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Copyright© 2020 by Adriana Brasil

Revisão:
Kellyane Ribeiro
Diagramação digital:
Dayane Aldaves
Criação de capa:
Dayane Aldaves
Fonte de ilustração de capa:
Fotolia.com
Essa é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos é produção da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte desta obra, através de quaisquer meios — tangíveis ou intangíveis
— sem o consentimento escrito da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98 e punido pelo artigo
184 do código penal.
Edição digital | Criado no Brasil
Caro leitor,
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capitulo 41
Epílogo 1
Epílogo 2
Gostou da história?
Outras obras da autora
Caro leitor,
Em 2016 escrevi o meu primeiro da série que conta a história de
Gabriela e Ian, Minha Salvação. Não era a minha intenção escrever uma
sequência, no entanto os leitores se apaixonaram por seus personagens
secundários e me pediram para escrever a história deles. E foi assim que
nasceu essa série. Cada história pode ser lida separadamente, mas para
quem gosta de saber, essa é a sequência dos livros e seus personagens.
1- Minha salvação — Gabriela e Ian
Filhos: Enzo, Bianca e Alejandro.

2- Minha perdição — Kamila e Rafael


Filhos: Guilherme, Nicole e Nicolas

3- Correndo para o amor — Karina e Vítor


Filhos: Gabriel e Alícia

4- Armadilhas do amor — Fernanda e Benjamin


Filhos: Maressa e Clarice

5- Intenso e inesquecível — Gabriel e Natália (Gabriel é filho do Vítor


e Karina de Correndo para o amor)

6- Provocante e irresistível — Alícia e Murilo (Alícia é filha do Vítor e


Karina de Correndo para o amor)

7- Minha doce obsessão — Guilherme e Bianca (Guilherme é filho do


Rafael e Kamila de Minha perdição, Bianca é filha de Ian e Gabriela
de Minha salvação.

8- Minha vingança — Enzo e Evy (Enzo é filho do Ian e Gabriela de


Minha Salvação)
Por enquanto esses são os escritos dessa série. Ressaltando que
cada livro não depende do outro, apenas contém alguns spoilers e podem
ser lidos separados de acordo com o gosto do leitor.
Sinopse
Quantos segredos e mentiras o amor é capaz de suportar?
Bianca se apaixonou por Guilherme desde... sempre, é a única
palavra para definir.
Ela tentou de todas as maneiras fazer com que ele a notasse com
olhos além do fraternal.
Seu sonho se realizou quando algum tempo depois Guilherme
não conseguiu resistir aos seus encantos e se tornou seu namorado, anos
mais tarde, seu noivo.
No entanto, Guilherme tinha um segredo guardado, segredo que
poderia colocar o amor dos dois à prova.
Prestes a se casar com o amor da sua vida, através de uma carta,
Bianca descobre que seu noivo na verdade já foi a causa do sofrimento
emocional de sua melhor amiga, que os dois tiveram um envolvimento e
que ambos foram muito apaixonados um pelo outro, causando uma
enorme confusão em sua cabeça e uma dor profunda no coração.
Guilherme então irá tentar de todas as formas reconquistar o
amor da mulher que ele ama.
Bianca tentará com todas as forças resistir ao que sente por
Guilherme.
E o amor será capaz de sobreviver à mágoa e ao orgulho de um
coração ferido?
Prólogo
Bianca
Deitada sobre a sombra de uma árvore no jardim da nossa casa,
eu cantarolava minha canção de amor favorita do filme da Barbie em A
princesa da ilha. Eu achava tão bonita a história que eu não cansava de
assistir. Alícia que me mostrou o mundo dos filmes da Barbie e como
tudo que ela gosta é bem legal, eu passei a gostar dos filmes da Barbie
também, assim teríamos assunto para conversar. Alícia é minha amiga,
mas é um pouco séria demais, calada. Geralmente eu falo por nós duas.
Um dia ela me disse que eu parecia uma Barbie, só faltavam os olhos
azuis. Até que eu me achava um pouco parecida com a boneca por ter as
pernas muito longas e magras.
Meu pai tem uma ilha, então eu vivia imaginado que meu
príncipe chegaria de barco e nos casaríamos lá, mas ele não era moreno
como no filme. Meu príncipe é loiro dos olhos azuis e parece um anjo.
Meu anjo.
— Ei. Oi, pequena. O que faz aqui sozinha? — Abri um sorriso
ao ouvir sua voz. A voz de um anjo, tão doce e que sempre traz alegria
para meu coração. — Trouxe isso para você.
Ele me entregou um cupcake de chocolate e eu segurei sorrindo
feito uma boba. Guilherme sempre traz coisas gostosas para mim. Mordi
um pedaço antes de responder sua pergunta ainda de boca cheia.
— Estou desenhando meu vestido de casamento. — Escondi o
caderno atrás das costas.
— Você é muito pequena para pensar em casamento — ele diz
sacudindo a cabeça em negação. — Deixe-me ver?
— Não, o noivo não pode ver o vestido antes do casamento. —
Virei o caderno de forma que ele não pudesse ver o desenho do vestido
mais lindo do mundo. Sorrindo do que eu disse, ele pegou meu cupcake
e deu uma mordida.
— Pequena, falta tanto tempo para se preocupar com isso. E eu
não vou me casar contigo. Você é um bebê.
— Mas quando eu crescer, vou ficar linda como a Barbie e eu
vou me casar com você. Vai ser com esse vestido que estou desenhando
e será lá na ilha do papai. Então eu vou beijar na sua boca igual o papai
beija a mamãe.
— Você já é linda como uma boneca. Quando crescer vai ser
ainda mais. Mas não é comigo que vai se casar.
— Deixa essa pirralha quieta, Gui, vamos jogar bola. — Meu
irmão chato chegou quicando uma bola de futebol no chão, vai para sair
e volta com cara feia apontando o dedo para mim. — E você, vou contar
para a mamãe essas conversas de beijar na boca do meu amigo.
— Deixa ela, Enzo, ela é pequena.
— Ela é uma pirralha chata, isso sim.
Volto das minhas lembranças de quando comecei a idealizar o
vestido tão parecido com o que está na minha frente agora. Passo a mão
no tecido fino da saia esvoaçante. Seguro uma das 500 flores aplicadas
nele.
Tão lindo.
Tão perfeito.
Tão meu.
Fiquei meses tentando achar o vestido ideal, entretanto nada me
agradava. Encontrei o desenho que tinha feito há um tempo, foi nesse
dia que percebi que não gostava de nenhum dos vestidos que me
mostravam porque meu subconsciente estava querendo este aqui. Então
mandei para a estilista que ia fazer meu vestido e o resultado está aqui
na minha frente, e, perfeito. Eu não tinha esquecido de que o casamento
estaria perto, isso é impossível. Entretanto, esqueci de que o vestido de
noiva dos meus sonhos seria entregue e deveria ter cancelado como fiz
com todas as outras coisas relacionadas ao casamento. Então eu apenas
o peguei e levei comigo para decidir o que fazer com essa peça que
custou uma fortuna e meses de procura.
Agora, olhando para ele pendurado no cabide, penso que não foi
uma boa ideia trazê-lo comigo. Olhar para este vestido me faz lembrar o
sonho que tive em me casar com o Guilherme, a minha vida toda foi
tudo que desejei. Faz-me perceber o quanto fui tonta em alimentar esse
sonho, em correr atrás dele.
Pego a tesoura, abro sobre barra do vestido. Minha mão treme,
faço força para tentar fechar e cortar o tecido, mas meus dedos não
obedecem e acabo deixando a tesoura cair aos meus pés.
O que estou fazendo?
Pensei que fosse fácil destruir o tão sonhado vestido de noiva
que levei tanto tempo idealizando. Assim como o amor que construí,
cultivei a minha vida toda, e que me foi destruído por segredos e
mentiras, do mesmo modo que os meus sonhos. Pensei que a raiva
dentro de mim fosse combustível suficiente para me fazer acabar com
ele. Mas sou mesmo uma fraca. Uma masoquista que guarda o vestido
dos sonhos para lembrar que não terei mais o meu noivo, meu príncipe,
o meu anjo loiro. Guardo para me atormentar, para lembrar que meu
sonho de criança se tornou um pesadelo de adulto em um mundo onde as
pessoas não se revelam como realmente são e nem o que
verdadeiramente sentem.
Eu o amava tanto. Ele dizia que também me amava.
Eu sempre soube que amava o Gui acima de tudo, acima da
razão, e eu acreditei que ele me amava da mesma forma. Eu via em seu
olhar. A profundidade do meu amor às vezes me assustava, Guilherme
era tudo para mim. Não me lembro de um dia da minha vida que não
tivesse sonhado com ele. Era como um mar de águas profundas, calmo
na superfície, mas tão profundo, tão imenso, intenso, furioso, poderoso,
e eu sempre estarei mergulhada nesse oceano. A verdade é que eu havia
nascido para mergulhar nele e nunca mais voltar à superfície. Por mais
que eu lutasse para vir à tona para respirar, eu estaria bem lá no fundo.
Não estava preparada para a decepção de saber que enquanto eu
mergulhava em águas profundas, ele nadava em águas rasas. Essa
constatação me quebrou e me fez entender que deveria me amar acima
de tudo e nunca mais perder a razão.
Hoje entendo que tudo não passou de ilusão, obsessão que um
dia foi doce, mas hoje tem um gosto amargo de decepção, tristeza e dor.
Respiro fundo, abaixo-me e pego a tesoura mais uma vez
enquanto encaro as flores do vestido branco dos meus sonhos.
Eu preciso acabar com isso, com essa obsessão.
Capítulo 1
Bianca
Guilherme está recostado nos travesseiros, enquanto eu estou
deitada no meio de suas pernas, com a cabeça encostada em seu peito e
com o notebook em meu colo, estamos pesquisando roteiros de viagem
para a nossa lua de mel. Ele de cueca, eu vestindo calcinha e uma
camiseta dele, pois ele sempre diz que pode até parecer estranho, mas
ele adora me ver com as suas roupas, e eu adoro usá-las.
Gui é o amor da minha vida, isso nunca foi segredo para
ninguém. Nos conhecemos desde que nasci. Nossos pais são amigos de
longa data e os meus pais são padrinho e madrinha dele. Acho que meu
amor por Guilherme começou quando eu abri meus olhos pela primeira
vez e vi aquele oceano azul onde mergulhei fundo e me afoguei de
amor. O sentimento cresceu comigo até que se tornou tão grande que
pude amar por nós dois. Foi um longo caminho até ele se apaixonar por
mim e perceber que sou o amor da sua vida. Hoje, tenho certeza de que
nos amamos na mesma medida. Ele me mostra isso não só com palavras,
mas com suas ações. Sentir que é amada é muito mais glorioso do que
apenas saber.
— A gente podia ir para as Ilhas Maldivas, o que acha? — Gui
diz enquanto eu olho um safari na África. — É um lugar muito lindo,
calmo e parece ter alguns passeios interessantes.
Pensei que encontrar o lugar perfeito para nossa lua de mel seria
fácil, entretanto está dando muito trabalho, tanto trabalho quanto deu
encontrar o vestido dos meus sonhos. Começo a rir ao ouvir a palavra
Maldivas.
— Sabe que agora não tem jeito, eu sempre me lembro da
Anelise quando ouço esse nome.
Anelise é a ruivinha de olhos azuis, filha do Gabriel e Natália.
Gabriel é primo de segundo grau do Guilherme e é irmão da Alícia,
minha melhor amiga. Gabriel e Natália têm uma história um pouco triste
e linda ao mesmo tempo, pois achavam que a filha havia morrido no
parto, enquanto na verdade, ela tinha sido roubada após o seu
nascimento. Faz pouco tempo que eles a reencontraram e ela vive com
eles. Os dois irão se casar e passarão a lua de mel nas Ilhas Maldivas.
Em um almoço de família, Anelise muito indignada veio me dizer que
os pais vão para as Ilhas Malditas e não irão levá-la com eles para a lua
de mel, e ela adora mel.
— É verdade, acho que as Malditas não — ele diz rindo muito.
— Ela é apaixonada em você, sabia? Você e o Murilo são as melhores
pessoas no mundo para ela.
— Anelise é uma fofa — falo tirando o notebook do meu colo,
girando e me ajeitando de frente para o Gui. — Fico pensando em
quando tivermos os nossos filhos. Quero que tenha os seus olhos cor da
água do mar. Meu oceano particular.
Guilherme é tão lindo, seus cabelos cheios, um pouco cacheados
e loiros se assemelham a fios de ouro. Seu corpo bem definido sem ser
exageradamente malhado é perfeito, um pecado que me deixa com água
na boca para provar cada pedaço. E sua boca cor de rosa, além de linda,
é muito habilidosa.
— Já está pensando em ter um bebê, pequena? Não acha muito
cedo? — Suas mãos passam por minhas pernas e sobem para minhas
costas, vagorosamente, provocando um delicioso arrepio. — Tem que
parar com a mania de pular etapas.
— Não agora, mas quero muito ter filhos branquelos de olhos
azuis com você. — Beijo a ponta do seu nariz. — Você não quer?
— Você sabe que eu quero, por mim já começava agora mesmo.
— Ele sobe as mãos por dentro da camiseta que estou vestida, subindo e
descendo por minhas costas. — Acho que se a gente treinar muito vai
ser um lindo bebê.
— Acho uma excelente ideia.
Tiro a camiseta e jogo longe, ele me gira para ficar por cima e
acabo deitando sobre o computador. Rindo, ele afasta para o lado
enquanto sua boca se aproxima da minha novamente. O telefone toca,
reviro os olhos suspirando fundo, resignada. Odeio ser interrompida em
um momento tão importante.
— Não vou atender — digo certa de que nada iria atrapalhar meu
momento.
— E se for sua mãe? — Sua voz tem um tom zombador.
Exceto isso.
— Ela vai ligar lá em casa e saber que não dormi lá. —
Empurro-o correndo para pegar o aparelho ao lado da mesa de cabeceira
enquanto o Guilherme gargalha. — Você é um idiota.
— Ainda fica brava comigo?
— Quer calar a boca? — repreendo-o e ele cobre a boca com a
mão de forma graciosa, mas continua zombando de mim. Eu amo
demais esse jeito doce e bobo do Guilherme.
— Sim, senhora. — Jogo um travesseiro na cara dele.
— Oi, mamãe. — Guilherme começa a rir novamente e eu o olho
de cara feia, então ele se cala, mas sem parar de sorrir.
— Oi filha, tudo bem por aí?
— Aqui tudo bem, e como está o Enzo? — Gui se levanta e sai
do quarto.
Minha mãe pensa que estou dormindo na casa da Alícia, minha
melhor amiga e prima do Guilherme. Ela ficaria chocada se soubesse
que passei a noite na casa do Gui. Não por estar aqui de fato, no fundo
eu penso que ela sabe, mas por eu mentir para ela. Minha mãe é uma
mulher fantástica, mas tem uns pensamentos meio arcaicos. Seria um
choque ela saber que estou aqui. Neste momento ela está com meu
irmão em Londres. Enzo está dirigindo um empreendimento do meu pai
lá e fazendo mestrado. Meu irmão, assim como meu pai, é Engenheiro
Civil e desde que entrou na faculdade de engenharia se esforça muito
para um dia dirigir o império que meu pai construiu. Toda a
responsabilidade de cuidar dos negócios da família caiu sobre ele, uma
vez que eu escolhi a medicina e Alejandro, meu irmão mais novo, estuda
Zootecnia e vive na fazenda cuidando dos cavalos. Mamãe e eu
conversamos por mais alguns minutos e sigo atrás do cheiro delicioso de
bacon que vem da cozinha.
Abraço meu noivo pela cintura e deixo um beijo em seu ombro.
— Preciso estar no hospital daqui a pouco — ele diz.
— Eu vou passar na casa da Alícia para entregar o convite para
ela ser oficialmente a minha madrinha.
— Pensei que não fosse necessário. É claro que ela sabe disso.
— Por você, nós dois iríamos ao cartório e pronto, estaríamos
casados. Mas eu quero uma grande festa com direito a tudo que sempre
sonhei a minha vida toda com você. O protocolo diz que você deveria ir
comigo.
— E eu só quero poder acordar com você todos os dias e te
chamar de minha esposa. — Beijo seus lábios, toda derretida com suas
palavras. — Mas fazer a sua vontade é o meu maior prazer, meu amor,
vamos realizar os seus sonhos. Todos eles. Só acho que estamos
demorando muito com os preparativos e quero me casar logo.
— Relaxe, meu amor, está bem perto. Agora que encontrei o
vestido ideal podemos nos casar assim que ele ficar pronto.
— Por falar nisso, esse deveria ser um bom motivo para você
parar de mentir para sua mãe. Iremos nos casar, não é nada demais você
dormir aqui comigo.
— Eu não quero decepcionar minha mãe, Gui, ela pensa que sou
virgem ainda. — Ele dispara em uma gargalhada, como sempre faz
quando digo algo assim. Eu deveria ficar chateada com a forma que ele
está zombando de mim, no entanto fico encantada, babando em sua
beleza. Até suspiro de tão apaixonada.
— Você que se engana, é claro que ela sabe que nós dois temos
envolvimento sexual, ela só não sabe que a filha é uma safada
ninfomaníaca.
Reviro os olhos para o comentário dele. Talvez ele tenha razão,
sou completamente viciada em sexo. Mas só com ele, o único homem
que já tive na vida e o único que me deixa pensando sacanagem o dia
todo.
— Não posso ir com você na casa da Alícia agora, pois tenho
que ir trabalhar, mas se quiser vamos à noite ou outro dia. Assim
podemos seguir todos os protocolos.
— Não precisa, com ela não tenho essas formalidades, só estava
brincando.
Tomamos café, depois nos arrumamos juntos. Eu vou para a casa
da Alícia e ele para o hospital. Guilherme é ortopedista, o pai dele é
governador do Rio de Janeiro e é também dono de uma parte da rede de
hospitais que é da família deles há várias gerações. O pai do meu sogro
teve dois filhos, então a metade é deles e outra ficou para o pai da
Alícia, que é quem administra tudo, já que meu sogro estudou direito e
não medicina, e a Renata, tia do Gui, é neurocirurgiã, mas não quer
saber dessa parte administrativa.
Entro no quarto da Alícia e a encontro com uma caixa de
madeira nas mãos. Seu olhar direcionado à caixa é tão enigmático, ela
sequer notou minha presença. Cruzo os braços e fico olhando para ela
que está paralisada olhando o objeto em suas mãos. Parece estar em
outro mundo.
— O que é isso? — pergunto e ela se agita, com o susto deixa
cair alguns papéis no chão. Abaixa-se rapidamente para tentar guardar.
— Bianca, quer me matar do coração? Parece uma assombração.
— grita assustada e eu abaixo para ajudá-la, pego um envelope e vejo
meu nome escrito nele.
— É para mim? — pergunto animada.
— Não, não é não, me dá isso aqui. — Estou analisando o
envelope quando ela puxa de uma vez da minha mão.
— Se tem meu nome é meu, me dá que quero ler. — Pego de
volta.
— Bianca, não faz isso, me dá esse envelope, é algo pessoal e
você está invadindo a minha privacidade... por favor.
— Agora me deixou curiosa. — Levanto bem alto para que ela
não pegue, sou muito mais alta do que Alícia e isso dificulta que ela
alcance, o que a deixa bem irritada.
— Você não pode ler o que tem aí.
— Mas está endereçada a mim...
— Se fizer isso não vou nunca mais falar com você. — Estende a
mão para mim ameaçadoramente. — Me dá isso agora, Bianca, estou
falando sério.
— Ok. — Entrego o envelope, mas antes que ela se dê conta ou
consiga impedir, pego de volta e saio correndo.
— Bianca... — ela tenta me alcançar e eu entro no banheiro,
fecho a porta com agilidade rindo muito. Tenho muita agilidade em
escapar, pois foram anos de prática com o Enzo e o Alejandro. Ser a
única mulher entre dois homens tem suas vantagens. — Você vai se
arrepender de ter feito isso — grita.
Abro a carta e começo a ler. Arrependimento faz parte da vida,
assim como as ameaças da Alícia, que ela jamais as cumpria. Não seria a
primeira vez que ela ameaça de ficar sem falar comigo, ou de tirar a
minha vida. Seja qual for a ameaça, ela nunca cumpre.
Querida amiga Bianca. Eu a amo como a irmã que nunca tive e
prezo muito por nossa amizade. Não quero nunca te ver sofrer, por isso
guardei esse segredo por anos. Mas essa situação tem me atormentado
todos os dias e eu preciso me livrar desse pesadelo que só eu sei como
machuca. Minha terapeuta disse para eu escrever uma carta. Não
pretendo enviar, é claro, mas isso pode ajudar a exorcizar meus
demônios.
Eu e o Guilherme tivemos um envolvimento há algum tempo e
eu o amo.
Deixo a carta cair no chão como se estivesse pegando fogo em
minhas mãos. Levo a mão trêmula à boca impedindo que um grito saia
da minha garganta. Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto. Não
posso acreditar nessas poucas palavras que li. Eu não posso continuar a
ler o que tem nesta carta. Sinto meu coração rachar ao meio enquanto
uma lágrima desce por minha face. Minhas palmas estão suando e um
medo terrível se apossa de mim. Medo do que está escrito neste papel.
Sinto como se isso pudesse acabar com a minha vida. Como se fosse o
fim dos meus sonhos. Eu queria poder voltar no tempo e não ter lido
essa frase que vai acabar com meus sonhos.
"Eu e o Guilherme tivemos um envolvimento há algum tempo e
eu o amo".
Essa frase fica martelando dentro da minha cabeça.
Capítulo 2
Bianca
Passo a mão sobre meu rosto enxugando as lágrimas derramadas,
um gesto que foi em vão, pois em seguida elas voltam a cair grossas e
dolorosas novamente. Pego a carta no chão e sento-me encostando as
costas na parede fria do banheiro. Jogo a cabeça para trás fechando os
olhos e suspirando fundo, buscando coragem para continuar. Volto a ler
desde o começo para ter certeza de que não estou ficando maluca.
Querida amiga Bianca. Eu a amo como a irmã que nunca tive e
prezo muito por nossa amizade. Não quero nunca te ver sofrer, por isso
guardei esse segredo por anos. Mas guardar isso tem me atormentado
todos os dias e eu preciso me livrar desse pesadelo que só eu sei como
machuca. Minha terapeuta disse para eu escrever uma carta. Não
pretendo enviar, é claro, mas isso pode ajudar a exorcizar meus
demônios.
Eu e o Guilherme tivemos um envolvimento há algum tempo e
eu o amo.
Aperto os olhos com força e mordo o lábio como se esse gesto
pudesse me despertar do pesadelo que certamente estou tendo. Leio e
releio diversas vezes essa frase antes de continuar.
Eu e o Guilherme tivemos um envolvimento há algum tempo e
eu o amo.
Quero que você entenda que não foi intencional, o sentimento
cresceu e não consegui controlar.
Eu não sei bem quando tudo isso começou, mas quando percebi
já estava apaixonada. Foram olhares que trocamos que indicavam que
nos desejávamos, toques que queriam se prolongar e conversas
intermináveis. Era bom estar ao lado dele. Em algum momento me vi
perdida e eu queria muito mais do que isso.
Você sempre disse que amava o Guilherme, mas ele não a via
dessa forma. Então, você foi embora para Miami e me deixou aqui. Não
éramos tão amigas assim na época, mas me lembro bem que você disse
que não queria mais saber dele. Alguns meses depois, postou uma foto
do seu novo namorado no Instagram. Você se lembra que eu te liguei e
perguntei se era sério? Você me disse que nem se lembrava mais do
Guilherme, que foi coisa de criança e que seguia sua vida. Essas
palavras me deram a certeza de que o que estava sentindo não era
errado. Não foi por querer, nasceu e cresceu de forma intensa.
Passei a deixar que ele percebesse meu interesse, e um dia, em
uma de nossas reuniões de família quando estávamos conversando, eu o
beijei, ele não quis no começo, mas depois correspondeu avidamente. O
Gabriel chegou na hora e nos atrapalhou, não pudemos conversar sobre
o que estávamos sentindo, sobre o que significou o beijo. Então ele me
procurou alguns dias depois lá em casa, saímos para conversar e nos
beijamos mais uma vez.
Eu me apaixonei pelo Guilherme, eu pensei que ele sentisse o
mesmo por mim. Levou alguns meses até que eu me entregasse a ele.
Foi lindo, e mais lindo ainda foi saber que ele estava apaixonado por
mim. Mas eu era muito nova, tinha 16 anos e somos primos, primos de
terceiro grau, mas isso foi impedimento para nós.
Guilherme não queria assumir nosso relacionamento, então eu
aceitei apenas o que ele me ofereceu. Um dia ele me disse que estava
confuso, que não sabia se o que sentia era forte o suficiente para
enfrentar nossa família, se valeria a pena.
Eu estava com o orgulho ferido então disse que não significava
nada para mim. Que eu não queria que ninguém soubesse sobre nós
dois.
Bia, você já esteve em uma situação pelo qual gostaria de se
afastar? Faria tudo para não sentir o que sente, mas não consegue? Uma
situação que se assemelha a um vício, que mesmo você sabendo que é
errado, que é destrutivo, ainda assim você quer fazer? Era assim que me
sentia em relação ao Guilherme, eu queria parar, mas precisava estar
com ele, pois a necessidade era maior do que qualquer coisa. A maneira
que ele me olhava, com tanta fome, tanto desejo, como se eu fosse
também o seu vício, não me deixava parar.
Foi assim que começamos a transar sem compromisso. Confesso
que cada vez que terminávamos, eu chorava por horas por causa desse
amor impossível. Porque ao contrário do que eu o deixava pensar, eu
queria mais, e eu sofria no inferno por isso.
Então ele foi fazer um curso fora do país e ficamos seis meses
sem nos ver. Você voltou para o Brasil e começamos a ser amigas.
Você nunca mais tocou no assunto sobre sua paixão por ele.
Viajei com nossa família e mais uma vez acabamos na cama. Então ele
foi para a África e você foi atrás dele.
Imagine como me senti quando você me ligou e disse que estava
namorando o Guilherme. Meu coração se quebrou, eu perguntei se
estavam apaixonados, você disse que nunca deixou de amá-lo. Me senti
a pior pessoa do mundo. Queria morrer pela vergonha, por ter cogitado
que um dia Guilherme e eu seriamos um casal. Por nunca ter visto que
isso poderia te magoar.
Quando ele chegou da África, veio direto para conversar comigo.
Ele me disse que se apaixonou por você, mas que também me amou. Eu
disse que nós dois nunca poderíamos ficar juntos e que o que eu sentia
era uma ilusão que passou. Eu pedi para que nunca contasse nada para
você, pois não queria te magoar.
Eu sofri calada a cada dia que via vocês dois juntos. Hoje não é
tão doloroso assim, pois quero a sua felicidade.
Eu também passei a amar você, Bia, você é a pessoa mais
maravilhosa que conheço e a amo como uma irmã, e imaginar que você
olharia para mim e nunca me perdoaria me deixa desesperada. Você é
minha irmã de alma.
Eu sinto muito pelo que fiz, por ter traído sua confiança mesmo
sem querer. Em algum momento nossa amizade esfriou e eu me deixei
levar pelo sentimento egoísta que tinha pelo Guilherme.
Escrevi esta carta para poder seguir com a minha vida. Ele não
sabe que partiu meu coração, e eu não quero nunca partir o seu.
Sinto muito amiga, espero que me perdoe um dia, pois o que
sinto por mim mesma é vergonha.
Alícia.
Terminei de ler e reli novamente. Eu não consigo acreditar no
que aconteceu. Agora tudo faz sentido, agora sei que a mulher por quem
o Gui era apaixonado antes de mim foi a Alícia, hoje minha melhor
amiga, a irmã que eu nunca tive. Ele foi mesquinho com ela, um safado
