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FELICIDADE E

BEM-ESTAR NA
VIDA
PROFISSIONAL
Neurociências
da felicidade
Frank Duarte

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Conceituar felicidade dentro da neurociência.


>> Relacionar felicidade e mecânica cerebral.
>> Explicar as principais descobertas sobre a neurociência da felicidade.

Introdução
Nossas emoções e sentimentos decorrem do nosso funcionamento cerebral,
mais especificamente das nossas atividade neuronais. O avanço da neurologia
no âmbito da pesquisa científica trouxe novas explicações sobre a dinâmica do
cérebro e seu funcionamento. Com o avanço tecnológico, cada vez mais a robótica
tenta reproduzir artificialmente o corpo humano e seu funcionamento, com a
utilização de inteligência artificial. No entanto, entendimentos neurobiológicos
sobre emoções e sentimentos ainda representam desafios ao entendimento
científico, especialmente no escopo das ciências naturais, em meio a hipóteses
e verificações. Dentre as diferentes formas de manifestações de sentimentos e
emoções, a felicidade tem suscitado, ao longo do tempo, intenso debate sobre
sua origem, organização neurocelular, ativação/desativação/liberação de neuro-
transmissores, dentre outros. Contemporaneamente, é possível especificar em que
área do cérebro ocorrem as reações que determinam a expressão desse fenômeno
complexo e dinâmico. Descobertas proeminentes no âmbito das neurociências
desvendam o impacto dos neurotransmissores em nossas emoções.
2 Neurociências da felicidade

Neste capítulo, você vai estudar o conceito de felicidade no âmbito das neu-
rociências, a relação entre felicidade e mecânica neuronal, bem como os novos
achados sobre a neurociência da felicidade.

O conceito de felicidade para a neurociência


Embora seja longo o percurso das descobertas sobre o cérebro e sobre o
comportamento humano, o entendimento do nosso funcionamento cerebral
com base na química das nossas emoções é mais recente (FUENTES et al., 2008).
Psicólogos, psiquiatras, médicos, biólogos e neurocientistas têm avançado
no entendimento das funções cerebrais, de seus impactos em nosso modo
de agir, bem como no quanto nossa maneira de pensar e de organizar pode
estar relacionada com a dinâmica cerebral. Medo, tristeza, pavor e pânico, por
exemplo, são sentimentos alavancados também pela dinamicidade química
de neurotransmissores secretados e recebidos nas sinapses, o que promove
pensamentos negativos. Por sua vez, conquistas, comemorações e felicitações
podem promover pensamentos positivos e geram em nosso cérebro a tão
almejada felicidade (ALVES, 2019). Mas, afinal, o que é felicidade?
Na Grécia antiga, século 7 a.C., Tales de Mileto definiu o indivíduo feliz
como aquele que tem corpo são e forte, uma boa sorte e alma bem formada.
Para os gregos, felicidade era eudaimonia (eu = bom + daimon = espírito),
uma espécie de semideus ou de gênio que acompanhava os seres humanos
(PAIVA, 2015). O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004, apud FERRAZ;
TAVARES; ZILBERMAN, 2007, p. 236) define a felicidade como: “1. Qualidade
ou estado de ser feliz, estado de uma consciência plenamente satisfeita,
satisfação, contentamento, bem-estar; 2. Boa fortuna, sorte; 3. Bom êxito,
acerto, sucesso”. Percebe-se que as condições de estar bem e de sorte ainda
estão atreladas à noção de felicidade ao longo dos séculos, considerando-se
como sinônimos com causas e circunstancias idênticas que possam provocá-
-las. Segundo Cortella, Karnal e Pondé (2019, p. 45), em seu livro Felicidade:
modos de usar:

Felicidade é uma vibração intensa, um momento em que eu sinto a vida em plenitude


dentro de mim, e quero que aquilo se eternize. Felicidade é a capacidade de você
ser inundado por uma alegria imensa por aquele instante, por aquela situação.
Neurociências da felicidade 3

