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UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA – MAPUTO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Licenciatura em História Política e Gestão Pública – 4º Ano

História Religiosa e Cultural de Moçambique

Nome: Ângelo João Matavele

Análise da relação entre o Estado Colonial Português e a Igreja Católica no século


XX
Por vários anos, a missionação exercida pela Igreja Católica no ultramar, sempre
enquadrou-se no âmbito dos projectos e aspirações do Estado Colonial Português nos
referidos territórios. Todavia, a sucessão de diferentes regimes políticos em Portugal – a
monarquia constitucional oficialmente católica, a República laica de 1910, o Estado
Novo de 1930 baseado numa colaboração próxima com o catolicismo são algumas
nuances que marcam a relação do Estado português com a Igreja Católica, durante o
século XX.

Portanto, tal trajectória poderá ser analisada tendo em conta o levantamento empírico
feito em instrumentos legais que aprovados pelo Governo no sentido de regular a
relação entre o Estado Colonial Português e a Igreja Católica, ao longo do período em
análise, a citar: o Decreto nº 233 de 1913, o Acordo Missionário e a Concordata de
1940, o Estatuto Missionário de 1941, a Constituição da República Popular de
Moçambique de 1975.

Sobre o Decreto-Lei nº 233 de 1913


Com a queda do antigo regime monárquico, como resultado da revolução que se deu em
1910, em Portugal nasceu a primeira república, baseada em princípios democráticos e a
separação dos três poderes, o que levou a introdução o princípio de laicidade do Estado,
que foi materializado pelo Decreto nº 233 aprovado em 1913.
Portanto, este decreto com força legal, estabeleceu a laicidade, que pressupõe a
separação entre o Estado Colonial Português e as confissões religiosas, incluindo a
Igreja Católica, o que significa que, o Estado na prossecução das suas políticas e
actividades soberanas, não adopta princípios de qualquer religião que seja. Todavia,
também não pode preterir ou privilegiar crenças, mas garante a liberdade para que todos
cultuem ou não sua crença em divindades católicas, assim, como não.

Neste sentido, a laicidade do Estado não extingue a personalidade jurídica das missões
religiosas, muito menos o seu papel civilizador no ultramar, só que este não mais
interfere nos assuntos ligadas às confissões religiosas, no que diz respeito à sua
organização e funcionamento das mesmas. Embora, a constituição de novas missões
carecesse da devida permissão ou autorização do governo a nível do ultramar.

Ainda em relação ao ponto anterior, o Estado erradica por completo quaisquer


privilégios financeiros e patrimoniais que as missões possuíam antes da entrada em
vigor da primeira república, o que em outras palavras significa que, todas despesas
concernentes aos salários, subsídios de deslocação entre tipos de abonos, que outrora
eram costeados pelo Estado, passaram para inteira responsabilidade das missões
respectivas.

Por este decreto fica claro que o Estado não mais interferia nos assuntos religiosos, no
entanto, em caso de actos que transgridam os princípios emanadas pela constituição,
ainda que que praticados por clérigos, o Estado poderia no uso do seu ius imperii
sancionar os responsáveis nos termos da lei, facto que revela a supremacia e soberania
estatal.

Sobre o Acordo Missionário e a Concordata de 1940, e o Estatuto Missionário de


1941
A primeira república, se é que assim se pode dizer, esta teve uma morte prematura, isto
porque em 1926 houve um Golpe de Estado, terreno fértil para a implantação do Estado
Novo de Salazar em 1930 (com marcas nítidas de fascismo), que introduziu diversas
reformas administrativas no ultramar, principalmente através do Acto Colonial do
mesmo ano, e a revisão constitucional de 1933, o que veio mudar o prisma sob o qual o
Estado Colonial Português se relacionava com a Igreja Católica. Tais mudanças,
levaram a aprovação do Acordo Missionário e a Concordata ambos de 07 de Maio de
1940, celebrados pelo Governo Português e a Santa Sê – actual Vaticano, reforçando a
capacidade de intervenção da Igreja Católica em diversos domínios do ultramar, com
regulamentação posterior por intermédio do Estatuto Missionário de 1941.

Deste modo, estes três instrumentos legais vem marcar o fim de quase tudo que havia
sido postulado no âmbito da república no tange à laicidade como princípio basilar do
divórcio oficioso entre o Estado Colonial Português e a Igreja Católica, ou seja, as
missões religiosas do catolicismo não só recuperam o estatuto anterior ao decreto de
1913, mas também ganha mais poder actuante e interventivo.

Assim, manteve-se o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica, e


ainda que não dito formalmente, esta torna-se a religião oficial do Estado, a serviço
deste para a prossecução dos interesses e aspirações do império colonial português, em
detrimento das demais.

O Estado decide através destes três instrumentos devolver à Igreja Católica os


benefícios ou prerrogativas financeiras, assim como o direito de propriedade de bens
patrimoniais, que haviam sido confiscados no âmbito de aplicação do Decreto nº 233 de
1913, a quando da vigência da primeira república.

Foi ainda estendida, a autonomia organizacional e funcional da Igreja Católica no


ultramar para a expansão do processo de “Civilização” dos indígenas, desde que fosse
em consonância com os objectivos imperiais. Nesse contexto, as missões católicas
dentre as diversa atribuições que tinham em diversos domínios, vai o destaque para a
fundação, organização e direcção de estabelecimentos de ensino, seja para os indígenas,
os assimilados, assim como para os próprios portugueses nas regiões ultramarinas.