que aproveitou do sentimento de uma garota. Então eu me lembro das
vezes que ele me disse que amava uma pessoa que não sentia o mesmo
por ele. Que inferno! Ele era cego por acaso? Alícia o amava. E eu?
Como nunca percebi isso?
Depois de chorar muito, eu tomo coragem, me levanto e saio do
banheiro.
Por mais que eu tente manter a calma, minhas mãos tremem e
sacodem a carta que seguro tão forte ao ponto de amassar o papel. Mal
consigo respirar com a pressão que meu peito sofre sendo esmagado
pela verdade há tanto tempo escondida, e ela dói, machuca até a alma.
Saio do banheiro com o rosto banhado em lágrimas e o coração
carregado de mágoa. Meu coração se aperta ao olhar em seu rosto e ver
a culpa estampada nele.
Eu emudeci, nenhuma palavra se forma em minha mente,
ficamos em um silêncio mortal por um tempo e é ela quem o quebra.
— Bianca, eu sinto tanto...
— Eu li várias vezes o que está escrito nesta carta, mas estou
custando a acreditar que alguma dessas palavras seja verdade. Que você
me escondeu durante todos esses anos que dormiu com o meu noivo. E o
pior de tudo, escondeu que tinha sentimentos por ele.
— Eu sinto muito, Bia...
— Sente? Sente muito pelo quê? Por ter dormido com o meu
noivo, por ter mentido para mim durante todos esses anos?
— Eu nunca menti para você...
— PARA — grito tapando os ouvidos sem querer ouvir as
mentiras dela. — Você omitiu que amava o Guilherme, que teve um
envolvimento com ele. Como você pôde? Você sabia o que eu sentia,
ainda assim transou com ele, isso não é realmente mentir, é trair da pior
maneira possível.
— Você leu aquela maldita carta, Bianca, e eu me lembro
perfeitamente de escrever nela que vocês não estavam juntos, que você
estava namorando o Alexander em Miami. Eu errei sim, mas não
traímos você, já que não estavam juntos.
— Eu confiei em você... em vocês dois. Vocês me traíram sim. É
dessa forma que me sinto, enganada pelas duas pessoas que amo. Eu te
venerava, Alícia, você era tudo que eu queria ser. Se tivesse ao menos
desconfiado de vocês, eu jamais teria insistido com o Guilherme, não
depois de ouvir da boca dele que amava outra pessoa. Teria deixado o
caminho livre.
— O Guilherme queria ter contado, mas eu pedi que ele nunca
contasse para você, eu jamais quis ver essa expressão no seu rosto.
Nunca quis magoar você.
Seu olhar suplicante me encara a espera que eu acredite no que
ela diz. Entretanto sinto meu estômago revirar até me deixar tonta à
beira de um desmaio. Meu estômago revira nauseado. Sinto nojo dela,
do meu noivo, a raiva cresce a cada instante por ter sido enganada por
todos esses anos. O problema maior não é o fato de ela ter ficado com
ele, e sim de saber que ele a amava, porque sim, ele me disse que seria
difícil esquecer a mulher por quem ele se apaixonou. Entretanto, eu
insisti e disse que o faria esquecer e se apaixonar por mim. Mas eu
nunca imaginei que essa mulher fosse ela. E agora isso é um choque
terrível.
— Como fui burra. Como nunca percebi o que rolava entre
vocês? — Começo a andar de um lado para o outro demonstrando meu
descontrole.
— Bianca, me escuta. — Ela vem em minha direção fazendo-me
parar. Seus olhos imprimem culpa, desespero. — Não significou nada
para ele, e depois que vocês começaram, nós nunca mais tocamos no
assunto. Eu entendi que o que sentia foi uma paixonite de adolescente
carente e ele só sentia atração por mim...
— Deixa de ser burra, Alícia, Guilherme me disse que era
apaixonado por você — grito abraçando o meu corpo, a veracidade das
palavras me machucando, deixo a carta cair no chão. — Agora eu sei
que era você.
Percebo que ela realmente nunca soube dos sentimentos do
Guilherme por ela, pois seu olhar chocado a acusa. Ele foi tão covarde,
nem sequer teve coragem de dizer o que sentia para ela.
— Não, era apenas desejo, tesão de adolescente, ele até podia
gostar de mim, mas não. Ele não pode ter dito nada, você não sabia de
nós...
— Eu não sabia que se tratava de você, mas quando nos
encontramos em Miami antes de ele ir para a África, Guilherme me
disse que estava apaixonado por alguém, mas que nunca daria certo. Ele
não queria me enganar, disse que gostava de mim, poderia até estar
apaixonado, mas era louco por outra pessoa, e eu, burra, disse que o
faria esquecer. E era você o tempo todo.
Ela fica paralisada, o que me faz entender que ela ainda sente
alguma coisa por ele.
— Ele não queria ficar comigo por sua causa, mas depois se
apaixonou por mim. — Chego a ri com a ironia e duvidar das minhas
palavras. — Se é que isso é verdade mesmo. Agora eu duvido que ele
realmente tenha se esquecido do que houve entre vocês, toda a
preocupação dele com seus sentimentos, com o Murilo. É claro que... —
Ergo a carta e leio um trecho. — Bia, você já esteve em uma situação
pelo qual gostaria de se afastar? Faria tudo para não sentir o que sente,
mas não consegue? Uma situação que se assemelha a um vício, que
mesmo você sabendo que é errado, que é destrutivo, ainda assim quer
fazer? Era assim que me sentia em relação ao Guilherme, eu queria
parar, mas precisava estar com ele, pois a necessidade era maior do que
qualquer coisa. A maneira que ele me olhava, com tanto desejo, como se
eu fosse também o seu vício não me deixava parar... — Fecho os olhos e
suspiro fundo. — Você quer que eu continue? — Ela sacode a cabeça
em negação com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu era apenas uma garota boba quando escrevi isso, hoje eu
vejo.
— E daí? Isso não muda o fato dele ter tido sentimentos por
você.
— Bianca, não. — Ela segura meus braços me encarando e
apesar de tudo vejo sinceridade em seus olhos. — Vocês se amam, vão
se casar, são o par perfeito... Jamais duvide dos sentimentos do
Guilherme por você, eu nunca signifiquei nada para ele, não da maneira
que você está pensando.
— Me casar? Você acha mesmo que irei me casar com um
homem que agiu da forma como ele agiu com a própria prima? Ele foi
um fraco, e por conta disso foi um canalha, se aproveitou dos
sentimentos de uma garota ingênua. Não vai mais haver casamento. —
Tiro suas mãos dos meus ombros. — Não posso me casar com um
homem desses.
— Por favor, não diz isso. Todo mundo erra, eu errei, ele errou.
Mas... O Guilherme te ama e... eu que agi errado. Tudo que escrevi
naquela época, hoje enxergo de forma diferente, exagerei em meus
sentimentos. Eu era uma criança, Bianca, entenda isso.
Era uma criança que sofreu, amou uma pessoa que não teve
coragem de assumir os próprios sentimentos. Lamentável.
— Ama tanto que mentiu para mim durante todos esses anos, ele
nunca quis me dizer quem foi a mulher que... ele... — não consigo
concluir, pois o que me lembro de ver nos olhos do Guilherme quando
me disse que amava outra me dilacera por dentro, por ser ela. — Eu
preciso ir.
Eu achava que o Guilherme não deu certo com a mulher que ele
amava antes de mim por ela não retribuir os sentimentos dele, ou por ela
ser casada ou algo assim. Nunca imaginei que essa mulher fosse sua
prima. Que essa mulher estivesse perto de nós o tempo todo.
— Não, Bianca, volta aqui, deixa eu te explicar...
— Não tem explicação. Não quero ouvir nada que venha de
você, esta maldita carta já me disse tudo que precisava saber.
— Eu era uma jovem tola de dezesseis anos quando fiquei com
ele e ainda era anos depois quando escrevi esta carta, isto faz mais de
três anos, Bianca. Naquela época, as coisas processavam de forma
distorcida em minha mente, hoje aos vinte e três, eu percebo isso, que...
muita coisa mudou, eu mudei.
— Me diz uma coisa. — Paro encarando-a querendo respostas
dos seus olhos, querendo enxergar sua alma — Você ainda sente alguma
coisa por ele?
— Não — responde rapidamente. — Acho que nunca senti, eu...
— Mentirosa. — Saio do quarto antes que eu parta para a
agressão. Ela me segue.
— Me perdoa, Bia, eu amo você, jamais quis te magoar, por
favor, vamos conversar...
— Não, Alícia, agora não, estou magoada demais com tudo isso.
— Retiro a mão dela do meu braço. — E ainda tenho que lidar com o
Guilherme, passei muito tempo me perguntando se ele tinha esquecido
da garota que ele amava, sem ter coragem de perguntar isso a ele. Que
idiota eu fui.
— Bianca, por favor.
— Adeus, Alícia.
Entro no carro batendo a porta com força. A raiva a essa altura
estava tanta que as lágrimas cessaram. Eu precisava dessa raiva para
encarar o Guilherme e fazer a pergunta que queima em minha mente.
Por que ele mentiu para mim? Por que nunca me contou que se envolveu
com a Alícia?
Vou o caminho todo até o hospital lembrando-me das conversas
que Guilherme e eu tivemos. Dos momentos deles juntos onde eu
acreditava que os dois eram como irmãos. De todas as vezes que os dois
dançavam de forma sensual e eu era tão idiota que nunca percebi. Será
que eles ficavam juntos nas minhas costas? É claro que sim.
Em meio a tantos questionamentos e lembranças, eu nem me dei
conta de que já estava no estacionamento para clientes do HGL, que por
sorte não estava lotado. Atravessei a rua e entrei no hospital. Parei na
porta da sala do Guilherme e sua secretária sorriu amável para mim.
— Oi, Bianca, o Dr. Guilherme está em uma cirurgia, mas já está
acabando. Ele não deve demorar, quer entrar e esperar?
— Quero sim, obrigada.
Entro na sala e sigo direto para sua cadeira. Sento-me nela e
pego o porta-retrato sobre a mesa olhando a imagem de nós dois
abraçados e sorrindo para a câmera. Recordo-me desse dia. Era a festa
do nosso noivado na casa dos pais dele. Fecho os olhos por causa da dor
que sinto ao lembrar como fiquei feliz com o pedido de casamento. Eu
sonhei minha vida toda com o momento em que ele se ajoelharia e me
pediria para ser sua esposa. Lembro-me da felicidade da Alícia nesse dia
e me pergunto se era genuíno ou pura encenação. Como fui cega, Alícia
sempre foi uma boa atriz, deveria ter seguido esse caminho, Artes
Cênicas, se daria muito bem no teatro e telenovelas. Dissimulada.
Guilherme entra na sala e abre um imenso sorriso que outrora me
faria suspirar. Vestido com uma calça e camisa azuis que é o uniforme
usado na cirurgia.
— Meu amor, o que faz aqui?
— Não me chame de meu amor. Eu já sei de tudo, Guilherme. —
Ele franze o cenho com o semblante divertido como se eu estivesse
dizendo alguma piada engraçada a qual ele ainda não havia descoberto o
sentido. — Sobre você e Alícia. Eu sei que era ela a mulher que você
amava antes de mim.
Seu semblante se fecha, a surpresa toma conta do seu rosto, o
sangue some deixando-o pálido, percebo então que talvez o que ele
sentia por ela nunca deixou de existir.
Capítulo 3
Guilherme
Bianca me encara firme, seus olhos cor de âmbar de repente se
enchem de lágrimas e de mágoa. Meu peito se aperta. Como ela
descobriu isso?
Estou tão surpreso que não consigo dizer nada. Minha mente
tentando processar quem contou para ela. Então a resposta vem na hora
que me lembro de onde a Bia foi assim que saiu da minha casa hoje
cedo. Alícia. Mas por que ela faria uma coisa dessas a essa altura de
nossas vidas? Depois de tanto tempo? Perdi a conta de quantas vezes
pedi a Alícia que me deixasse contar para a Bia o que aconteceu no
passado. Mas ela sempre pedia que eu não fizesse. Alegava que a Bianca
nunca nos perdoaria e que já era muito atarde para contar.
Não faz sentido.
— Ficou sem palavras? — Ela dá alguns passos e para diante de
mim, encarando meus olhos que devem confessar a minha culpa no
lugar dos meus lábios. — Foi assim que fiquei quando descobri que meu
noivo e minha melhor amiga me enganaram durante anos.
— Não é assim como você está dizendo, nós... — Tento me
defender, mas ela me corta.
— Alícia pode não saber o que você sentia por ela. Ela pensa que
foi apenas uma ilusão de adolescente, ela acha que você nunca a amou,
que era só um passa tempo, mas eu sei, não é, Guilherme? Eu sei, pois
você fez questão de passar na minha cara durante muito tempo que
amava outra... que talvez não fosse capaz de esquecer-se dela...
Agora percebo o quanto contar para ela sobre os meus
sentimentos a deixou magoada. Mas eu só queria ser honesto com
relação ao que sentia na época. Assim como quis contar quem foi a
mulher.
— Deixa-me explicar... — Tento me aproximar, mas ela se
afasta enquanto lágrimas começam a cair dos seus olhos, molhando o
seu rosto bonito.
Bianca tem uma mistura de menina e mulher. Ela é sexy e ao
mesmo tempo angelical. É linda até mesmo me olhando com essa raiva
no rosto que estou acostumado a ver sorrir. Eu adoro o seu sorriso e vê-
la assim me faz sentir um nada.
— Não. Eu não quero ouvir nada. Vocês dois traíram a minha
confiança quando esconderam de mim durante esse tempo todo. O que
mais me dá raiva é que você a amou, foi um covarde e partiu o coração
da minha amiga. Você sabia que ela amava você? Sabia que precisou
fazer terapia por causa do estrago que você fez na mente e no coração
dela? Eu não quero mais me casar com você, Guilherme. — Ela tira a
aliança do dedo e coloca em cima da mesa de vidro fazendo um barulho.
Suas últimas palavras me deixam em pânico. — Estou te deixando livre
para viver o seu amor. Vai atrás da Alícia e diz o quanto a amava. Deixa
de ser um fraco e confessa que sempre a amou. Vai ver que ela vai cair
em seus braços e confessar que nunca te esqueceu.
Estou tão estarrecido com a revelação dela que sequer me movo.
Como assim Alícia me amava a ponto de isso mexer tanto com ela que...
Bianca disse que não quer mais se casar? Olho ao redor na minha
confusão mental causada pelo choque e percebo que minha noiva arredia
se foi. Corro atrás dela, mas não chego a tempo e as portas do elevador
se fecham. Desço as escadas pulando os degraus de dois em dois, até de
três em três quase voando pelas escadas até alcançar o térreo.
Como assim viver o amor? A única mulher que eu amo é ela,
minha noiva e eu não posso deixar que ela saia assim.
Quando a vejo, ela está entrando no carro do outro lado da rua no
estacionamento. Ela manobra habilmente e sai. Eu grito seu nome, ela
me ignora. O resto acontece em câmera lenta, apesar de ter acontecido
tão rápido que não vi o caminhão se aproximar, apenas o barulho e o
carro da Bianca sendo jogado para cima da calçada onde bateu no muro
e voltou para a pista.
— Biancaaaa.
Corro na direção do carro, a porta se abriu no baque, o airbag foi
acionado e pressiona o rosto ensanguentado dela. Várias pessoas
curiosas começam a se aproximar.
— Saiam, saiam de perto — grito tentando chegar mais perto. —
Não toquem nela, saiam...
Rapidamente consigo me aproximar do carro e estou olhando seu
rosto encostado no monte de tecido que ficou o airbag. Seus olhos
fechados me põem ainda mais desesperado.
— Bianca, estou aqui, meu amor, fala comigo. — Seus olhos se
abrem com dificuldade e me encaram.
— Gui, eu... o freio não funcionou — ela diz grogue quando me
vê analisando a situação. Eu sei que normalmente eu deveria esperar um
bombeiro, entretanto não posso deixar que a minha noiva morra e
estamos em frente ao hospital. Ela está muito mais machucada do que
pensei.
— Fica calma, amor, fala comigo. Olha pra mim — digo
desesperado tentando coordenar meus pensamentos, meio desnorteado
sem saber o que fazer. Nem parece que sou um médico experiente. Suas
pálpebras tremulam pesadas querendo fechar. — Não fecha os olhos...
Fica comigo, Bia... olhe para mim, olhe para mim... não feche os olhos.
— Porém ela faz, seus olhos se fecham me deixando ainda mais
desesperado. — Bianca, acorda, por favor, fica comigo.
Ela está desmaiada enquanto a retiro de dentro do carro. De
forma desesperada tento estancar o sangue que escorre da sua cabeça.
Retiro minha camisa e aperto no local do corte. Verifico seus sinais
enquanto uma maca aparece ao meu lado.
— Doutor, a gente vai cuidar dela. — Alguém diz afastando
minhas mãos.
— Não, eu preciso... deixe que eu faço isso.
— Não podemos permitir. Sinto muito, agora cuidaremos dela.
Em estado de choque sou levado para dentro do hospital
esperando que de repente eu acorde desse maldito pesadelo.
Faz horas que Bianca está na sala de cirurgia e eu estou na sala
reservada esperando notícias. Fui afastado do centro cirúrgico pelo
noivo da Alícia, Murilo, e pelo cardiologista, Vítor, pai da Alícia. Eles
alegaram que eu não tinha condições emocionais de participar da
cirurgia. Eu sequer sei o que está acontecendo. Ao menos fiquei sabendo
que não houve danos cerebrais. Isso me deixou mais tranquilo.
— Gui... — Muito tempo depois eu ouço a voz da Alícia.
— Vai embora — Ordeno sem abrir os olhos.
— Me perdoa, é tudo culpa minha. — Ela então começa a chorar
e eu abro os olhos encontrando os seus tristes, desolados.
— Eu sinto muito.
— Por que contou a ela logo agora? Você me fez prometer que
nunca contaria nada. — Eu quis contar antes, mas ela me pediu para não
fazer, e eu culpado, fiz a vontade da Alícia. — Já era tarde demais para
falar sobre nós. E se fosse acontecer, teria que ser nós dois a contarmos
e não da maneira que foi.
— Não fiz por querer. Ela chegou à minha casa no momento que
eu estava separando algumas cartas... A minha terapeuta me mandou
escrever há algum tempo. Era simbólico, eu não iria enviar as cartas e
era para ter queimado. Ela pegou e saiu correndo para o banheiro
naquele jeito brincalhão dela. Eu não pude fazer nada.
— O que tinha exatamente na carta?
— Gui...
— Eu preciso saber.
— Eu sinto muito, tudo que escrevi naquela carta foi uma jovem
que precisava se livrar do sentimento de culpa. Eu disse que nós dois
tivemos um envolvimento no passado e que... Eu fui apaixonada por
você e sofri muito com tudo.
— Eu perdi minha noiva, Alícia, e sabe por quê? — Ela afirma
que sim e senta-se ao meu lado no chão. — Não pelo motivo que você
imagina, mas sim porque fui sincero com ela no começo com relação
aos meus sentimentos por você. Eu disse a ela que amava uma pessoa,
mas não podia ficar com ela... que talvez nunca pudesse corresponder ao
que ela sentia, e ela me disse que me faria esquecer, assim como fez.
Disse que lá no fundo sabia que um dia eu a amaria, da mesma forma
como me amava. Mas ela estava enganada, eu a amo ainda mais. Eu não
sei como isso pôde acontecer, como a Bianca passou a ser o centro da
minha vida, porque eu amava você.
Falo honestamente para Alícia o que a Bianca já sabia e o que
deveria ter falado há muito tempo para ela. Bianca tem razão, eu não
deveria ter escondido o que sentia.
— Gui, isso não é verdade, você no fundo nunca me amou.
— Você acha que eu sou tão canalha assim para ter me
envolvido com você sem um mínimo de sentimento? Eu estava dividido
entre vocês duas, e fiz a minha escolha. Hoje percebo que foi a escolha
certa. Mas...
— Por que nunca me disse nada?
— Eu disse, mas como você mesmo escreveu naquela carta, você
não acreditou, achou que eu fui um... Deixa para lá, Alícia. Isso faz parte
do passado, um passado que afeta o presente e com certeza vai mudar o
futuro, mas não o que sinto pela Bianca.
Eu realmente não teria me envolvido com a Alícia se não
estivesse apaixonado por ela. Teria ficado com qualquer outra sim, mas
ela não. Por diversos motivos, por nossa família, pela Bianca e pela
própria Alícia. Não a machucaria deliberadamente. Provavelmente teria
assumido nosso envolvimento se soubesse que ela também sentia o
mesmo.
— A Bianca vai acordar e vai perdoar você — diz acariciando
meu rosto.
— Ela terminou tudo comigo. Disse para eu tentar viver o
verdadeiro amor que nunca tive coragem de assumir. — Ela me olha
cheia de carinho. — Ela quer que nós...
— Shii... — Coloca o dedo em meus lábios para que eu não diga
nada. Em seguida se joga em meus braços apertando-me em um abraço.
Eu precisava desse abraço, me sinto confortado por eles. — Não diga
nada. Ela só estava magoada, vai entender que vocês se amam, o que
aconteceu faz parte do passado. E eu jamais me encaixaria no seu
presente.
— Eu realmente amei você durante muito tempo, mas alguma
coisa não me deixava lutar por você, não achava certo. A Bianca tem
razão, eu fui um covarde.
Mas se tivesse feito, com toda certeza mais cedo ou mais tarde
teria acabado o sentimento, pois de alguma forma eu teria me
apaixonado pela mulher maravilhosa que a Bianca se tornou. Ela passou
a ser meu mundo. Minha necessidade, minha vida. Não tenho dúvidas e
nem arrependimento da escolha que fiz. Daqui até o fim da vida será ela,
apenas a Bianca é quem irei amar.
— Vai ficar tudo bem, vocês vão se entender.
— A verdade não é essa e você sabe, eu perdi a mulher que eu
amo, minha noiva, e você perdeu sua melhor amiga por consequência de
nossas escolhas.
— Me sinto tão culpada. — Uma batida na porta faz ela se
afastar.
— Oi. — Ela se levanta e abraça o namorado que é ortopedista,
assim como eu. Ele me encara muito sério.
— A cirurgia terminou, está tudo bem, ela vai se recuperar.
Bianca já foi para o quarto, nele, ela terá todos os aparatos de uma UTI.
— Ela não vai querer olhar na minha cara quando acordar —
lamento.
— Ela é sua noiva, Dr., é claro que vai. — Murilo diz ainda
muito sério.
— Ela terminou comigo, disse que não quer mais nada. E eu não
a culpo por isso.
— Ela só estava magoada — Alícia diz enxugando uma lágrima.
— Precisamos estar lá quando ela acordar. Vai ver que será tudo
diferente.
— O que está acontecendo? — Murilo pergunta.
— A Bianca descobriu tudo. Digo, sobre o que aconteceu entre o
Guilherme e eu anos atrás.
— Ele sabe? — pergunto surpreso, pois jamais esperava que ela
fosse contar para alguém, muito menos para o atual namorado.
Principalmente quando foi ela quem sempre me pediu segredo do nosso
envolvimento.
— Sim, contei tudo para ele.
— É claro que contou — ironizo.
— A verdade nunca fica muito tempo escondida, de uma forma
ou de outra ela se mostra, cedo ou tarde. — Murilo diz.
— Ótimo momento para passar isso na nossa cara. No nosso
caso foi tarde demais.
— Eu vou esperar ela acordar no quarto, vai vir comigo,
Guilherme? — Eu apenas aceno com a cabeça desolado.
Quando entramos no quarto e ela já estava acordada. Tia
Gabriela segurava sua mão, Ian, seu pai, estava ao lado da esposa.
— Oi, como se sente? — Alícia se aproxima e pergunta.
Ela encara o rosto da amiga com tanta mágoa que quase recuo. O
desalento em seus olhos a deixa irreconhecível, nada parecida com a
minha pequena.
— Fisicamente melhor do que emocionalmente, quero que vocês
dois saiam daqui. Agora. — Me aproximo da cama, entretanto ela
sequer olha em minha direção.
— Bianca... — Tia Gabriela a repreende.
— Aliás, não, quero que fiquem. Mãe, papai, vocês podem me
dar licença um minuto?
— Claro, filha, estamos bem aqui fora. — Meu sogro diz.
— Podem falar. — Ela olha de um para o outro com rancor, eu
analiso seu rosto, um enorme hematoma no lado direito da face, um
corte também no lado direito do lábio inferior e alguns riscos feitos por
cacos de vidro em seu rosto de boneca. O problema nem é tanto o
estrago físico e sim o que posso ter causado no seu emocional. — Estão
sem palavras agora? É, também fiquei, mas vou dizer tudo que está
engasgado na minha garganta. — Engole em seco e fecha os olhos,
talvez para esconder os sentimentos tão transparentes. — Não sei do
futuro — faz uma pausa, respira fundo antes de continuar—, mas neste
momento, eu odeio vocês por me fazerem sofrer tanto, por culpa de
vocês, eu perdi meu filho. — Ela leva a mão à barriga, eu paraliso sem
entender direito o que ela diz. Filho? Ela estava esperando um bebê? —
Perdi o bebê que nem sabia que carregava, isso eu não vou perdoar
nunca. Agora quero que saiam da minha frente. Eu falei sério quando
disse que não queria mais te ver, Guilherme. E quanto a você, Alícia...
melhor nem dizer nada, você não vale a pena.
— Você... estava grávida? — As primeiras palavras saem da
minha boca de forma sofrida. Perdemos um filho, e eu achando que não
poderia piorar.
— Agora não importa mais, não existe mais nada que me ligue a
você. Vai embora, Guilherme. E leva com você essa outra traidora.
Vocês se merecem.
Antes mesmo de eu dizer mais alguma coisa, Alícia sai correndo
do quarto.
— Bianca, eu sei como se sente...
— Não sabe coisa nenhuma, você sequer tem noção do que eu
sinto. Saber que perdi um filho, perdi o amor da minha vida...
— Você não me perdeu — digo com lágrimas caindo dos meus
olhos.
— Eu nunca tive você, não é, Guilherme? Essa é a única verdade
em toda nossa história. Foi tudo uma grande mentira.
— Meu amor...
— Sai, sai daqui agora. Eu odeio você, eu nunca vou te perdoar.
SAI.
Afasto-me da cama sem tirar os olhos dela, no mesmo instante a
porta do quarto se abre e Alejandro, irmão mais novo da Bianca, entra
no quarto.
— Melhor você sair, Guilherme — ele diz sisudo.
— Eu saio, mas ainda vamos conversar, Bianca. Vamos
consertar tudo isso.
Eu saio do quarto com o coração na mão, temendo que essa raiva
dela não passe, mas não vou desistir de tentar consertar essa bagunça.
Ela vai ter que me ouvir, ela vai me entender e voltar para mim. Eu
preciso acreditar nisso. Pois não tem como eu viver sem ela.
Capítulo 4
Bianca
Alejandro me abraça e me acalenta em seus braços enquanto eu
desabo. Ele é o caçula com a diferença de três anos de mim. Enzo, nosso
irmão mais velho está em Londres a trabalho e para terminar um curso,
meus pais estavam com ele, mas chegaram hoje e Enzo certamente
também já deve estar a caminho do Brasil.
— Ei, Bia, o que aconteceu? — pergunta preocupado.
— Minha vida acabou, meu irmão. Acabou. — Lamento.
— Não diga isso...
Volto a chorar em seus braços e só depois de um longo tempo
consigo contar o que aconteceu. Ele fica calado, mas posso ver que está
com muita raiva.
— Posso quebrar a cara dele antes do Enzo?
— Não perca seu tempo. Eu não quero mais saber dele. Além do
mais, não resolverá nada.
— Bia, só me diga uma coisa. Pelo que você está me contando,
eles ficaram antes de você e o Guilherme...
— Não vem defender ele, Alê, não faça isso.
Na carta, Alícia deixou claro que eu e ele não estávamos juntos
na época, mas isso não faz doer menos, não faz meu coração pensar que
não foi enganado, machucado.
— Ok, não vou fazer. — Puxa-me novamente para seus braços.
— Não vou fazer.
Meus pais entram de volta no quarto e não tocamos mais no
assunto. Acabo adormecendo novamente.

