) prive a eficácia do negócio; e (3) as condições puramente potestativas, assim
entendidas as que se sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes. Alerte-se que as condições
meramente potestativas (ou simplesmente potestativa) são plenamente válidas, pois não de-
pendem apenas da vontade de uma das partes (do poder, da potestade de uma das partes),
mas também de terceiros ou do acaso, a exemplo da condição de alguém ganhar uma compe-
tição de judô (isso depende também do acaso, e não apenas da vontade do judoca). Nesses
casos, não há pura potestade, daí porque não se tem uma condição puramente potestativa, que
é ilícita.
Vamos agora abordar o encargo.
O encargo, o modo ou o ônus é uma obrigação imposta a uma liberalidade. Não repre-
senta uma contraprestação em um contrato. É uma obrigação que influi na eficácia de uma
liberalidade. Ele é um limite (do latim, modus). Ele reduz a liberalidade. Pode consistir em uma
obrigação de dar, fazer e não fazer imposta em uma liberalidade. Se dou um carro para alguém
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impondo-lhe o encargo de levar meu filho para escola durante 10 anos, aí eu terei uma doação
com encargo. Se, porém, eu contrato alguém para levar meu filho à escola durante 10 anos e,
como pagamento, eu lhe entrego um carro, aí eu terei um contrato oneroso de transporte. Não
detalharemos aqui a diferença por isso exigir uma discussão que não costuma cair em prova.
Limitamos a dizer que o encargo não é uma contraprestação, e sim uma limitação importa à li-
beralidade. O descumprimento do encargo é uma hipótese que autoriza a cessação da eficácia
do negócio jurídico. Na doação com encargo, por exemplo, o doador pode pedir a revogação da
doação por inexecução do encargo (art. 555, CC).
Em regra, é
IRRELEVANTE Simulação unilateral
Quando o
Reserva para o direito
PENSAMENTO do
mental declarante não quer o
Exceção: quando a Inexistência (ou, para
que MANIFESTOU
outra parte sabia da alguns, nulidade) do
reserva mental negócio jurídico
Pessoal, não podemos deixar de falar da reserva mental. Se você ler o art. 110 do CC, é
provável que você terá dificuldade em entender a utilidade prática dele. Veja o dispositivo:
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
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Se, todavia, a reserva mental for conhecida pela outra parte, aí sim a reserva mental terá
relevância, pois, na realidade, sequer terá existido o negócio jurídico. É o que se extrai da parte
final do art. 110, CC. Se, no exemplo acima, o outro contratante sabe que o declarante não quer
cumprir a obrigação de pagar os R$ 10.000,00, o negócio não existe no mundo jurídico por falta
de vontade. Trata-se de hipótese de inexistência do negócio jurídico, conforme doutrina ma-
joritária (Francisco Amaral, 2014, p. 442). Não há aí simulação, pois este presume um acordo
expresso de ambas as partes para falsear um negócio jurídico, o que não sucede na reserva
mental conhecida pela outra parte, razão por que, neste último caso, tem-se uma hipótese de
inexistência do negócio jurídico, e não de nulidade. Ressalva-se, todavia, a existência de dou-
trinadores de escol a sustentar a nulidade diante da presença de simulação absoluta, como
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves (2016, p. 627).
Em suma, a divergência entre a vontade e a sua declaração é relevante para o Direito na
hipótese de reserva mental conhecida pela outra parte (por gerar inexistência).
2.4. Representação
Vontade É facultativa
Decorre de:
É personalíssima. Não
Lei (inclui a judicial)
pode ser delegada
Representação
Em regra, é ANULÁVEL
Negócio
consigo mesmo
Salvo se a lei ou o próprio
representado autorizar
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Depende de apenas
Unilateral uma vontade para se
aperfeiçoar
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de lembrar que convenção não é contrato vem do STJ, que não admite a aplicação da exceptio
non adimpleti contractus pelo condômino contra o condomínio para reter o pagamento da con-
tribuição condominial enquanto não for reparado um dano causado ao imóvel pelo condomínio
(STJ, REsp 195.450/SP, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 04/10/2004).
Desfalque patrimonial
Gratuito A interpretação é restritiva
sem proveito
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maneira que não pode ser tido por gratuito (o Fisco não poderia, por exemplo, cobrar ITCD, que
é um imposto de doação).
Há quem cite também como exemplo a instituição voluntária de bem de família nos termos
do art. 1.711 do CC: o proprietário do bem apenas blinda o seu patrimônio de penhoras. Embo-
ra a doutrina dê esse exemplo, parece-nos que a instituição voluntária de um bem de família é
um ato jurídico stricto sensu, pois os efeitos jurídicos disso (a impenhorabilidade) decorrem da
lei e não podem ser controlados pelo indivíduo.
Veja uma das utilidades dessa classificação. Resolva a questão.
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de acordo com o qual somente lei pode impor uma forma ao negócio jurídico. Dessa maneira,
ao celebrar um contrato, se não existir lei impondo uma forma, as partes podem externá-lo por
qualquer meio admissível em Direito, como a forma escrita, verbal, de gestos etc.
Grande parte dos negócios comerciais atuais são feitos de modo verbal, com emissão de
uma nota fiscal, que não é a forma do negócio, e sim um documento de utilidade tributária que,
no direito privado, serve como prova de um negócio jurídico. Nota fiscal não é forma de negó-
cio jurídico, e sim meio probatório, porque esse documento não se destina a regular o negócio.
Diz-se formal ou solene o negócio quando a lei impõe uma forma para determinado negó-
cio jurídico. O descumprimento da forma imposta pela lei gera nulidade, conforme art. 166, IV,
CC. Trata-se de um vício gravíssimo – daí a nulidade, e não anulabilidade –, pois, quando a lei
impõe uma forma, isso decorre de um interesse público direto ou indiretamente envolvido.
Um exemplo são os negócios jurídicos envolvendo direitos reais sobre imóveis valiosos –
assim entendidos os de valor superior a 30 salários mínimos – que devem necessariamente
ser formalizados por escritura pública, o que, além de diminuir os riscos de “grilagem de terra”,
que é problema que afeta as políticas públicas de ocupação fundiária e de moradia, favore-
ce o controle de tributos decorrentes do negócio, como o ITBI e o IR sobre ganho de capital
(renda decorrente da valorização do imóvel), bem como a fiscalização de possíveis crimes de
“lavagem de dinheiro”. É por isso que os tabelionatos de notas, além de responderem solidaria-
mente por tributos oriundos dos seus atos (art. 134, VI, CTN), devem comunicar as operações
imobiliárias à Receita Federal, o que ocorre por meio da Declaração de Operações Imobiliárias
– DOI (art. 15 do Decreto-Lei 1.510/76) e do sistema do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras – COAF (Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei 9.613/98).
Outro exemplo é a fiança, que deve obrigatoriamente ser escrita (art. 819, CC). A lei não dá
liberdade de forma para a fiança diante das consequências drásticas desse negócio ao fiador
sem que este tenha qualquer benefício econômico em razão do contrato (embora ele possa ter
interesses econômicos indiretos ou provenientes de outros contratos coligados).
A doação também deve ser escrita diante da falta de benefício patrimonial ao doador e da
necessidade de deixar clara a sua intenção de doar (art. 541, CC). No caso de doação manual
– assim entendida a de bens móveis de pequeno valor (as populares “lembrancinhas”) –, a lei
apenas exige que, no mínimo, haja a tradição (art. 541, parágrafo único, CC).
Temos que negócios jurídicos envolvendo direitos reais imobiliários de valor inferior a 30
salários mínimos também são formais, pois, embora não sejam obrigados a assumir forma
pública, devem assumir a forma escrita, visto que a transmissão da propriedade imobiliária só
ocorre, em regra, com o registro do título (art. 1.227 e 1.245, CC). A formalidade aí é implicita-
mente exigida pela lei, pois não há como registrar as palavras, os gestos ou o silêncio.