No âmbito das neurociências, a felicidade “[...] é uma descarga neural


intensa e momentânea na região do sistema límbico, produzindo hormônios
que descarregam no corpo todo” (FUENTES et al., 2008, p. 34). Toda emoção é
primeiro sentida pelos órgãos sensoriais, para então ser decodificada pelos
neurônios, o que inicia uma produção de hormônios, que são sentidos pelo
corpo e dão origem a movimentos e/ou comportamentos. Nesse sentido, a
felicidade faz este mesmo trajeto, mas em diferente quantidade e intensidade,
de modo a provocar uma sensação agradável.
Ademais, devemos realçar que as condições que levam o sujeito a sentir-se
feliz estão relacionadas à subjetividade de cada pessoa, considerando que
aquilo que me deixa feliz pode não funcionar para o outro. Não há, portanto,
um modelo ou projeto único de felicidade. Abreu (2016, p. 7) afirma que “[...]
ao realizarmos algo que nos faz muito bem, isso nos sustenta emocional-
mente para seguir em frente, pois desenvolve força e virtude, ajudando-nos
a desenvolver dignidade além de todas as interações contingenciais com o
entorno”. As neurociências buscam identificar as regiões do cérebro res-
ponsáveis por produzir a sensação de felicidade, dentre outras, para que no
futuro seja possível gerar um fluxograma com as etapas e caminhos de como
se dão as alterações fisiológicas para se alcançar a felicidade plena (RIBEIRO,
2013). Do ponto de vista das neurociências, quanto mais compreendermos o
funcionamento do cérebro em relação às suas áreas e funções, mais próximos
estaremos de conseguir replicar os movimentos e interações internas para
alcançar a felicidade.
Sinek (2016) e Breuning (2015 apud FERREIRA, 2018) apresentam informa-
ções importantes a respeito da química da felicidade, identificando quatro
hormônios prevalentes, que podem ser divididos em duas categorias: quí-
micas egoístas e químicas altruístas. A primeira é composta por endorfina
e dopamina, enquanto a serotonina e a ocitocina fazem parte da segunda
categoria. As químicas egoístas tendem a estimular a satisfação e a felicidade,
sem a influência de um terceiro agente; já as altruístas, essenciais para nossa
sobrevivência, conduzem-nos à sensação de pertencimento e nos fazem
prosperar como espécie.
Damásio (2004, p. 430) conceitua felicidade como:

[...] uma coleção de respostas químicas e neurais que formam um padrão distinto,
ativando um conjunto de estruturas cerebrais, sendo grande parte responsável pelo
monitoramento e regulação dos estados do corpo em torno de valores fisiológicos.
4 Neurociências da felicidade

Dessa forma, está em evidência a busca pela identificação e mapeamento


da maneira como se organizam os pensamentos no cérebro (estimulação,
barreiras, componentes), em especial os negativos, pois sabe-se que esses
pensamentos podem gerar psicopatologias. Watson (2000) apresenta discus-
sões sobre a relação entre felicidade e psicopatologia, indicando que altos
índices de pensamentos negativos estão associados com psicopatologias de
diferentes tipos. Por sua vez, baixos índices de pensamentos positivos podem
ser associados com transtorno de humor e depressão. Por outro lado, Taylor
et al. (2000 apud FERRAZ, 2007), descobriram que crença e pensamentos
otimistas podem proteger contra o agravamento de determinadas doenças.
Na prática, já existem mecanismos para exercitarmos nosso cérebro a
fim de promover sua reorganização, incluindo técnicas de reorganização
cognitiva, mapeamento das emoções e estimulação de neurofeedback. Elas
nos permitem transformar pensamentos negativos em fluxos positivos, di-
recionando para à felicidade, daí a terminologia neurociências da felicidade
(SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010). Assim, esses achados sobre neurociências
e felicidade nos trazem reflexões a respeito do nosso comportamento e como
isso afeta nas nossas emoções, tanto de forma a nos organizar quanto de-
sorganizar. Daí o amplo interesse da comunidade científica em compreender
mais pormenorizadamente como isso ocorre em microinstâncias no cérebro,
considerando também as reações fisiológicas do nosso corpo. E é sobre isso
que trataremos na seção a seguir.