Acordo algumas horas depois com uma dor de cabeça terrível.


Abro os olhos e encontro os do Murilo analisando meus sinais e
anotando no tablet. Constato então que não estou de ressaca e não foi
um sonho ruim. Aconteceu de fato.
— Oi, eu dormi muito? — Minha voz sai rouca.
— Sim, está dormindo desde ontem. Mas é normal por conta dos
medicamentos, mas isso você já sabe, é praticamente uma médica.
— Onde está todo mundo? — Procuro alguém dentro do quarto,
mas não encontro.
— Eles estão lá fora, o quarto estava bem cheio, então pedi que
saíssem para te examinar. Tive o prazer de conhecer seu irmão mais
velho.
— O Enzo veio?
— E você achou que não viria? Como se sente?
— Estou começando a detestar essa pergunta.
Ele ri, coloca o tablet ao lado da cama e segura minha mão.
— Eu imagino como esteja se sentindo, Bianca, e não falo
apenas fisicamente.
— Você já sabia? — Olho sua mão que agora tem uma aliança
de noivado.
— Eu já sabia. Alícia já tinha me contado antes de você pegar a
carta. Talvez tenha sido isso que a fez querer destruir tudo. Só agora ela
teve coragem de encarar o passado. O fato de ela ter dividido pela
primeira vez com alguém que não a julgou...
— Você já sabia e ainda assim a pediu em casamento? Isso é
uma aliança, não é? — pergunto muito surpresa.
— Sim, eu a pedi em casamento porque tenho a certeza do amor
dela por mim. Eu tenho certeza absoluta de que ela não sente nada pelo
Guilherme.
— Como pode ter tanta certeza? E se...
— Eu lutei muito para ficar com a Alícia, passamos por fases
difíceis que cheguei a pensar em desistir dela. Ela criou barreiras quase
intransponíveis, foi difícil quebrar uma por uma. Não foi só o Guilherme
que a machucou, você sabe. — Aceno que sim. — Entretanto, ela me
provou que me ama, e eu a amo mais do que tudo.
Imagino como seria ter alguém lutando por mim da mesma
forma que o Murilo está dizendo que lutou pelo amor da Alícia. Eu
mesma presenciei momentos da história dos dois onde ela dizia não
querer se envolver, que o amor não era para ela. Sempre fui eu que corri
atrás do Guilherme, que lutei por nós. Claro que depois que começamos
a namorar, ele me tratou como uma rainha, foi o melhor namorado que
uma garota deseja ter. Eu olhava em seus olhos e via amor, sentia em
cada poro que era amada. No entanto, Guilherme nunca teve que
imaginar como seria ficar sem mim. Nunca precisou lutar para me ter ao
seu lado. Fui sempre eu.
— Ela te contou do namorado que cometeu suicídio? —
pergunto.
Lembro-me da época em que ela terminou o relacionamento, ele
era ciumento e queria controlar cada passo dela. Como Alícia não quis
continuar com o relacionamento, ele cometeu suicídio, mas antes disse
para ela que já que ela não ficaria com ele, tiraria a própria vida. Ela
duvidou e ele fez. Ficou sentindo-se culpada por muito tempo. Eu pensei
que ela havia superado, pelo visto enganei-me. Isso mostra que de fato
não conhecia a Alícia.
— Contou sim, acho que esse foi o motivo maior dela se
resguardar. Depois de muita luta não há mais nada que nos separe.
— É lindo ouvir isso, mas eu não consigo pensar assim. Eu
passei a vida correndo atrás do Guilherme. Ele me disse diversas vezes
que não poderia ficar comigo, pois amava outra. Isso doía, mas eu tinha
fé que um dia ele poderia me amar, se ele ficasse longe dela e nunca
mais a visse, eu conseguiria fazer com ele me amasse. Mas nunca
imaginei essa situação, saber que essa mulher esteve o tempo todo ao
lado dele, saber o que ele causou para ela...
— Você precisa de um tempo. Neste momento tudo está confuso
para você, a raiva, a mágoa estão supervalorizados, mas isso vai passar.
— Ele se abaixa e beija minha testa. — Alícia ama você e está péssima
com isso tudo. Não pense que estou defendendo-a, só estou dizendo isso
porque sei que você também a ama e no fundo está preocupada com ela.
— Acho que agora é tarde para ela se preocupar. Deveria ter
pensado antes.
— Descanse, precisa focar na sua recuperação. Agora preciso ir,
vou mandar o batalhão que está aí fora entrar para te fazer companhia.
— Por favor, não — digo afundando a cabeça no travesseiro. —
Fale que estou dormindo, me dê um remédio para que eu acorde daqui a
uma semana.
Ele sai do quarto rindo e eu fecho os olhos fingindo dormir.
— Ei, não vai dar um abraço no seu irmão mais velho que você
mais ama? — Abro um sorriso ao ouvir a voz do Enzo.
— Você é o único irmão mais velho que eu tenho, idiota.
— Oi, minha pequena arteira. — Faz uma carícia em meu rosto.
— Sempre se metendo em encrenca. — Seguro sua mão e beijo. — Nem
vou perguntar como você está, posso ver que está péssima. Se não
soubesse que foi uma batida de carro, eu diria que um caminhão te
atropelou e deu ré. Várias vezes.
— Obrigada, irmão.
— Por nada.
— É sempre bom ter você ao meu lado para me empurrar ainda
mais para o buraco — brinco.
— Eu sei, por isso estou aqui.
— Enzo, você já sabia? — Ele afirma com a cabeça. — Por que
nunca me disse?
— Isso é uma coisa que vocês dois tinham que resolver. Eu sinto
muito, mandei ele te contar por diversas vezes, até ameacei contar, mas
não podia ser eu a fazer isso. Apesar de você ser minha irmã, eu confio
no Guilherme e somos amigos. Ele errou, Bia, mas uma coisa é certa, ele
te ama muito.
Começo a chorar mais uma vez, ele me abraça e penso quando
será que isso vai acabar? Quando vou deixar de sentir essa dor no peito,
esse vazio na alma?