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Sujeito
Vontade
Antes de ser válido, Existência
precisa ser existente pressupõe
Objeto
Sujeito CAPAZ
Forma
Vontade LIVRE
Validade adjetiva
Validade do negó-
os requisitos de
cio jurídico
existência
Objeto LÍCITO, POSSÍVEL,
DETERMINADO (-VEL)
Forma
COMPATÍVEL
COM A LEI
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Sem pronunciamento
DEVE ser reconhecida
judicial continua
Invalidade JUDICIALMENTE
produzindo efeitos
(nulidade ou
anulabilidade) Efeitos da
Efeito
declaração de Nulidade absoluta
retroativo
invalidade
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É uma vulneração ao
interesse público
Pode ser alegada a
qualquer tempo
Não se convalida com o
Nulidade
tempo nem com a vontade
absoluta Se as partes quise-
das partes
rem, devem celebrar
Sentença declaratória de um NOVO contrato
NULIDADE possui
efeitos ex tunc Texto
Textual expresso acerca
da nulidade
Categorias de NULIDADE
Texto omis-
Virtual so acerca
da nulidade
A nulidade envolve a violação de norma de ordem pública, razão por que é um vício gravís-
simo com regras gerais hospedadas a partir do art. 166 do CC. Daí decorre que o juiz pode, de
ofício (ou seja, em razão do próprio trabalho dele), reconhecer a nulidade a qualquer momento,
pois é agente público que protege o interesse público. Qualquer interessado ou o Ministério
Público – nas causas que lhe compete intervir – podem suscitá-las também perante o juiz. O
negócio jurídico nulo nunca pode convalescer nem pelo tempo – daí por que a nulidade pode
ser reconhecida a qualquer tempo por inexistir prazo decadencial –, nem pela vontade – daí
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por que as partes não podem, por vontade própria, consertar o vício, de maneira que só lhes
resta celebrar um novo negócio jurídico sem o vício de nulidade do anterior. A sentença de nu-
lidade é declaratória e possui efeitos retroativos (ex tunc).
À luz do art. 166 do CC, é viável classificar as hipóteses de nulidade em duas categorias: as
de nulidade textual e as de nulidade virtual.
Há nulidade textual quando o negócio jurídico vulnera norma de ordem público que textual-
mente preveja a nulidade como consequência. Ex. 1: o art. 166, I, do CC prevê expressamente
a nulidade de negócios praticados por absolutamente incapaz. Ex.2: o art. 167 do CC é textual
em impor a nulidade para o negócio simulado.
Diz-se virtual a nulidade quando o negócio viola norma de ordem pública cujo texto é omis-
so acerca da nulidade. É tarefa difícil identificar se aí há uma norma de ordem pública (também
batizadas de norma cogente) ou uma mera norma dispositiva (que não envolve interesse públi-
co). O jurista deve investigar se há ou não interesse público.
Assim, por exemplo, o art. 426 do CC, sem expressamente contemplar a nulidade, veda o
pacto de corvina ou pacto sucessório, assim entendidos os negócios envolvendo herança de
pessoa viva. Há interesse público nessa regra ao tutelar a vida. Pactos de corvina, além de
imoral, poderiam estimular homicídios por parte do beneficiário do negócio. Por isso, o pacto
de corvina sofre de nulidade virtual.
Há, porém, normas dispositivas, que servem apenas para preencher a omissão das partes.
É o caso, por exemplo, das regras do art. 233 e seguintes do CC, que estabelecem a resolução
da obrigação de dar coisa certa no caso de perecimento da coisa sem culpa do devedor. Não
há interesse público aí; as partes podem pactuar em sentido diverso. Não há nulidade virtual.
2.6.4. Anulabilidade
Efeitos ex tunc
Sentença é constitutiva
(obs.: há divergência)
Veja a questão.
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Por força do art. 171, I, do CC. Vamos explicar esse tema abaixo.
Certo.
A anulabilidade envolve violação de norma de interesse privado (e não público) que a pre-
veja expressamente. Por se tutelar interesse privado, o juiz não a pode decretar de ofício, mas
apenas no caso de provocação. O negócio anulável pode ser convalidado pela vontade das
partes ou pelo transcurso do prazo decadencial correspondente. A sentença que decreta a
anulabilidade é constitutiva e gera efeitos retroativos (ex tunc) por – em regra – desfazer os
efeitos que foram produzidos pelo negócio desde o seu nascimento. Há, porém, quem susten-
te que a anulabilidade gere efeitos ex nunc pelo fato de o art. 182 do CC exigir sentença para
a sua pronúncia; tal corrente, todavia, ignora que a anulabilidade atinge os efeitos do negócio
desde o seu nascimento, o que afasta a tese da eficácia ex nunc.
As hipóteses de anulabilidade estão no art. 171 do CC, que abre espaço para outras hipó-
teses previstas em outros dispositivos legais, a exemplo do art. 1.649 do CC, que considera
anulável o negócio sem a vênia conjugal nos casos do art. 1.647 do CC. Em suma, a celebração
de negócio por relativamente incapaz sem o devido apoio jurídico, os vícios de consentimento
(erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e a fraude contra credores ensejam anulabilidade,
além de outras hipóteses legais.
A anulabilidade depende de previsão expressa; não há anulabilidade virtual.
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Apesar de inválido, o negócio jurídico sempre deve ser, no que for possível, conservado. Se
não for viável a sua conservação, como nos casos de nulidade absoluta, o ordenamento pres-
tigiará formas de aproveitamento do ato de vontade encerrada no negócio inválido sob outro
rótulo. Trata-se do princípio da conservação do negócio jurídico.
Para os negócios jurídicos nulos, é possível conservar o acordo de vontades por meio da
sua conversão substancial ou formal ou por meio da sua redução, conforme se exporá abaixo.
Vamos começar falando da conversão substancial do negócio jurídico. E começo com
a questão.
A questão trata da conversão substancial do negócio jurídico que está no art. 170 do CC e cita
um exemplo clássico. A resposta é “certo”. Vamos explicar o tema abaixo.
Certo.
Conforme art. 170 do CC, embora o negócio jurídico nulo não possa ser sanado, o ato de
vontade que ele encerra (a sua substância) deve, se possível, subsistir sob o rótulo de um
negócio jurídico presumível que seja válido. Trata-se da conversão substancial do negócio ju-
rídico, que só é admitida na hipótese de: (1) se poder presumir que as partes teriam celebrado
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o negócio presumível se tivessem previsto a nulidade do negócio celebrado; (2) se não houver
outro motivo de invalidade do negócio presumível.
Converter o negócio nulo em outro não é saná-lo, e sim aproveitar o seu suporte fático para
dar eficácia jurídica com base em outro negócio presumível.
Há controvérsia acerca da possibilidade de haver conversão de negócio jurídico anulável,
pois, nesse caso, a via adequada seria a convalidação do ato. Temos que é viável a conversão
substancial para negócio anulável nas hipóteses em que não for admissível a ratificação, como
anota Marco Bernardes de Mello (2008, p. 260), ou quando aproveitar à parte que não tem legi-
timidade para ratificar o negócio.
Exemplo 1: uma compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos por instru-
mento particular é nula por força dos arts. 108 e 166, IV, do CC, mas a substância do ato de
vontade, ou seja, a obrigação do vendedor de transferir o imóvel e a do comprador de pagar
o preço pode subsistir sob o rótulo de uma promessa de compra e venda (= compromisso de
compra e venda), que admite formalização por instrumento particular, consoante arts. 462 e
1.417 do CC.
Exemplo 2: uma nota promissória sem os requisitos formais da lei cambial é nula, mas a subs-
tância desse ato de vontade, ou seja, a obrigação de o emitente pagar o preço pode subsistir
sob o rótulo de um contrato de reconhecimento de dívida.
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Há ainda algumas hipóteses legais que fazem subsistir um negócio anulável ou, ao menos,
grande parte dos seus efeitos. Enquadremo-los como oriundos do princípio da conservação
do negócio.
O primeiro caso é o do art. 180 do CC. Se o adolescente com idade superior a 16 anos men-
te a sua idade ou a oculta dolosamente, ele não pode pedir a anulação do negócio jurídico dian-
te da sua má-fé, que se enquadra em um exemplo de tu quoque e que é censurada pelo art. 180,
CC. A tutela da boa-fé aí conservará o negócio. Essa hipótese não se aplica ao absolutamente
incapaz, pois quem tem idade inferior a 16 anos, em regra, não pode ser punido civilmente por
posturas tidas de má-fé diante da sua inaptidão de discernir entre o bem e o mal.
A segunda hipótese está no art. 105 do CC. Consoante art. 105 do CC, a anulação de um
negócio por incapacidade relativa é para proteger e beneficiar apenas o incapaz, de maneira
que (1) quem contratou com o incapaz jamais poderá pedir a anulação e (2) outras pessoas ca-
pazes integrantes do negócio não poderão ser beneficiadas, salvo se isso for material ou juridi-
camente impossível, como no caso de indivisibilidade da obrigação ou do direito. Se um garoto
de 16 anos e um adulto se comprometeram a entregar 100 canetas a um comprador pelo preço
de R$ 100,00, só o garoto tem legitimidade para pedir a anulação do negócio e ninguém mais.