A felicidade por dentro do cérebro


A ideia de relacionarmos a felicidade com o funcionamento do cérebro suscita
uma complexa relação entre a atividade biológica/química do nosso corpo e
nossa atividade psíquica/comportamental. Você já ouviu falar em pílula da
felicidade ou em neurotransmissores? Frequentemente, quando lemos algo
sobre medicamentos para depressão, fobias, pânico, ansiedade e outras
psicopatologias, vemos relações com os neurotransmissores. Na esteira
desse debate, estamos, inclusive, familiarizados com nomes como dopamina,
serotonina, endorfina, noradrenalina e ocitocina. Esses neurotransmissores
são produzidos e regulados pelo cérebro, gerando efeito no corpo inteiro,
como pode-se observar na Figura 1, com a descrição de neurotransmissores
relacionados às emoções.
Neurociências da felicidade 5

Figura 1. Neurotransmissores da emoção.


Fonte: Adaptada de desdemona72/Shutterstock.com.

A partir disso, vamos compreender como eles funcionam e de que forma


podem influenciar na felicidade. Do ponto de vista neurológico, nosso
cérebro possui dois hemisférios (esquerdo e direito), cada qual com suas
funções e responsabilidades. O cérebro humano é composto por três en-
céfalos (MACLEAN, 1990, apud RIBAS, 2007):

 tronco-encefálico — o mais primitivo, também chamado como sistema


reptiliano, que mantém o funcionamento do sistema o tempo todo;
 límbico-hipotalâmico — conhecido como sistema emocional, pois pro-
cessa todo e qualquer evento que chega ao cérebro;
 tálamo-cortical — conhecido por ser racional, onde ficam arquivas todas
as nossas informações e conhecimento acumulado durante toda a vida.
6 Neurociências da felicidade

Vejamos um exemplo: você já se pegou lembrando de coisas engraçadas ou


de momento felizes que surgem na sua mente sem esforço, levando-o a (re)
vivenciar a mesma felicidade sentida no curso da experiência em determinado
tempo e lugar? Pois bem, nesse processo podemos destacar a agência dos
três encéfalos, permitindo trazer as lembranças que estavam armazenadas
na sua memória, deslocando suas emoções e experiências e tudo isso possi-
bilitado pelo funcionamento dos sistemas de forma coordenada e integrada.
Essas estruturas formam o sistema nervoso central (SNC) e o sistema
nervoso periférico (SNP), sendo o primeiro responsável por receber e enviar
impulsos elétricos, formado pelo encéfalo e medula espinhal, e o segundo
composto por nervos e gânglios (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008). O SNC pode
ser dividido em quatro lóbulos: frontal (funções executivas), temporal (lin-
guagem e comunicação), parietal (memória) e occipital (visão) (Figura 2). Esse
conglomerado de estruturas e perspectivas sobre o mesmo objeto explicita a
complexidade da dinâmica cerebral, considerando o fluxo desde a percepção
do estímulo até a resposta por meio de comportamento.

Figura 2. Ilustração esquemática do SNC.


Fonte: Adaptada de shopplaywood/Shutterstock.com.