Duas semanas já se passaram. Estou me recuperando bem do


acidente, mas os sentimentos com relação ao Guilherme e Alícia não
mudaram. Ela veio falar comigo, eu não quis receber, assim como o
Guilherme apareceu. Fiquei sabendo que quando eu estava no hospital,
ele não saiu de lá. Quando eu estava dormindo, ele entrava e ficava ao
meu lado, segurando minha mão. Certa vez, eu pensei que tivesse
sonhado com ele beijando minha testa e saindo antes de eu acordar. Pedi
para ninguém falar o nome dele. Estou determinada a esquecer, seguir
em frente, o problema é que estou a toda hora lembrando-me de tudo.
Deito a cabeça no meu travesseiro e como sempre tenho feito, deixo as
lembranças me guiarem para o passado.
Capítulo 5
Bianca
Oito anos antes.
Eu estava agitada, nervosa e com o coração acelerado.
Guilherme está aqui bem perto de mim. Faz dias que não o vejo, isso me
deixou com muita saudade. Ele e Enzo, meu irmão mais velho, são
melhores amigos o que o faz estar sempre por aqui, além do fato de
meus pais serem padrinhos dele. Entretanto, não o tenho visto muito
nesses últimos dias.
Solto meus cabelos longos deixando-os cair sobre meus ombros,
cobrindo meus seios ainda muito pequenos. Cubro com as mãos e faço
uma careta.
— Acho que o destino de vocês é ganhar enormes próteses de
silicone.
Vou até o closet, coloco um sutiã de bojo e gosto do aspecto de
que estão maiores do que realmente são, só um pouco. Diferente da
Alícia que desde os 12 anos já tem o corpo de uma mulher, os meus
ainda não resolveram dar o ar da graça. Ela tem seios enormes, curvas
perfeitas que deixam os garotos babando. Eu só queria deixar um garoto
babando por mim. Saio do quarto e encontro o Enzo no corredor, ele me
encara com carinho e eu com raiva. Tivemos uma briga feia, ele me
disse que eu era uma criança chata que ficava no pé do Guilherme feito
uma oferecida que não tinha vergonha na cara. Isso me magoou muito e
desde então não nos falamos.
— O Gui está lá embaixo no salão de jogos.
— E por que está me dizendo isso? Esqueceu que mandou que
eu parasse de perseguir o seu amigo? Que sou uma criança idiota e
oferecida? E que...
— Bia, eu já pedi desculpas para você por tudo que disse naquele
dia, eu só não consigo saber que o Guilherme... — ele para quando
percebe que está falando demais.
— Que ele está com uma garota linda que é muito mais
interessante do que eu. É isso? — Meus olhos se enchem de lágrimas,
ele me abraça apertado. — Isso eu já sei.
— Não foi isso que eu quis dizer, eu só não quero que se
machuque quando ele aparecer com ela na sua frente. Eu sinto muito por
tudo que disse a você, Bia, você é linda e ainda vai fazer muito sucesso
com os garotos, mas deveria esquecer o Guilherme.
— Isso não vai acontecer nunca, você não sabe o que é amar,
Enzo, e quando encontrar alguém que faça seu coração bater tão forte
que parece que vai sair do peito, aí você vai saber do que estou falando.
— Eu trouxe isso para você. — Ele me entrega uma caixa de
sonhos. — Sonhos com creme patisseire como você gosta, para
fazermos as pazes.
— Quer me comprar com comida, irmão?
— Isso é para deixar claro que você é minha irmã favorita.
— Eu sou a única irmã que você tem, idiota. Eu desculpo você.
— E eu amo você. Olha, vai lá falar com ele, mas...
— Eu não vou, você tem razão, tenho que parar de correr atrás
do Guilherme, nem tenho idade para namorar ainda, não é?
— Você ainda vai fazer 14 anos, mas vai ser minha pequenina
até completar 50. — Beija meu rosto. — Talvez se você maneirar na
perseguição por um tempo, isso pode fazer com que ele te enxergue de
outra forma.
— Ok, vou fazer isso.
Ele segue para a escada e eu desisto de ir falar com o Gui. Talvez
seja melhor esquecer mesmo. Se o Enzo está dizendo isso é porque sabe
quem é a garota que está com ele e com toda certeza, sabe o que ele
sente por ela. Vou fazer com que ele me conte quem é ela, preciso saber.
Entro para meu quarto segurando a vontade de ir até onde o Gui
está. Talvez o Enzo tenha razão. Pego meu livro e deito-me na
espreguiçadeira com a caixa de sonhos no colo e acabo adormecendo.
Acordo com uma coceira no nariz, no pescoço e perto do ouvido,
bato com a mão e ouço o som de uma risada. Não preciso abrir os olhos
para saber que é o Guilherme, meus lábios se abrem em um sorriso.
— Não tem nada melhor para fazer, não? — Encaro seu rosto
bonito e tenho certeza de que em meus olhos, Guilherme pode enxergar
pequenos corações saindo deles. Ele está comendo um dos meus sonhos
e eu fico observando o movimento dos seus lábios. Queria tanto saber
como é ser beijada por eles. Seus lábios seriam tão doces quanto o
açúcar do sonho?
— Vim ver como você está, o Enzo disse que vocês haviam
brigado e que dessa vez ele te magoou muito.
— Eu estou bem, já conversamos e ele trouxe isso para mim —
digo tomando a caixa de suas mãos antes que ele devore mais um. — E
você quer acabar com eles.
— Eu não gosto de saber que está triste.
— Bom... — Mas você tem me deixado muito triste
ultimamente. — Esquece, já passou e... Talvez você possa fazer o meu
dia mais feliz.
Ele joga a cabeça para trás gargalhando.
— É claro que posso. — Ele se aproxima e beija minha
bochecha. — Vou indo, pequena. É bom ver que você está bem.
— Ei, não, eu não estou bem, estou péssima e preciso que me
alegre. — Ele sai rindo enquanto eu me jogo para trás, de volta na
cheese. — Um dia você vai rastejar por um beijo meu. Ah, se vai.

Amanhã é meu aniversário de 14 anos, como presente, pedi uma


viagem com a família e amigos. Nem todos os amigos poderão vir,
Alícia e Gabriel por exemplo. Vai ser a primeira corrida do Gabriel na
F1 e deu na mesma data. Os dois são irmãos e primos do Guilherme, o
que quase fez com ele também não viesse. Como a corrida em si é
apenas no domingo, ele vai no outro dia após meu aniversário para
assistir e apoiar o Gabriel.
Hoje durante o dia, fizemos passeios de barco e jantamos aqui
mesmo na casa de um amigo do meu pai que considero como um tio.
Depois do jantar, o Guilherme desapareceu, perguntei para Maressa que
foi a última a conversar com ele se o tinha visto e ela me disse que ele
estava no caminho das pedras, lugar que eu sabia muito bem onde era.
Esperei todo mundo ir dormir e ponderei se o que eu iria fazer era o
certo. Não existe certo e errado no amor, não é?
A brisa suave de verão agitou seus cabelos loiros. Ele percebeu
minha presença e se virou em minha direção. Seu sorriso causou uma
reação gelada em meu estômago e quente, muito quente em minhas
veias e no meu coração.
— Ei, deveria estar dormindo. — Ele diz assim que me sento na
mureta ao seu lado.
— Você também. O que faz aqui?
— A noite está tão linda que seria um desperdício não admirar a
lua.
É por essas e outras coisas que sou tão apaixonada por ele.
— É verdade. Está uma noite linda. — Meus olhos não se
afastaram do seu rosto nenhum segundo, guardando cada reação sua. —
Eu diria que romântica até. — Suspirei fundo. Ele sorriu.
— Bianca...
— Perfeita para se apaixonar. — Não ligo para a sua repreensão,
ele sempre faz isso quando falo de como estou me sentindo.
— Ainda com essa conversa? — Ele ficou sério.
— Fazer o quê se sempre fui apaixonada por você. E cada dia
piora. — Ele não respondeu, sabia que é inútil fazê-lo. Desde muito
pequena, eu não escondia o que sinto e ele teve muita paciência ou dizia
que me amava também, mas como uma irmã. Entretanto isso nunca me
fez desistir. E neste dia eu pretendia conseguir ao menos um beijo seu.
— A noite está perfeita para dar o primeiro beijo tendo a lua
como testemunha. Sabia que nunca fui beijada? — Ele me olhou com as
sobrancelhas franzidas.
— Tenho certeza de que deve ter um monte de garotos loucos
para te beijar.
— Ah, sim, a fila é extensa. Mas só existe um que eu quero
muito sentir os lábios nos meus.
— Bianca...
— Por favor, Gui, hoje é meu aniversário. Só um beijo.
— Eu já falei que te vejo como uma irmã, Bia, não é certo que...
— ele suspirou fundo. — Não podemos.
— Não sou atraente o suficiente para você, eu sei, mas é só um
beijo.
— Você é a criatura mais adorável do mundo. Por dentro e por
fora.
— Mas não sou atraente, não é?
Não falo de beleza apenas, mas sabia que não tinha atributos
para atrair alguém como Gui. A Alícia sim já era uma mulher feita,
enquanto eu ainda não tinha desenvolvido meu corpo como ela. Estava
fazendo 14 anos e minha amiga que é quase dois anos mais velha do que
eu, nessa idade já era uma linda mulher. Eu daria tudo para ter aquele
par de seios. Encurtei a distância, até meu tórax ficar a meros
centímetros do seu. Senti um calor emanar por todo o meu corpo se
transformando em uma corrente que perpassava de mim para ele e
voltava cada vez mais magnética. Será que ele também está sentindo
isso?
— Só um beijo, Gui, prometo que não conto para ninguém.
Nunca. Será um segredo. Eu só quero saber como é ser beijada. E é você
quem eu quero que seja o primeiro.
— Venha aqui. — Estendeu a mão tocando meu rosto
suavemente. — Você é linda, vai se tornar uma mulher maravilhosa e
vai conquistar muitos corações por aí.
— Eu não quero muitos corações, quero apenas o seu. Mas por
hora me contento apenas com seus lábios. — Por que minhas pernas
bambeavam tanto e minha boca ficou seca feito o deserto? Eu sempre
quis aquele beijo, mas seu olhar despertou alguma coisa dentro de mim.
Algo que eu não tinha a menor ideia do que era, eu quis sair correndo
quando detectei a rejeição mais uma vez, mas me mantive firme.
— Só um beijo, Bia, e você vai me prometer que vai parar com
essa mania de dizer que gosta de mim, ok?
— Ok. — Eu diria qualquer coisa para conseguir que ele me
beijasse. Ele começa a rir e sacode a cabeça.
— Por que tenho a impressão de que está mentindo? — Dei de
ombros. Ele se aproxima, joga meus cabelos para trás. Ergo o rosto para
ele. A brisa soprou fazendo alguns fios teimosos voltarem para meu
rosto. — Você devia entrar agora, Bia. — Ele afastou minhas mechas
com a ponta dos dedos. — Não quero que crie ilusões sobre nós dois.
— Não vou criar e estou bem onde deveria estar. — Inclinei a
cabeça em direção a seu toque prendendo o fôlego.
Apreciando o toque macio de sua mão, o calor me percorreu por
todo o corpo até alcançar meu peito. Sem qualquer hesitação, seu braço
contornou minha cintura e sua boca encontrou a minha. A quentura de
seus lábios me entorpeceu a ponto de me fazer paralisar por um breve
momento. Sua boca quente se movia sobre a minha lentamente,
sedutora, mesmo sem querer ser. Sua língua atrevida desenhou meu
lábio inferior e subiu lentamente para o superior me causando arrepios e
leves tremores.
— Abra a boca, Bianca — diz com voz rouca, e eu obedeci,
entreabri os lábios, então, sua língua penetrou minha boca. Devagar,
como se sondasse o terreno antes de se enrolar em minha própria língua
de forma deliciosa dizendo-me o que deveria fazer sem emitir nenhuma
palavra.
Eu estava tendo todo tipo de reação: tontura, tremedeira,
suspiros, palpitações, gemidos e um entorpecimento que dominou meu
corpo inteiro até eu perder o equilíbrio e desmoronar de encontro a ele.
Seu abraço se tornou mais intenso, me puxando para ainda mais perto,
enquanto nossos lábios continuaram com aquela dança lenta, quente e
úmida. A sensação era tão maravilhosa que eu pensei que fosse
desfalecer. Enlouquecedora. Com suas mãos afagando meus cabelos
então, não queria que acabasse nunca. Ele se afastou e eu continuei de
olhos fechados temendo acordar de um sonho. Sem abrir os olhos subi
as mãos até sua nuca e encostei minha boca na sua e o beijei ainda mais
intensamente. Dessa vez deixando o instinto me guiar. Minhas mãos
passaram a trabalhar em seus cabelos e encostei meu corpo querendo me
fundir a ele. Guilherme soltou um gemido e se afastou repentinamente.
Sua expressão era algo que eu nunca vira antes. Uma espécie de
embaraço, raiva, carinho, desejo e hesitação, só que mais doce e quente
misturado com muita surpresa.
— Já chega. — Ele diz tentando se afastar. Segurei-o pela
camiseta.
— Não. — Ele me olha sério. — Quer dizer, acho que não
aprendi o suficiente.
— Tem certeza de que nunca beijou antes? — Seu olhar azul me
fitou intensamente.
— Ah sim, milhões de vezes beijei você em minhas fantasias —
digo e ele ri. — Tenho certeza, ou não teria tido necessidade de você me
mandar abrir a boca. — Devo ter corado, pois sinto meu rosto pegar
fogo. — Por quê?
— Você beija muito bem, pequena. — Seu comentário me faz
abrir um sorriso.
— Isso significa que posso te beijar mais?
— Isso significa que você pode beijar outros garotos que não
será uma decepção. — Meu semblante se fecha. — Bia, você me pediu
um beijo e eu te dei, mas isso não pode se repetir. E não vai. Ok?
— Eu só pensei que por hoje...
— É melhor você ir dormir, Bianca.
Ele me olha de forma firme, séria. Meus olhos se enchem de
lágrimas, então ele segura meu rosto entre as mãos.
— Me desculpe, eu não queria ser rude. Você é linda, doce e tem
um beijo delicioso, mas eu não posso me aproveitar disso, Bia, eu... Eu
estou em um momento difícil, confuso. Por mais que eu tenha gostado
muito de beijar você, não posso te dar ilusões. Eu não vejo você... — ele
faz uma pausa e suspira fundo. — Um dia, quando você realmente
gostar de alguém que não seja seu sonho de menina, vai perceber que o
que você sente é ilusão adolescente.
— Eu entendi — meu coração se partiu com suas palavras, mas
meu orgulho não me deixou abaixar a cabeça. — Eu não vou mais
importunar você com minhas ilusões adolescentes. Vou viver minha
vida e... Adeus, Guilherme.
Afasto-me e desço correndo pelos degraus de pedras com
lágrimas rolando por meu rosto. Se eu soubesse o quanto isso magoaria,
certamente teria evitado o beijo.
Capítulo 6
Bianca
Passado
Nunca imaginei que conseguiria ficar tanto tempo sem ver o
Guilherme. Já faz quase um ano. Com muito esforço e muita disciplina
enfiei a cara nos estudos e evitei pensar nele. Soube pelo Enzo e pela
Maressa, que são melhores amigos dele, que ele realmente estava com
uma garota e parecia ser sério. Mas então por que ele não oficializa esse
relacionamento? Por que não a leva nas reuniões de família? Não muda
o status do Instagram? Nem ao menos uma foto. Seria alguém da
faculdade?
Faz duas semanas que falei com Alícia, coisa que eu não fazia há
tempos. Ela me ligou e disse que não viria para cá. Estava estudando
muito para passar no vestibular de Medicina. Então ela me perguntou
como eu me sentia em relação ao Guilherme, pois ele estava vindo. Eu
disse que isso não me afetava mais, que estava em outra. Inventei essa
desculpa, pois não aguentava mais sair de boba na história. Ela
perguntou se eu tinha certeza e eu disse que Guilherme havia sido
apenas uma bobagem de infância, que eu estava crescendo e me
interessei por outra pessoa e que nem lembrava mais do Guilherme. Não
de forma romântica. Disse que ele tinha sido uma obsessão que eu já
havia superado. Eu dizia essas coisas querendo convencer mais a mim
mesma do que aos outros.
Estamos na ilha que fica nas Bahamas onde meus pais se
conheceram e se casaram. É aniversário da minha mãe e ela
simplesmente ama esse lugar. Quando vi o Guilherme chegando de
barco com os pais e os irmãos dele, eu quis correr em sua direção como
sempre fiz, abraçar seu pescoço e declarar meu amor por ele pela
milionésima vez. Entretanto me contive, eu precisava encarar que ele
nunca seria meu, que meu sonho de criança não se realizaria, que meu
príncipe encantado não era ele. Então apenas o cumprimentei, não da
mesma forma que fazia antes, mas sim cordialmente.
Depois do jantar me deitei no jardim da casa que fica de frente
para o mar para admirar a lua que mais uma vez estava esplêndida no
céu, deixando a noite clara. Eu sei o porquê a minha mãe ama esse lugar,
é mesmo o paraíso. Com os olhos fixos no céu, apesar da lua grande,
ainda podia ver algumas estrelas. Senti alguém se deitar ao meu lado,
meu corpo sentiu o magnetismo natural, as ondas correndo do meu
corpo para o dele. Será que era só eu que percebia isso? Com toda
certeza era.
— Você esteve calada durante todo o jantar. Todo o dia, para ser
mais exato. — Não fico surpresa de ele ter percebido, pois senti seu
olhar sobre mim todo o tempo. Parecia analisar-me, devorar-me. Seu
olhar me queimava e fazia meu coração bater muito acelerado.
— Pensei que fosse o que você queria, que eu ficasse distante de
você, que parasse de te perseguir e atormentar. — Não consigo deixar de
esconder a mágoa que fica impressa em minha voz.
— Você nunca foi um tormento para mim, Bia. Eu nunca disse
que queria que você se afastasse assim, apenas que...
— Nunca retribuiria o que eu sinto.
— Nunca é um período muito longo, Bianca. — Giro minha
cabeça para olhar seu rosto, para ver se nele encontrava a resposta, a
certeza do que me causou essas palavras. Ele está de olhos fechados e
semblante sério, um tempo depois, ele se vira e me encara. Ele está me
dando esperança? Guilherme volta a olhar para o céu e eu também. Uma
estrela cadente rasgou o céu rapidamente e eu inconsciente fiz um
pedido para que houvesse esperança. Apesar do tempo, eu ainda queria
esse homem para mim.
— Você viu isso? — pergunta apontando para o céu. Um sorriso
desponta em seus lábios, tão lindo quando o brilho da lua. Acho até que
brilha mais do que o sol.
— Eu vi, sim.
— Fez um pedido?
— Eu não sabia que ainda acreditava nessas coisas, ou se já
acreditou um dia. Achava que meninos não acreditassem em estrela
cadente, imagine um homem como você.
— Eu acho que é um mistério, mas por via das dúvidas eu fiz um
pedido.
— Eu parei de acreditar. Não acredito mais em magia ou nessas
coisas. — Não vou admitir que pedi para ter uma chance com ele, não
mesmo.
— E por que não acredita mais?
— Quando eu era bem pequena já sentia uma admiração até um
pouco exagerada por você, te via como um príncipe encantado dos
contos de fadas que minha mãe lia para mim. Meu coração disparava
quando te via e não sabia o motivo. Quando cresci mais um pouco,
sentia tudo ainda mais intenso, você era um príncipe lindo de olhos cor
do oceano e eu adorava me afogar neles. Sentia que ia me casar com
você. Naquela época, o mundo todo era mágico e lindo, você ainda era
meu príncipe encantando incrivelmente belo. Mas aí eu fui crescendo e
impelida a acreditar que você nunca me notaria. Que magia e príncipes
encantados só existiam nas histórias dos contos de fadas que eu
acreditava, ou seja, na minha cabeça infantil e sonhadora. Percebi que
nunca seria a princesa que conquistaria seu coração. Então foi o fim das
minhas ilusões. Tardiamente, confesso. Foi muito doloroso cair na real.
— Eu fiz isso com você, pequena? Deixei você cética?
— Sim, você fez.
— Bia, olha para mim. — Giro minha cabeça lentamente e meus
olhos alcançam os seus. — Mágica existe sim, ou como você me explica
de que maneira aquele beijo nunca saiu da minha mente? Passei um ano
todo me lembrando do sabor de seus lábios todos os dias. Me explica
como de repente estou enfeitiçado por você?
Ele não imagina o impacto que suas palavras causaram dentro de
mim. O acelerar constante do meu coração. Eu queria que esse órgão
idiota parasse de se alegrar e criar expectativas.
— Gui, não diz essas coisas quando não tem a intenção de...
— Ah, mas eu tenho muitas intenções e confesso que não são
nada boas. Agora mesmo tenho a intenção de beijar você, muito.
Com essas palavras quase sinto meu coração sair pela boca. Um
calor se espalhar por cada canto do meu corpo. Uma ânsia de que ele
fizesse o que dizia.
— Então me beija — sussurro em súplica.
— Eu não posso, não é certo.
— Mas então por que inferno você tem que me atormentar desse
jeito? — Fecho meus olhos controlando para não gritar de raiva e
frustração. Não sou mais criança para agir com essa impulsividade. —
Por que veio até aqui e me disse essas coisas?
— Porque eu queria que você soubesse que aquele beijo mexeu
comigo. Mexeu muito mais do que eu gostaria.
— Mas não o suficiente para fazer você desejar outra vez —
afirmo.
— Eu desejo sim, acabei de confessar uma parte dos meus
pecados para você. Quando digo que isso não é certo, é porque eu gosto
de outra pessoa e isso é confuso demais para mim. — Encaro seus olhos
e vejo aflição neles apesar da escuridão da noite. — Espero que um dia
eu arrume essa bagunça em que me tornei.
— Espero que um dia eu esqueça você. Quando cair em si será
tarde. — Fecho os olhos e uma lágrima cai do canto do meu olho. — Eu
não aguento mais isso.
— Eu espero que um dia, eu não sinta essa vontade de te beijar,
porque não é justo, Bianca, nem com você, nem comigo, muito menos
com...
— Estou atrapalhando? — A voz da Maressa me faz girar a
cabeça em sua direção.
Péssimo momento para a Maressa chegar. Reprimo a vontade de
mandar que ela volte pelo mesmo caminha que veio.
— Claro que não, você nunca atrapalha — digo forçando um
sorriso.
Apesar de amar a Maressa, de ela ser minha amiga e a pessoa
com quem tenho confidenciado meus sentimentos e medos, neste
momento eu queria bater nela.
— Não é o que dizem por aí. — Ela diz em tom de brincadeira.
— Na verdade, você chegou na hora certa, Maressa. —
Guilherme diz. — Você acredita em magia?
— Claro que sim, na magia da minha mão na sua cara se não sair
daqui agora. — Ela diz entre dentes. Eu a olho mais uma vez e vejo o
quanto ela está brava com ele. — A gente tem que conversar,
Guilherme.
— Eu vou entrar e deixar vocês dois à vontade.
Levanto-me e saio andando em direção a casa vagarosamente,
ainda posso ouvir as palavras da Maressa trazidas pelo vento.
— Eu não acredito que está fazendo isso.
— Nem começa. — Guilherme diz e eu paro de andar, estou
muito longe e a conversa é cortada em algumas falas.
— Ela não merece que dê esperanças quando nós dois sabemos o
que anda fazendo, Gui, não é certo... De todos os garotos do mundo, eu
nunca imaginei que teria que protegê-la de você.
Engulo em seco. Não faz isso, Maressa, não quero que me
proteja.
— Não precisa falar assim, eu não...
— Você iria sim.
— Já vai entrar, Bia? — Enzo pergunta me fazendo olhar em
outra direção e a conversa se transforma em murmúrios perdidos.
— Hora de criança está na cama — digo em tom de brincadeira.
— Você já é bem crescidinha. Fica mais um pouco. — Me
mostra o violão. — Vamos cantar um pouco, está uma noite linda.
— Eu vou dormir, amanhã tenho um cronograma de estudo que
preciso cumprir mesmo viajando de férias.
— Isso mostra que realmente está crescida. — Ele beija a minha
testa. — Boa noite, pequena confusão.
— Boa noite, pé no saco.
Entro no meu quarto ainda mais confusa. Se antes eu tinha
certeza de que jamais teria alguma coisa entre nós, agora já não era tão
certo assim. Demoro a dormir ouvindo o som do violão, enquanto a
imagem dele não sai da minha cabeça até se transformar em sonho. Um
lindo sonho que jamais se tornaria realidade.
Capítulo 7
Guilherme
Passado
Eu estava muito confuso quando estava envolvido com a Alícia e
do nada um sentimento pela Bianca foi crescendo e de repente eu queria
beijá-la. Queria tê-la em meus braços, queria muito mais do que apenas
um beijo. Queria ensinar muitas coisas a ela. Foi aí que decidi dar um
tempo com a Alícia, para saber o que de fato eu sentia por ela, porque
não era normal o que estava acontecendo comigo. Eu não quis em
nenhum momento magoá-la. Até então, eu pensava estar apaixonado por
ela e tinha certeza de que não era correspondido. Ela disse que era
apenas sexo, isso me magoou muito e me fez pensar no que estávamos
fazendo.
Eu havia confessado para a Bianca que queria novamente sentir
seus beijos, que queria muito mais do que isso e teria deixado o desejo
vencer a batalha e tomando-a em meus braços se a Maressa não tivesse
aparecido. A proximidade dela, o perfume, sua voz, tudo criava um
magnetismo que me puxava para ela.
Dois anos depois do nosso beijo, eu não deixei de lembrar um
dia sequer. Muitas lembranças permeavam minha mente enquanto os
sentimentos iam mudando cada dia mais. Lembrança do seu sorriso
doce, dos seus olhos cheio de amor. Da sua voz rouca e da forma com
que me olhava com uma inocência sensual.
Um tempo depois, o Enzo estava morando em Miami e ela foi
morar com ele, pois os pais ficavam mais tempo por lá do que no Brasil.
Fazia quase um ano que eu não a via e dois que provei o melhor beijo da
minha vida, e hoje quando coloquei os olhos nela tudo mudou. Ela não
era mais a menina que eu havia beijado, não era mais a pequena Bianca
a qual me deixou confuso. Porra, ela havia mudado da água para o
vinho. Foi como se uma lagarta tivesse se transformado em uma
exuberante borboleta. Seriam meus olhos?
Por que meu coração bateu tão acelerando quando a vi descer
aquelas escadas?
Parecendo muito equilibrada, altiva e segura de si, com uma
postura bem diferente da adolescente de antes que teria descido correndo
pelos degraus de mármore, sobretudo quando insistia em dizer que era
apaixonada por mim. Os longos cabelos castanhos claros quase loiros
cascateavam em ondas soltas pelas costas quase chegando à cintura. O
vestido vermelho que usava contrastava com o branco de sua pele, me
fez lembrar uma modelo, ou uma deusa da beleza, e ela parecia mesmo,
em cada detalhe, uma deusa descendo as escadas lentamente. Saltos
altíssimos tornando-a ainda mais delicadamente feminina, e porra, muito
sexy. Alguma coisa dentro de mim ganhou vida diante da visão dela
descendo degrau por degrau, sem tirar os olhos de mim.
Era como se eu a visse pela primeira vez e, ao mesmo tempo,
que era a mesma menina a qual me fez vir até aqui só para saber o
motivo de não sair da minha cabeça. Ela não era mais uma adolescente
desesperada por minha atenção com seu corpo magro e pernas
desengonçadas; era uma mulher. Se eu fosse de fato sincero comigo
mesmo, admitiria que se tornara uma mulher linda e sexy com curvas
perfeitas e um lindo par de seios que estavam bem realçados por esse
vestido infernal.
— Gui? O que faz aqui? — questionou surpresa, sua voz meio
tremida denotando seu nervosismo apesar da sua postura altiva.
Apesar de ter entendido a pergunta, minha cabeça estava uma
confusão, e quando fui atingido por seu perfume ao beijar meu rosto de
leve, eu fiquei em estado de choque. Todo o meu corpo reagiu ao leve
toque dos seus lábios em minha face.
Meu coração estava batendo mais rápido pela menina que havia
duvidado que algum dia, eu pudesse ter sentimento além do fraternal.
Todo meu corpo estava em alerta com a sua presença. Eu a desejava e
muito.
— Gui? — Sua voz me desperta.
— Uau, Bianca, você está... está um arraso — digo seu nome e
ela provavelmente dever ter estranhado, pois a chamo de pequena desde
sempre. Foi estranho até mesmo para mim. Mas por que de repente veio
essa vontade de dizer o seu nome? É a mesma pequena de sempre, a
mesma garotinha que vi crescer. Olho de cima a baixo. Ah, mas não era
mesmo. Muita coisa havia mudado nela.
— Essa é sua definição para bonita e sexy? — Ergo as
sobrancelhas surpreso com a sua ousadia. — E não respondeu a minha
pergunta.
— O que você perguntou mesmo?
— O que faz aqui?
— Eu... Eu vou passar uns dias aqui com o Enzo.
— Interessante, seja bem-vindo então. Bom, você está em casa,
fique à vontade. Não repare, mas estou de saída.
Ela confere o celular antes de dizer um frio, "bom te ver, Gui" e
sai batendo os saltos me deixando com a visão de sua bunda agora muito
bem desenhada nesse vestido infernal. Que diabos eu estou fazendo?
Estou mesmo secando a bunda da garota que considerava uma irmã?
Eu estava chocado, estarrecido. Talvez por sua nova forma de
me tratar com um certo desdém. Ela nunca me tratou assim, sempre
fazia festa ao me ver e agora...
— Fecha a boca, babaca, ou vai deixar a baba cair.
Olho para o Enzo que acabou de entrar na sala. Ele me olha com
divertimento.
— Vai deixar sua irmã sair vestida daquele jeito? — questiono
deixando transparecer minha indignação.
— O namorado dela não deve se importar, meus pais não se
importam, então por que eu deveria? — diz com a nítida intenção de me
provocar.
— O que disse? Como assim namorado? E você fala isso com
essa naturalidade? — reclamo bravo. Ele é irmão dela, tinha que tomar
conta, proteger, e não ser conivente com... com o que mesmo?
— Se você não percebeu, Gui, a Bianca cresceu.
O pior é que percebi, entretanto não posso admitir.
— Está falando sério? Ela vai... — Olho pela imensa janela de
vidro e a vejo sair em um conversível azul, e dirigindo. — Ela não tem
idade para dirigir, Enzo?
— No Brasil não, mas aqui ela pode, já vai fazer 17 anos, faz
faculdade de Medicina. Ela não é mais a nossa “pequena”.
A realidade me choca bem mais do que esperava. Só de pensar
nisso, senti um ardor violento dilacerando meu peito como uma labareda
sem controle. Balançando a cabeça, tento afastar os sentimentos que
estavam crescendo e se confundindo dentro de mim. Mascarando
minhas emoções com um sorriso, falo:
— Ela sempre vai ser, Enzo. Sempre será nossa pequena. Não sei
como você pode aceitar o fato de ela... ela tem um namorado? É sério
isso?
Não queria deixar que meu melhor amigo percebesse que meu
interesse ia além do fraternal. Nem eu admitia isso.
— Guilherme, sejamos honestos, isso é apenas zelo ou está com
ciúmes da Bianca? — Eu o encaro nervoso, mordo o lábio antes de
responder.
— Eu não sei. — Ele segue para o bar, pega uma cerveja e me
entrega. — Preciso te confessar uma coisa, eu estou muito confuso. Eu
pensava que estava apaixonado pela Alícia, você sabe, mas agora...
Desde que beijei a sua irmã...
— Porra, Guilherme, como é? — ele fala bravo. — Você o quê?
Como teve coragem de beijá-la? Você estava com a Alícia. Não pensou
em como ficaria o coração da minha irmã?
— Claro que pensei. Mas... ela me pediu um beijo e eu pensei
que isso não me afetaria em nada.
Contei toda a minha história ridícula para ele que me encara
sério. Temo levar um soco do irmão mais velho superprotetor que no
fundo o Enzo sempre foi com a Bia. Bem que eu merecia.
— Eu não queria ser você, cara. Não queria mesmo. Está em
uma puta encruzilhada. Mas você vai ter que tomar uma decisão. Já
terminou tudo com a Alícia, certo? — Afirmo que sim com um aceno da
cabeça. Não tenho nada com ela há algum tempo. — Você vai querer
tentar alguma coisa com a Bia?
Eu vou? Eu devo?
— Não, Enzo, não seria certo com nenhuma das duas. Eu estou
indo para a África, vou ficar um tempo por lá. Já falei com sua mãe, ela
concordou e preparou tudo.
— E acha que isso vai resolver? — Dou de ombros e bebo toda
cerveja.
— Eu estou confuso, tenho certeza de que surgiu um sentimento
forte por sua irmã. No entanto, não é certo levar a diante.
Fiquei até muito tarde esperando a Bianca retornar,
inconformado que o Enzo havia permitido que ela saísse sozinha vestida
daquela forma, ainda por cima dirigindo. Ela nem tem idade para
isso. Como ele permite que ela fique até essa hora na rua?
Ouço o barulho do carro dela chegando. Saio para a sacada do
quarto e a vejo entrar na garagem. Saio do quarto e vou para a sala.
Estou sentado no braço do sofá com os meus braços cruzados no escuro.
Ela para diante de mim e me encara.
— Guilherme? O que houve? — Ela franze o cenho. —
Acordado até agora?
— Isso são horas de chegar em casa?
— E isso lá é maneira de falar comigo? Por acaso é meu pai?
Meu irmão mais velho? — Ela sai pisando fundo e eu vou atrás dela. —
Era só o que me faltava.
— Desculpa, Bia, eu só... só estava preocupado com você.
— Não sei o motivo de que de repente você se importar comigo.
E só para te situar, eu estou muito bem. Estava com o meu namorado,
meus amigos da faculdade e isso não é da sua conta. Além do que não é
tão tarde assim, apesar de não ser da sua conta.
Ela entra no próprio quarto e fecha a porta na minha cara com
toda força, demonstrando o tamanho da sua raiva. Frustrado, passo a
mão pelo cabelo e vou para o meu quarto. A porta do dela se abre e ela
vem parecendo um furacão na minha direção, me empurra pelos ombros
completamente furiosa até que estamos nós dois no quarto que estou
ocupando, o que a deixa ainda mais bonita. Eu sou um louco mesmo.
— Você não tem esse direito, não pode chegar aqui e ficar me
olhando como se... Não pode me fazer cobranças e muito menos me
deixar confusa dessa forma. O que veio fazer aqui, Guilherme?
Infernizar minha vida? Você sabe o que eu sinto por você, mas nunca
deu a mínima. Agora que eu decidi te esquecer, seguir em frente, você
aparece do nada, para quê?
— Eu... eu não sei. — Ela vira de costas e vai para sair do meu
quarto, entretanto desiste e volta, se joga em cima de mim, beijando-me
com paixão. Eu a aperto em meus braços e a beijo de volta com muito
desejo, e é sublime. Minha mão desce involuntariamente e quase
alcança sua bunda, mas me detenho no meio do caminho. Bianca
interrompe o beijo e me empurra na cama olhando-me de forma que
chega a me assustar. Mais uma vez ela mostra que não é mais a
garotinha que eu conheci desde que nasceu, seu olhar tem uma inocência
e sensualidade que quase me faz perder a cabeça.
— Bianca, não faz isso. Vamos conversar...
— Não tenho nada para conversar com você, Guilherme. Já fiz
isso a minha vida toda. Ou faz o que eu quero, agora, ou eu saio daqui e
nunca mais vai ter outra chance.
Estarrecido, mal consigo formular uma frase com a atitude
agressiva dela. Quem é essa mulher me encarando desafiadoramente que
eu nunca vi?
— Bianca...
— Tudo bem, nem precisa dizer nada. — Ela se vira e sai do
quarto me deixando sem saber o que fazer.
Capítulo 8
Bianca
Passado
Cheguei ao meu quarto com o coração despedaçado, essa é a
palavra correta. Eu já deveria estar preparada para a rejeição, até pensei
que estivesse, entretanto, a verdade é outra. Eu não estava.
Desde que decidi que esqueceria o Guilherme, assumi uma
postura mais séria. Entrei de cara nos estudos conseguindo ser a
primeira da turma, mesmo sendo a mais nova. Fazia quase um ano que
não nos víamos, da última vez foi na ilha quando ele disse que não
conseguia esquecer o beijo que trocamos. Quando o encontrei hoje,
queria correr e me jogar em seus braços, mas me contive.
Agora a pouco, o que me fez perder a razão foi a forma que ele
estava olhando-me. Não era mais como um amigo ou irmão como
sempre fez. Não tinha apenas carinho, afeição, proteção. Eu vi desejo,
admiração, além dos sentimentos ternos de sempre. Fiquei furiosa por
ele estar aqui fazendo esse sentimento dentro de mim o qual eu queria
sufocar, tomar vida novamente e crescer ainda mais.
Não é justo.
Entro debaixo do chuveiro e tomo banho lembrando-me o
desastre que foi o meu encontro essa noite. Alexander teve que chamar a
minha atenção diversas vezes para o que estava falando, e quando ele
quis beijar-me, eu disse que não. Acabamos discutindo e terminamos o
namoro que havíamos acabado de começar. Nem precisei contar para ele
que o Guilherme estava aqui, ele percebeu quem era o culpado da minha
distração. Alexander como sempre foi compreensivo, apesar de não
entender o motivo de eu amar tanto uma pessoa que não me
corresponde. Como se tivéssemos escolhas com as coisas do coração.
Resolvemos que seríamos apenas amigos, uma vez que eu não conseguia
esquecer o grande amor da minha vida.
Alex é um bom rapaz, engenheiro de uma das empresas do meu
pai. Apesar de ser muito novo ainda, é centrado e muito divertido. Meu
pai aprova o nosso namoro, uma vez que está debaixo dos olhos dele, e
claro, Alex jamais faria algo para magoar ou desrespeitaria a filha do
patrão.
Saio do banheiro depois de secar os cabelos com o secador.
Visto uma camisola e deito-me na cama. Depois de rolar de um lado
para o outro, levanto-me, visto o robe e vou até o quarto onde o
Guilherme está. Coloco a mão na maçaneta e abro a porta
vagarosamente. O quarto está na completa escuridão e meus olhos
demoram a se acostumar. Vejo-o deitado na cama de barriga para cima.
Sua cabeça pousa nos braços que estão cruzados sobre o travesseiro.
Fico indecisa se me aproximo ou se devo sair do quarto. Nem sei o que
me deu para vir aqui desse jeito. Só queria ficar olhando-o dormir.
— Vai ficar a noite toda aí parada feito uma assombração? —
Sua voz rouca me faz saltar de susto. Levo a mão ao peito num gesto
instintivo.
— Pensei que estivesse dormindo.
— E veio velar o meu sono? — Ironiza.
— Eu queria me desculpar pela forma que agi. Eu não sei o que
me deu.
— Pensou que eu estivesse dormindo e queria se desculpar
como, se eu estava dormindo? — Reviro os olhos diante da pergunta. —
Você não deveria estar aqui, Bianca. Não depois de me beijar daquela
forma. — Sua voz tem um tom de ameaça que ao invés de assustar-me
me excita.
— Até parece que isso faz alguma diferença para você. —
Aproximo-me da cama e me encosto na parede. — Sou eu, Gui, lembra?
— Você não sabe o que está falando. É melhor ir dormir, Bia.
— Eu sei, já estou indo. Boa noite, Gui. — Vou para sair, mas
volto. — Por que você me beijou daquela forma?
— Foi você quem me beijou, Bianca.
— Mas eu senti, Guilherme, eu vi nos seus olhos, nas suas mãos
em mim, nos seus lábios. Em cada parte do seu corpo que você também
queria.
Por acaso devo lembrá-lo que ele teve uma ereção enquanto nos
beijávamos?
— E eu quero — ele diz me fazendo aproximar mais da cama. —
Mas não posso. Eu já disse que... Bianca, não seria certo deixar
acontecer alguma coisa entre nós, quando eu gosto de outra pessoa. Eu
não quero te magoar ainda mais do que tenho feito todos esses anos.
Mas a verdade é que existe alguém que eu...
— Não precisa dizer mais nada. Eu já entendi. É a mesma garota
de sempre? — Ele sacode a cabeça que sim. — Quem é ela? Eu a
conheço?
— Isso não tem a menor importância, não existe nada entre nós
há muito tempo, faz parte do passado, um que eu não consegui esquecer
completamente, ainda. E quanto ao seu namorado?
— Isso não tem a menor importância — repito sua frase. — Boa
noite, Guilherme.
— Boa noite, pequena.
Saio do quarto ainda pior do que entrei.
Passei a noite chorando mais uma vez. Minha situação é
insuportável e eu me odeio por isso. Por nutrir a ilusão idiota de que
algo mudou entre mim e o Guilherme, que finalmente ele vai assumir o
que sente por mim. Eu sei que ele me quer. Eu senti. Mas pelo visto me
enganei mais uma vez. Termino de arrumar-me e confiro a maquiagem
para não ficar parecendo que passei a noite chorando. Não vou dar o
gostinho de ele saber o quanto me afeta, o quanto sofro por saber que
outra pessoa ocupa o lugar no coração que deveria ser meu.
— Bom dia, Bia. — Grace, a nossa governanta de Miami que
está colocando uma tigela sobre a mesa me cumprimenta assim que
entro na sala.
— Bom dia Grace, Enzo já desceu? — Sentei-me para tomar
café.
— Ele tinha uma reunião muito cedo e já saiu. Mas o Guilherme
não desceu ainda.
— Aqui estou eu. — Sua voz faz meu coração acelerar. — Bom
dia, Grace, bom dia, pequena. — Deixa um beijo na minha testa e eu
reviro os olhos e não respondo feito uma criança birrenta. Talvez seja
por isso que nunca sou levada à sério. Ainda não consigo reprimir a
garota mimada que tem dentro de mim.
— Dormiu bem? — pergunta servindo-se de café. Grace coloca
um prato com ovos e bacon sobre a mesa e sai.
— O gato comeu a língua? — Implica.
— Não, o gato não comeu nada de mim, nem a língua, nem...
— Meu Deus, Bia, está impossível manter um diálogo normal
com você. Sempre com cinco pedras na mão.
Encaro seu rosto. Como pode ser tão lindo? Como eu gostaria de
beijar essa boca. Como amo esses olhos azuis e tenho um desejo doentio
de mergulhar no oceano deles. Como eu gostaria de não querer nada
disso.
— Que bom que notou. Então faz um favor para nós dois. Não
fala comigo, e se possível... Esquece. — Pego um donuts e me levanto.
— Tchau, Gui, tenha um bom dia.
— Adeus, Bianca — diz, e alguma coisa na sua voz me faz
parar. Mas reprimo a vontade de voltar, ergo a cabeça e continuo
andando, meus saltos batendo firme no chão não é o único som que
ouço, pois meu coração bate acelerado e isso posso ouvir perfeitamente.