E, caso o garoto requeira a anulação, o adulto que é codevedor não será beneficiado em razão
de o objeto ser divisível: em outras palavras, o adulto terá a obrigação de entregar 50 canetas
ao preço de R$ 50,00 em razão da divisibilidade da obrigação. Se o objeto fosse indivisível
(como um cavalo), aí o adulto seria beneficiado e estaria isento da obrigação com a anulação.
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O terceiro caso é o do art. 181 do CC. Como o incapaz presumidamente não possui ade-
quada aptidão de autogoverno, é presumível que ele dará um destino errante aos bens que vier
a receber em mãos. Dessa forma, em proteção ao incapaz, o art. 181 do CC estabelece que, no
caso de invalidade do negócio, o incapaz não será obrigado a restituir os bens que recebeu, sal-
vo se eles não tiverem sido consumidos ou se houver prova de que eles foram usados em pro-
veito do incapaz (sob pena de prestígio ao enriquecimento sem causa). Assim, se uma criança
gastou o dinheiro recebido por um negócio em jogos e em outras finalidades meramente lúdi-
cas ou supérfluas, ela não terá de restituir esse dinheiro em razão da invalidação do negócio
jurídico, apesar de a outra parte ter de restituir ao incapaz a prestação que este lhe deu. Quem
contratou com o incapaz ficará no prejuízo ao final da invalidação. Todavia, se o incapaz usou
o dinheiro para compra de comida ou para outra finalidade proveitosa (pagar a mensalidade
da escola), ele terá de restituir o valor recebido para evitar o enriquecimento sem causa; afinal
de contas, o incapaz já tinha de gastar com a comida ou essa outra finalidade proveitosa. Essa
regra vale para qualquer tipo de incapacidade, pois o objetivo é proteger o incapaz.
No caso de contrato de mútuo e de fiança, há regra similar nos arts. 588, 589 e 824, parágra-
fo único, do CC, abrangendo especificamente os casos de menoridade. Em suma, o mutuante
não pode reaver os bens emprestados ao menor em razão da invalidação do negócio, salvo
nos casos do art. 589 do CC, nem pode cobrar nada do fiador, pois, por se tratar de menorida-
de, era dever do mutuante, ao menos, consultar o documento de identidade do mutuário para
descobrir a idade. O fiador só responderia pela dívida no caso de a incapacidade do mutuário
não decorrer de menoridade, pois aí a incapacidade nem sempre é de fácil identificação como
no caso de menoridade e o objetivo do mutuante em reclamar um fiador abrange também esse
risco de invalidação.
Defeitos do negó-
Decorre do fato de o NJ estar
cio jurídico
sendo usado para burlar a lei ou
prejudicar 3º
Vícios sociais Simulação =
nulidade
Simulação e fraude
contra credores
Fraude =
anulabilidade
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Parte Geral – V
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Os negócios jurídicos podem conter defeitos que atingem a sua validade, a saber: vícios de
consentimento e vícios sociais.
Os vícios de consentimento dizem respeito a casos em que a vontade expressa pelo in-
divíduo na prática do negócio jurídico não condiz com a sua real intenção, com o seu íntimo
desejo. A vontade declarada está em descompasso com a vontade real e interna do indivíduo
em razão de algum vício. Os vícios de consentimento são erro, dolo, coação, lesão e estado
de perigo.
Os vícios sociais são defeitos do negócio jurídico consistentes no fato de este estar sendo
destinado a burlar a lei ou a prejudicar terceiros (daí o adjetivo “sociais”). Não há problema no
consentimento: a vontade declarada condiz com a vontade real das partes. O problema aí é
que o negócio é utilizado para prejudicar terceiros, ou seja, a sociedade. Os vícios sociais são
a simulação e a fraude contra credores. Apenas a simulação gera nulidade. A fraude contra
credores induz anulabilidade.
É preciso ter cuidado: a simulação em assembleias ou reuniões de pessoas jurídicas gera
anulabilidade, e não nulidade, por força da regra de exceção do parágrafo único do art. 48 do
CC, que prestigia a segurança jurídica a terceiros e à própria pessoa jurídica diante de percal-
ços de validade em questões internas (interna corporis).
Vamos cuidar das hipóteses de defeitos dos negócios jurídicos.
Começo falando o seguinte: é irrelevante, na prática, a distinção que a doutrina faz entre
erro e ignorância. O próprio CC, ao disciplinar a matéria nos arts. 138 ao 144, trata os termos
como sinônimos. A diferença conceitual é a de que o erro é a falsa representação da realidade
(ex.: alguém acha que um anel é de ouro, mas é apenas banhado a ouro), ao passo que a igno-
rância é a completa ausência de conhecimento da realidade (ex.: alguém ignora que o objeto é
um anel). Essa distinção é inútil, imprecisa e geradora de dúvidas; acertou o CC ao disciplinar
o erro e a ignorância conjuntamente.
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Não é qualquer erro que anula um negócio jurídico. A segurança dos negócios jurídicos
exige que somente erros relevantes e decorrentes da inobservância da boa-fé objetiva do bene-
ficiado devem anular o negócio. À luz do art. 138 do CC, a anulação do negócio depende destes
dois requisitos: erro substancial e cognoscibilidade do erro.
O erro substancial é o erro relevante, ou seja, o negócio não teria ocorrido sem ele, como
no caso da compra de um anel banhado a ouro por quem o achava ser de ouro. Daí decorre
que não anula o erro acidental, assim entendido o erro de somenos importância, ou seja, o erro
que não impediria a celebração do negócio jurídico diante da sua insignificância. Quem, por
exemplo, compra um veículo e se engana quanto ao estado civil do vendedor não pode anular
o negócio, pois esse erro é irrelevante para esse negócio. Trata-se de erro acidental. O adjetivo
acidental significa algo não essencial, não relevante, que está presente por acidente.
O erro pode recair sobre vários elementos do negócio jurídico, mas ele só gerará anulabi-
lidade se for substancial, ou seja, se for relevante. Conforme art. 139 do CC, diz-se que há: (1)
error in negotio ou erro sobre a natureza do negócio, quando se crê estar celebrando um negó-
cio, mas se está fazendo outro, como quem doa um bem achando que está vendendo; (2) error
in ispo corpore ou erro sobre o objeto do negócio, quando se crê estar negociando um objeto,
mas está focando outro, como quem compra uma passagem aérea para o mês de dezembro
achando ser para o mês de fevereiro ou como quem hipoteca um apartamento achando es-
tar hipotecando um outro; (3) error in corpore ou erro quanto a qualidade essencial do objeto,
como na compra de um anel banhado a ouro achando que esse objeto era de ouro; (4) error in
persona, quando se engana quanto à identidade de uma pessoa, como em doar um dinheiro a
uma pessoa achando-o ser quem salvou a vida do filho; (5) error juris ou erro de direito, quan-
do se equivoca quanto à adequação jurídica do negócio, como na compra de um imóvel para
parcelamento ignorando que, no dia anterior à compra, sobreveio lei vedando fracionamentos
do solo na região.
A cognoscibilidade do erro significa que o erro poderia ter sido percebido pelo declaratário
nas circunstâncias do negócio, se ele tivesse o padrão de um indivíduo de diligência média,
ou seja, de um homo medius. A cognoscibilidade decorre do princípio da confiança, que é filho
do princípio da boa-fé objetiva, pois quem vai celebrar um negócio jurídico tem a legítima ex-
pectativa que o destinatário da declaração de vontade possui o padrão médio de diligência e,
por isso, agirá de boa-fé para impedir a ocorrência de erro. Assim, se alguém vai a uma grande
loja de produtos eletrônicos para comprar um tablet com a intenção de usar internet móvel em
qualquer lugar, ele tem a legítima expectativa de que o vendedor terá o conhecimento médio
para conduzi-lo a comprar o tablet adequado, que comporte a tecnologia de internet móvel (3G,
4G ou outra). Se esse indivíduo, sob a supervisão do vendedor, compra um tablet sem essa tec-
nologia e só descobre isso quando é ridicularizado em outra loja onde ele vai tentar comprar
um chip de internet móvel para conectar-se ao mundo cibernético com o dispositivo, há erro
substancial e cognoscível, a autorizar a anulação do negócio jurídico.