Vamos compreender como funciona esse fluxo? Eis algumas etapas (BECK,
2013):
Neurociências da felicidade 7

1. Nossos órgãos dos sentidos percebem a informação e impulsos elétri-


cos são enviados para o cérebro, sendo recebido pelo SNC.
2. As regiões da comunicação fazem o processamento e identificação
do estímulo/objeto e, ao mesmo tempo, buscam na memória os sen-
timentos e emoções.
3. Os impulsos recebidos no cérebro, em conjunto com a memória, pro-
duzem hormônios e ativam os neurotransmissores, de acordo com o
armazenamento. Se for algo positivo, reações positivas decorrem; já
memórias negativas levam a pensamentos negativos.
4. Os pensamentos são gerados e direcionados para uma resposta em
relação ao estímulo recebido. Dessa forma, impulsos elétricos são dis-
parados e comandam as áreas do cérebro responsáveis pelas emoções.
5. Ao ativar as emoções, os hormônios provocam no corpo as respostas,
que podem ser comportamentais, fisiológicas ou emocionais.

O sistema límbico, por sua vez, é constituído por um conjunto de estrutu-


ras responsáveis por nossas respostas emocionais, pois nele existem áreas
que estão diretamente ligadas às relações de felicidade, como hipocampo
(memórias), amígdala (emoções) e hipotálamo (equilíbrio químico do corpo).
Como ilustra a Figura 3, ele é composto por hipotálamo, gânglios da base,
tálamo, amígdala e hipocampo. Destes, nosso foco de aprofundamento será
a amígdala, que é considerada a sede das emoções (FUENTES et al., 2008).

Figura 3. Sistema límbico — corte sagital.


Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com.
8 Neurociências da felicidade

Nesse âmbito, Albuquerque e Silva (2010, p. 1–2) assinalam que a amígdala:

[...] seria o local dos processos plásticos envolvidos na aquisição e consolidação de


informações de conteúdo aversivo e que [...] essa estrutura modularia os processos
de aquisição e consolidação que ocorreriam em outras estruturas. [...] Apesar de
inúmeros estudos apontarem a amígdala como peça-chave na formação de memó-
rias com conteúdo emocional, deve-se ressaltar o importante papel dessa estrutura
na emoção per se, tanto no que se refere ao reconhecimento e à interpretação das
emoções quanto no relativo à expressão fisiológica das respostas emocionais.

Nossas emoções são definidas pelos marcadores cognitivos que vão


sendo inseridos em nossas memórias, em especial na memória afetiva: onde
estávamos quando comemoramos um aniversário, ou quando recebemos a
notícia de aprovação no vestibular, ou quando descobrimos que teríamos o
primeiro filho. Nos recordarmos com facilidade de momentos que fizeram
parte da nossa experiência de vida. Assim, vamos demarcando aquilo que nos
faz bem e aquilo que não nos faz bem. Logo, ao nos depararmos com situações
ou fatos que nos fazem bem, nosso cérebro faz a captura das informações,
processa e busca no armazenamento as sensações que foram desencadeadas
naquele instante, nos momentos felizes. Isso ocorre a partir da produção e
liberação de serotonina e noradrenalina, por exemplo. A ausência destes pode
desencadear a produção de cortisol, o hormônio do estresse.
Por sua vez, a duração da felicidade pode ser analisada sob outras pers-
pectivas, quer de uma vida feliz ou de momentos felizes. Com relação a isso,
Cortella, Beto e Boff (2018, p. 59) argumenta que “[...] felicidade não é um estado
contínuo, [...] mas uma ocorrência eventual”. Nos momentos/experiências
felizes, ocorrem registros neurológicos a partir de uma descarga intensa,
em que o corpo produz e libera os neurotransmissores com intensidade
extrema, o que nos leva à sensação de bem-estar/felicidade. Na psicologia,
felicidade e bem-estar são sinônimos, especialmente pela lente da psico-
logia positiva. Os autores Scorsolini-Comin e Santos (2010) explicam que a
felicidade corresponderia à diferença entre os afetos positivos e negativos,
ambos vivenciados na vida diária em diversas situações e intensidades,
subjetivamente intrínsecas entre si.
Nossos neurônios transportam informações a outros neurônios via sinap-
ses. Esse processo ocorre por meio de trocas (potássio e cálcio), o que resulta
no que se denomina trocas químicas sinápticas, que dão origem aos insights
(respostas para solucionar uma inquietação). Portanto, nesse turbilhão de
processos neurais, o cérebro, após identificar um pensamento negativo,
tem a capacidade de compreendê-lo e provocar novos insights reorganiza-
Neurociências da felicidade 9