O dia foi um inferno. Fazia tempo que a imagem do Guilherme


não ficava obsessivamente na minha cabeça. De alguma forma, eu tinha
conseguido tirá-lo um pouco da minha mente. O que me deixa muito
irritada é que pensei que havia conseguido, mas foi só ele aparecer que
percebi que nunca consegui. Evitar pensar nele era uma coisa, arrancá-lo
do meu coração era outra que agora vejo que nunca conseguirei.
Quando chego em casa já é noite e encontro o Enzo tocando
piano sozinho na sala, a música é uma das favoritas dos nossos pais.
Meu pai nos ensinou a tocar muito cedo. Eu adorava me sentar ao lado
dele e dedilhar as teclas do piano imitando seu gesto, até que um dia eu
estava tocando para ele com habilidade, o que deixou meu pai
emocionado com lágrimas nos olhos que ele tentou disfarçar, é claro.
Compartilhar o piano virou um dos nossos momentos favoritos. Meus
olhos varrem cada canto ao nosso redor e não encontro o Guilherme.
Sento-me ao lado do Enzo e começamos um dueto. Quando tocamos a
última nota de Can´t Help Falling in love do Elvis Presley, eu encosto a
cabeça no ombro do meu irmão.
— O que ele veio fazer aqui, Enzo?
— Você não sabe mesmo? — Sacudo a cabeça que não. —
Deveria me socar pelo que vou te dizer. O Guilherme pode não perceber
ainda, mas ele está apaixonado por você.
Meu coração dispara assanhado. Quase mando ele se acalmar e
deixar de ser idiota. É apenas uma hipótese, não é?
— Ele me disse que ama outra. Desprezou-me e riu dos meus
sentimentos mais uma vez. Como chegou a essa conclusão sem
fundamento? — Minha voz soa ridiculamente tremida.
— Sim, eu sei que ele te disse isso e não deixa de ser verdade,
ele ainda está um pouco balançado pela ex. Mas ele também sente
alguma coisa por você. — Levanto-me de uma vez e fico de frente para
ele, olhando-o intrigada.
— Enzo, o que você está dizendo? — Meu coração dispara ainda
mais, ele praticamente grita que enfim posso ter o Guilherme para mim.
— Eu não deveria estar te contando isso, e não faria se não
soubesse que você tem uma chance enorme com ele. Guilherme me
confessou que não para de pensar em você.
— Você tem noção do que está dizendo? Logo você que sempre
me recriminou, que fazia questão de dizer que ele gostava de outra e não
estava nem aí para mim?
— Bia, eu realmente acreditava nisso. Mas alguma coisa mudou.
Eu conheço muito bem o Guilherme, ele... não está mais com aquela
garota que ele pensava gostar, e sabe por quê? — Meu coração bate
acelerado enquanto eu sacudo a cabeça lentamente em negação. Sempre
pensei que não estavam juntos porque ela não queria. — Porque desde
que vocês se beijaram, ele não conseguiu esquecer.
— Ele... ele te contou isso? Falou do nosso beijo?
— Sim, ele me contou do beijo que você pediu no dia do seu
aniversário há muito tempo. Eu tenho certeza de que você pode sim
conquistar o Guilherme, Bia. Eu não estaria te dando esperanças se não
fosse possível.
De todas as pessoas no mundo, Enzo era a única que dizia para
eu seguir em frente, sempre recriminou as minhas tentativas de
conquista e dizia que eu deveria crescer e esquecer minha paixonite de
criança. Uma fagulha de esperança que havia em meu peito
repentinamente se transforma em uma enorme pira ardente que
incendeia tudo dentro de mim.
— Eu vou lá em cima falar com ele. — Começo a subir a escada
e a voz do meu irmão me faz parar.
— Ele já foi embora. Está em um voo para Uganda. Algo com
médicos sem fronteiras.
— Ele está louco? — Desço novamente as escadas. — Aquele
lugar não é perigoso?
Minha mãe coordena uma ONG que tem base em Uganda,
algumas vezes ela vai até lá, sei que é perigoso, mas não é a mesma
coisa do que trabalhar lá. Isso me leva a perceber que nunca me
interessei de fato pelo trabalho social que a minha faz. Que péssima filha
eu sou.
— Eu perguntei a mesma coisa. Mas ele conversou com os
nossos pais, Bia. Ele vai ficar na ONG servindo aos médicos sem
fronteiras por um tempo. Só não sei até quando. Depois vai começar a
especialização quando voltar para o Brasil.
— Enzo, eu preciso da sua ajuda. Eu vou atrás dele.
— Minha mãe me mataria se eu permitisse algo assim. Não
posso te ajudar.
— Enzo... essa pode ser minha chance. A minha única chance...
— suplico.
— Eu não posso te ajudar, mas não posso impedir que você faça
algo que não sei que estava fazendo... Quer dizer, o que teria demais
você ir à Uganda? Você tem dinheiro, é emancipada e pode viajar para
onde quiser. Não é? Claro que eu, como o seu irmão mais velho, se
soubesse, jamais aprovaria.
Compreendendo suas palavras, eu abro um sorriso e pulo em
seus braços.
— Eu amo você, irmão.
Capítulo 9
Bianca
Passado
Levei cinco dias até conseguir sair de Miami e vir para Uganda.
Estava em um jipe com a bandeira da ONU, então estava tudo bem. Era
o que eu gostava de pensar, mas sabia que não era bem assim. Nós
podíamos passar por rodovias bloqueadas em segurança, e isso já era
muito. Meu maior medo era meus pais descobrirem o que eu estava
fazendo. Realmente é loucura sair dessa forma atrás de um homem que
sequer sei se vai aceitar a minha vinda. Mas eu precisava tentar. Eu sinto
que minha vida vai mudar a partir de agora. É tudo ou nada.
Encosto a cabeça no vidro da janela e fecho os meus olhos
enquanto o carro sacodindo muito me leva até o meu destino. Acabei
adormecendo e só acordo quando alguém segura em meu ombro
chamando-me delicadamente.
— Senhorita, chegamos. — Abro os olhos e vejo que estou
diante de uma das várias casas azuis espalhadas como uma pequena vila,
todas muito pequenas e sem muitos recursos.
— É aqui? — pergunto meio chocada com a precariedade do
lugar.
— É sim, moça, aqui é onde os médicos ficam quando não estão
na base, é a moradia deles. Eu irei até lá para descarregar os
medicamentos, se quiser deixar sua mala na casa e ir comigo até o local,
eu espero. Acho que será mais seguro do que ficar aqui sem conhecer
ninguém.
— Eu quero sim, obrigada.
— A senhorita vai ficar com a enfermeira Brook, ela chegou há
uma semana e está sozinha. Mas não se preocupe que será destinado um
segurança para vocês. — Dou um sorriso sem graça, pois sei que foi
exigência do Enzo para que eu viesse.
O motorista me ajudou a guardar a mala dentro do bangalô.
Antes de resolver vir, eu pesquisei na internet e nos arquivos da minha
mãe sobre o lugar. Tinha uma ideia de como seria, mas a realidade
sempre choca. Como minha mãe, uma mulher rica e linda tem coragem
de vir a um lugar como este? Ela sempre diz que apenas ajudar
financeiramente não a satisfaz, que precisa de contato com as mulheres
vítimas de abuso, com as crianças sem perspectiva de futuro, então ela
dá uma nova visão para eles. Meu pai montou a ONG para ela antes do
Enzo nascer, um projeto que foi sonhado por minha mãe. Hoje a ONG é
uma das mais conceituadas do mundo, já mudou a vida de muitas
mulheres e crianças. Juro que pensei que tivesse mais estrutura. O guia
disse que não pode ter muito luxo, pois os nativos saqueiam o lugar e
levam tudo de valor. Mamãe sempre tentou nos aproximar das
atividades dela, o Enzo é o único que gosta e a ajuda em tudo em relação
à ONG. Já eu sempre me mantive alheia a tudo isso.
Entro no carro de volta e seguimos para a base onde
provavelmente o Guilherme está. Quanto mais o carro se aproxima, mais
eu penso no tamanho da loucura que estou fazendo. O lugar é de muita
vegetação, é praticamente um esconderijo. O carro quase não anda
dentro da mata. Então paramos de frente a um galpão imenso. Olho ao
redor antes de descer e logo o carro está rodeado de gente. Pessoas
começam a descarregar a carga em uma velocidade impressionante, eu
desperto do meu torpor. Desço do carro e sigo para dentro do galpão
onde uma espécie de hospital está montado. Tem gente deitado por todo
lado em macas improvisadas. Muitas crianças, algumas sem braço,
outras sem pernas. Algumas tão desnutridas que me pergunto como
ainda estão respirando? Um aperto no meu peito me faz ter um imenso
orgulho da minha mãe. É daqui que saem algumas mulheres e crianças
que a ONG acolhe e ajuda. Mais a frente, eu vejo uma mulher ser
carregada em uma maca gritando de dor, porém não consigo identificar
o que ela tem. Ando mais a frente e fico paralisada olhando um bebê de
mão esquelética e olhos imensos quando ouço alguém chamar o meu
nome.
— Bianca? — Viro-me em direção a voz do Gui e me deparo
com ele vestido em um jaleco que outrora poderia ter sido chamado de
branco. Como sempre acontece, meu coração dispara ao som de sua voz
e as minhas pernas ficam bambas diante da sua imagem. Mesmo com a
barba cerrada, ele é tão bonito. Talvez ainda mais com ela, parece mais
velho, sexy. Gostei da barba.
— Oi, Gui.
— O quê?... Como chegou até aqui? — Seu olhar azul admirado
encara os meus.
— De avião, depois de carro...
— Há, há, há, engraçada...
— Não vai me dar um abraço de boas-vindas? — Abro os braços
e vou em sua direção, ávida por um pouco de contato. Ele se afasta.
— Você sabe que agora não posso, estou desde cedo com esse
jaleco. — Faço uma careta para a sujeira em sua roupa.
— Dr. Guilherme, precisamos de você urgente. — Um rapaz
grita de longe.
— Venha comigo. — Pega a minha mão e praticamente me
arrasta para um canto, pois chegaram algumas pessoas ensanguentadas.
— Fique aqui, não se mecha e eu já volto para falar com você assim que
der. Não saia daqui.
— Eu posso ajudar... — Ele me olha com dúvida. — Qual é,
Gui, eu sou a melhor aluna da faculdade — digo e seu semblante muda,
vejo um certo orgulho em seu sorriso.
— Aqui não é lugar para você, Bia, mas vou aceitar sua ajuda.
Por um momento acabei esquecendo que estuda Medicina. — Coloca a
máscara no rosto e pega um par de luvas enquanto fala. — Vá até aquela
mesa e peça um jaleco, máscara e luvas, depois venha me encontrar.
Faço o que ele diz. Amarro o cabelo em um coque antes de
colocar os EPI’s. Como não tenho experiência ainda, apenas dou auxílio
nos atendimentos. Perdemos a noção do tempo, a noite chega e já
estávamos esgotados. Eu ao menos estava, mas o Gui parecia ainda ter
pique para atender. É terrível trabalhar sem recursos e pior ainda foi ter
perdido uma criança que havia pisado em uma das minas espalhadas
pela floresta. No entanto, foi emocionante ajudar em um parto de
emergência e ver mãe e filho bem. Encheu-me de orgulho. Depois de o
Guilherme verificar alguns dos pacientes seguimos para os bangalôs. Eu
paro diante da casa onde está guardada a minha mala.
— Eu estou neste. Acho que posso entrar e tomar um banho e
depois podemos conversar.
— Não, de jeito nenhum que vou deixar você sozinha. Vamos
pegar sua mala e você vai ficar comigo. Estou dividindo um bangalô
com um dos médicos, mas quase nunca ficamos nele. Eu já falei com ele
que você vai ficar comigo. Precisa de ajuda com as malas?
— Eu não trouxe muita coisa.
Abro um sorriso e entro para pegar minha mala. Depois
seguimos para o último bangalô.
— É aqui que sua mãe costuma ficar quando vem pra cá.
Digamos que é o melhor deles.
— Que bom que ela não vem muito. Esse lugar é... Nem sei o
que dizer.
— Aqui não é um lugar para passeio, minha madrinha vem
porque ama ajudar as pessoas. Ela não se incomoda com a falta de luxo
— diz e vejo admiração em suas palavras. — Existe uma escola na
ONG, hospital e a estrutura é bem diferente disso aqui. — Ele coloca a
mala em cima de uma das camas. — Pode tomar banho primeiro, eu
espero por você.
— Não, Gui, eu estou bem, você está muito mais cansado...
— Bianca... — me interrompe com certa impaciência. — Eu
quero deixar uma coisa muito clara, você estar aqui é uma completa
loucura, então acho melhor você começar a fazer o que eu mandar, ok?
Agora entre naquele banheiro logo. — Franzo o cenho sem esconder que
não gostei da forma como ele falou comigo. Apesar de excitante, detesto
que mandem em mim.
— Você não manda em mim...
— Está certo, desculpe, agora, por favor, faz o que estou
mandando, pequena.
— Faça o que estou mandando, pequena — imito o que ele disse
de forma implicante.
Tomo banho rapidamente, uma vez que a água está fria. Eu odeio
água fria com todas as minhas forças. Saio do banheiro com uma toalha
enrolada no corpo. Guilherme me olha de forma reprovadora.
— Leve sua roupa para o banheiro, Bianca, esse lugar não é
muito confiável. Sem contar que precisa sempre estar pronta para o caso
de termos que fugir. Então tome banho e saia do banheiro já vestida.
Arregalo os olhos e ele dá de ombros, em seguida tira a camiseta
e joga em meu rosto antes de entrar no banheiro. Levo a peça ao nariz
cheirando seu perfume. Fecho os olhos maravilhada com as sensações
que esse gesto causa em mim. Pego um pijama dentro da mala e coloco
a camiseta no lugar. Quando vou vestir lembro-me do que ele me disse
sobre ter que fugir. Que droga. Se eu pretendia seduzir o Gui talvez meu
plano não funcione. Mesmo sabendo que eu teria que vestir roupa
normal, eu coloquei uma camisola de seda preta e renda transparente.
Hidratei a pele, passei repelente no corpo todo. Ouvi um barulho na
porta e corri para vestir um vestido longo por cima da camisola sexy.
Ouço uma batida na porta do quarto. Abro e me deparo com um
homem de pele morena, ele me olha sem graça e abaixa a cabeça.
— Oi, eu vim buscar minhas coisas.
— Tudo bem? Eu sou Bianca. — Estendo a mão para ele.
— Me chamo Jamal. Eu vi você atendendo hoje no galpão. Não
é muito nova para ser médica? — pergunta colocando em uma mala
algumas roupas que estavam dentro do guarda roupa enquanto
conversamos.
— Estou no segundo período, entrei um pouco antes na
faculdade. Resultado de só estudar a vida toda.
— Pensei que estaria um pouco assustada com o que viu hoje e
ia querer ir embora.
— Foi assustador, mas não desisto fácil das coisas. E você, já se
acostumou com isso tudo?
— Na verdade, eu cresci aqui, fui resgatado pela ONG e morei
no abrigo até entrar na faculdade de medicina. Fui muito bem cuidado e
tive a melhor educação. Nada mais natural do que ajudar os outros como
eu fui ajudado. — Ele olha na direção do banheiro. — Diga ao
Guilherme que nos vemos amanhã. Tenha uma boa noite.
— Boa noite, Jamal, foi um prazer te conhecer.
— O prazer foi meu, senhorita. Você deveria vir trancar a porta.
Faço o que ele diz, tiro o vestido e volto para o quarto.
Guilherme sai do banheiro já completamente vestido.
— O seu colega de quarto já passou por aqui, pegou as coisas
dele e disse que vê você amanhã — digo enquanto passo um pouco de
hidrante na perna que está apoiada na cadeira fingindo não notar que
seus olhos estão grudados em mim.
— E você estava vestida dessa forma? — diz com olhos
arregalados sem desviá-los.
— Algum problema?
— Todos os problemas do mundo, Bianca, você não tem juízo?
Essa... porra, você vai me enlouquecer.
É exatamente o que eu pretendo.
— Então, vai parar de brigar comigo e me dar o abraço que
deveria ter me dado quando cheguei? — Ele sacode a cabeça e me puxa
para o aconchego dos seus braços. Fecho os olhos e inspiro seu cheiro
delicioso já odiando o momento que iria me afastar deles.
Capítulo 10
Sento-me diante do Guilherme com um prato de macarrão
instantâneo com parmesão por cima. Depois de ouvir um sermão do Gui
e contar a verdade sobre o vestido por cima da camisola, troquei de
roupa. Coloquei uma calça de tecido leve e uma camiseta.
— Deveria colocar um sutiã, não tem um na sua mala? —
ironiza.
— A comida é sempre assim? — pergunto ignorando a pergunta
e feliz pelo fato de eu estar sem sutiã o incomodar. Apesar de não ter os
seios do tamanho que eu gostaria, eles são bonitos e cresceram bastante
nos últimos anos. E agora com a proximidade dele, pelo fato de
estarmos sozinhos e por causa dos meus pensamentos obscenos, estou
com os bicos pontudos marcando a camiseta.
— Geralmente comemos na base antes de vir. Aqui é um lugar
só para dormir. Não é um hotel, Bia. Agora me diga, o que veio fazer
aqui? Como seus pais permitiram isso?
Engulo em seco antes de começar a contar como cheguei até
aqui.
— Então é isso, eu vim porque acho que deveríamos conversar,
eu queria pedir desculpas pela forma que agi com você naquela noite. Eu
estava meio...
— Você veio até aqui para isso? — Ele cruza os braços diante do
peito e estreia os olhos indicando que não engoliu a minha desculpa. —
Bianca...
— Ok... — Encaro-o bem dentro dos olhos dele. — Eu... estou
aqui porque sou louca por você, Gui, e eu sinto que você não é
indiferente a mim...
— É mesmo? E seu namorado? O que diz disso?
— Não tenho mais namorado, terminei...
— Você tem noção da loucura que é isso tudo? Esse lugar é
perigoso para você. A qualquer momento pode estourar uma guerrilha
e... Você precisa ir embora amanhã mesmo.
— Eu preciso é saber a verdade, Guilherme. — Me levanto e
paro diante dele, inclino o corpo e falo bem próximo do seu rosto
olhando dentro dos seus olhos azuis. — Eu faço qualquer loucura por
você, vou até o fim do mundo só para poder ficar perto, eu sinto que
você também sente alguma coisa. E eu quero só tirar a prova disso.
Aproximo-me ainda mais dele.
— Bianca...
— Guilherme, dependendo da resposta, eu prometo que nunca
mais olho em sua direção. Volto para o Alexander e te esqueço para
sempre.
Espero que ele diga alguma coisa, que mande me afastar ou algo
parecido. Mas não é o que acontece. Ele segura minha cabeça com as
duas mãos e puxa meus lábios para junto dos dele. Um gemido
involuntário sai da minha garganta ao passo que meu coração bate tão
apressado que provavelmente ele esteja escutando. Nosso beijo é
diferente do último que trocamos em Miami. Nossos lábios se encaixam
perfeitamente, os dele, apesar de gentis, são famintos, os meus,
completamente desesperados. Guilherme se levanta e eu passo os braços
por seu pescoço me entregando completamente ao beijo. Afasto-me em
busca de fôlego, apesar de que eu morreria sem ar só para não me afastar
dessa boca deliciosa.
— Não é possível que só eu sinta isso — exclamo enquanto olho
seus olhos em busca da resposta. Eles estão mais claros e sua pupila
dilatada. — Me diz que não estou doida, que não estou vendo coisas,
quando olho dentro dos seus olhos, eu vejo que existe algum sentimento
por mim. Sem falar nas reações do seu corpo...
— Você não está maluca, eu sinto sim, Bia, algo muito bom por
você, e não é nada fraternal — ele diz me abraçando apertado. — Mas
vamos devagar, ok? Eu não sei bem o que é isso, porque você sabe que
eu... eu gostava de alguém que...
— Eu vou fazer você esquecer completamente essa mulher, Gui,
só me deixa tentar. — Peço cheia de esperança e feliz, pois o verbo
usado por ele está no passado. Ele poderia ter dito gosto, entretanto ele
disse claramente que gostava, o fato de o verbo está no pretérito importa
muito.
— Eu não quero magoar você, pequena. As coisas podem ser
mais complicadas do que parecem. Eu tenho muito medo de partir seu
coração, de magoar você.
— Eu quero correr o risco. Não me importo se partir meu
coração e escolhê-la, eu sei que isso não vai acontecer, pois eu vou lutar
com tudo que há dentro de mim para fazer você me amar tanto quanto
eu te amo. Eu só quero estar com você, que me deixe te amar. Quanto a
partir meu coração, ele é seu, sempre foi, pode fazer o que quiser.
Sua resposta vem em forma de um longo beijo que posso chamar
de apaixonado. Talvez meu irmão tenha razão quando diz que o Gui está
apaixonado por mim e ainda não se deu conta. Eu sei que irei despertar
esse sentimento e logo não haverá mais ninguém entre nós dois.
Encosto-me ainda mais em seu corpo e sinto sua ereção potente. Uau,
isso é bom.
Ele me deseja.
Uma alegria imensa toma conta de mim. Guilherme se senta no
pequeno sofá comigo em seu colo. Coloco uma perna de cada lado do
seu corpo. Finalmente posso tocar cada pequeno pedaço de sua pele.
Sentir seu gosto, ouvir seus gemidos. Nos beijamos por um longo
tempo, me achego ainda mais sentindo sua potente ereção e fico louca
por mais. Suas mãos percorrem minhas pernas, costas e param na cintura
e eu fico louca para descer um pouco mais. Sinto-me tão ousada que
desço minha mão por seu abdome até chegar à ponta de sua calça. Ele
segura minha mão e me encara sério.
— Devagar. Lembra?
— Eu estou com pressa, esperei minha vida toda por isso... —
sussurro em seu ouvido.
— Então não vai se importar de esperar mais um pouco. É sério,
Bia, vamos fazer as coisas direito. Ok? — Suspiro fundo e afirmo com a
cabeça. — Primeiro vamos conversar com nossas famílias,
principalmente com seus pais. — Deito meu rosto em seu peito e fecho
os olhos, maravilhada com seu perfume. — Eles não sabem que você
está aqui, sabem?
— Só o Enzo sabe, ele me ajudou a vir.
— Um maluco. Não deveria ter feito isso. — Beija minha testa e
na ponta do meu nariz.
— Foi impressão minha ou você me pediu em namoro de forma
não muito clara quando disse que iria falar com os meus pais? —
pergunto com o coração pulando de ansiedade e contentamento.
— Eu pretendo pedi-la em namoro sim, pequena, mas será de
uma forma mais romântica, do jeito que você merece.
Como não amar esse homem?
— Eu não preciso de um pedido formal, já me considero sua
namorada. Posso? — Sua resposta vem em forma de um beijo quente,
profundo e demorado que me tirou o fôlego e me deixou tonta.
— Acho melhor irmos para a cama. — Ele diz roçando os lábios
nos meus.
— Ótima deia — digo me levantando sem esconder minha
animação.
— Bianca...
— Não seja maldoso, eu quis dizer que estou com sono, que
mente poluída você tem — digo de forma inocente e ele ri.
Deito-me em uma cama e ele na outra. O espaço entre elas é
mínimo e posso ver o seu rosto na escuridão.
— Boa noite, Bia.
— Boa noite, Gui.
Ficamos nos olhando na penumbra do quarto onde uma vela de
citronela ilumina em cima do criado. Guilherme demorou um tempo
para dormir profundamente, já eu não consigo pregar os olhos por conta
do desconforto da cama e da euforia que corre dentro de mim.
Eu estou namorando o amor da minha vida.
Eu nem acredito, tenho medo de dormir, acordar e ver que era
um sonho. O sono só vem quando me levanto e me deito na cama
pequena ao lado dele que me aninha em seus braços de forma protetora.
Isso é o paraíso.
Na manhã seguinte acordamos com o som de uma sirene
tocando.
— Você é muito atrevida. — Ele diz em meu ouvido arrepiando
cada canto do meu corpo. Deixa um beijo no meu pescoço. — Está
atropelando todas as etapas.
Começo a rir.
— Bom dia! — Ergo os braços espreguiçando-me e ficando de
frente para ele. — O que significa essa sirene?
— Significa que temos pacientes para atender, precisamos
levantar e tomar o café da manhã rápido. Teremos um dia longo — diz
acariciando meu rosto olhando-me com admiração.
— Vai ser um ótimo dia trabalhando ao seu lado.
— Se quiser ficar mais um pouco não tem problema. Depois
mando alguém vir te buscar.
— Não, eu vou ajudar com os pacientes.
— Pode ir tomar banho primeiro — ele diz.
— Você pode vir comigo se quiser.
— É mesmo?
— É sim, eu posso ensaboar seu corpo todo.
— Anda, já para o banho. Não temos muito tempo.
Levantamo-nos e revezamos no banho. Depois seguimos para a
cantina onde tomamos café da manhã com pão, leite, café e ovos.
Depois seguimos para o galpão.
— Uma aldeia foi invadida e incendiada. Temos vários pacientes
com queimaduras graves. — Jamal diz alarmado. — Um helicóptero
está vindo buscar alguns pacientes para levar para a cidade.
— Talvez você devesse ir com eles, Bia. — Gui diz preocupado.
— Não acho que eles chegarão até aqui, ela pode nos ajudar
muito. Se puder ficar, claro.
— Eu fico — dito isso começamos os atendimentos.
Depois de quase o dia todo sem comer e de muito trabalho, eu
estou a ponto de chorar por conta das vidas que perdemos. Pelas
crianças que ficaram sem os pais, pelos pais que perderam mais um
filho.
— Jamal vai levar você até o bangalô para tomar um banho e
descansar um pouco. — Gui diz fazendo uma leve carícia em meu rosto.
— Você trabalhou muito hoje.
— Mereço uma recompensa? — pergunto em seu ouvido.
— Muitas. — Mordo o lábio de forma sedutora.
— Te espero lá.
— Eu não vou demorar. Só preciso verificar um paciente que
ainda não acordou.
Sigo o Jamal praticamente correndo pela mata densa. Tiro a
roupa e coloco para lavar, tarefa que farei no dia seguinte. Entro no
chuveiro e sinto o cansaço me tomar. Como eu queria que a água
estivesse só um pouco mais quente. No entanto, apesar de tudo, estou
feliz. Visto uma calça cargo e uma camiseta regata. Prendo o cabelo em
um rabo de cavalo. Estou prestes a passar repelente no rosto quanto o
Guilherme rompe dentro do quarto feito uma flecha.
— Deus, Gui, quer me matar do coração?
— Precisamos sair daqui agora — grita pegando uma mochila
dentro do armário e colocando nas costas. — Pegue o mínimo que puder
carregar.
— O que aconteceu? — questiono fazendo o que ele mandou,
pego a mochila que já tinha deixado organizada para uma suposta fuga
como o Enzo me instruiu a fazer. Calço um par de botas.
— Guerrilheiros, eles estão a caminho. Os mesmos que
queimaram a aldeia. — Gui explica, no mesmo instante Jamal entra.
— Os carros e helicópteros já foram com os pacientes em estado
grave mais cedo, infelizmente não tem nenhum agora, se pegarem vocês
aqui... É melhor irem logo. — Jamal diz.
— E você? — pergunto preocupada.
— Eu sei me virar com eles. Querendo ou não, sou um deles.
Agora vocês precisam partir o quanto antes. — Ele entrega um mapa
para o Guilherme. — Você sabe o que deve fazer.
Capítulo 11
Andamos por horas no meio da selva densa. Guilherme parecia
conhecer todo o trajeto, poucas vezes ele ficou confuso com a direção a
tomar, mas acabamos seguindo pelo caminho certo. Na curiosidade,
perguntei para ele como sabia aonde ir, então ele colocou o dedo nos
lábios indicando que eu deveria fazer silêncio. Podíamos ouvir ao longe
o barulho de algo explodindo, olhei para trás e pude ver fumaça e fogo.
Meu coração se apertou. Ele puxa minha mão para continuarmos.
— Não há nada que podemos fazer, Bia, precisamos ir.
Corremos em meio à floresta escura. Guilherme sempre
segurando minha mão e me indicando por onde andar. Segurando galhos
para mim, me ajudando a pular obstáculos no caminho.
— Gui...
— Shiii — Coloca a mão em meus lábios e então entendi que
não era para falar nada em momento algum. O que era frustrante.
Várias vezes olhei no celular para ver se tinha sinal, mas nada.
Continuamos andando em meio à escuridão, gotas de chuva
começaram a cair sobre a selva nos deixando encharcados. Depois de
horas, ele parou em frente a um arbusto, abriu espaço com a mão, fez
sinal de que não era o lugar que procurava. Continuamos a andar,
mesmo com a chuva forte.
— Você deve estar muito cansada, aguenta mais um pouco, já
estamos chegando — sussurra em meu ouvido. Apesar da gravidade do
momento meu corpo se arrepia por inteiro muito mais do que com o frio
da chuva.
— Chegando aonde?
— Tem um esconderijo que podemos descansar um pouco, lá
tem comida e é seguro para passarmos o resto da noite.
— Obrigada, já não estava mais aguentando.
Enfim, ele olhou no mapa e parou analisando o local. Eu já
estava rezando para ser aqui mesmo. Minhas pernas tremiam.
— Bia, me ajuda com isso. — Pediu puxando um galho caído e
levantando outro de uma enorme planta rasteira. Segurei as pontas da
planta e ele encontrou o que procurava. Abriu uma espécie de tampa de
madeira muito gasta em um buraco. Indicou com a mão que eu entrasse
primeiro. Peguei a lanterna e iluminei o buraco. Não entraria em um
lugar desses sem olhar, nunca. Desci pela escada e logo o Gui desceu
atrás de mim. Antes, ele arrumou os arbustos e depois fechou a porta de
madeira. Ele pegou a lanterna e fez uma vistoria minuciosa por cada
canto. Depois pegou uma sacola de viagem que estava no canto e abriu,
retirando um saco de dormir enquanto eu trocava de roupa por uma seca.
— Deite-se, descanse um pouco. Sairemos antes do amanhecer
— diz tirando a camiseta encharcada e colocando outra.
— E você? Tem espaço para nós dois.
— Eu vou ficar de vigia.
— Não vou me deitar sem você.
— Você é teimosa. — Ergui a sobrancelha em desafio e ele
sacudiu a cabeça rendendo-se.
Peguei o celular para ver se conseguia ao menos iluminar o
lugar, mas havia acabado a bateria.
— Droga, não tem como carregar, o seu acabou também?
— Sim, infelizmente, estamos incomunicáveis.
— Eu confesso que adoraria estar presa em quarto escuro com
você. Mas em outras circunstâncias — digo coçando o braço por conta
de uma picada de mosquito. — Porque, sinceramente, esses pernilongos
estão me matando.
Os mosquitos estavam se alimentando muito bem de nós.
Provavelmente não teria um pedaço sequer de pele sem marcas de
picada. Lembrei-me então de que havia trazido repelente na mochila de
emergência. Corro e pego o frasco passando nas partes mais expostas do
corpo.
— Deixa passar um pouco em você — digo colocando uma
quantidade na palma da mão.
— O que é isso?
— Repelente.
— Você é muito esperta. O que mais tem dentro dessa mochila?
— Começo a passar o creme em seus braços adorando tudo isso, o
contato com sua pele, tocar seus músculos rígidos, sentir o seu calor na
minha palma, apesar do perigo que corríamos.
— Creme dental, um canivete, sabonete e barras de cereais, acho
que vai ser melhor do que essa comida de lata que nem sabemos se está
vencida. — Ele ri e me puxa para um beijo. Eu me derreto em seus
braços. O que é isso, gente? Que coisa é essa que está acontecendo com
o meu corpo? Um calor insano. — Tem camisinhas também.
— Como é? — Ele se afasta tentando enxergar o meu rosto.
— Vai que rolava? Vai que rola?
— Você não tem jeito, Bia. Me dá essa boca espertinha aqui.
— Eu te dou tudo que voc... — Ele interrompe minha frase
enfiando a língua dentro da minha boca. Mas para meu desgosto logo se
afasta.
— Vamos comer a comida enlatada e depois comemos a barra de
sobremesa. E não está vencida, eu garanto.
Comer a Bia ninguém fala. Oh! Coisa frustrante.
— Eu queria mesmo era tomar um banho.
— Amanhã, tem um riacho não muito longe daqui, se não houver
perigo podemos fazer isso. Agora, precisamos tentar dormir e falar o
mínimo possível.
Deito-me em seu peito e suspiro maravilhada.
— Como sabia exatamente o caminho que deveria seguir? Não
foi só por causa do mapa, tenho certeza.
— Assim que chegamos aqui em Uganda passamos por um
treinamento. Fizemos esse caminho para os abrigos algumas vezes.
Então seguir o mapa fica mais fácil.
— Sabe de uma coisa? Apesar de estarmos nesta situação, eu
estou muito feliz de estar aqui com você. Valeu a pena só por estar
assim em seus braços.
— E que Deus me ajude, pois se seus pais sonharem com uma
coisa dessas...
— Péssimo momento para lembrar dos meus pais, logo agora
que eu ia roubar um beijo.
— Você não precisa roubar um beijo de mim. Pode me beijar
quando quiser, sou seu namorado, lembra? — E eu faço. Grudo minha
boca em um beijo longo que foi interrompido por ele.
— Boa noite, pequena.
— Boa noite, meu amor.
Deitamos no apertado espaço onde mal cabia uma pessoa, minha
cabeça apoiada em seu peito. Ficamos em silêncio até que adormeço
completamente. Abro os olhos, o lugar ainda está no completo escuro.
Guilherme está guardando algumas coisas dentro da mochila.
— Já amanheceu? — pergunto levantando-me.
— Ainda não, precisamos sair agora. Vamos tentar chegar ao
próximo abrigo, pois não seria seguro ficarmos aqui. Precisamos falar o
mínimo possível, Bia. — Ele se aproxima e beija minha testa.
— Está bem, não precisa ficar falando isso o tempo todo —
reclamo. — Até parece que sou uma matraca. Eu já entendi que você
não quer saber de conversar.
— Então cala essa boquinha linda. — Segura meu rosto com as
mãos e beija-me nos lábios. Eu me afasto.
— Ei, não escovei os dentes — Sorrindo, ele me beija mais uma
vez.
Deixamos o esconderijo depois de comer bolachas e leite frio.
Não levamos nada, pois alguém poderia precisar desse local além de
nós. Guilherme deixou um bilhete que não entendi nada do que estava
escrito. Segundo ele, era um código avisando que havíamos passado por
ali e para onde estávamos indo, caso alguém estivesse procurando por
nós. Pode parecer muito estranho, mas tive um prazer imenso ao ver o
Guilherme usar a minha escova de dentes.
Caminhamos até a exaustão, encontramos um pequeno riacho
onde tomamos um banho muito rápido e continuamos a andar mesmo
que já não aguentássemos mais.
— Você está com fome?
— Shiii, nada de conversa — Chamo sua atenção e ele ri
passando os dedos sobre os lábios fechados.
Encontramos um abrigo semelhante ao que estávamos antes.
Mal tínhamos acabado de entrar, ouvimos barulhos do lado de fora.
Ficamos tensos, ouvindo a conversa em uma língua que não sabia qual
era. Algum dialeto local.
— Acho que já foram, estamos seguros. — Gui diz um tempo
depois me puxando para um abraço, eu solto a respiração que nem havia
percebido estar segurando.
— Meu Deus.
— Viu onde você foi se meter? — repreende-me.
— Não me arrependo nem um pouco — afirmo enquanto ele
arruma o lugar onde iremos dormir. — Faria tudo outra vez só para ficar
em seus braços.
— Venha aqui, pequena encrenqueira. — Obedeço ao seu
chamado e aconchego-me em seus braços. — Eu também estou
adorando ter você aqui, não deveria, mas estou feliz.
Guilherme segura meu queixo e ergue para me tomar em um
beijo que começou doce, calmo, mas logo se tornou quente, e eu queria
muito saber onde isso ia dar. Nossas mãos estavam passeando pelo
corpo um do outro. Nos afastamos um pouco, eu me deitei no saco de
dormir, em seguida ele deitou-se ao meu lado. Voltamos a nos beijar.
Dessa vez com ainda mais paixão. Meu coração pulava dentro do peito e
meu corpo queimava ansiando por mais. Minhas mãos tomaram vida
própria e passeavam por cada canto de seu corpo.
— Bia, melhor pararmos antes que...
— Por favor, não para. Eu quero ser sua... Eu sempre fui.
Eu queria muito que ele me tomasse naquele momento. Queria
muito que esquecesse tudo e apenas fizesse amor comigo como se o
mundo fosse acabar.
— Eu não posso fazer isso com você, Bia.
— Como assim? Não pode fazer o quê? Amor comigo? Ou
transar pensando em outra?
— Deixa de besteira, a única coisa que estou pesando agora é no
quanto estou louco por você, em tocar cada parte do seu corpo, em te
fazer minha. Mas você precisa ter maturidade para entender que é muito
cedo, aqui não é o lugar...
Ignorando o fato de ter sido chamada de imatura eu insisto:
— E se a gente morrer no meio dessa selva? Você vai mesmo
deixar que eu morra sem saber o que é ter um orgasmo? Isso é maldade,
Guilherme.
Ele começa a rir. Puxa-me para mais perto e me beija
novamente.
— Não iremos morrer, a gente vai sair daqui — diz enquanto
passa os dedos massageando a raiz dos meus cabelos.
— Decidi que prefiro ter ao menos uma noite com você do que
nenhuma. Não quero morrer virgem.
— A verdade, pequena, é que eu quero ser o seu primeiro. Quero
ser o primeiro a te ensinar tudo, a fazer você sentir prazeres além do
imaginado, mas quero ser o único também. Mas só vou fazer isso
quando estivermos bem, em um quarto com uma cama confortável,
porque eu quero adorar seu corpo como você merece.
A forma como ele diz isso me deixa maravilhada. Meu corpo
queima de expectativa. Meu coração se enche de emoção.
— Então você... Você me quer?
— Quero, quero muito.
— Você é muito antiquado, não precisamos de uma cama para
isso. Acho muito romântico esse lugar. Esse momento...
— Bianca, não começa.
Abracei-o com mais força contra meu peito. Busquei a sua boca
e o beijei. Minhas mãos passeiam por suas costas, espalmo em sua
bunda e puxo-o ainda mais para mim sentido sua ereção no meio de
minhas pernas. Sua mão desceu por meus seios acariciando, apalpando.
Desceram por minha barriga e uma delas entrou em minha calça.
— Olhe para mim, Bianca. — Sinto seu dedo acariciando minha
intimidade já úmida, fazendo-me ofegar com o calor que toma meu
corpo. Ah, que sensação maravilhosa sentir seu dedo escorregando em
um vai e vem lento. Sua expressão estava séria. — Nós não vamos
morrer, e eu não vou transar com você agora, mas vou te dar um
pouquinho de emoção. Se você quiser.
— Eu quero, quero muito.
Jogo minha cabeça para trás maravilhada com as sensações que
estão percorrendo por cada canto do meu corpo. Nunca imaginei que o
desejo pudesse me deixar tão insana, sem controle. Abro mais as pernas
dando acesso a sua mão.
— Ai que delícia, mal posso esperar por uma emoção completa.
— É, minha pequena, precisamos ir com calma.
— Eu discordo completamente.
Segurei seu rosto em minhas mãos e o beijei de forma ainda mais
profunda, na intenção de provar que eu estava mais pronta do que nunca.
Olhei bem dentro de seus olhos azuis e ele soltou um suspiro de
lamento.
— Se você ficar me olhando assim, eu... eu vou perder o
controle.
— Eu quero muito que você perca.
— Você é maluca, Bianca.
— Sou maluca por você, sempre fui. Ah...
Então seu dedo passa a me acariciar com mais intensidade. Eu
estou praticamente rebolando em sua mão. Apertando seus cabelos,
mordendo seus lábios. Minha mão curiosa vai para sua calça e abro o
zíper. Ele a afasta.
— Bianca, se fizer isso eu não vou conseguir me controlar.
— Eu já disse, não se controle.
Então minha mão entra em sua calça. Eu passo a cariciar seu pau
duro feito rocha, enquanto sensações loucas explodem por todo meu
corpo me sacodindo por inteira. Meu orgasmo se prolonga e deixo
minha cabeça cair em seu ombro respirando com dificuldade, mas sem
parar de estimular o seu membro até que ele solta um longo gemido
rouco e sinto o calor do seu gozo em minha mão. Levanto minha cabeça
e olho o seu rosto que está meio vermelho e suado. Uma expressão de
prazer que me faz querer ver isso mais vezes. Imagina quando for para
valer?
— Você é muito levada — diz mordendo meu lábio inferior. —
Uma pequena encrenca.
— E você é muito malvado. Eu não preciso de uma cama para
transar com você.
— E eu não vou transar com você, nem agora e nem nunca.
Quando acontecer, será perfeito. E nós faremos amor.
Suas palavras me fazem calar. Eu apenas fico com um sorriso
bobo no rosto, ele se levanta para se limpar, depois nos deitamos
abraçados até adormecermos.
Como no dia anterior, nos levantamos antes do dia raiar. O
suplemento de comida já estava acabando e eu desejava mais do que
tudo tomar um banho quente. Esse pensamento me fez rir, pois tinha
algo que eu desejava mais do que banho quente, comida ou qualquer
outra coisa. Ele estava segurando minha mão enquanto caminhávamos
no meio do mato. O barulho de um helicóptero fez o Gui me puxar para
mais perto dele e encostarmos em uma árvore.
— Fica aqui que vou olhar se é seguro continuarmos.
Ele se afasta. Ainda se escondendo, ele observa o helicóptero.
Ele acena para que eu vá até onde ele está. Guilherme tira a camisa e
começa a sacodir no ar.
— Aqui, aqui, socorro...
Capítulo 12
Bianca
Dias atuais
Coloco uma mecha de cabelo que escapou atrás da minha orelha
e observo minha imagem refletida no espelho. Meu rosto já não tem
mais sinal de machucado do acidente, estou muito bonita, mas meus
olhos têm uma apatia que nunca enxerguei antes. Mordo o lábio e paro
de olhar essa desconhecida no espelho do banheiro do centro de
convenções da faculdade.
Hoje é dia da minha formatura, me concentrei em estudar para a
prova de residência médica e assim não pensar em nada da minha vida.
Saio do banheiro e sigo para o salão onde será a solenidade. Resolvi não
participar da festa. Não só pelo que tenho passado, por não estar no
clima, mas porque uma perna quebrada não é muito animador.
— Pronta? — Meu pai pergunta. — Quer que te carregue?
— Para né, papai? Eu estou ótima, nem sei pra que tenho que
andar com as muletas. Exagero do Murilo.
— Claro que não é exagero. Por mim, ainda estaria usando a
cadeira.
— Deus me livre — reclamo, pois nunca detestei tanto alguma
coisa na vida como odeio essa cadeira.
— Eu a levo, papai. — Enzo se oferece.
— Gente, não precisa. — Meu rosto já estava queimando de
vergonha. Além do que, eu já estava farta de tanto cuidado.
— Vamos? — Ignora. Bufo contrariada e sigo andando sem a
ajuda deles.
Com o auxílio de colegas, sento-me na cadeira reservada para
mim vendo os cabelos escuros em cachos perfeitos da Alícia bem na
minha frente. Se eu pudesse iria sentar-me nos fundos. Ela olha para trás
e ensaia um sorriso, eu aceno com a cabeça para ela. Todo mundo está
observando nós duas, estranhando nossa animosidade. Sempre fomos
unidas, agora não passamos de estranhas. E para piorar, estou sentada ao
lado de uma garota que me odeia.
— Você e a Alícia brigaram? — Barbara pergunta, não espera
resposta e continua: — Deve ser bem difícil para você, sofreu um
acidente, terminou o noivado e brigou com a melhor amiga. — Olho
para ela e quando vou responder uma outra colega vem ao meu socorro.
— Credo, Barbara, deixa de ser intrometida.
— Não é nada demais, só achei estranho, pois nunca vi um casal
tão apaixonado quanto a Bianca e o noivo dela. Sem falar que ela e a
Alícia parecia que nada abalaria a amizade das duas. Por falar em noivo,
passei na prova de residência para ortopedia no HGL e o noivo
gatíssimo da Alícia vai ser meu professor.
— Parabéns, Barbara. O Dr. Murilo é um excelente profissional.
— Mas e você, Bianca, não fez a prova?
— Não no HGL, passei em outro lugar.
— Por que não quer o HGL? Tudo mundo se mata para entrar lá
— insiste. Nunca fomos muito chegadas, então não sei qual o interesse
dela com isso, além do mais a ironia em sua voz ficou bem evidente. —
Tenho certeza que você passaria.
— Não quis o HGL por diversos motivos, um deles é que não
quero que pensem que tenho regalias...
— E não quer conviver diariamente com o ex, eu te entendo.
— Boa noite, vamos dar início à solenidade...
A voz da cerimonial faz com que o assunto se encerre. Fico
olhando para a grande cortina vermelha a nossa frente. Depois meus
olhos se fixam no capelo em minhas mãos. Quando volto a olhar a
cortina, ela já está completamente aberta. Por alguns minutos, eu fiquei
fora do ar.
Quando o Reitor se levanta e dá início aos atos com sua fala, mal
ouço suas palavras, doida para acabar com isso e ir embora.
A cerimônia demora mais uma hora para concluir parecendo
interminável.
O nome da Alícia é chamado e ela se levanta toda linda, vai até a
mesa receber o canudo. Mesmo vestida como todo mundo ela se destaca.
Um colega me ajuda a levantar quando meu nome é chamado. Sigo com
minhas muletas para receber. Suspiro aliviada quando o Reitor libera os
membros do corpo docente. Saímos para receber os parabéns, cada um
em seu local indicado para receber familiares e amigos. Antes de me
dirigir para o meu cenário sinto alguém segurar em meu braço.
— Bianca, parabéns. — Alícia diz com olhos marejados.
— Obrigada, para você também — digo muito séria. — Aliás,
devo parabenizar pelo seu noivado também, não é? Mas antes me deixa
perguntar uma coisa. Tem certeza de que é isso mesmo que você quer?
Agora o Guilherme está livre, todos sabem sobre vocês dois, por que
não aproveita para viver o amor do passado?
Ela me encara chocada, magoada. Olhos marejados.
— Bia... — uma lágrima desce do seu olho, eu não permito que
ela diga nada.
— Acho que você está fazendo uma tremenda besteira em casar-
se com o Murilo, já que no fundo é o Guilherme que você sempre amou.
Você deveria aproveitar e lutar por ele. Vai lá, aproveita e seja feliz,
Alícia.
Só então percebo que seu noivo está se aproximando, aceno a
cabeça para ele e sigo para o meu reservado. De longe vejo o Murilo
abraçar a noiva enquanto ela parece chorar. Isso não me faz bem. Meu
irmão se aproxima para me ajudar. Encaro minha mãe que está com
lágrimas nos olhos ao lado da tia Kamila, minha ex-sogra e as suas
amigas inseparáveis.
— Aí está ela, a mais nova médica. Parabéns, Doutora Bianca
Silvestre Maldonado. — Abraço tia Kamila com o coração agitado
dentro do peito. Será que ele veio?
Talvez não. Não depois de eu mandar devolver o presente de
formatura que ele me enviou hoje cedo. Eu sequer abri a caixa da
Tiffany & Co e mandei de volta. Não quero nada mais que venha do
Guilherme.
Foi só pensar em seu nome e ele se materializa em minha frente.
Um imenso sorriso no rosto. Talvez nem tenha noção de que estou
destruída. Mas ele sabe o que o seu sorriso me faz. Ele estende a mão e
de repente, sinto como se nós dois estivéssemos sozinhos no local.
Apenas eu e ele. Meu coração martela dentro do peito e meu
corpo inteiro fica desperto, cada terminação nervosa se agita por sua
presença. Uma conhecida eletricidade me puxando para ele como
sempre fazia.
Minha mente está girando.
Agora percebo o quanto senti saudades dele. Sinto que vou cair e
me apoio ainda mais na muleta.
— Parabéns, pequena — ele diz me tomando em seus braços e
eu tenho que me controlar para não gemer de satisfação por esse simples
abraço. Eu o empurro.
— Obrigada, Guilherme. Com licença, tem uma fila enorme
tentando me parabenizar.
— Eles que esperem.
— Não, Guilherme...
— Parabéns, irmãzinha. — Enzo me pega pela cintura me
levantando e quando eu olho para onde o Guilherme estava, ele já havia
desaparecido.
Recebo as felicitações de todos e depois fomos para casa fazer
uma comemoração íntima. São muito estranhos os sentimentos dentro de
mim neste momento. Não foi nada como havia imaginado ao longo do
curso. Pensei que faria uma grande festa com os meus colegas, com a
minha família e amigos. Mas não é o que de fato acontece, não quero
festejar nada, na verdade, eu ainda estou de luto.