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2.7.2. Dolo
Malícia reprovada
Dolus malus
socialmente
Dolo
Para ANULAR o NJ, o Sem ele, negócio não
Essencial
dolo deve ser: teria acontecido
Previsto nos arts. 145 ao 150, o dolo consiste em induzir outrem a erro. Configura-se quan-
do alguém ludibria, ainda que por meio de omissão dolosa, outrem, induzindo-o a erro. A princi-
pal distinção conceitual em relação ao erro é a de que, no dolo, o declaratário provoca proposi-
talmente o erro, ao passo que, no erro, o declaratário não percebeu o erro do declarante. O dolo
presume má-fé subjetiva do declaratário. É o caso de um vendedor que mente ao comprador,
informando falsamente que um tablet possui tecnologia de internet móvel (3G, 4G etc.), e o in-
duz a comprar esse dispositivo eletrônico achando que poderá conectar-se à internet com um
chip de internet móvel em qualquer lugar.
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Por envolver a má-fé, o dolo autoriza o prejudicado a, além de pedir a anulação, pleitear
indenização pelos danos comprovadamente sofridos (perdas e danos).
O dolo pode se manifestar por meio do silêncio intencional, se, de acordo com as circuns-
tâncias, isso causar a indução ao erro. Ter-se-á aí o que se chama de omissão dolosa, dolo
negativo ou dolo omissivo (art. 147), que se contrapõe ao que a doutrina batiza de dolo positivo
ou comissivo (o decorrente de conduta comissiva de indução de outrem a erro).
Não é qualquer dolo que anula o negócio. Para anular, o dolo precisa ser malus e essencial.
O dolo malus ou dolo mal é o que envolve malícias reprováveis socialmente. Não se anula
o negócio se houver dolo bonus ou dolo bom, assim entendido a malícia socialmente admitida,
como a afirmação do vendedor de uma roupa de que o seu produto é o melhor do mundo ou
de que a roupa ficou muito bonita no cliente. Exageros comerciais são tolerados socialmente.
A linha divisória entre essas duas espécies de dolo é cinzenta e exigirá do jurista análise minu-
ciosa do caso concreto sob os olhos da boa-fé objetiva.
O dolo essencial é relevante, é o determinante, é aquele, sem o qual, o negócio não teria
ocorrido. Ele gera anulação e direito à indenização por perdas e danos. Todavia, o dolo aciden-
tal não anula o negócio, mas autoriza indenização por perdas e danos (art. 146, CC). O dolo é
acidental quando o negócio ocorreria independentemente dele, embora pudesse assumir ou-
tras condições. É o caso, por exemplo, de quem acaba comprando um apartamento a um valor
adicional ao preço de mercado por ter acreditado na mentira do vendedor quanto ao fato de a
pintura colorida da parede do banheiro ter sido supostamente feita pessoalmente pelo pintor
brasileiro Romero Britto. Nesse caso, o comprador apenas poderá pleitear indenização pelos
danos sofridos, entre os quais está o valor excedente ao de mercado do apartamento.
O melhor entendimento é o de que não há necessidade de provar prejuízo para a anulação
do dolo. Mesmo sem prejuízo, o dolo pode anular, se ele for malus e essencial. O Código Civil
quer garantir a higidez moral do negócio, e não o resultado: os fins não justificam os meios.
O dolo malus e essencial, embora possa não gerar prejuízo material (patrimonial), é revestido
sempre de desvalor moral que atinge a livre vontade da parte ludibriada: o negócio não teria
ocorrido sem o artifício do autor do dolo. Em tese, seria possível afirmar que esse tipo de dolo
sempre gera um prejuízo moral, ainda que não implique prejuízo material. É, todavia, equivoca-
do afirmar que o prejuízo é requisito para a anulação por dolo, pois esse verbete isoladamente
(“prejuízo”) remete-se, em regra, a prejuízos patrimoniais.
Para finalizar, vale a pena falar sobre o dolo de terceiro, o dolo do representante e o dolo
bilateral.
Comecemos com o dolo de terceiro.
Em virtude do princípio da incolumidade das esferas jurídicas, ninguém pode ser atingido
por conduta alheia, salvo se tiver participado dela, ainda que potencialmente, ou se houver lei.
Por essa razão, o dolo de terceiro somente gerará anulação do negócio se a parte beneficiária
tiver participado direta ou indiretamente do dolo, o que acontece quando ela tem ciência efetiva
ou potencial do fato. Haverá nesse caso um dolo conjunto, pois o terceiro e a parte beneficiária
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serão coautores do dolo e, nesse caso, além de assistirem à anulação do negócio, responderão
solidariamente também pelas perdas e danos devidos ao prejudicado com fulcro no parágrafo
único do art. 942 do CC. Sem essa ciência, ainda que potencial, o negócio é válido, mas o ter-
ceiro obviamente será obrigado a indenizar os prejuízos sofridos pelo ludibriado (art. 148, CC).
Assim, se um terceiro, por chacota, convence outrem acerca da raridade de um quadro que
está sendo vendido em uma loja, esse negócio será válido caso o vendedor não tenha ciência,
nem mesmo potencial, de que o comprador havia sido ludibriado pelo terceiro. O enganado,
porém, poderá pleitear indenização por danos materiais e morais contra o terceiro chistoso.
Vamos agora para o dolo do representante legal, que é tratado no art. 149 do CC.
O representante tem poderes de praticar atos no nome do representado. Isso significa que,
havendo dolo dele, o negócio sempre será anulado, ainda que o representado nada tenha feito
e até mesmo desconheça o dolo. Afinal de contas, o negócio só foi concretizado por conta
desse ardil.
O problema gira em torno de definir quem será responsável por indenizar os danos sofridos
pela parte ludibriada.
No caso de se tratar de representante convencional, essa responsabilidade será solidária
do representante e do representado por força do art. 149 do CC, assegurado, porém, o direito
de regresso contra o mentiroso representante, que foi o causador direto do dolo. Apesar do
silêncio do Código, Pablo Stolze e Radolfo Pamplona Filho (2015, p. 406) entendem que o
representado poderá exonerar-se dessa responsabilização solidária se provar que havia dado
instruções expressas ao representante para não agir com dolo, caso em que o representante
terá extrapolado os limites do mandato.
Não acompanhamos esse entendimento pelo desprestígio dado ao que foi ludibriado por
alguém instituído pelo beneficiado e pela vedação ao enriquecimento sem causa. Temos que
o representado só estaria exonerado se a vedação ao dolo estiver específica e expressamente
indicada, por escrito, no instrumento de mandato, cuja consulta é dever do ludibriado. Se as
instruções expressas do representado não constaram do instrumento de mandato e o repre-
sentante concluiu o negócio aparentando ao ludibriado ter plenos poderes, a responsabilidade
solidária se impõe, com direito de regresso do representado contra o representante.
No caso de se cuidar de representante legal, foi a lei que impôs esse representante ao re-
presentado, de maneira que seria absolutamente injusto condenar este a responder por ato de
alguém em que não depositou a sua confiança. Por isso, apenas para vedar o enriquecimento
sem causa, o representado só responderá pelos danos sofridos pelo ludibriado até o limite do
proveito obtido. Essa regra, prevista no art. 149 do CC, deve estender-se também ao represen-
tante judicial, pois este, em última análise, o juiz o nomeou por força de lei, razão por que se
pode incluir aí o inventariante e o síndico da massa falida. Assim, se o inventariante vende o
computador do espólio alegando falsamente que o produto nunca foi usado com o objetivo de
conseguir fechar o negócio, o enganado poderá, além de anular o negócio, pedir indenização
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por todos os prejuízos sofridos contra o inventariante e, poderá também cobrar do espólio o
pagamento dessa indenização até o limite do valor auferido pelo espólio.
Por fim, você sabe o que é dolo bilateral?
O Direito não pode desperdiçar o tempo e os esforços com negócios lastreados em má-fé
das partes. Por isso, havendo dolo de ambas as partes (um enganou o outro reciprocamente) –
o que é batizado como dolo bilateral –, o negócio não será anulado: cada um ficará com o seu
prejuízo. Trata-se de um exemplo de tu quoque, um dos corolários da boa-fé objetiva.