dores, os quais dão origem a novos pensamentos, como os positivos. Nessa


dinâmica, é importante sublinhar que a serotonina influencia positivamente
na felicidade e no bem-estar. Ademais, os marcadores cognitivos, ou seja,
nossas lembranças, são os gatilhos para que nosso organismo produza os
neurotransmissores necessários.
Por fim, na medida em que a ciência avança na descoberta bioquímica da
felicidade, pesquisadores aproximam-se um pouco mais da possibilidade de
reproduzir/programar esse fluxo artificialmente, mesmo em situações que
não seriam favoráveis para a felicidade. Será mesmo possível reprogramar o
cérebro para direcionar o que pensamos e gerar apenas pensamentos positi-
vos? Embora a resposta não seja simples e direta, vamos tratar sobre isso na
próxima seção, a partir das descobertas mais proeminentes sobre a felicidade.

Neurociência e felicidade: descobertas


e possibilidades
O ser humano é, antes de qualquer aplicação epistemológica, um movimento
contínuo, plástico, moldável desde sua constituição, abrangendo suas expe-
riências sociais, culturais, psíquicas, guiado pelo seu sistema neurocognitivo
funcional. A interação com o meio promove alterações neurológicas, assim
como o inverso também é verdadeiro. Ocorre que atualmente é possível
provocar essas alterações por meio de estímulos com práticas interventivas
e instrumentos e manejos clínicos. Essas possibilidades estão intimamente
ligadas aos avanços das neurociências em busca de compreender alguns
mecanismos do cérebro, com o objetivo de desvendar o funcionamento dos
sentimentos e das emoções. A leitura desse circuito neural apresenta-se como
um caminho para reproduzirmos determinado fluxo que estimule reações de
bem-estar e de felicidade, por exemplo.
Durante alguns anos, acreditou-se que o cérebro humano de um recém-
-nascido já continha todos os neurônios de uma vida inteira. Porém, no início
do século XX, essa verdade foi refutada, pois a neuropsicologia cognitiva
descobriu que desde o nascer até o morrer vamos produzindo e perdendo
neurônios continuadamente (JACOBS, 2000). Nos últimos anos, pesquisadores
do mundo todo, como Laersen e Diener (1992), Diener (2000) (apud FERRAZ,
TAVARES, ZILBERMAN (2007) e Fuentes et al. (2008), têm investido em produzir
novas descobertas relacionadas a temas como neuroplasticidade, neurofee-
dback, exoesqueleto (movimento por transmissão sináptica para próteses),
estimulação intracraniana, entre outros (JACOBS, 2000), com o intuito de
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auxiliar no direcionamento assertivo de como produzir mais felicidade. Em