— Eu... não acredito. — Levanto-me apoiada em minha muleta.


Meu pai acaba de dizer que meu acidente foi criminoso. Através
da perícia descobriram que mexeram no freio do meu carro no
estacionamento do hospital. Identificaram o criminoso através das
câmeras. Ele por sua vez disse que alguém pagou para ele fazer o
serviço.
— Por que fariam uma coisa dessas? — Enzo exclama olhando-
me preocupado.
— Poderia ter sido com qualquer um de vocês. O alvo é me
atingir — meu pai diz. — Nós temos um inimigo que há décadas não
cansa de tentar nos prejudicar. Mas agora foram longe demais.
— E quem são eles?
— Antes de conhecer sua mãe, eu tive uma noiva, ela foi
sequestrada por uma quadrilha de tráfico humano. Então eu decidi me
juntar ao FBI para tentar acabar com esses criminosos. Sua mãe foi
sequestrada por eles, eu a comprei. — Abro a boca chocada.
Ele conta que a levou para a ilha e lá os dois se apaixonaram e se
casaram. Eles conseguiram colocar o chefe na cadeia, um Xeique que se
casou com a ex-noiva do meu pai que ele pensava ter morrido. Ela
também fazia parte da quadrilha e foi morta quando sequestrou minha
mãe que estava grávida do meu irmão Enzo. O Xeique foi preso, mas
desde então tenta se vingar dos meus pais. Minha mãe diz que conta
com a ajuda de Deus que é quem nos protege.
— Vocês terão que andar com seguranças — meu pai diz
fazendo o Alejandro bufar como um dos seus búfalos da fazenda que ele
tanto ama. — Contratei a melhor empresa do ramo, o Rafael os indicou.
— Ah não, pai, isso é mesmo necessário? — Alejandro diz
contrariado.
— A sua irmã quase morreu, meu filho, acha mesmo que vou
permitir que aconteça algo com vocês? Vai ter segurança sim, até
colocarmos um fim nessa história. Iasser saiu da prisão. Não podemos
vacilar.
Meu irmão mais novo é apaixonado por cavalos e fazendas desde
pequeno. Ele sempre adorou montar, passar dias no mato. Está
estudando Zootecnia. Então meu pai deu uma fazenda para o estranho
administrar, já que é exatamente o que ele ama. Agora ele está
revoltado, pois a liberdade que ele tanto preza está ameaçada. Já eu não
vou me opor, se é para a minha segurança.
— Talvez seja melhor eu ir com vocês, fazer minha residência
em Miami, sei lá.
— Você acha que adiaria por algum tempo, Bia? Se quiser pode
fazer aqui mesmo no Brasil. Vamos só passar um tempo nas Bahamas?
O que acha?
— Por mim, tudo bem. Eu vou adorar. Além do mais as provas
para a residência irão demorar um pouco.
A discussão prolonga por um tempo, como pensei, Alejandro é o
único que não aceita povoar sua fazenda com gente que ele não conhece.
Ele diz que não precisa disso, sabe se proteger. Meu irmão caçula é um
cabeça dura. Mas meu pai vai acabar convencendo-o a fazer o certo.
Quanto a mim, será melhor que eu vá para bem longe.
Capítulo 13
Guilherme
Dias atuais
— Ela está bem, já está fazendo fisioterapia e logo volta para a
residência. — Suspiro aliviado.
— Obrigado, madrinha.
— Não foi nada, Gui. Posso te pedir uma coisa?
— Claro.
— Tenha paciência com a Bianca, de todos os meus filhos, ela
sempre foi a mais teimosa. Geniosa além da conta. Ela passou a vida
teimando que iria ficar com você, agora está jurando o oposto. Ela te
ama, Gui, um dia ela vai te perdoar.
— Eu vou esperar a vida toda se for preciso. Eu a amo muito, tia
Gabi. Não imagina o quanto.
— Eu imagino. Fica com Deus e que Ele te dê o dobro de
paciência, pois você vai precisar.
— Amém, dinda.
Suspiro fundo e desligo o telefone. Ligo todos os dias para saber
como a Bianca está, ela não quer me ver nem pintado de ouro e vou dar
esse tempo para ela. Não sei até quando vou conseguir. Encosto a
cabeça no sofá pensando nas palavras da Tia Gabi. Já faz mais de um
mês que Bianca terminou comigo. Estou vivendo no inferno tentando
levar a vida normalmente, mas está bem difícil. Não durmo direito, não
consigo comer e a única coisa que me distrai é o trabalho ao qual tenho
me dedicado muito. Agora só vivo de lembranças, buscando cada
momento nosso para ter um pouco mais de esperança.
Lembro-me do dia que a vi, depois de um ano, quando a beijei
pela primeira vez. Dava para notar a transformação em seu corpo, mas o
mais impressionante foi o que vi nos seus olhos. Apesar de ela se manter
fria ao meu lado, tentando me ignorar, eu podia ver o fogo queimando
ali dentro. As labaredas podiam me alcançar e me deixar quente
também. Eu estava atraído por ela, isso era certo, mas muito errado ao
mesmo tempo. Depois que experimentei seu beijo pela primeira vez, eu
fiquei fodidamente obcecado por beijá-la novamente. Ela jogou algum
feitiço naquele beijo, só pode. O problema era que eu já estava todo
enrolado com a Alícia. Eu amava aquela garota, de verdade, ou pensava
que amava. Mas também estava gostando da Bianca. Como pode um
coração se apaixonar por duas pessoas ao mesmo tempo?
Decidi que ia pedir um tempo para Alícia. Nesse tempo eu
esperava encontrar respostas e quando decidisse que iria ficar com ela
não poderia voltar atrás. Então me afastei da Alícia e um tempo depois
fui para Miami, de lá iria para o Médicos sem Fronteiras. Iria ficar
algum tempo na África salvando vidas e tentando dar um tempo na
atração que sentia por ela, assim saberia se era real. Porra, ela era muito
boa de cama, mesmo sendo o único com quem ela tinha transado, nós
dois tínhamos química e pegávamos fogo juntos. Pode parecer canalhice
e hoje percebo que realmente era. Eu mereço todo esse gelo que a
Bianca está me dando e muito mais por não ter tido maturidade para
lidar com a situação na época e por ter ficado dividido.
Eu amo a Bianca mais do que a mim mesmo, isso é fato. Eu já
disse eu te amo para outra pessoa antes, não vou negar. Disse para a
Alícia e até admiti para a Bianca que amei outra. Mas agora percebo que
o que sinto por minha pequena, o meu amor por ela é muito maior do
que jamais imaginei que sentiria, porque nada se compara ao que sinto
por ela. Isso torna duvidoso tudo que veio antes. E está doendo
malditamente não tê-la comigo agora.
Lembro-me de um episódio enquanto estávamos em uma festa da
nossa família na casa de praia da minha avó. Alícia estava linda e eu
havia começado a namorar a Bianca recentemente. Ela tinha viajado
com a família dela para Miami, mas também não saíamos muito, ela
tinha transferido a faculdade e tinha apenas 17 anos. Alícia estava
tentadoramente linda, ela era naturalmente sexy e isso era uma tentação
para mim. Eu sabia o quanto ela era quente e só rolava beijos e alguns
toques mais quentes entre mim e a Bianca até então, o que era ainda
mais difícil. Apesar de que era eu que queria esperar para transar com a
Bia por vários motivos. Primeiro, eu queria que fosse especial para ela,
depois de tudo que fiz era o mínimo que eu poderia ser. Queria que ela
tivesse certeza de que o que sentia não era apenas capricho de criança.
Naquela noite eu bebi um pouco além da conta, me aproximei
impulsivamente da Alícia e perguntei:
— Quer dançar?
— Acho melhor não, Gui.
— Sempre dançamos nas festas de família, não acha que vão
estranhar?
Depois de um tempo ela me estendeu a mão, satisfeito a guiei até
a pista de dança. Quando desci minhas mãos para sua cintura, ela
involuntariamente se pressionou contra mim. Nossa, era bom ficar perto
dela, sempre foi. Tentei afastar a nuvem de pensamentos e lembranças
torturantes que se espalhavam por minha mente poluída. Mas estar assim
com ela em meus braços era inevitável não pensar, não sentir e nem
lembrar. Eu seria um cafajeste por admitir que sentia saudades? Que
ainda a desejava muito?
— Você deveria parar de me olhar dessa forma — disse em tom
recriminador se afastando um pouco.
— Você tem razão, mas não consigo controlar.
Que bom que um de nós tem consciência aqui, pois eu sequer
percebi o que estava fazendo. Pensei.
Ela me soltou e saiu praticamente correndo. Eu vi seus olhos
marejados e não pude deixar de sentir um aperto no coração. Corri atrás
dela e a alcancei já perto da praia, segurei seu braço.
— Espera...
— Guilherme, por que está fazendo isso? Você tem namorada e
o pior, é uma das pessoas mais doces que conheço. Não deveria...
— E você acha que eu não sei? De que forma acha que estou me
sentindo?
— Eu não sei, não faço ideia, você nunca me disse mesmo, não
é? Só sei que agora está apaixonado pela NAMORADA — ela jogou na
minha cara que nunca disse como me sentia em relação a ela. Frisou a
palavra namorada para lembrar-me que fiz minha escolha.
— Porra, isso é difícil.
— Se você realmente a ama, não deveria me olhar assim como se
quisesse me beijar, estar comigo, parece que vai me tomar em seus
braços a qualquer instante.
Está aí, eu realmente quero, e como eu quero.
— Eu não tinha a intenção de fazer isso. — Sim, eu tinha, mas
ela não precisa saber.
— Você... você a ama? — Afasto-me e sem conseguir esconder
digo o que estou sentindo:
— Sim, eu amo a Bianca. — Ela olhou para o céu, parecia
suplicar por algo que não sei o que é, paciência talvez, ou que um raio
partisse a minha cabeça confusa, mas logo voltou a olhar para mim, com
olhos marejados e angustiados, o que cortou o meu coração.
— Não faz isso, Guilherme.
— Você quer saber a verdade? A coisa mais complicada é que eu
amo você também, essa é a verdade. — Os olhos dela arregalam-se. —
Só que não tinha ideia de que ainda sentia isso até ter você novamente
em meus braços como agora a pouco. Até querer tudo outra vez neste
exato momento tendo você assim tão perto. Tão linda.
Eu ri de nervoso enquanto ela sacodia a cabeça, incrédula, com
lágrimas descendo dos seus lindos olhos azuis e molhando seu rosto.
Não esperava mesmo que ela acreditasse em mim, não depois de ter
terminado com ela há tanto tempo. Eu mesmo me achava uma maldita
contradição. Confusão deveria ser meu nome do meio.
— Você é um cafajeste. Como assim você ama nós duas? Acha
que vou acreditar nisso? Sabe como chama isso, Guilherme? Safadeza,
canalhice. — Cruza os braços virando-se de costas e encarando o mar.
— Você é um sem vergonha, canalha, safado... um...
— Eu nunca fui honesto com meus sentimentos quanto a nós
dois, nem para mim, nem para você. Me desculpe se a verdade choca
você, traz dor e incertezas e me deixa feito um canalha, não só aos seus
olhos, mas para mim também. É difícil admitir até para mim mesmo.
Mas talvez eu ame sim, vocês duas.
Ela se vira me encarando, mordendo o lábio inferior, lágrimas
brilhavam em seus olhos azuis. Algo se remexia dentro de mim quando
ela mordia o lábio e me olhava assim. Neste momento eu não resisti,
tomei seu rosto em minhas mãos e a beijei. Não sei o que deu em mim.
Ela a princípio correspondeu, talvez por ser pega de surpresa, mas logo
se afastou. O arrependimento me bate assim que abro os olhos.
O que eu estou fazendo?
— Isso... Nunca mais volte a tocar em mim. — Aponta o dedo na
minha cara. — Eu já te disse isso uma vez e repito, eu não quero que
Bianca e nem ninguém saiba que um dia tivemos nada. Mas isso não
significa que vamos agir feito dois traidores sem caráter e ficar nos
beijando ou...
— Me desculpa, você tem razão. Isso morre aqui. — O
arrependimento e a culpa me pegaram com força e ela deve ter visto isso
em meus olhos. Alícia afirmou com a cabeça e saiu correndo pela praia
no escuro da noite. Levo as mãos à cabeça tentando ordenar meus
pensamentos. Sinto um tapa forte em meu braço e viro de uma vez.
— Seu cachorro, canalha, filho da puta. — Maressa me acerta
com vários murros no peito. — Eu deveria era bater na sua cara até criar
vergonha. Me fez xingar uma mulher maravilhosa que é sua mãe.
Merece apanhar em dobro.
— Bate porque eu mereço. — Ela me olha e sacode a cabeça em
negação. — Mereço até mais. Você deveria olhar para meu rosto, pensar
que é aquele saco de pancadas que a gente treina e me socar com toda
força.
O que eu estava pensando quando falei aquelas coisas para a
Alícia? Eu estou apaixonado, eu amo a Bianca.
— Imagina se fosse a Bianca a pegar vocês dois aos beijos? Ou
outra pessoa qualquer? Você não tem vergonha de partir o coração delas
assim? De brincar com os sentimentos?
— Eu sei, Maressa, você me conhece e sabe o que eu sinto por
ela. É difícil para mim.
— Então por que não a escolheu? — inquire apontando para a
direção que Alícia foi.
— Porque eu amo a Bianca.
Digo com toda certeza do mundo. Meu rosto queima de
vergonha e arrependimento pelo que acabei de fazer.
— Faça-me o favor, você ainda está com essa conversa? Isso
pode até dar certo com a Alícia, coitada, mas comigo não. Isso é coisa
de homem safado. Não se ama duas ao mesmo tempo. Amor não foi
feito para ser compartilhado por mais de duas pessoas.
— Eu sei, por isso estou onde o sentimento é mais forte. Com a
Bianca é diferente, eu não sei explicar.
— Você e a Bianca já estão há quase dois meses juntos, já
transaram?
— Não, achei melhor irmos devagar.
— Pois eu acho que deveria fazer isso, talvez perceba que com a
Alícia era somente sexo e a deixa em paz de vez. Não pensa na bagunça
que está fazendo na cabeça dela? Essa garota não merece isso e nem a
Bianca.
— Isso nunca mais vai acontecer, eu juro.
— Eu espero de coração que não aconteça, ou terei que
conversar com o Enzo que não vai gostar nada dessa história. Imagina se
ele souber que anda traindo a irmã dele?
Dito dessa forma soa muito pior do que parecia antes. Traição é
uma palavra que eu nunca pensei existir no meu vocabulário, eu não sou
assim.
— Nem quero imaginar, mas para ele eu vou ter que contar.
— Então se prepara.
Volto da recordação com vergonha de mim mesmo, da forma
como agi com as duas na época. Eu jamais deveria ter beijado Alícia,
passei anos me torturando por isso, e se a Bianca sonhar com o que
aconteceu, eu estarei fodido. Hoje entendo melhor as palavras da
Maressa. O problema é que na época que estávamos juntos, a Alícia
havia dito que não sentia nada por mim, era só sexo, e com tesão era
fácil de lidar, mas depois desse dia, eu enxerguei nos olhos dela sua
mentira e a minha própria confusão. Só depois da carta, soube que ela
também gostava de mim.
Pego o telefone para ligar para a Maressa, faz tempo que não nos
falamos, ela é filha da tia Fernanda, uma das melhores amigas da minha
mãe, elas são como irmãs, na verdade. Mare se casou há três anos e se
mudou para a Europa com o marido para fazer um curso junto com o
Enzo que é o chefe dela na construtora. Ela é só um ano mais nova do
que eu e já é uma mulher casada.
— Fala, Gui.
— Quanto tempo, peste, não vem mais visitar os pobres, não?
— Pois é, eu estava até pensando em ir te fazer uma visita, mas
agora fica difícil, muito trabalho por aqui, meu chefe é um carrasco, mas
estou morta de saudades. E você e a Bia, nada ainda?
— Você conhece, ela é teimosa demais. Vai me fazer comer o
pão que o diabo amassou.
— Essa é a minha garota. Eu faria o mesmo.
— Ah, obrigado, amiga.
— Não por isso, amigo.
Conversamos durante um longo tempo até que a campainha toca
e desligo a chamada. Abro a porta e dou de cara com Alícia. Ela exibe
um sorriso enorme e está linda com um vestido longo floral.
— Oi, que surpresa. — Beijo seu rosto.
— Pois é, vim ver como você está, e por um outro motivo
também. Mas antes, me diz, como está indo? — pergunta enquanto
seguimos para a sala.
— Estou seguindo esperando o momento que a minha pequena
vai me perdoar. — Sentamos um ao lado do outro no sofá.
— Eu sinto muito, Gui, por tudo.
Alícia inclinou-se para segurar minha mão. Anos atrás, esse
toque teria me esquentado dos pés à cabeça, faria meu coração acelerar,
e claro, meu pau se animar todo, não vou mentir. Entretanto, agora não é
nada além do que o toque de uma amiga, não, de uma irmã. A ternura
que sinto por ela é a mesma que tenho pela Maressa e Nicole.
— Eu sei que na atual circunstância não poderia estar pedindo
isso. Sei que vai ser muito difícil para você. Mas quando me veio à
realidade que deveria convidar os padrinhos, o primeiro que veio a
minha mente foi você.
— E o que o Murilo diz sobre isso?
— Claro que ele concorda. Ele sabe que tenho você como um
amigo, um irmão, e se fosse diferente não me casaria com ele. Sem
confiança, nada feito. — Ela toma minha mão na sua e aperta. — Por
favor, diga sim.
— Vai ser uma honra ser o seu padrinho.
Como eu poderia dizer não? Eu amo essa mulher como se fosse
minha irmã. Mesmo tendo tido uma história com ela no passado, não
restou nada mais do que lembranças, um pouco de mágoa e
arrependimento também por algum tempo, não vou negar, mas tudo que
sempre quis foi ver a Alícia feliz, e o Murilo faz esse trabalho muito
bem. Seus olhos brilhantes me encaram.
— Eu... Mandei uma carta para a Bianca. Queria tanto que ela
me perdoasse. Quer dizer, a nós dois. Éramos jovens idiotas que fizemos
uma coisa errada e...
— Alícia, não foi bem assim. Vamos ser bem honestos. Hoje eu
amo a Bianca com toda a minha vida. Mas não vou mentir que um dia
também amei você. Faz parte do passado, um que parece muito distante,
no entanto, é a verdade.
Os olhos dela se arregalaram enquanto ela levantava do sofá um
pouco chocada com o que eu disse.
— Guilherme, por favor, não...
— Faz parte do passado, estou feliz por você ter encontrado o
amor verdadeiro, mas o que tivemos foi intenso sim e a Bianca tem
razão de me odiar por isso. Ao contrário do que fiz com você, de não ter
assumido que te amava, eu nunca escondi dela que amava outra quando
começamos a namorar, ela sabia que existia alguém, é por isso que ela
está com tanta raiva agora, porque não menti sobre meus sentimentos
para ela. Eu nunca menti quanto ao que sentia. Eu vou passar o resto da
minha vida rastejando aos pés dela se precisar. Mas ela vai voltar para
mim.
— Vai ser um trabalho árduo. Estou torcendo por vocês. Quero
muito que o amor vença essa guerra, vocês são um casal lindo.
— Eu sei, mas a luta vai valer a pena. Apesar do ódio que ela
está de mim no momento, eu sei que o amor tem mais espaço naquele
coração.
— Bianca é teimosa demais. Orgulhosa demais. Mas
torço pra que tudo dê certo para vocês dois. — Inclina-se e me abraça.
— Amo você, Gui. Obrigada por aceitar ser o meu padrinho.
— Posso saber quem vai ser minha acompanhante?
— Nicole.
— Que beleza, vou entrar com a minha irmã no seu casamento.
Quero ver a cara do bundão do meu cunhado quando souber que foi
posto de lado.
— Não fala assim que me sinto culpada, mas meus padrinhos são
pessoas as quais eu realmente amo e considero, Frederico não se encaixa
em nenhum dos pré-requisitos, ele é só o noivo da Nick. Vou indo que
ainda preciso organizar coisas da formatura, do casamento, minha vida
está uma correria só. E ainda tenho que lidar com uma ex do meu futuro
marido que está grávida.
— Mais uma vez obrigado pelo convite. Será uma honra ser o
seu padrinho.
Fecho a porta atrás de mim.
Capítulo 14
Bianca
Sento-me diante do piano, aperto uma tecla e o som reverbera
pela sala. Nenhuma música vem à minha mente, isso tem acontecido
muito, e olha que eu adoro tocar. Logo sinto meu pai sentar-se ao meu
lado e suas mãos começam a tocar uma música que conheço bem. Ele
diz que tocou essa canção no violão para minha mãe e foi o que a fez
cair de amores por ele. Can´t Help Falling In Love do Elvis. Dessa vez,
eu demoro a acompanhá-lo. Toco a música com lágrimas rolando por
meu rosto. Quando meus dedos tocam as últimas notas, eu sinto as mãos
do meu pai sobre meus ombros. Ele me puxa e eu recebo seu abraço
acolhedor.
— Isso nunca vai passar, papai?
— Eu não sei, filha. Gostaria de saber.
— Como eu nunca percebi que havia algo entre eles?
— Não tinha como saber porque não havia nada. Pode ter
acontecido no passado, mas uma coisa que não podemos negar é que o
Guilherme ama você. Sempre amou. Tecnicamente ele não traiu você.
Não no sentido literal. Ele cometeu um erro, escondeu de você quem era
a mulher. Mas quer saber? Nós homens somos idiotas por natureza,
muitas vezes queremos proteger a mulher que amamos e ao invés de
contar a verdade, usamos uma doce mentira ou escondemos as coisas.
— Acho que é coisa de homem essa cumplicidade. Só pode ser,
cumplicidade masculina é o que faz você tentar implicitamente defender
o Guilherme.
— Não é isso, eu tenho aquele menino como um filho, e os pais
nunca enxergam os erros dos filhos. Eu sempre vou defender meus
filhos. Deve ser isso. — Dá de ombros. — Ele errou, mas para mim,
merece o perdão.
Meus olhos se enchem de lágrimas, meu pai é um homem
maravilhoso mesmo.
— Toca outra música comigo?
— Quantas você quiser, meu anjinho.
Sento-me ereta novamente e começo a tocar a orquestra Nº 21 de
Mozart, junto com meu pai. No final das contas acabamos rindo juntos.
Meu pai toca mais algumas músicas.
— Já arrumou as malas?
— Ainda não, mamãe pediu que eu a esperasse para me ajudar.
Por falar em ajudar, consegue me levar lá pra cima? Ou quer que eu
chame o Alejandro?
— Está querendo dizer que sou velho e não consigo te carregar,
mocinha?
— Mais ou menos isso. Da última vez percebi que ficou andando
meio encurvado por alguns dias — Implico.
— Vou fingir que não ouvi isso, ou terei que dar um castigo para
essa língua ferina.