2.7.3. Coação
Pressupõe que o
coagido tem uma
Coação OPÇÃO
moral/relativa
Quatro anos para
pleitear a ANULAÇÃO
Ameaça de um mal
Não há prazo
para anulação
Coação
física/absoluta
Coação Considera que
não houve opção
para o coagido
Coação é a ameaça de um mal a outrem, à sua família, aos seus bens ou – sob avaliação
judicial – a terceiro. A coação tem de ser juridicamente relevante. Nesse contexto, são insig-
nificantes ao Direito ameaças que, nas circunstâncias do caso e as condições pessoais do
coacto, não sejam tidas como efetivamente aptas a inspirar fundado temor (arts. 151 e 152,
CC). Não é coação a ameaça de exercício regular de direito (ex.: ameaçar de ajuizar uma ação
de cobrança caso o devedor não pague) ou o temor reverencial (ex.: doação ao pai por respeito
familiar), conforme art. 153, CC.
A doutrina costuma distinguir a coação moral da coação física.
Coação moral ou relativa é aquela em que o coagido possui a opção de praticar ou não o
negócio jurídico, assumindo o risco de a ameaça se concretizar. Diz-se que, na coação moral,
o coator se vale da vis compulsiva, uma violência (vis) para compelir o coagido a praticar o
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2.7.4. Lesão
Coação
moral/relativa
Ameaça de um mal
Coação
física/absoluta
Coação Coação de 3º
Coação
física/absoluta
Coação de 3º
Coação
física/absoluta
Conforme art. 157 do CC, há lesão quando alguém se obriga a uma prestação manifesta-
mente desproporcional em razão de inexperiência ou premente necessidade. Não há necessi-
dade de essa inexperiência ou premente necessidade ser conhecida pela outra parte, ou seja,
não há necessidade do que a doutrina batiza de “dolo de aproveitamento”, que é a intenção
ardilosa da parte de se aproveitar patrimonialmente da fragilidade alheia. A lesão decorre da
boa-fé objetiva, por censurar a conduta de se aproveitar de um negócio manifestamente des-
conectado do valor de mercado em prejuízo de outrem.
Assim, por exemplo, um turista inexperiente que, por inexperiência, paga R$ 500,00 por um
passeio que usualmente custa apenas R$ 10,00 sofre lesão e, por isso, pode pedir a anulação
do negócio. O guia turístico aí aproveitou-se da inexperiência do turista pueril para cobrar um
valor manifestamente exorbitante, o que é censurável. Não importa se ele sabia ou não da
inexperiência: a sua conduta, por si só, está em desarmonia com o padrão ético da sociedade.
A lesão também pode ocorrer no caso de alguém que vende um imóvel manifestamente abai-
xo do preço de mercado por estar pressionado a conseguir um valor necessário a saldar uma
dívida relevantíssima que pode vir a ocasionar a falência de sua sociedade empresária.
Em prestígio ao princípio da conservação jurídica, o art. 157, § 2º, do CC é expresso em
admitir que a parte beneficiada evite a anulação do negócio concordando com a redução da
manifesta desproporção. Temos que essa eliminação da manifesta desproporção se contenta
com o reajustamento do negócio a uma condição cuja desproporcionalidade não seja superla-
tivizada. Não há necessidade de eliminação total da desproporção, mas apenas a supressão
da parcela que a torne manifesta. Assim, nos exemplos acima, o guia turístico poderá manter o
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negócio, concordando com a redução do preço para R$ 15,00 (valor desproporcional, mas não
de modo manifesto), e o comprador do imóvel pode manter a venda do imóvel concordando
com essa redução de preço.
Conforme enunciados 149 e 291/JDC, a manutenção do negócio viciado por lesão deve
sempre ser prestigiada pelo juiz mediante a extirpação da manifesta desproporção, assegu-
rado, inclusive ao lesionado, o direito de, no lugar de pleitear a anulação, reivindicar apenas a
eliminação da manifesta desproporção mediante a revisão judicial do negócio. A propósito, o
STJ acolheu a pretensão de um cliente que, com base na lesão, pleiteou a redução – e não a
anulação – dos honorários quota litis pactuados em favor do seu advogado, pois, “embora a
lesão conduza à anulabilidade do negócio jurídico, a vítima optou pela revisão do contrato em lu-
gar de sua anulação, o que permite a revisão do percentual” (STJ, REsp 1.155.200/DF, 3ª Turma,
Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJe 02/03/2011).
Em razão de
Obrigar-se à prestação mani-
PREMENTE
festamente desproporcional
NECESSIDADE
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são os da lesão com maior especificidade e com alguns acréscimos: a premente necessidade
deve ser a de salvar uma vida e o dolo de aproveitamento é indispensável.
A título de exemplo, alguém que, querendo pagar as despesas médicas da mãe em um hos-
pital, vende um apartamento de um milhão de reais por apenas cem mil reais – que é o valor
das despesas médicas – a um “amigo” que sabia do desespero, pratica um negócio viciado por
estado de perigo e, portanto, sujeito a ser anulado. Há aí manifesta desproporção (imóvel de
um milhão de reais por apenas cem mil), premente necessidade de salvar a vida de familiar e
dolo de aproveitamento.
Cabe mais um alerta.
A doutrina majoritária, com base no princípio da conservação do negócio jurídico, aplica,
por analogia, o § 2º do art. 157 do CC para o estado de perigo, afastando a anulação do negó-
cio por estado de perigo se a parte beneficiada concordar com a eliminação da manifesta des-
prorcionalidade. O art. 156 do CC, que trata de estado de perigo, é silente quanto a isso, razão
por que a doutrina majoritária importa, por analogia, o que é previsto para lesão.
Temos por indevida essa orientação majoritária por um único motivo: essa aplicação ana-
lógica iguala, nos seus efeitos práticos, o estado de perigo à lesão e acaba por insinuar que o
legislador, ao criar dois institutos com os mesmos efeitos jurídicos, adotou uma postura mera-
mente lítero-poético-recreativa e estética na redação do CC. Os institutos jurídicos têm de pos-
suir repercussões diversas. O silêncio do legislador foi proposital no art. 156 do CC ao tratar de
estado de perigo, assim como foi proposital a sua previsão, no artigo vizinho, da conservação
para a lesão. E havia motivos para tanto: a má-fé proveniente do “dolo de aproveitamento”,
salpicada pelo oportunismo diante da morte, não fazia o estado de perigo merecedor do efeito
saneador do princípio da conservação do negócio jurídico. A única hipótese que deveria autori-
zar a conservação do negócio jurídico por estado de perigo é se a parte prejudicada concordar
com essa manutenção do negócio mediante eliminação da manifesta desproporção.
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Disciplinada a partir do art. 158 do CC, a fraude contra credores é um vício social e macula
o negócio jurídico de disposição patrimonial praticado pelo devedor insolvente ou que, em ra-
zão do negócio, torne-se insolvente.
Conforme o princípio da patrimonialidade sediado no art. 789 do CPC, todos os bens do
devedor (o seu patrimônio) respondem por todas as suas dívidas, salvo exceções legais, como
a dos bens legalmente impenhoráveis. Daí decorre que o patrimônio do devedor é uma garan-
tia de pagamento das dívidas. Se o devedor dilapida esse patrimônio sem deixar o necessário
para saldar as suas dívidas – tornando-se, portanto, insolvente –, ele está a fraudar os credo-
res, o que é reprimido pelo instituto da fraude contra credores.
A fraude contra credores também é conhecida como fraude pauliana, e o nome de batismo
da sua ação anulatória é ação pauliana. A homenagem aí é a Paulus, jurista do Direito Romano
antigo que cunhou o instituto.
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Um dos requisitos para fraude contra credores é a anterioridade. Em regra, somente haverá
fraude contra credores se, ao tempo da celebração do negócio, o devedor já havia contraído dí-
vidas. Não se pode, em princípio, considerar prejudicial um negócio de disposição patrimonial
para credores que surjam posteriormente. Esses novos credores, no momento do nascimento
do seu crédito, já tinham ciência, ainda que potencial, do estado patrimonial do devedor e,
por isso, não podem impugnar negócios praticados por ele anteriormente. A anterioridade da
dívida é, portanto, um requisito da fraude contra credores. E essa anterioridade deve levar em
conta o momento do nascimento da causa da dívida (ex.: data da celebração do contrato, data
do dano a ser indenizado etc.), e não propriamente o seu futuro reconhecimento judicial. Essa
é a inteligência expressa do art. 158, § 2º, do CC.