julho de 2015, por exemplo, um estudo dos pesquisadores Michele Sessoto
e demais autores (2015) a partir de imagens cerebrais demonstrou que pes-
soas felizes e otimistas têm uma região do cérebro, o estriado ventral, com
destacadas atividades, o que explicaria as emoções positivas.
Esses achados representam novas descobertas sobre o funcionamento
do cérebro, em especial sobre sua forma de reorganização. Pacientes com
sequelas de acidente vascular cerebral e traumatismo encefálico, que acar-
retam prejuízos em partes do cérebro e automaticamente perdas neuronais,
podem ser estimulados a reorganizar o cérebro e ter funções reaprendidas,
tudo isso devido à neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de reorganizar
atividade neurais de modo a recompensar funções comprometidas (FUENTES
et al., 2008). Já para Zilli et al. (2014), neuroplasticidade é a capacidade de os
neurônios alterarem suas funções, seu perfil químico e sua estrutura, sendo
fundamental para a facilitação da recuperação pós-lesão ocorrida no SNC.
Não obstante, ambos mecanismos colaboram para que arranjos cerebrais
possam ser reorganizados a fim de trazer benefícios à vida do indivíduo.
A plasticidade neural pode ser considerada a capacidade do cérebro em
recuperar uma função por meio de proliferação neural, migração e interação
sináptica. Já a plasticidade funcional é o grau de recuperação possível de uma
função por meio de estratégias de comportamento alteradas. Talvez esse
fenômeno constitua um mecanismo de reparo endógeno pelo qual o cérebro
tenta minimizar perdas neurais (FILIPPO et al., 2015). Dessa forma, os manejos
interventivos têm tentado minimizar os impactos de pensamentos negativos
no cérebro, promovendo o fortalecimento das provocações positivas.
Eventos traumáticos produzem experiências que provocam baixas na
produção de neurotransmissores, conforme já estudamos, resultando em
sentimentos ruins, baixa autoestima, sensação de vazio e perda de vontade
de fazer coisas que antes eram prazerosas. No entanto, pensar positivamente,
recordar coisas boas, relembrar momentos felizes, comemorar a vida e felicitar
os outros são ações fazem o cérebro produzir substâncias químicas que geram
a sensação de felicidade. O estudo dos fenômenos da felicidade e a relação
das neurociências está em evidência, tendo como marco histórico o sucesso
da mesa-redonda promovida pela Universidade de Yale em 2019 em Davos,
Suíça, com o tema “A neurociência da felicidade” (ALVES, 2019). O encontro
debateu a relação entre pensamento e comportamento, o que demonstrou
como a felicidade pode afetar a vida das pessoas de forma a torná-las mais
criativas, solidárias e produtivas, capazes de alcançarem resultados favoráveis
no estado biopsicossocial e de aprender a lidar com as adversidades.
Neurociências da felicidade 11

Já pesquisadores da Universidade de Tóquio (SATO et al., 2015) reuniram


um grupo de voluntários e compararam imagens de ressonância magnética
do cérebro de cada um deles com questionários sobre o estado emocional de
cada indivíduo. Ao cruzarem os dados, descobriram que as emoções positivas,
combinadas com senso de satisfação, ativam uma área do cérebro conhecida
como pré-cúneo, localizada no lobo parietal. Existem resultados similares nas
pesquisas que se debruçam sobre a felicidade, as quais trazem afirmações
de que emoções e pensamentos positivos geram transformações cerebrais
positivas, o que favorece processos de melhora ou transformações na vida
das pessoas (ALVES, 2019).
Desse modo, ao pensarmos nas possibilidades de intervenções na vida
individual e coletiva, pessoal e profissional, é possível, pela lente das neuro-
ciências, compreender os fenômenos que cercam o comportamento humano,
bem como os processos cognitivos e sinápticos. O ser humano se modifica
na intensidade de suas possibilidades, que são proporcionais à sua condição
neuroplástica. De certo modo, pode-se afirmar que o estado de ser feliz é um
processo íntimo, subjetivo e variável, cabendo a cada sujeito definir situações,
estados e processos que lhe fazem feliz ou trazem felicidade, podendo, do
ponto de vista de ações externas, serem direcionados ou replicados.

Referências
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12 Neurociências da felicidade

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Leituras recomendadas
ACHOR, S. O Jeito Harvard de ser feliz. São Paulo: Benvirá, 2012.
FELICIDADE e Bem-estar: O que a neurociências tem ver com isso? Hospital Albert
Einstein, Ciência e Vida, Ensino e Pesquisa, 12 jun. 2019. Disponível em: https://ensi-
noepesquisa.einstein.br/fiquepordentro/noticia/felicidade-e-bem-estar-o-que-a-
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Neurociências da felicidade 13

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