Meu telefone toca feito um louco em cima do criado. Vejo o


nome da Nicole, minha ex-cunhada e cogito não atender. Mas não posso
fazer isso com ela que sempre foi um doce comigo. Deixo minhas
diferenças de lado e atendo a chamada.
— Nick.
— Bia, tudo bem? — A voz dela soa triste.
— Eu estou bem e você?
— Não muito, estou aqui em frente ao portão da sua casa, posso
entrar? Preciso tanto conversar com alguém.
— Claro, que pergunta, entre. Estou no meu quarto.
Não demora muito para ela entrar pela porta. Nicole é a irmã
mais nova do Guilherme e tem um irmão gêmeo. É muito bonita, ao
contrário do Guilherme que puxou os cabelos loiros e olhos azuis do pai,
ela puxou só os olhos e tem cabelos castanhos acobreados. Seu rosto me
diz que alguma coisa terrível aconteceu. Ela olha minhas malas no canto
do quarto. Já está tudo organizado para nossa viagem à ilha amanhã.
— Você vai embora?
— Só irei passar alguns dias com meus pais na ilha. E você, não
vai vir aqui me dar um beijo? Vou ter que levantar usando essas muletas
terríveis?
— Ai, Bia, desculpa. — Ela vem correndo e me abraça, logo
começa a chorar.
— Nick, o que foi?
— Eu... não deveria estar perturbando você com meus
problemas, não quando você já tem tantos, não é? — Se afasta e senta-se
no sofá ao meu lado.
— Claro que deveria. Somos amigas ou não somos? — Seguro
em sua mão. — Pode me dizer o que quiser.
— Eu estava andando meio sem rumo. Então parei de frente a
sua casa e... Bem você sabe. Acabei de ver o meu noivo na cama com
outra mulher.
Arregalo os olhos surpresa.
— Bem, eu sei que depois do que aconteceu comigo e seu irmão
não deveria me surpreender com nada assim, mas... Como assim? Me
conta direito.
— Eu estava desconfiada de que o Frederico estivesse me
traindo. Então coloquei um detetive na cola dele. O mesmo que o
Gabriel contratou para investigar a Natália e descobriu sobre a Anelise.
Então, ele me disse que meu noivo estava tendo um caso com a
secretária. Eu liguei para ele, Frederico disse que estava em uma
reunião, eu fui até a casa dele, usei as chaves que tenho e nunca tinha
usado antes. Então eu vi os dois na cama. Saí de lá antes que os dois me
vissem. — Ela começa a chorar novamente.
— Nick, eu sinto muito. O que pretende fazer? Por que não
entrou no quarto e desmascarou os dois? Pretende deixar pra lá? É isso?
Não consigo entender como uma pessoa consegue ver uma cena
dessas que a Nicole viu e sair sem fazer nada. Eu provavelmente teria
aprontado em escândalo. Jamais poderia sequer imaginar o homem que
eu amo com outra e deixar para lá. Fingir que nada aconteceu. Será que
ela faria isso?
— Não, Bia, não quero deixar pra lá. Não acabei com a farsa
porque na hora eu quis sair de lá. Fiquei com tanto nojo, raiva e...
vergonha. Mas ele vai me pagar, ah se vai.
— Vergonha de quê? Você não fez nada para se envergonhar.
— Eu... fiquei com vergonha de mim, de estar fazendo o papel
de otária, sabe? De parecer fraca, a noiva traída que está fazendo
escândalo por não ter sido o suficiente para o noivo e ele buscou o que
precisava em outra. Eu pensei tanta coisa, pensei que a culpa fosse
minha, que eu... Deixa para lá.
— Não pense assim, você é maravilhosa, ele que é um safado,
Nicole, por favor, não pense que a culpa é sua.
— Está certo, acho que a culpa que sinto é de não ter percebido
antes. Não sei, agora está muito confuso. Não consigo pensar com
clareza.
— Você vai falar com ele? Vai dizer que viu os dois?
— Não, eu vou fazê-lo pagar caro por isso. Eu sei que o que ele
mais quer na vida é seguir os passos do meu pai, sei que ele pensa que se
casando comigo vai ajudá-lo a ser um político. É o sonho dele. Eu vou
levar nosso casamento até o fim, vou entrar na igreja e dizer não, vou
desmascará-lo na frente de todos e...
— Nicole, você não pensa nem um pouco no escândalo que isso
pode ser para o seu pai? Ele é o governador... Eu não concordo que faça
isso. Termine seu noivado e pronto. Acabou. Vai encontrar uma pessoa
que mereça você.
— Eu queria pensar assim, mas por natureza eu sou vingativa...
Não quero saber quem irei magoar no processo. Eu farei com que ele
pague.
— Nick, pensa direito.
— Não, Bia, ele é um safado, um mentiroso... Deus como isso é
difícil.
Seguro em sua mão.
— Eu sinto muito, Nicole, mas acho que deveria terminar com
ele, não levar isso a diante. Além de seu pai, tem você também, vai ficar
meses em um relacionamento aguentando que ele toque em você... Eu
não conseguiria.
Por isso penso que talvez nunca consiga perdoar o Guilherme,
porque cada vez que estivesse na cama com ele estaria pensando se ele
ainda pensa na Alícia, se ele, em algum momento, me comparou com
ela. Esses pensamentos acabam comigo. Sufocam o amor que sinto
tornando tudo doloroso demais.
— Você tem razão. Vou pensar melhor sobre tudo — afirma,
mas não sinto firmeza em sua voz. Ela não vai deixar isso barato. Não a
Nicole que conheço.
— Venha comigo para a Ilha, fique alguns dias lá e pense
melhor, o que acha?
— Acho uma excelente ideia. Eu adoro aquele lugar. Uma pena
que tenha muito trabalho. Mas vou dar um jeito de ficar alguns dias com
você lá depois, cunhada... — ela termina de dizer a última palavra e faz
uma careta. — Desculpe-me, Bia, é força do hábito eu...
— Não tem problema, Nick.
— A verdade é que você pode ter terminado com meu irmão e
pode ser que nunca reatem, no entanto, para mim, você será sempre
minha cunhada. A cunhada que eu gostaria de ter como irmã.
— Vem aqui, me dê um abraço.
— Obrigada, cunhada, obrigada por me ouvir.
— Não tem o que agradecer, somos amigas. Estarei aqui sempre
que precisar.
Conversamos mais algum tempo. Minha mãe insistiu para ela
ficar para jantar, mas ela preferiu ir embora. Eu e minha mãe
terminamos de organizar as malas, pois sairemos logo cedo para o
aeroporto. Antes de me deitar para dormir, abro a gaveta e pego o porta-
retratos que estava guardado. Olho a imagem minha e do Guilherme.
Passo o dedo por seu sorriso, seus olhos azuis parecem duas luminárias
de tão reluzentes. Meus olhos se enchem de lágrimas e a tão conhecida
dor aperta minha garganta. Eu deveria parar de olhar nossas fotos juntos.
Sei que deveria me livrar de todas elas, mas do que adiantaria se o
sorriso dele está gravado em minha mente? Se tenho seu nome gravado
no coração e na minha pele? Basta fechar os olhos e posso ver
nitidamente cada detalhe dele. Ainda sinto o gosto dos lábios dele nos
meus. Posso inspirar o seu perfume, cada nota gravada em minha
memória. E o calor do seu abraço, como queria sentir novamente seus
braços apertando-me sobre seu corpo. Estou aos prantos quando meu pai
entra no quarto. Ele não diz nada, pega o porta-retrato, coloca sobre o
criado e me abraça deixando que eu chore até adormecer.
Capítulo 15
Guilherme
Fiquei sabendo através da Tia Gabriela que eles estavam indo
para a Ilha. Sei que não deveria pressionar a Bianca, que deveria dar
tempo para ela. Entretanto não consegui me controlar. Acabei indo a
casa dela que fica na mesma rua da casa dos meus pais para tentar
conversar. Fui recebido por meu ex-sogro, uma pessoa que considero
demais, pois além de ser meu padrinho, ele é como um segundo pai para
mim.
— É sempre bom ver você, Gui, sabe que somos muito mais do
que seus padrinhos, te consideramos como um filho, que sempre será
bem-vindo em nossa casa, só que se veio para falar com a Bia é melhor
não fazer isso.
Estou cansado de todo mundo dizer o que é melhor para nós. É
por isso que chegamos a essa situação. Quando a Alícia achou que seria
melhor não contar para a Bianca sobre o que tivemos, deveria ter
escutado meu coração e contado a verdade? Mesmo que fosse perder o
amor da Bia? Fico sempre me fazendo essa pergunta.
— Eu preciso falar com ela. Já não estou mais aguentando essa
situação toda. Eu não consigo mais ficar um dia sequer sem ela. O
senhor acha que devo desistir dela? É isso?
— Não, eu não acho, só penso que deveria deixar que ela
esqueça um pouco. Minha filha está muito magoada ainda. Para ela é
muito difícil. Eu tenho você como um filho, talvez por isso não consigo
enxergar que o que fez tenha sido tão grave como a Bianca vê. Mas é
ela, ela que decide se quer te ver ou não. E no momento, eu sei que seria
um tiro no pé. Mas é você quem decide.
— Exatamente, diga a ela que estou aqui, que preciso falar com
ela antes de vocês irem embora. Eu ainda não consegui dizer tudo que
preciso. Por favor.
— Tudo bem, eu irei chamá-la. — Ele vai para o rumo das
escadas, para e me olha. — Sente-se, pelo amor de Deus, está me
deixando agoniado.
Eu ri e tentei me acalmar um pouco, pois estava andando de um
lado para o outro na sala de visitas, que como toda a casa, é enorme.
Sentei-me no sofá, mas assim que ele desapareceu no andar superior, eu
me levantei e comecei a andar de um lado para o outro novamente.
Estou muito nervoso, agitado, não consigo ficar parado. Passa um longo
tempo e nada do Tio Ian voltar.
— Que se foda, não consigo ficar aqui esperando.
Subo as escadas e paro na porta do quarto da Bianca. Várias
lembranças enchem minha mente. Posso ouvir o soluço dela, até consigo
ver sua imagem em minha cabeça. Ouço seu choro doloroso e saber que
fui eu quem causou essa dor me quebra por completo. Encosto a cabeça
na porta e sinto meus olhos arderem. Coloco a mão na maçanete para
abrir e entrar, mas uma mão pousa sobre a minha.
— Não faz isso, Gui. — Abro os olhos e vejo minha madrinha
olhando-me com os olhos cheios de lágrimas. — Vem comigo, vamos
conversar. — Sem conseguir verbalizar uma palavra sequer, sacudo a
cabeça em negação. — Eu ia entrar para falar com ela, mas os dois estão
conversando, se eu entrasse iria atrapalhar o momento deles. Então, por
favor, não faz isso, ela não está preparada ainda, se entrar aí pode piorar
a sua situação. Vem comigo, Guilherme, isso não é um pedido, é uma
ordem.
Engulo em seco e seguro na mão dela. Caminhamos até a sala de
música, ela fecha a porta, senta-se no sofá e eu me sento ao seu lado. Ela
me puxa para seus braços e eu choro como nunca fiz antes. Pareço um
bebê desamparado. A dor dela me machuca.
— Eu perdi, perdi a mulher da minha vida. Alguma coisa dentro
de mim diz que ela nunca vai me perdoar. Eu não aguento mais isso.
— Ei, olha pra mim. — Ergo a cabeça que estava em seu ombro,
ela faz uma carícia em meu rosto. — Tenha paciência. Você, melhor do
que ninguém, sabe o quanto a minha filha é obstinada. Quantos anos da
vida dela ela insistiu com você, mesmo que você dissesse que nunca iria
acontecer? Ela é muito teimosa, quando coloca uma coisa na cabeça
nem o coração a faz desistir.
— Eu sei, mas já faz tanto tempo, parece uma eternidade, e ficar
parado esperando... Eu não aguento mais.
— E você vir até aqui acha que vai resolver? Tentar fazer com
ela aceite e te perdoe a força não vai adiantar nada, só vai deixá-la com
ainda mais raiva. Vamos ser honestos, você fez por merecer, não quando
se envolveu com a Alícia, mas quando escondeu esse fato da Bia. —
Fecho os olhos e suspiro fundo. — Eu estou orando para que ela te
perdoe, não que eu ache que você não errou, porque sim, Gui, você
errou muito, mas acho que ela deveria te perdoar sim, você já provou
que a ama, ela te ama e você é o genro que eu pedi a Deus, literalmente.
— Ela diz sorrindo e eu sou contagiado por sua calma, carinho e fé. —
Seja paciente, nós estamos tentando ajudar vocês. Mas aparecendo aqui
do nada vai piorar tudo. Ela não consegue ouvir o seu nome, imagina ver
você aqui.
— Então eu devo ficar quieto esperando que uma luz ilumine a
mente dela e ela vá atrás de mim? — Chego a ser irônico na minha
colocação.
— Exatamente.
— Eu vou tentar.
— A Nicole esteve aqui, passou a tarde com a Bia, foi embora
agora a pouco. Eu não sei o que conversaram, mas gostei que a Nick
tenha vindo ficar com ela um pouco.
— Minha irmã? Ela não me disse nada. — Seguro a mão dela na
minha e levo aos lábios depositando um beijo. — Obrigado por não me
deixar fazer besteira, Dinda — chamo-a pelo apelido carinhoso que só
uso quando estamos sozinhos, quando era garoto tinha vergonha de
chamá-la assim na frente de outras pessoas, então acabei crescendo e
criamos esse hábito. Ela ri e me abraça apertado. — Agora preciso ir
antes que o espírito de revolta e idiotice volte e se aposse de mim
novamente.
— Vai com Deus, meu amor.
— Eu posso te ligar mais tarde para saber como ela está?
— Claro que sim. — Levanto-me e vou até a sala de braços
dados com ela.
Entro no carro e vou para a casa dos meus pais, poderia ir
andando se não tivesse vindo direto do hospital de carro. Vou para o
quarto da Nicole e bato na porta.
— Entra. — Abro a porta e ela está deitada na cama com um
livro na mão. — A que devo a honra de ter meu ilustre irmão à minha
procura?
— Deixa de besteira, quem vê assim pensa que não dou a
mínima para você.
— Para mim só não, para a família. Mas deixa-me adivinhar,
descobriu de alguma forma que falei com a Bia hoje e veio buscar
informações.
— Ok, acho que você não está em um bom dia, outra hora
conversamos.
Vou para sair do quarto sem querer dar o braço a torcer para
minha irmã mais nova que tem total e completa razão.
— Ei, Gui, desculpa. Vem aqui. — Bate no colchão para que
sente ao seu lado. — Mas primeiro tira os sapatos, sabe que para entrar
no meu quarto precisa tirar.
Desde muito nova, Nicole aprendeu com a cultura oriental que
deveria tirar os sapatos quando entrasse em casa, como nunca conseguiu
controlar isso na casa, ela então impôs essa regra no quarto dela.
— E o que eu faço com o chulé? — brinco.
— Eu sei que você não tem, seu bobo.
Faço o que ela pediu, coloco meu tênis do lado da porta e deito
em sua cama.
— Então você esteve com a Bianca hoje? Como ela está?
— Está bem... — Ela faz uma careta. — Mentira, ela está
péssima. Mas a boa notícia é que um dia ela vai te perdoar, não sei
quando, mas certamente irá.
— Que animador. — Ela ri meio forçada. — Está tudo bem com
você? Parece triste. — Os olhos dela se enchem de lágrimas.
— Não é nada, só alguns pequenos problemas com o Fred, mas
vai passar.
— Se aquele idiota tiver feito alguma coisa me diz que vou lá e
dou uma lição nele.
Fiquei horas conversando com a minha irmã até que deu a hora
do jantar e descemos para nos juntar ao resto da família que sempre se
reuni em volta da mesa, mesmo que meu pai esteja viajando a trabalho
por conta da política, minha mãe faz questão de manter a tradição. Isso
se perdeu um pouco depois que fui morar sozinho, apesar de que passo
mais tempo aqui do que no meu apartamento. Durmo no meu antigo
quarto e passo o resto da noite pensando no que Nicole disse, talvez
Bianca me perdoe um dia, mas provavelmente isso irá demorar muito.
Na verdade, a traidora da minha irmã está torcendo por isso, quer me ver
sofrendo o diabo, comendo o pão que ele amassou. Não sabendo ela que
já estou no inferno há dias.
Capítulo 16
Bianca
Quando chegamos à Flórida, uma imensa caixa me aguardava
sobre a cama. Encostada na cabeceira, eu fixo o olhar na caixa branca
com laço dourado e o emblema da grife famosa que conheço bem. Eu
sabia do que se tratava, havia feito a última prova do vestido de noiva
dias antes de ter a maior decepção da minha vida. Os dias passaram e
acabei esquecendo que mandei entregar aqui. Continuo encarando a
caixa branca, enorme, e aquele laço dourado me chamando para puxar
sua ponta.
— Bia, seu pai quer saber se... — Minha mãe se cala quando
seus olhos encontram a caixa. Ela os ergue para mim, receosa de como
estou.
Espantosamente estou sem demonstrar sentimento algum, mas
por dentro um furacão se forma querendo a qualquer momento entrar em
erupção.
— Ainda não sei o que fazer com ele — digo pressupondo que
ela saiba do que se trata.
— Você já abriu? — Se aproxima, pega a ponta do laço. —
Posso? — Afirmo que sim com um gesto da cabeça.
Vejo como se fosse em câmera lenta, mamãe puxar a ponta do
cetim e desfazer a armação, em seguida segurar as extremidades e abrir
a caixa branca. O vestido está coberto por papel de seda que faz um
barulho quebrando o silêncio dentro do quarto quando ela retira o
vestido.
— Minha nossa! Como é lindo! — exclama erguendo o monte de
tecido branco diante dos meus olhos que se enchem de lágrimas.
— É sim... — concordo com um nó na garganta embargando
minha voz.
Perfeito! Exatamente como eu havia sonhado. Eu mesma
desenhei o vestido e aceitei as adaptações feitas pela Vera Wong, a
estilista. Minha mãe coloca o vestido de volta à caixa de forma
apressada.
— Vou levá-lo daqui...
— Não, mamãe, pode deixar. Vou decidir o que fazer com ele.
— Está bem, vou colocar a caixa no closet. — Ela desaparece
dentro do closet. Entretanto a imagem dele fica rondando minha cabeça
o resto dos dias que se seguem.
Fiquei duas semanas em Miami antes de seguirmos para a ilha
nas Bahamas. Meu pai teve um imprevisto em uma das empresas dele e
demorou dias até que resolvesse tudo. Neste período, eu e minha mãe
aproveitamos para fazer algo que não fazíamos há muito tempo juntas,
fomos às compras. Não que eu estivesse realmente precisando de algo,
sempre tive tudo, o que estou mesmo necessitando nenhum dinheiro no
mundo seria capaz de me dar.
A princípio, relutei em vir para cá, pois este é um cenário de
muitas lembranças, no entanto, depois refleti sobre o fato de que não
preciso estar em um lugar onde ocorram momentos bons para me sentir
nostálgica, saudosa e muito infeliz. As lembranças estão comigo onde
quer que eu esteja. Seja em um lugar onde existiram os tais momentos
bons, ou em algum lugar imparcial, um lugar que poderia ser
considerado livre de lembranças, isso se eu não estivesse sempre
revivendo momentos, chorando de saudades e remoendo ainda mais as
mágoas que aprendi a cultivar, a alimentar e ver crescer dia após dia.
Posso ver os frutos que esse cultivo dá, até posso saborear, entretanto, o
gosto é terrível. Um veneno amargo que machuca e faz doer.
Vou em direção à cozinha onde minha mãe está junto com a
Maria, a mulher que cuida da casa, eu a tenho como uma avó, pois
trabalha com meus pais, tomando conta da casa, desde antes de eu
nascer. Ela foi madrinha de casamento dos meus pais.
Tenho um pouco de dificuldade de andar com as muletas, mas
me recuso a ficar na cadeira de rodas. Sinto-me tão impotente sentada
nela que prefiro a dificuldade de locomoção com as muletas.
— O pudim de goiaba está perfeito... — Ouço a voz da minha
mãe e abro um sorriso. Ela e a Maria sempre fazem comidas típicas das
Bahamas, minha mãe quando vem para cá, passa um longo tempo na
cozinha. Ela conta que foi aqui que aprendeu a cozinhar, com a Maria
ensinando passo a passo de suas receitas.
— Eu ouvi pudim de goiaba? — falo ao entrar na cozinha.
— Bia, que bom te ver. — Maria corre e me abraça. Chegamos
ontem muito tarde e ela já não estava mais aqui. Hoje acabei dormindo
demais. Coisa que não acontece há tempos.
— Eu quero ver você subir no pé de manga com essa perna
manca assim, branquela. — Ouço a voz da Eloise, filha da Maria, giro
de uma vez quase caindo, teria feito se a mãe dela não tivesse
segurando-me.
— Eloise, não acredito. — Ela vem até mim e damos um abraço
apertado. — Não sabia que estaria aqui.
Quando éramos pequenas costumávamos brincar no meio da
mata na ilha. Ela é cinco anos mais velha do que eu, tinha mania de
cuidar de mim como se eu fosse uma bonequinha, como a maioria das
pessoas sempre fizeram. Exceto o Enzo, esse aprontava para o meu lado,
queria me ver pelas costas. Meu pai fez questão de cuidar dos estudos
dela. Hoje é uma engenheira, casou-se e tem uma filha de um ano.
— Onde está a pequena? — pergunto procurando pela cozinha.
— Está brincado no cercadinho. — Aponta para um canto.
Vou até ela e passo a mão em sua cabecinha de cabelos escuros.
— Queria poder pegar você, mas olha só o estado da tia. —
Eloise pega a filha no colo.
— Senta ali — aponta para uma cadeira. — Eu a coloco no seu
colo, acho que não vai mais tomar café uma hora dessas, não é? O
almoço já está praticamente pronto.
— Vou comer um sonho com goiabada, estava sonhando com ele
há dias. Me diz que fez, Maria, por favor.
— Claro que fiz. Vou pegar para você.
— Dormiu bem, filha? — Mamãe pergunta entregando-me um
copo com leite.
— Por incrível que pareça sim. — Mordo um pedaço do doce e
fecho os olhos de tão bom que é. — Hum, meu Deus, isso é realmente
um sonho.
— Mas não come demais, depois não vai querer almoçar. —
Minha mãe chama a atenção como se eu ainda fosse criança fazendo
todo mundo rir. Meu pai aparece neste momento e toma o pedaço que
estava na minha mão.
— Ei... que coisa feia, Ian — reclamo.
— Não ouviu sua mãe? Se comer demais não vai almoçar
depois.
Ficamos fazendo a maior bagunça na cozinha enquanto Maria e
mamãe terminavam o almoço. Depois que almoçamos, a Lua, filha da
Eloise, adormeceu no colo da avó, e meu pai e minha mãe foram deitar
na rede na varanda.
— Vamos dar uma volta lá fora? — Eloise chama. — Mami,
você pode ficar com a Lua?
— Claro, filha, ela vai dormir um bom tempo agora. É uma
dorminhoca.
— Só não consigo ir muito longe com essas muletas — digo
indo para o lado de fora da cozinha.
— E para que existe isso aqui? — Eloise aponta para a cadeira.
— Eu odeio andar nisso.
— Então ótimo, você vai de muletas e eu vou nela. — Senta-se
na cadeira, aperta o botão e ela começa a girar. — Olha que maravilha!
— Engraçadinha, levante-se logo daí.
Ela faz e eu me sento já imaginando que não poderíamos ir
muito longe. Mas me calo quando vejo uma pequena estrada construída
onde era uma trilha de terra. Aqui na ilha quase tudo é muito rústico,
meus pais fazem questão de manter o lugar como natureza intocada.
— Meu Deus, o quê?
— Seu pai mandou fazer essa estrada caso você queira ir à
caverna. Tem uma outra que dá para a praia também, olha. — Aponta na
direção oposta de onde estamos.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Minha família não existe.
— Obrigada, papai — grito para que ele escute da varanda.
— Por nada, filha.
— Ei, parem de gritar, vão acordar a Lua e ela fica bem chata
quando acorda assim.
— Desculpe. Vamos.
Saímos pelo meio da mata conversando amenidades.
Arrancamos goiabas e seguimos para a caverna. Sempre me encanto
com a beleza deste lugar. É tudo tão lindo. Paramos em frente ao lago
onde certamente eu estaria pulando nele se pudesse.
— Quer entrar? Eu ajudo você.
— Quero.
Ela pega meu braço e me ajuda a levantar, passo o braço por seu
ombro e seguimos devagar para a entrada da gruta que fica atrás da
cachoeira. Nós nos molhamos toda para entrar.
Sento-me na pedra e fico olhando para a água cristalina que neste
momento, com o sol a pico no centro da caverna, deixa tudo mais claro
fazendo um enorme feixe de luz na água, mostrando a profundidade do
lago. Tenho tantas lembranças aqui. Mas o que me vem à mente agora é:
será que o Guilherme e Alícia já transaram aqui alguma vez? Será que
os dois já tiveram momentos tão intensos quanto os nossos?
— Bia, está tudo bem? — Eloise segura em meu braço, só então
percebo que estou de olhos fechados enquanto lágrimas escorrem sobre
minha face. — Está sentindo alguma dor?
— Só no coração. Dói muito, uma dor imensurável.
— Eu sinto tanto, não deveria ter trazido você aqui.
— Não foi culpa sua, relaxe. Eu... ainda é muito difícil para
mim.
— Eu sei que sim. Mas, Bia, você não pensa em perdoar o
Guilherme? Quero dizer, você está sofrendo tanto... — Ergo meus olhos
em sua direção e ela se cala.
— Eu... eu não consigo. Não que tenha tentado, mas eu sempre
ficarei com essas coisas na cabeça, sabe? Aonde eu vou, fico pensando,
será que eles já fizeram amor aqui? Será que os dois passaram
momentos aqui e se lembram disso? Será que em algum momento eles
sentem saudades do que viveram?
— Nossa, deve ser difícil.
— É muito, eu não sei se um dia conseguirei perdoar os dois. O
que você faria no meu lugar?
— Somos pessoas diferentes, então... Isso é você que tem que
decidir.
— Você é a primeira pessoa que não me diz o que devo fazer,
todos que conheço pensam que deveria esquecer e perdoar, até eu já
cheguei a pensar assim, mas não consigo de fato fazer.
— Dê tempo ao tempo e vai ver que tudo se resolverá. — Ela
coloca a mão sobre a minha e aperta. — Quer saber o que eu acho? Que
deveria perdoar sim. Mas já que você quer seguir por outro caminho, o
melhor é se afastar e fazer o que seu coração manda. Vai conhecer
pessoas novas, namorar, curtir a vida. Você nunca fez isso de fato,
sempre esteve correndo atrás do Gui...
— Está bem, seguir com a minha vida, ok. Mas o que eu faço
com o sentimento que queima aqui? — Coloco a mão no meu peito. —
É muito ruim, isso. Quero perdoar, mas meu coração não deixa. Na
minha vida, quem rege é o meu coração.
— Então em algum momento ele vai te dar a resposta.
Capítulo 17
Bianca
Dois meses depois
Pego a enorme caixa e coloco sobre a cama, suspiro fundo
quando vejo as flores aplicadas sobre a saia esvoaçante do vestido.
Fecho meus olhos e me lembro exatamente do dia que desenhei o
primeiro esboço do meu vestido.
Deitada sobre a sombra de uma árvore no jardim da nossa casa,
eu cantarolava minha canção de amor favorita do filme da Barbie em A
princesa da ilha. Eu achava tão bonita a história que eu não cansava de
assistir. Alícia que me mostrou o mundo dos filmes da Barbie e como
tudo que ela gosta é bem legal, eu passei a gostar dos filmes da Barbie
também, assim teríamos assunto para conversar. Alícia é minha amiga,
mas é um pouco séria demais, calada. Geralmente eu falo por nós duas.
Um dia ela me disse que eu parecia uma Barbie, só faltavam os olhos
azuis. Até que eu me achava um pouco parecida com a boneca por ter as
pernas muito longas e magras.
Meu pai tem uma ilha, então eu vivia imaginado que meu
príncipe chegaria de barco e nos casaríamos lá, mas ele não era moreno
como no filme. Meu príncipe é loiro dos olhos azuis e parece um anjo.
Meu anjo.
— Ei, oi, pequena. O que faz aqui sozinha? — Abri um sorriso
ao ouvir sua voz. A voz de um anjo, tão doce e que sempre traz alegria
para meu coração. — Trouxe isso para você.
Ele me entregou um cupcake de chocolate e eu segurei sorrindo
feito uma boba. Ele sempre traz coisas gostosas para mim. Mordi um
pedaço antes de responder sua pergunta ainda de boca cheia.
— Estou desenhando meu vestido de casamento. — Escondi o
caderno atrás das costas.
— Você é muito pequena para pensar em casamento — ele diz
sacudindo a cabeça em negação. — Deixe-me ver?
— Não, o noivo não pode ver o vestido antes do casamento. —
Virei o caderno de forma que ele não pudesse ver o desenho do vestido
mais lindo do mundo. Sorrindo do que eu disse, Guilherme pegou meu
cupcake e deu uma mordida.
— Pequena, falta tanto tempo para se preocupar com isso. E eu
não vou me casar com contigo. Você é um bebê.
— Mas quando eu crescer, vou ficar linda como a Barbie e eu
vou me casar com você. Vai ser com esse vestido que estou desenhando
e será lá na ilha do papai. Então eu vou beijar na sua boca igual o papai
beija a mamãe.
— Você já é linda como uma boneca. Quando crescer vai ser
ainda mais. Mas não é comigo que vai se casar.
— Deixa essa pirralha quieta, Gui, vamos jogar bola. — Meu
irmão chato chegou quicando uma bola de futebol no chão, vai para sair
e volta com cara feia apontando o dedo para mim. — E você, vou contar
para a mamãe essas conversas de beijar na boca do meu amigo.
— Deixa ela, Enzo, ela é pequena.
— Ela é uma pirralha chata, isso sim.
Volto das minhas lembranças de quando comecei a idealizar o
vestido tão parecido com o que está na minha frente agora. Passo a mão
no tecido fino da saia esvoaçante. Seguro uma das 500 flores aplicadas
nele.
Tão lindo.
Tão perfeito.
Tão meu.
Fiquei meses tentando achar o vestido ideal, entretanto nada me
agradava. Encontrei o desenho que tinha feito há um tempo, foi nesse
dia que percebi que não gostava de nenhum dos vestidos que me
mostravam porque meu subconsciente estava querendo este aqui. Então
mandei para a estilista que ia fazer meu vestido e o resultado está aqui
na minha frente, e, perfeito. Eu não tinha esquecido de que o casamento
estaria perto, isso é impossível. Entretanto, esqueci de que o vestido de
noiva dos meus sonhos seria entregue e deveria ter cancelado como fiz
com todas as outras coisas relacionadas ao casamento. Então eu apenas
peguei e levei comigo para decidir o que fazer com essa peça que custou
uma fortuna e meses de procura. Agora, olhando para ele pendurado no
cabide, penso que não foi uma boa ideia trazê-lo comigo. Olhar para ele
me faz lembrar o sonho que tive em me casar com o Guilherme, a minha
vida toda foi tudo que desejei. Faz-me perceber o quanto fui tonta em
alimentar esse sonho, em correr atrás dele.
Pego a tesoura, abro sobre barra do vestido. Minha mão treme,
faço força para tentar fechar e cortar o tecido, mas meus dedos não
obedecem e acabo deixando a tesoura cair aos meus pés.
O que estou fazendo?
Pensei que fosse fácil destruir o tão sonhado vestido de noiva
que levei tanto tempo idealizando. Assim como o amor que construí,
cultivei a minha vida toda, e que me foi destruído por segredos e
mentiras, do mesmo modo que os meus sonhos. Pensei que a raiva
dentro de mim fosse combustível suficiente para me fazer acabar com
ele. Mas sou mesmo uma fraca. Uma masoquista que guarda o vestido
dos sonhos para lembrar que não terei mais o meu noivo, meu príncipe,
o meu anjo loiro. Guardo para me atormentar, para lembrar que meu
sonho de criança se tornou um pesadelo de adulto em um mundo onde as
pessoas não se revelam como realmente são e nem o que
verdadeiramente sentem.
Eu o amava tanto. Ele dizia que também me amava.
Eu sempre soube que amava o Gui acima de tudo, acima da
razão, e eu acreditei que ele me amava da mesma forma. Eu via em seu
olhar. A profundidade do meu amor às vezes me assustava, Guilherme
era tudo para mim. Não me lembro de um dia da minha vida que não
tivesse sonhado com ele. Era como um mar de águas profundas, calmo
na superfície, mas tão profundo, tão imenso, intenso, furioso, poderoso,
e eu sempre estarei mergulhada nesse oceano. A verdade é que eu havia
nascido para mergulhar nele e nunca mais voltar à superfície. Por mais
que eu lutasse para vir à tona para respirar, eu estaria bem lá no fundo.
Não estava preparada para a decepção de saber que enquanto eu
mergulhava em águas profundas, ele nadava em águas rasas. Essa
constatação me quebrou e me fez entender que deveria me amar acima
de tudo e nunca mais perder a razão.
Hoje entendo que tudo não passou de ilusão, obsessão que um
dia foi doce, mas hoje tem um gosto amargo de decepção, tristeza e dor.
Respiro fundo, abaixo-me e pego a tesoura mais uma vez
enquanto encaro as flores do vestido branco dos meus sonhos.
Eu preciso acabar com isso, com essa obsessão.
— Bianca? O que está fazendo? — Minha mãe grita assustando-
me.
— Quero cortar cada pedaço dele, depois vou fazer uma enorme
fogueira — respondo com raiva. — Quero ver queimar cada fibra dessa
porcaria de tecido ridículo.
— Não vou deixar que faça isso, você está há meses andando
com esse vestido pra cima e para baixo. Se quisesse realmente se livrar
dele já teria feito. — Ela pega a tesoura da minha mão. — Me dê isso.
— Mamãe, o vestido é meu, eu decido o que fazer com ele.
— Você acha que destruindo-o vai se sentir melhor? Vai deixar
de amar o Guilherme? Não vai não. Eu já estou cheia dessa história.
Cheia... — Ela pega o vestido e sai do quarto.

— Bom dia! — Beijo o rosto do meu pai que está falando ao


celular sentado no sofá. Sigo para a cozinha.
Passei o dia todo ajudando minha mãe em um chá beneficente
que ela está organizando. Ela não gosta muito de fazer essas coisas, mas
segundo ela, é necessário e iria me fazer bem. Não é que ela tinha razão?
Tanto trabalho realmente deixa a mente ocupada.
— Chegou isso para você. — A governanta me entrega uma
enorme caixa.
— Obrigada.
Curiosa, vou para abrir e vejo uma carta sobre o papel de seda.
De um lado escrito “Para Bianca, minha melhor amiga”. Do outro
“Alícia”.
— O jantar já está na mesa, assim que seu pai...
— Já estou aqui. — Ele a abraça pela cintura.
— Pensei que teria que chamar sua atenção novamente. — Como
sempre, ela implica com o meu pai ao telefone por conta do trabalho.
— Estou morrendo de fome. Vou guardar isso lá em cima e já
desço.
— O que é?
— Eu ainda não sei, quando descobrir eu te conto.
Subo as escadas de forma lenta, apesar de minha perna já está
completamente curada, adquiri esse hábito. Coloco a caixa sabre a cama
e desço para encontrar meus pais.
Depois do jantar — que mal toquei, devo admitir —, subo para o
meu quarto. Fico olhando para a caixa sem coragem para abrir. Leio o
nome da Alícia várias vezes antes de deixar sobre o criado e ir até a
sacada em busca de um pouco de ar. O que será que ela quer? Uma
carta? E aquele vestido, do que se trata? Suspiro fundo. Ouço risadas
vindas do jardim, então vejo meus pais dançando sob as estrelas. Ela
gira em seus braços, depois se aproxima, ele joga seu corpo para trás e
ela ri novamente. Quando se levanta, ele a beija sem parar de dançar.
Estou com um sorriso nos lábios e os olhos marejados quando a mão
dele desce por suas costas e aperta a bunda dela. Eu me afasto sem
querer invadir a privacidade dos dois, mas ainda deu tempo de ver
minha mãe pegar a mão do meu pai e sair correndo em direção à praia.
Será que os dois algum dia já estiveram em uma crise no
casamento? Já duvidou do sentimento um do outro? Pelo que vejo
durante toda a minha vida imagino que não. Eles sempre parecem tão
apaixonados. Tão felizes.
Com os braços em volta do meu corpo, sento-me na beirada da
cama e fico olhando o envelope, então resolvo que preciso ler.
Capítulo 18
Engulo em seco, apertando a carta em minhas mãos. Já li tantas
vezes que até decorei cada palavra escrita. Ela usou um papel de cartas
que dei de presente a ela quando ainda éramos crianças e tínhamos o
hábito de colecionar papéis de cartas. A maioria comprávamos em
nossas viagens, esse eu me lembro de que comprei em Paris e tinha
flores de cerejeira desenhado. Abro mais uma vez retornando à leitura.