Todavia, em nome da tutela da boa-fé objetiva, esse requisito da anterioridade do crédito
pode ser flexibilizado em situações em que se configure fraude predeterminada contra futuros
credores, ou seja, um desfazimento antecipado dos bens por se antever que se avizinha o sur-
gimento de dívidas, como sucede no caso de uma pessoa jurídica que, receando o surgimento
de dívidas elevadas, antecipa-se a transferir os seus bens para outra pessoa jurídica. Havendo
previsão fraudulenta no sentido de frustrar a satisfação de quem viria a se tornar credor no
futuro, o negócio pode vir a caracterizar fraude contra credores diante da flexibilização do re-
quisito da anterioridade da dívida (STJ, REsp 1092134/SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe
18/11/2010).
Outro pressuposto importante para a fraude contra credores é o de que o credor não deve
ter garantia suficiente. Como a fraude contra credores pressupõe negócio que esvazie o pa-
trimônio do devedor em prejuízo aos seus credores, credores com garantias não possuem
legitimidade para pleitear a anulação por fraude contra credores, salvo se as suas garantias se
tornarem insuficientes para cobrir a dívida (art. 158, § 1º, CC).
Já os credores sem garantias, nos quais se incluem os credores quirografários (quiro –
papel; grafário – escrita; quirografário – credores que, metaforicamente, só tem o papel do
contrato como garantia), sempre possuem legitimidade.
Além do mais, para haver fraude contra credores em qualquer hipótese, deve haver o even-
tos damini. De fato, não haverá fraude contra credores se o devedor, após a celebração do
negócio, seguir com patrimônio suficiente para saldar a dívida. A insolvência do devedor é
condição essencial. É essa insolvência causada ou – se já existente – agravada pelo negócio
fraudulento que representa o evento do dano (eventos damini) aos credores fraudados.
O eventus damini é o requisito objetivo da fraude contra credores e consiste no fato da in-
solvência do devedor, que existia à época do negócio ou que tenha sido provocada em razão
do negócio.
Um outro requisito da fraude contra credores é o consilium fraudis. Cuidado! Esse requisito
não é exigível em negócios jurídicos gratuitos, mas apenas nos onerosos. Explico.
O consilium fraudis, também conhecido como scientia fraudis, é o elemento subjetivo da
fraude contra credores e consiste na ciência, pelo outro contratante, do eventus damini. Esse
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requisito é uma espécie de má-fé do contratante que será prejudicado com a anulação do ne-
gócio fraudulento.
Em razão da função social e da finalidade econômica, o art. 158 do CC dispensa a presença
do consilium fraudis nas hipóteses de negócios fraudulentos gratuitos. É que, ainda que o outro
contratante esteja de boa-fé, a sua condição de beneficiário de um negócio gratuito deve ser
tido por menos importante à função social perante os credores que foram fraudados e que pro-
vavelmente obtiveram os seus créditos a partir de negócios onerosos, pois, do ponto de vista
de estímulos ao desenvolvimento socioeconômico, o ordenamento deve, diante do conflito en-
tre negócios gratuitos e onerosos sem haver outro critério de desempate, prestigiar o oneroso
por fazer circular riqueza. Por isso, havendo negócio gratuito, basta a prova do eventus damini.
Se, porém, o negócio for oneroso, o consilium fraudis é requisito essencial ao lado do even-
tus damini.
O consilium fraudis deve ser provado, o que é admitido em três situações de ciência do
eventus damini pelo outro contratante: (1) ciência efetiva, quando o outro contratante efeti-
vamente sabe da insolvência do devedor, como um e-mail trocado entre as partes poderia
comprovar; (2) ciência potencial, quando há prova de elementos que demonstram que o outro
contratante devia conhecer a insolvência do devedor, como no caso de haver vínculo de pa-
rentesco entre as partes; (3) ciência presumida, quando a insolvência do devedor era notória,
como na hipótese de haver títulos protestados.
No caso de insolvência notória, o conceito é aberto e dependeria de análise no caso con-
creto. Em uma cidade pequena, a notoriedade da insolvência poderá ser admitida com base
nos rumores da cidade. Em cidades mais populosas, é difícil haver essa notoriedade. Seja
como for, o protesto de títulos – que, segundo a Lei 9.492/97 destina-se a divulgar, ou seja, a
protestar a situação de inadimplemento da dívida – é um parâmetro seguro para demonstrar
a notoriedade da insolvência, desde que o protesto tenha sido lavrado por cartório do domi-
cílio do devedor ou, no máximo, por cartório do local do bem objeto do negócio. Não se pode
considerar notória a insolvência se o protesto foi lavrado em qualquer um dos milhares de mu-
nicípios brasileiros, mas apenas naqueles do domicílio do devedor ou da localização do bem.
Por fim, há uma hipótese que merece atenção. No caso de instituição de garantia por de-
vedor insolvente em favor de um credor, o consilium fraudis é presumido por lei (art. 163, CC),
pois o legislador reputou indevido que o devedor que já está insolvente prestigie um credor
em detrimento dos demais com uma garantia creditícia. É o caso, por exemplo, de o devedor
insolvente hipotecar um imóvel apenas para um dos credores.
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2.7.7. Simulação
Simulação
Nocente = objetiva prejudicar um 3º
Subsiste o NJ que
Relativa (dissimulação) efetivamente
foi feito
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Conforme veremos abaixo, a simulação é hipótese de nulidade absoluta e, como tal, não pode
convalescer pelo tempo: não há prazo de decadência ou de prescrição.
Letra b.
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(= esconder) um negócio com a simulação; daí o nome dissimulação como sinônimo de simu-
lação relativa. Na simulação relativa, o negócio simulado é nulo, mas subsistirá, em seu lugar,
o negócio jurídico escondido se inexistir outro motivo de invalidade (ex.: incapacidade das
partes) e se os requisitos formais e substanciais desse negócio jurídico escondido estiverem
preenchidos, tudo por força do art. 167, do princípio da conservação do negócio jurídico e do
enunciado 293/JDC. É o que sucede quando, com o objetivo de reduzir a base de cálculo do
ITBI, o comprador e o vendedor declaram na escritura de venda do imóvel um preço inferior ao
que efetivamente foi pago. Nessa hipótese, o negócio simulado é a compra e venda pelo preço
declarado; ele é nulo. Subsistirá, porém, o acordo de vontades sob o negócio jurídico real que
foi feito, a saber a compra e venda pelo preço realmente pago. O Fisco poderá, com base nessa
simulação, cobrar a diferença de tributo que havia sido burlado.
A simulação relativa pode ser subjetiva (= ad personam) ou objetiva.
A simulação relativa subjetiva consiste na utilização de um “testa-de-ferro”, de um “laranja”,
ou seja, de um indivíduo que, na realidade, não é o que efetivamente se beneficiará do objeto do
negócio. Há aí o que se chama de “interposição de pessoas” ou de “interposição fictícia de pes-
soas”: o verdadeiro beneficiado haverá de fruir do benefício por interposta pessoa, que aparen-
ta falsamente ser a contemplada. A simulação relativa subjetiva é expressamente condenada
no inciso I do § 1º do art. 167 do CC. Isso ocorre, por exemplo, quando um pai, com o objetivo
de esconder uma doação de dinheiro a um dos filhos (que poderia ser obrigado a colacionar
essa liberalidade em futura herança), doa o dinheiro a um amigo, que, em oculto, transfere o
dinheiro ao filho privilegiado. A doação feita ao amigo é simulada, por aparentar beneficiar o
amigo, embora efetivamente esteja beneficiando o filho preferido.
A simulação relativa objetiva consiste em falsidades em outros elementos do negócio que
não os sujeitos. A simulação relativa objetiva é condenada expressamente no inciso II e III do §
1º do art. 167 do CC, prevendo hipóteses genéricas de cláusulas falsas e também de documen-
tos antedatados ou pós-datados. É o caso do marido adúltero que, querendo doar um imóvel à
amante desconhecida, simula um contrato de compra e venda com ela, com o consentimento
da sua desavisada esposa traída, que, por não ter o menor conhecimento da gestão financeira
do marido, ignora que a compradora não haverá de transferir dinheiro algum como pagamento
do preço. Nesse caso, a simulação diz respeito à natureza do negócio (compra e venda para
ocultar doação) e, portanto, é uma simulação relativa objetiva.