Para além dos domínios educativos, a missões católicas, podiam dirigir hospitais, e
administrar os serviços de saúde as comunidades, daí o papel preponderante
desempenhada pelas mulheres, visto que as irmãs é que estavam mais encarregues por
tal actividade nas unidades sanitárias.

Como forma de prestação de contas por parte da Igreja Católica junto ao Governo
Colonial Português, esta devia remeter ao executivo relatórios de cunho anual, expondo
as actividades exercidas ao longo de um dado ano, o que prova claramente que a Igreja
Católica era parte das instituições estatais, ainda que não formalizado de forma nítida,
mas a forma de actuação e de relacionamento entre ambos, era um indicador irrefutável
da institucionalização das missões católicas.
O outro aspecto que evidencia tal argumento, é que embora os missionários não fossem
declarados por lei como funcionários públicos, o Estatuto do Missionário de 1941, lhes
outorga privilégios equiparados, em algumas situações até mais vulto do que de
próprios funcionários do Estado, embora, por ausência dessa formalidade, não fossem
sancionados à luz do Regulamento que rege os funcionários públicos.

A bagagem de prerrogativas, enquadra-se também o facto de os sacerdotes não


responderem perante ao Tribunal, sobre quaisquer actos praticados em função de suas
actividades litúrgicas.

As experiências das missões laicas na Primeira República foram de alcance limitado. A


atribuição pelo Estado Novo ao catolicismo de um papel de “civilização” das
populações de origem africana, pelo acordo missionário de 1940 completado pelo
Estatuto Missionário de 1941, reforçou a capacidade de intervenção da Igreja Católica.

Sobre a Constituição da República Popular de Moçambique de 1975


Moçambique enquanto colónia portuguesa era designada de província ultramarina, e
assim esteve durante o colonialismo. Como é de domínio de todos nós, após a II Guerra
Mundial, pelo de facto de muitos africanos terem participado deste conflito, começam a
surgir em África vários movimentos nacionalistas, exigindo independências de seus
países.
Nesse contexto, Moçambique não fugiu da regra, mas na impossibilidade da via
pacífica, teve mesmo que recorrer a via armamentista, numa luta de libertação nacional
que perdurou por dez anos, e que o seu termo marca a celebração dos Acordos de
Lusaka a 07 de Setembro de 1974, onde Portugal concedeu a independencia nacional.
Por conseguinte, no dia 25 de Junho de 1975, é proclamada a independência total e
completa de Moçambique pelo primeiro presidente República Popular, Samora Moisés
Machel, e na mesma data, entra em vigor a primeira constituição de Moçambique como
estado independente.

Portanto, esta constituição vem definir e organizar a República Popular de


Moçambique, baseando-se nos princípios de Estado de Direito e soberania popular. Esse
novo panorama político, por força constitucional traduz Moçambique em um Estado
Laico, postulando a separação entre o Estado e as confissões religiosas, o que significa,
que as políticas, decisões e acções estatais não são fundamentadas por princípios
religiosos. E neste aspecto, ocorre uma fissura entre as confissões religiosas e o Estado
moçambicano, a semelhança do sucedido na primeira república portuguesa.

Assim, a laicidade do Estado não significa a negação a religião em Moçambique, tanto


que a Constituição garante a liberdade de culto ou não a todos cidadãos,
independentemente do cunho da religião. Ademais, o Estado não veda o exercício das
actividades das confissões religiosas, desde que as mesmas estejam em conformidade
com a lei.

O Estado não interfere no funcionamento das confissões religiosas, e nem elas


interferem no decurso do exercício estatal, contudo, em casos de actuação contrária e ou
violenta em face aos princípios constitucionais por parte das mesmas, o Estado através
de seus aparelhos repreensivos, pode, ou aliás deve autuá-las de acordo com os
preceitos legais.

Em suma, durante a vigência monárquica as confissões religiosas, em especial a Igreja


Católica, este ao dispor do governo como instrumento de colonização, dispondo de
diversos privilégios. A quando da queda do antigo regime, instituiu-se a república em
1910, que trouxe consigo o princípio de laicidade pelo decreto-lei n° 233, separando o
Estado da Igreja Católica, situação que só durou até por volta de 1930, altura em que
nasce o Estado Novo de Salazar, no qual a Igreja recupera o poder e ganha hegemonia
na sua actuação para o alcance dos interesses imperiais através do Acordo Missionário e
a Concordata de 1940, e o Estatuto Missionário de 1941. Todavia, quando Moçambique
se torna independente em 1975, resgata o princípio de laicidade como fora na primeira
república portuguesa, embora muitas diferenças de contextos e em alguns termos.

Bibliografia
MINISTÉRIO DAS COLONIAS. Decreto-Lei nº 233. Boletim Oficial, Província de
Moçambique, 1913.

MINISTÉRIO DAS COLONIAS. Decreto-Lei nº 31:207. 1941.


REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Constituição. Boletim da República, Imprensa

Nacional, Maputo, 1975.


REPÚBLICA DE PORTUGAL. Concordata, 1940.

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