A legislação, por vezes, censura expressamente a simulação, como o art. 2º da Medida
Provisória 2.172-32/2001, que condena negócios simulados destinados a burlar práticas usu-
rárias, a exemplo do famoso contrato simulado de “vaca papel”, que costuma ser um falso
contrato de parceria agrícola que encobre um mútuo com juros acima do teto legal (STJ, REsp
441.903, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 15/3/2004). O art. 1.749, I, do CC dá outro exemplo,
censurando simulação relativas subjetivas pelas quais o tutor busca adquirir bens do pupilo
por meio de interposta pessoa. O art. 1.802 do CC também censura simulações em disposi-
ções testamentárias destinadas a beneficiar pessoas não legitimadas a suceder, seja por meio
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de negócios falsamente onerosos (simulação objetiva), seja por meio de negócios com inter-
postas pessoas (simulação relativa), presumindo que são interpostas pessoas os parentes na
linha reta, os irmãos, o cônjuge e o companheiro. Seria o caso de o testador deixar um bem ao
cônjuge do tabelião que lavrou a escritura de testamento: haveria aí uma simulação relativa
para beneficiar, ao final, o tabelião, que não tem legitimidade para suceder.
3. Atos Ilícitos
Atos ilícitos
Não haverá ato ilícito
diante de excludente de Excludente putativa: não exclui a responsabilidade civil
ilicitude (art. 188, CC)
Invalidade do ato
Pode surgir,
Dever de indenizar excepcionalmente, mesmo
diante de ATOS LÍCITOS
Há apenas dois ilícitos civis: o do art. 186 e o do art. 187 do CC. Eles podem ser afastados
no caso de se enquadrar em alguma excludente de ilicitude prevista no art. 188 do CC.
No caso de incapazes, as condutas danosas deles geram dever de indenizar nos termos do
art. 928 do CC, mas não podem ser classificados como atos ilícitos, e sim ato-fato jurídico (in-
denizativo). Falta aí o elemento volitivo em grau relevante para a caracterização do ato ilícito,
que é um ato jurídico stricto sensu.
O art. 186 do CC reputa ilícito o ato que, violando um direito, causa dano a outrem com
culpa em sentido amplo, a qual abrange também o dolo. Para esse ilícito, exigem-se três requi-
sitos: dano, culpa e violação de direito. Quem derruba uma casa (dano) propositalmente (culpa
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em sentido amplo) não comete ato ilícito se foi contratado para tanto pelo proprietário da casa
(não há violação de direito).
Essa regra do art. 186 do CC decorre do princípio do neminem laedere – também batizado
de princípio do alterum non laedere ou de princípio da incolumidade das esferas jurídicas –,
que estabelece que ninguém deve lesar outrem e que foi extraído desta milenar definição de
Ulpiano no antigo Direito Romano: “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non lae-
dere, suum cuique tribuere” (os preceitos do direito são estes: viver honestamente, não lesar a
outrem, dar a cada um o que é seu).
Conforme art. 187, comete ato ilícito quem incorre em abuso de direito, assim entendido
o ato consistente no exercício de um direito além dos limites impostos pelos bons costumes,
pela boa-fé ou pela sua finalidade econômica e social. Esses limites baseiam-se em conceitos
jurídicos indeterminados, de modo que dependerão da análise do caso concreto e estarão ex-
postos às oscilações interpretativas de praxe. Não há uma delimitação cartesiana do que seja
abuso de direito, portanto.
A culpa não é requisito do abuso de direito. Para caracterizar-se, este não depende, por-
tanto, de nenhum critério subjetivo (a culpa). O seu fundamento é apenas um critério objetivo-
-finalístico, conforme Enunciado n. 37/JDC (Jornada de Direito Civil): bastam o fato abusivo
(critério objetivo) e a extrapolação dos fins do direito (critério finalístico). Realmente, quem tem
um direito sempre está exposto ao risco de extrapolar no seu exercício, ainda que sem dolo.
Esse risco deve ser suportado pelo titular do direito – que tem proveito com o direito –, e não
por terceiros, o que justifica o afastamento da culpa como requisito do abuso de direito.
O direito é homogêneo nisso. Ao tratar de infração à ordem econômica, o art. 36 da Lei n.
12.529/2011 (Lei do CADE3) dispensa a prova de culpa para a configuração dessas infrações à
livre concorrência e à livre iniciativa, exatamente porque aí se terá um abuso de direito. Quem,
por exemplo, aumenta arbitrariamente o lucro abusa do seu direito de livre iniciativa, ainda que
não haja culpa. É verdade que há outros requisitos nesse tema da infração à ordem econômi-
ca, mas, para o presente momento, basta-nos verificar a dispensa de culpa para esse tipo de
abuso de direito.
Cuidado! Não haverá ato ilícito se a conduta se enquadrar em alguma excludente de ilici-
tude. De fato, o art. 188 do CC arrola fatos que excluem a ilicitude do ato: a legítima defesa, o
exercício regular de direito e o estado de necessidade (evitar dano iminente). Apesar de o CC
ser silente, o estrito cumprimento do dever legal também é excludente, por poder ser incluído
no conceito de exercício regular de direito.
Situações putativas dessas excludentes não afastam a responsabilidade civil: quem causa
um dano por imaginar fantasiosamente estar em situação de legítima defesa responde civil-
mente, embora, no Direito Penal, o crime possa ser descaracterizado. A legítima defesa ou o
estado de necessidade putativos não são previstos no Direito Civil como excludentes de ilici-
tude, exatamente porque a repercussão civil é bem menos gravosa do que a do Direito Penal.
3
CADE: Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
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QUESTÕES DE CONCURSO
010. (CESPE/CONCILIADOR/TJ-BA/2019) Gustavo celebrou contrato para adquirir a safra de
soja das terras de Luan. Temendo os efeitos do clima, Gustavo acrescentou ao contrato cláu-
sula que vinculava a aquisição da soja à colheita da safra.
De acordo com o Código Civil, a referida cláusula expressa
a) termo.
b) encargo.
c) condição resolutiva.
d) negócio inexistente.
e) condição suspensiva.
Como a colheita da safra é evento futuro e incerto, tem-se uma condição suspensiva, conforme
art. 121 do CC:
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes,
subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Letra e.
Condição é evento futuro e incerto. Diz-se suspensiva quando ela impede o início da eficácia de
um negócio. Logo, questão define a condição suspensiva. Veja. O art. 121 do CC:
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes,
subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Letra a.
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Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressa-
mente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.
Errado.
Ao contrário do exposto na questão, se a outra parte não sabia da reserva mental, o contra-
to é válido.
Reserva mental é o pensamento do declarante da vontade de não querer o que declarou. Isso
costuma acontecer quando o declarante quer enganar os destinatários, como na hipótese de
um escritor, com o objetivo de enganar o público, anuncia que doará a uma entidade carente
todos lucros havidos com a venda do seu livro. O fato de, na sua mente, haver uma reserva
mental é irrelevante: ele terá de cumprir o que prometeu. Isso é um problema interno da mente
do declarante e, por isso, é irrelevante para o Direito. Trata-se de uma simulação unilateral.
Se alguém assina um contrato declarando que pagará R$ 10.000,00 no final do mês, é irre-
levante que, na sua cabeça, ele estivesse pensando em não cumprir o que prometeu. Essa
declaração de vontade gerará efeitos jurídicos e credenciará os meios executivos no caso de
inadimplemento.
Se, porém, uma parte sabia da reserva mental feita pela outra, a doutrina oscila entre entender
que o negócio é inexistente ou é nulo.
Por fim, veja o art. 110 do CC:
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Errado.
Em regra, a reserva mental é irrelevante, pois é uma simulação unilateral (art. 110, CC). Se, po-
rém, a outra parte souber dela, o negócio será inexistente (para alguns doutrinadores) ou nulo
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(para outros). A questão poderia ser anulada por ter falado em “inválido”, pois há doutrinadores
que entendem que aí seria caso de inexistência do negócio jurídico. Seja como for, o gabarito
é “correto”. Veja o art. 110 do CC:
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Certo.
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Errado.
Ao contrário do dito na questão, a reserva mental (“a verdadeira intenção”, nas palavras da
questão) é irrelevante, salvo se a outra parte soubesse. É o art. 110 do CC:
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Errado.
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I – resolutiva e impossível
II – suspensiva e juridicamente impossível
III – de não fazer coisa impossível
IV – de fazer coisa ilícita
De acordo com o Código Civil, invalidam os negócios jurídicos que lhes sejam subordinados,
caso estejam presentes, as condições citadas apenas nos itens
a) I e II.
b) II e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) I, III e IV.
O item “B” é o único que condiz com os arts. 123 e 124 do CC:
João iria comprar o carro de qualquer maneira, ainda que não tivesse havido o dolo. Ele, porém,
pagaria um valor menor. Logo, há aí dolo acidental, que, à luz do art. 146 do CC, não autoriza a
anulação, mas apenas a obtenção de indenização poro perdas e danos. Veja:
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu
despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Errado.
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Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressa-
mente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.
Certo.
A presunção está prevista no art. 212 do CC como um meio de prova do Código Civil:
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
I – confissão;
II – documento;
III – testemunha;
IV – presunção;
V – perícia.
Errado.
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem.
Errado.
Ao contrário do dito na questão, condição não influi no plano da validade, e sim no plano da
eficácia, pois suspende ou faz cessar a eficácia de um negócio jurídico.
Errado.
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Coação gera anulabilidade, e não nulidade (art. 171, II, CC). No caso de anulabilidade, juiz não
pode invalidar de ofício (art. 177, CC). Veja os dispositivos:
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício;
só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de
solidariedade ou indivisibilidade.
Errado.
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o
fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Certo.
É o art. 170 do CC, que prevê a conversão substancial do negócio jurídico nulo:
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o
fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Certo.
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Trata-se de caso de simulação absoluta e, portanto, não há nenhum negócio jurídico real que
pudesse subsistir (ou seja, não há negócio jurídico real para o qual se poderia fazer a conver-
são substancial). Está, pois, correto o item.
Certo.
Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não
provar que reverteu em proveito dele a importância paga.
Errado.
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.
Errado.
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Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.
Errado.
Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo de-
vedor, ciente do vício que o inquinava.
Certo.
Só há nulidade se o motivo de ambas as partes for ilícito, e não o motivo de apenas uma das
partes. É o art. 166, III, do CC:
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Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício
próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do
direito ou da obrigação comum.
Errado.
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro
substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias
do negócio.
Certo.
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Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determi-
nante.
Certo.
Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se
não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
Certo.
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Antes de tudo, o caso concreto anunciado na questão, por envolver um crédito já cobrado judi-
cialmente, atrairia a fraude à execução (arts. 792 do CPC), e não propriamente a fraude contra
credores (que tem aplicação para crédito ainda não cobrados judicialmente). Há, porém, con-
trovérsias se seria possível também falar em fraude contra credores quando há dívida cobrada
judicialmente.
Seja como for, para responder à questão, é absolutamente desnecessário ler o caso concreto,
pois a pergunta feita é estritamente voltada aos requisitos da fraude contra credores.
A fraude contra credores é causa de anulabilidade de negócio jurídico e deve ser requerida
judicialmente por meio da ação anulatória chamada doutrinariamente de “ação pauliana”. Para
sua configuração, são necessários os seguintes requisitos:
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• Quando o negócio fraudulento for gratuito, basta o eventus damini (a insolvência do de-
vedor, ou seja, a falta de bens deste em porte suficiente para honrar suas dívidas);
• Quando o negócio fraudulento for oneroso, é necessário, além do eventus damini, a pre-
sença do consilium fraudis (a ciência, pela outra parte, da situação de insolvência). O
consilium fraudis é presumido em quatro casos:
− insolvência notória do devedor (art. 159, CC);
− ciência potencial da insolvência do devedor pelo outro contratante, o que é verificado
quando se identificar que, no caso concreto, havia motivos para se presumir essa
ciência (art. 159, CC);
− no caso de o devedor insolvente oferecer garantia a qualquer dos credores (art. 163, CC);
− na situação de um credor receber pagamento de dívida não vencida do devedor insol-
vente (art. 162, CC).
Não se incluem, porém, como sujeitos a anulabilidade por fraude contra credores negócios
ordinários ou de subsistência, ou seja, os negócios comumente praticados para a manuten-
ção da atividade econômica ou para a sobrevivência do devedor. Há presunção de boa-fé aí
(art. 164, CC).
Só quem pode pedir a anulação de negócios por fraudes contra credores são credores qui-
rografários ou com garantias insuficientes, pois possuem interesse na invalidação. Credores
com garantias suficientes não podem pedir a invalidação pelo fato de não terem prejuízo al-
gum com o negócio: eles têm uma garantia suficiente (art. 158, CC).
a) Errada. Não gera nulidade, sim anulabilidade. Transmissão gratuita, e não só onerosa, enseja
fraude contra credores (arts. 171, 158 e 159, CC).
b) Errada. Não há necessidade de plena ciência do devedor quanto à sua insolvência. É irre-
levante se o devedor sabia que estava ou não insolvente. O consilium fraudis, que é exigido
apenas para negócios onerosos, refere-se à ciência pelo outro contratante, e não do devedor.
c) Errada. Além dos mesmos motivos apontados para a letra “A”, o consilium fraudis é exigido
apenas para negócios onerosos.
d) Certa. Corresponde ao art. 158 do CC.
e) Errada. O crédito tem de estar constituído ao tempo da alienação; não vale para expectativas
de crédito (art. 158, § 2º, do CC).
Vale a pena a leitura dos dispositivos supracitados:
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o deve-
dor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados
pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insol-
vência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
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DIREITO CIVIL
Parte Geral – V
Carlos Elias
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não
vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de
credores, aquilo que recebeu.
Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o
devedor insolvente tiver dado a algum credor.
Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manuten-
ção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Letra d.
Em regra, causar dano a outrem com culpa, violando um direito, configura um ato ilícito
(art. 186, CC).
A exceção ocorre quando houver alguma das excludentes de ilicitude, que estão no art. 188 do
CC, como a legítima defesa, o exercício regular de direito, o estrito cumprimento do dever legal
(está implícito no art. 188, CC) e o estado de necessidade (remover perigo de dano iminente.
Portanto, quem causa dano a outrem agindo ao amparo de uma excludente de ilicitude pratica
ato lícito.
A questão em pauta trata disso. Quem destrói o vidro de um veículo para salvá-lo de um in-
cêndio age em estado de necessidade e, portanto, pratica um ato lícito. Por isso, a questão
está correta.
Já que tratamos desse assunto, cabe duas lembranças.
A primeira é que o abuso de direito também é um ato ilícito no Direito Civil (art. 187, CC).
A segunda é a de que o fato de alguém causar dano a outrem ao amparo de uma excludente
de ilicitude não significa que inexista dever de indenizar. Como regra, o dever de indenizar de-
corre de um ato ilícito. Todavia, excepcionalmente, quando houver lei nesse sentido, há dever
de indenizar por prática de ato lícito. É o que se dá, por exemplo, quando alguém, agindo em
legítima defesa ou em estado de necessidade para salvar a si ou a terceiro, causa dano a quem
não foi o causador da situação excepcional (injusta agressão ou perigo de dano iminente).
Nesse caso, a vítima tem direito de exigir indenização do causador do dano, o qual terá direito
de buscar o reembolso (direito de regresso) contra quem gerou a situação excepcional. É o que
está nos arts. 929 e 930 do CC.
Assim, se um motorista atropela um pedestre ao se desviar de um carro que vinha na contra-
mão, age em estado de necessidade, mas, ainda assim, terá de indenizar o pedestre atropelado
com direito de regresso contra o condutor do veículo que seguia na contramão.
Vejamos os artigos citados:
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DIREITO CIVIL
Parte Geral – V
Carlos Elias
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo imi-
nente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tor-
narem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do
perigo.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpa-
dos do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o
autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art.
188, inciso I).
Certo.
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DIREITO CIVIL
Parte Geral – V
Carlos Elias
GABARITO
10. e 22. E 34. E
11. a 23. E 35. C
12. E 24. E 36. E
13. E 25. C 37. C
14. C 26. C 38. C
15. E 27. C 39. C
16. E 28. E 40. C
17. E 29. E 41. C
18. b 30. E 42. E
19. E 31. E 43. d
20. C 32. C 44. C
21. E 33. E
Carlos Elias
Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no
concurso de 2012). Advogado. Professor em cursos de graduação, de pós-graduação e de preparação para
concursos públicos em Brasília, Goiânia e São Paulo. Ex-membro da Advocacia-Geral da União (Advogado
da União). Ex-Assessor de Ministro do STJ. Ex-técnico judiciário do STJ. Doutorando e Mestre em Direito
pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito na UnB (1º lugar em Direito no vestibular da UnB
de 2002). Pós-graduado em Direito Notarial e de Registro. Pós-Graduado em Direito Público. Membro do
Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo.
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