Minha querida amiga,


Sei que não tenho e nem nunca tive o direito de chamá-la de
amiga. Mas existe um sentimento muito forte dentro de mim que se
recusa a entender que foi quebrado o elo que nos unia. O amor é um
sentimento teimoso e ele queima forte dentro de mim dizendo que não
posso ser feliz se não puder compartilhar toda essa felicidade com uma
parte de mim mesma, que é você.
Você fez e sempre fará parte da minha vida, e um momento
como esse, eu preciso ter você por perto ou estará faltando um pedaço
da minha alegria. Não haverá um brilho completo em meus olhos. Sei
que a minha felicidade independe de você, mas ainda assim preciso ter
você comigo neste momento.
Você não imagina o quanto foi dolorido preparar cada detalhe do
meu casamento sem você, mas ainda assim o fiz, porque me ensinou o
caminho, me mostrou como se faz. Escolhi cada coisa pensando se você
gostaria ou não, e assim pude senti-la mais perto de mim em cada
escolha feita, mesmo que isso seja o que você menos deseja.
Amiga, eu já te pedi perdão tantas vezes que estou repetitiva,
mas eu preciso do seu perdão, preciso da sua amizade para seguir em
frente, então serei mais audaciosa e vou além. Preciso da minha dama de
honra no dia do meu casamento. Peço que por um momento esqueça
tudo e se lembre da nossa amizade, do quanto, independente de tudo,
fomos irmãs uma para a outra. Ser irmãs é isso, é brigar pelo mesmo
brinquedo, é chorar por cada briga e ainda assim perdoar e estar ao lado.
Eu quero estar ao seu lado e quero que esteja do meu.
Lembra-se de quando combinamos que nada iria destruir nossa
amizade? Que nem o tempo nem a distância poderia acabar com a
irmandade entre nós? Lembra-se da promessa que fizemos uma para a
outra, que independente de quando e com quem nos casássemos, uma
estaria lá para segurar a mão da outra e dizer que ficaria tudo bem?
Então, por favor, me diz que virá, que entrará naquela igreja como
minha dama de honra. Ninguém poderá segurar o buquê se não for você,
pois foi você quem me ensinou o significado dele, ainda posso ouvir sua
voz me dizendo o que cada flor significa. Lembro que o nosso buquê
teria que ter lírio do vale, jacinto, sweet william, mirto, hera e rosa, que
é a rainha das flores e simboliza o amor. Terá rosa branca porque traz
paz e proteção ao lar do casal. A rosa vermelha simboliza a paixão, e
não poderá faltar a rosa cor de rosa, pois essa significa amizade,
simboliza você. E foi você quem me ensinou isso, apesar de ser mais
nova do que eu, sempre aprendi muito com você.
Eu preciso que venha, pois não aguento mais essa distância
entre nós. Sei que sou indigna de ser sua amiga, de ter você ao meu lado
no dia que vai ser o dia mais feliz da minha vida, ainda mais sendo eu a
responsável pelo fim da sua felicidade. Mas ainda assim, sou egoísta o
suficiente para te pedir isso, para pedir que olhe para a bondade do seu
coração, para a pessoa carinhosa, cheia de coisas boas para dar. Perdoe-
me e esteja ao meu lado, somos mais que amigas, somos irmãs.
Estarei lá esperando por você. Venha nem que seja apenas para
segurar o buquê, você não precisa falar comigo, apenas me permita
sentir sua presença e ver que não quebramos uma promessa: a de segurar
na mão da outra nos melhores e piores momentos de nossas vidas. Ainda
sinto muito por ter sido a responsável pelos seus piores momentos, pelas
suas dolorosas perdas. Por tudo que lhe causei, não vou me perdoar
nunca, não vou mais exigir isso de você.
P.S. Eu te amo muito minha amiga, minha irmã.
Suspiro fundo e fecho os olhos pensando que está na hora de
tomar uma decisão.

Deixo a carta em cima da cama, pego o vestido que veio junto. O


tom é de um azul igual à cor dos olhos dela. Na parte que começa desde
a cintura até as mangas seguem bordados no tom mais escuro. Perfeito.
Cheguei ao Brasil ontem. Fiquei três meses em Miami e não
pretendia voltar até receber esta carta. Coloco o vestido e sigo para o
quarto onde minha mãe está se arrumando para o casamento. Bato de
leve na porta.
— Entra, filha, queria mesmo a sua ajuda para... — ela para de
falar quando me vê vestida de dama de honra. — Filha, você está tão
linda!
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela vem até mim,
envolvendo-me em um abraço.
— Obrigada, mãe.
— Fico tão feliz pelo que você está fazendo. Tomou a melhor
decisão. Vai se sentir muito melhor, vai ver.
Minha mãe nos ensinou desde cedo que perdoar significa
desculpar um erro ou uma ofensa. Ela dizia que na Bíblia, a palavra
perdão traduzida do grego quer dizer literalmente "abrir mão, deixar ir
embora". É como se alguém abrisse mão do pagamento de uma dívida
enorme. Perdoamos quando deixamos de guardar ressentimento. Além
disso, abrimos mão de qualquer compensação pelas mágoas ou prejuízos
que tivemos.
— Eu sei, mãe, mas lembre-se que Deus perdoou pecados graves
do rei Davi, mas não o livrou das consequências de suas ações. —
Lembro-a antes que ela comece a me dar uma aula sobre perdão na
Bíblia.
— E por acaso você é Deus? — Ela ri. — Levanta o zíper para
mim. Seu pai desaparece nessas horas.

Meia hora depois, estávamos indo para a ilha da avó da Alícia


onde vai ser o casamento. Meu coração está disparado. Sei que vou
encontrar o Guilherme lá, isso é inevitável. Apesar de amá-lo muito,
decidi que ficar longe seria o melhor, não sei o que acontece comigo,
mas acho que da mesma maneira que lutei por ele a vida toda, ele
também deve mostrar que me ama. E a melhor maneira é sendo
paciente, aguardando meu tempo.
Foi um baque muito grande para mim tudo que aconteceu. Minha
recuperação física foi rápida, mas a emocional ainda sangra. Pode
parecer fraqueza de espírito, infantilidade, porém doeu muito saber o
que aconteceu no passado entre ele e a Alícia.
Me pego imaginando o quanto ela não deve ter sofrido, pois cada
palavra escrita na carta que me fez descobrir tudo isso, mostra uma
pessoa com o coração partido. Uma pessoa triste que vivia uma vida
tentando esconder os verdadeiros sentimentos. O Guilherme foi um
canalha com ela. Um fraco. Ela era apenas uma criança. E apesar de
Guilherme dizer que me ama, no fundo não tenho dúvidas quando a isso,
mas ainda assim não consigo deixar de sentir-me traída. Não consigo
perdoar.
Descemos do helicóptero e eu estou com as pernas bambas. Meu
coração acelera em resposta à adrenalina que invade o meu corpo.
Fique calma, Bianca.
Passo a não enxergar mais nada, apenas ele vindo em minha
direção.
O choque me deixa sem fôlego, como se eu estivesse correndo uma
maratona.
Ele fica magnífico de terno cinza claro. Seus cabelos, brilhantes por
causa da luz do sol da tarde, balançam ao vento como pequenos fios de
ouro. Seus olhos azuis que sempre amei mergulhar no fundo deles me
encaram, ele paralisa como se tivesse se dado conta de que não deveria
vir até mim. Ele engole em seco, ficamos nos encarando por longos
minutos até que ele dá meia volta e desaparece entre as roseiras. Solto o
ar que estava segurando. Olho ao redor e nem sinal dos meus pais, o que
era de se esperar.
Minha garganta ficou apertada, como se uma bola de basquete
obstruísse a passagem do ar. Eu não queria que as coisas tivessem
chegado a isso. No entanto, não dava para fechar os olhos e esquecer
tudo de uma vez. Eu não conseguia fingir que não estava magoada. E
agora essa devastação dentro de mim, esse fogo se espalhando,
queimando meu coração, vinha para lembrar que de qualquer maneira eu
o amava e sempre seria assim. Eu sempre fui obcecada por ele.
A reação dele em não se aproximar deveria ter me deixado
satisfeita, pois foi o que pedi que fizesse, pedi que se mantivesse longe
de mim, que se tivesse a mínima possibilidade de voltarmos, eu o
procuraria, mas que queria tempo. Entretanto, contrariando tudo, sua
atitude não me deixa satisfeita, me deixa machucada, sangrando, com o
coração ardendo em chamas.
Eu sinto falta dele. E não amenizava a cada dia como achei que
seria. É fato que o mundo não acabaria porque ele estava saindo da
minha vida, mas se tornou triste, vazio e muito frio.
Com os olhos começando a pinicar, entrei correndo na casa que
eu conhecia bem, seguindo direto para o banheiro. Olhei no espelho,
respirei fundo tentando aliviar aquela ardência em meu peito, mas sem
sucesso. Fitei meus olhos que já estavam vermelhos pelas lágrimas não
derramadas, respirei mais algumas vezes segurando a vontade de gritar.
Manter-me longe de tudo não foi tarefa fácil.
Depois, mais calma, sem derramar uma lágrima sequer, saio do
banheiro dando de cara com o Murilo. Seu sorriso se alargou ao me ver.
— Bianca, fico muito feliz em te ver aqui.
— Também estou feliz por ter vindo. Onde está a noiva?
— Praticando táticas de tortura comigo. — Ele suspira fundo. —
Não vejo a hora de ela descer estas escadas.
— Vou lá buscar sua noiva — digo sorrindo.
— Por favor. Vou ter um treco logo, logo.
Subo as escadas rindo da ansiedade do noivo. Chego ao quarto
onde sei que a noiva está. Paro na porta quando vejo a noiva mais linda
que já vi na vida, e quando ela olha para mim, sei que fiz a coisa certa
em vir. Alícia está deslumbrante em um vestido branco que mistura o
sexy e o romântico, muito parecido com ela. Sempre soube que ela seria
uma noiva perfeita.
— Me ajuda a colocar a grinalda. — Ouço sua voz pedir para a
Nicole, minha ex-cunhada, irmã do Guilherme.
— Não, acho que tem uma pessoa que vai saber fazer isso
melhor do que qualquer uma de nós. — Então ela olha em minha
direção. Seguro mais uma vez as lágrimas intrusivas que querem por
tudo cair.
— Bianca...
Nicole vem em minha direção com um sorriso enorme e, com
lágrimas nos olhos, me entrega o tecido branco.
— Que bom que veio cunhada. — Ela beija meu rosto e sai
acompanhada pela Susie que só agora percebi a presença.
Fico aguardando que ela fale, mas está nitidamente sem palavras.
Depois de alguns instantes, ela quebra o silêncio:
— Você veio...
— Se não fizeram um clone meu, é sim, estou mesmo aqui. —
Vou em sua direção não resistindo a vontade de abraçá-la e assim faço.
— Não achou que escreveria uma carta daquelas, me compraria um
vestido lindo de dama de honra e não derreteria meu coração, não é?
— Foi um tiro no escuro. — Nos afastamos sem conseguir
segurar o pranto.
— Mas acertou em cheio. Foi um tiro que derrubou as barreiras
que estava tentando construir e me abriu os olhos do coração. Eu estava
cega pela raiva e pelo ciúme e não enxergava que estava magoando a
mim mesma. Senti tanto sua falta. Queria tanto estar ao seu lado nos
momentos que descreveu na carta. Mas vamos deixar isso para trás —
mostro a grinalda para ela —, agora vamos colocar isso.
Vou até ela e coloco o tecido branco trabalhado de rendas e
contas nas pontas em seus cabelos escuros e brilhantes.
— Bia, eu preciso saber se me perdoou...
— Esquece, Alícia, já disse que faz parte do passado. Estou aqui,
não estou? Eu só precisava de tempo para digerir tudo.
— Foi um longo tempo.
— Foi a medida da minha dor. Não dá para esquecer fácil o que
aconteceu, me senti traída. Perdi minha amiga e irmã, o homem que
amei a vida toda e um filho em dia só. Fiquei muito machucada com
tudo, não nego. Apesar de não ter curado todas as feridas, resolvi
esquecer tudo. Como disse na carta, quais irmãs que nunca brigaram por
causa do mesmo brinquedo, não é?
— Eu sinto muito por tudo, Bia, mais uma vez repito que me
arrependo muito do que fiz, e principalmente de não ter te contado antes.
Obrigada por estar aqui.
— Está nervosa?
— Não.
— É claro que não. Por que estaria nervosa não é mesmo?
— Estou muito feliz. — Revira os olhos como sempre costuma
fazer para mim. — Tudo bem. Estou um pouco, sim. Mas estava bem
pior antes de você chegar. Você me trouxe o brilho que faltava.
— Você está linda — digo terminando de ajeitar a grinalda em
sua cabeça. — Vire-se e dê uma olhada.
Ela fica olhando-se admirada.
— Ah, estou mesmo. Estou linda!
— Maravilhosa, isso sim. Linda você sempre foi, Alícia — digo
arrumando os cabelos dela embaixo da grinalda, mas parece que não
está muito bom. — Você está maravilhosa. O vestido é deslumbrante.
Só nunca imaginei que vestiria algo tão romântico. É sexy e romântico.
— É perfeito. — Ela gira em torno de si mesma encantada. —
Vou me casar. Acho que estou sim, muito nervosa.
— Está reluzindo como uma estrela, só acho que deveria soltar
esses cabelos perfeitos. Vai ficar ainda mais bonito.
— Levei horas arrumando esse penteado. — Contesta.
— Para você ver que foi uma perca de tempo. — Ignoro o seu
comentário e arrumo como acho que vai ficar bom. E realmente ficou
muito melhor.
— Pronto, agora sim, está perfeita.
— Está vendo por que você precisava estar aqui?
Dou mais um abraço nela antes de ajudar com o vestido para que
ela saia do quarto. Descemos as escadas e encontramos o Tio Vítor todo
sorridente nos aguardando na ponta da escada. Deixo-os e sigo com a
cerimonial, pois já será minha entrada. Posiciono-me na entrada e sinto
meu vestido ser puxado na altura do quadril. Olho para baixo e encontro
a Anelise, filha do Gabriel, sorrindo para mim.
— Você está parecendo uma princesa. Uma Barbie princesa. —
Ela diz toda empolgada.
— Eu? Eu não, você quem está. — Me abaixo dando um abraço
nela. — Está linda demais.
— Obrigada, eu sou a porta aliança, entro depois da noiva, e
você?
— Sou a dama de honra, entro antes dela e vou segurar o buquê
da noiva.
— Sua vez. — A moça vestida de preto avisa.
— Minha vez, princesa — digo e dou um beijo nela antes de
entrar.
Uma tempestade de nervosismo percorre meu corpo quando piso
no tapete de pétalas de rosas brancas. Sigo tentando não encarar as
pessoas na esperança de não me prender no olhar de um certo homem de
olhos azuis. Continuo andando com os olhos apenas no noivo que sorri
demostrando o quanto está feliz. Coloquei-me no lugar indicado e fiquei
à espera da noiva.
Alícia entra toda glamorosa e nitidamente emocionada. Quando
seu pai a entrega ao noivo, ela me entrega o buquê. As palavras do padre
são tocantes, mas na hora que o Murilo vai dizer seus votos não tem
como não chorar de emoção. Sinto um magnetismo me puxando para
olhar na direção onde o Guilherme está, mas seguro bravamente. Posso
sentir seus olhos queimando minha pele.
— Quando olhei pela primeira vez em seus olhos, eu sabia que
estava perdido para sempre. Meu mundo ficou de cabeça para baixo e eu
só queria mergulhar e deixar-me afogar cada vez mais neste oceano
perfeito que me domina completamente e me leva a querer sempre ir
mais fundo. Amo seus olhos, amo seu sorriso...
As palavras do Murilo seguem e não consigo mais segurar os
meus olhos, sabendo exatamente do que ele estava falando. Também
adorava me perder em um imenso mar azul. Exatamente esse que me
prendeu agora. Guilherme me olha tão intensamente que meu coração
bate forte de maneira a dar a impressão que está batendo em meus
ouvidos, em minha garganta, em cada parte de mim. Fico presa, cativa
neles que transmitem tanto sentimento que me deixa sem ar. Tento
desviar os olhos, mas não consigo. Uma mão segura na minha me
fazendo despertar da hipnose.
— Bia, você está bem? — Natália pergunta.
— Estou sim, obrigada — digo voltando a olhar para os noivos
com um calor queimando cada parte de mim. Repentinamente parece
que o sol voltou a brilhar intenso, apesar de estar se pondo e uma brisa
suave toca minha pele.
Passei a não prestar mais atenção em nada, eu só queria sair da
mira daquele olhar para não mergulhar neles outra vez.
A festa estava animada entre os familiares e amigos dos noivos,
pessoas que eu conhecia bem e outras que nunca tinha visto. Tudo
estava perfeitamente organizado e a noite já estava presenteando os
noivos com uma lua imensa no céu.
— A noite está tão linda que seria um desperdício não admirar a
lua. — Ouço a voz dele ao meu lado e não ouso virar-me para olhar em
seu rosto.
— É verdade. Está uma noite linda — digo a mesma frase e
tenho um dejá vu da noite que foi o nosso primeiro beijo. Suspiro fundo.
— Eu diria que romântica até. — Ele diz a frase que eu disse há
anos atrás. — Perfeita para se apaixonar. — Completa me fazendo
oscilar entre a vontade de me jogar em seus braços e sair correndo.
Preparo-me para a segunda opção.
— Boa sorte... — Antes de terminar, ele diz me fazendo calar.
— Uma pena que eu já esteja perdidamente apaixonado, e tudo
começou diante dessa mesma lua cheia. Acho que talvez tenha um
pouco de magia nela. Não acha?
— Guilherme...
— Tudo bem, sinto muito, é que me lembrei do dia que te beijei
pela primeira vez, eu não esperava que fosse perder meu coração
naquele momento. Foi meio mágico. Ao menos para mim.
Suas palavras me fizeram voltar por alguns instantes no tempo e
me levar a um momento nosso.
— Quando eu era bem pequena já sentia uma admiração até um
pouco exagerada por você, te via como um príncipe encantado dos
contos de fadas que minha mãe lia para mim. Quando cresci mais um
pouco sentia tudo ainda mais intenso, você era um príncipe lindo de
olhos cor de oceano e eu adorava me afogar neles. Sentia que ia casar
com você. Naquela época, o mundo todo era mágico e lindo, você ainda
era meu príncipe encantando incrivelmente lindo. Mas aí, eu fui
crescendo e impelida a acreditar que você nunca me notaria. Que magia
e príncipes encantados só existiam nas histórias dos contos de fadas que
eu acreditava, ou seja, na minha cabeça infantil e sonhadora. Percebi que
nunca seria a princesa que conquistaria seu coração. Então foi o fim das
minhas ilusões. Tardiamente, confesso.
— Eu fiz isso com você pequena?
— Sim, você fez.
— Bia, olha para mim. — Giro minha cabeça lentamente e meus
olhos alcançam os seus. — Mágica existe sim, ou como você me explica
de que maneira aquele beijo nunca saiu da minha mente? Passei um ano
todo me lembrando do sabor de seus lábios todos os dias. Me explica
como de repente estou enfeitiçado por você?
— Gui, não diz essas coisas quando não tem a intenção de...
— Ah, mas eu tenho muitas intenções, e confesso que não são
nada boas. Agora mesmo tenho a intenção de beijar você, muito.
Ficamos em silêncio e eu retorno da minha lembrança tendo a
certeza de que ele também está tendo a mesma lembrança que eu. Posso
ver pelo brilho intenso dos seus olhos.
— Eu vou... vou... com licença. — Vou para sair e ele segura
meu braço.
— Bia, espera... dança comigo?
— É melhor não — digo olhando para meu braço esperando que
ele me solte.
— É só uma dança, que mal tem? — Sua voz tem uma súplica
que não me deixa resistir.
— Ok. — Estendo a mão para ele que entrelaça nossos dedos
fazendo uma conhecida corrente elétrica percorrer meu corpo todo. Ele
sorri e seguimos para pista de dança.
Será só uma dança, apenas isto.
Capítulo 19
Estar novamente nos braços do Guilherme é uma sensação
indescritível. Uma leve tontura me assolou assim que meu corpo chegou
mais perto do dele obrigando-me a segurar firme em seus braços. Sentir
o perfume que tanto amo, o calor do seu corpo envolvendo o meu foi
demais para mim. A música da Ivete Sangalo Quando a chuva passar
toca e movimento minhas pernas mecanicamente, um pra lá, um pra cá.
Tento focar nos passos para não cair, pois minhas pernas ficam a cada
instante mais fracas. Mas o Guilherme é um excelente dançarino, ele
sabe conduzir muito bem uma mulher na dança. Ele deve estar
percebendo que estou nervosa, mas não diz nada. A letra da música não
ajuda muito a manter-me firme, muito menos a voz dele cantando junto
com a vocalista da banda contratada para o evento.
— Relaxa, Bia, não precisa ficar tensa assim, é só uma dança. —
Sua voz rouca em meu ouvido provoca arrepios por todo meu corpo.
— É só não chegar tão perto — digo ríspida, então ele me puxa
ainda mais para os seus braços. — Guilherme. Para de cantar, por favor.
Dou-me conta de que aceitar dançar com ele foi uma péssima
ideia. Eu deveria ter recusado.
— Tudo bem, desculpe — ele se afasta um pouco. — Bia, já faz
mais de cinco meses, estou morrendo sem você, sabia?
Eu já morri há muito tempo, mas a minha maior raiva é saber
que você pode me trazer de volta a vida. Porém, eu não quero.
— É mesmo? Pensei que fosse pelo fato da mulher que você ama
estar se casando com outro. — Uso todo sarcasmo que consigo. — Não
deve ser nada fácil.
— Para com isso, Bia, você é a única mulher que eu amo...
— Pra mim já chega... — Tento soltar-me dos seus braços, mas
ele me segura firme.
— Tudo bem, não vou mais falar nada. Ok? — Não respondo,
fecho os olhos para tentar suportar o trecho da música, o seu cheiro que
tanto amo, o que é pior, a voz dele tão rouca em meu ouvido está me
matando. — Só quero te lembrar...
De quando a gente andava nas estrelas. Nas horas lindas que
passamos juntos
A gente só queria amar e amar e hoje eu tenho certeza
A nossa história não termina agora
Pois essa tempestade um dia vai acabar
Levada pela saudade, pelo amor louco que sempre senti por ele,
ergo minha cabeça e encontro seus olhos azuis olhando-me
intensamente. Acho até que paramos de dançar, o mundo deixou de
existir ao nosso redor e eu só via seus olhos, seus lábios e o calor do seu
corpo transmitindo ondas terrivelmente quentes para o meu. Ele ergue a
mão até meu rosto e eu fecho os olhos tentando encontrar forças para...
para quê mesmo? Eu sei que esse gesto antecede ao beijo. Ele começa
com uma carícia, me prende no oceano azul de seus olhos, em seguida
segura de forma possessiva e me beija, me embriagando com seu gosto.
— Não ouse fazer isso — digo afastando a mão dele do meu
rosto. Em seguida saio deixando-o na pista de dança.
Corro para o banheiro, encosto-me à porta respirando com
dificuldade. Meu Deus, eu nunca vou deixar de amar esse homem? Isso
não pode ser amor, deve ser obsessão. Assim que me sinto um pouco
mais firme, eu saio do banheiro. Sigo pelo lado de fora da casa e me
espanto ao me deparar com a Nicole saindo da sacada de um dos
quartos. Ela olha de um lado para o outro e em seguida bate de leve no
vidro da porta. Ela começa a andar rapidamente e bate de frente comigo.
— Porra, Bia, quer me matar de susto? — A porta se abre e um
homem lindo sai de dentro do quarto.
— Nicole, o que você...
— Ela estava me ajudando com a gravata e... — olho para a
gravata pendurada no pescoço dele, toda desarrumada — Bom, não deu
muito certo, ela não sabe dá nó em gravata. Você por acaso sabe?
— Deixa disso, Marco, ela é minha amiga, e sabe que eu faço
um só como ninguém. Não vou ficar mentido para ela. Bia, esse é o
Marco, irmão do noivo.
Ele faz uma cara engraçada. É obvio que ele não a conhece bem,
pois como ela disse o nó que ela faz é perfeito e tem uma agilidade
impressionante. Sabendo que ele é irmão do Murilo dá para perceber a
semelhança, tirando o fato de o irmão ter olhos negros e os dele são
verdes brilhantes, os dois são parecidos e igualmente lindos.
— Bianca, não é? Prazer em te conhecer. — Ele segura minha
mão e beija. — Agora preciso mesmo ir. — Ele pisca o olho para ela e
sai.
— Meu Deus, você estava se pegando com o irmão do noivo?
— Eu nunca fiz algo tão imprudente na minha vida, mas vou
confessar, foi a melhor loucura que já cometi — diz com um sorriso nos
lábios me deixando chocada.
— E o seu noivo? Nicole, não vai continuar com essa loucura,
termina esse noivado logo.
— Sabe a diferença entre nós duas? Eu não amo o Frederico, por
isso vou levar o casamento até na hora de entrar na igreja e dizer um não
bem grande na cara dele, o fazer passar a maior vergonha do mundo
diante de todo mundo. Já você, ama meu irmão demais, por isso
terminou com ele e guarda toda mágoa do mundo... e apenas dele, pois
até a Alícia você já perdoou... Não acredito que disse isso, eu... Me
desculpa, acho que bebi demais. Desculpa, Bia.
— Está tudo bem. Melhor ir atrás do seu noivo.
— Ele com certeza deve estar puxando o saco deu meu pai. —
Ela segura minha mão. — Você me desculpou?
— Claro, sua tonta. Por acaso você disse alguma mentira? Agora
me conta como acabou se envolvendo com o irmão do Murilo? — Ela
abre um sorriso malicioso.
— Eu o conheci ontem quando cheguei, ele pensou que eu era da
organização do casamente e eu achei isso o máximo. É bom que alguém
se interesse por você sem saber quem é, o que faz, ou o que pode dar de
vantagem para ele. Então eu desci para a praia e ele foi atrás e nos
beijamos e minha nossa, que beijo delicioso que aquele homem tem.
Não conseguimos ficar só no beijo. Quando dei por mim estava
transando com ele encostada no coqueiro. Esse é o tipo de homem que
não tem como você resistir, viu a bunda dele?
— Não — digo sorrindo, achando hilário o fato dela estar meio
bêbada, mas parece bem animada, diferente do dia que esteve lá em
casa.
— Então vamos lá, você vai ver do que estou falando. É uma
bunda memorável.
Voltamos para o local da festa enquanto ela me conta detalhes da
pegada irresistível do Marco.
Avistamos o noivo conversando com o irmão.
— Olha lá... — ela suspira de forma apaixonada. — Olha aquela
bunda.
Dou uma boa olhada para ele e realmente, a calça social desenha
perfeitamente um traseiro de respeito.
— Tem razão, dá vontade de apertar.
— Agora tira o olho, já secou demais, cunhada. Chega. — Ela
me gira para outro lado. — Vontade de aperta uma ova. Só eu que
posso.
— Ei, maninha, vem dançar com seu gêmeo. — Nicolas, irmão
gêmeo dela chama deixando um beijo em meu rosto. — Oi, cunhada.
Está linda demais, como sempre.
— Você também, príncipe. Está um gato.
— Sempre fui — pisca de forma sedutora e eu começo a rir. —
Sinto tanto sua falta. Deveria aparecer lá em casa depois.
— Digo o mesmo. Moramos tão perto e nunca precisou de um
convite.
— Onde está o Frederico? — Nicole pergunta para o irmão.
— Ainda pergunta? Conversando com o papai. Vem, dança
comigo.
— Vamos lá, cowboy, mostrar a esse povo o poder dos super
gêmeos. — Eles batem os pulsos e eu me vejo na adolescência rindo dos
dois.
Meus olhos param na dupla que está dando um show na pista de
dança e o meu sorriso morre. A música é uma batida latina que eu
conheço bem, já vi os dois dançando antes. Olhar os passos sensuais
nunca me deu ciúmes antes, não como agora. Sinto até um soco na boca
do estômago. Faço força para olhar para o outro lado, para qualquer
coisa que não seja a exibição gratuita de sensualidade do Guilherme e da
Alícia. Pelo amor de Deus, ela acabou de se casar, onde está o marido
dela? Acabo de concluir o pensamento quando encontro o Murilo
olhando com um sorriso bobo para os dois. O quê? Ele não se
incomoda? Isso que vejo no rosto dele é admiração? Ele é louco?
Murilo parece ter sentido meu olhar sobre ele, vira-se em minha
direção e me pega no flagra revezando o olhar entre ele e o casal de
dançarinos. Fixo meu olhar nele como uma pergunta muda. Ele dá de
ombros e vem em minha direção.
— Você não se importa? — pergunto com uma ponta de mágoa
na voz.
— É apenas uma dança, Bia, eu não sei um terço do que o
Guilherme dança, ela adora isso, quem sou eu para
proibir?
— O marido dela?
— Eu confio na minha esposa — ele orgulhoso diz e sorri. —
Minha esposa, é bom demais dizer isso. Há algum tempo, eu sequer
poderia dizer namorada, agora digo esposa, pode imaginar o quanto isso
é maravilhoso? Enfim, ela me ama, eu a amo, existe confiança entre
nós, o passado ficou para trás. Todo mundo tem um, se ela é capaz de
suportar o meu, eu sou ainda mais de esquecer o dela.
— Eu queria conseguir pensar assim. Mas o que vejo é... Eu não
consigo.
— Para você é um pouco diferente. Se sente enganada, eu
entendo. Eu fiquei com muita raiva do Guilherme quando ela me contou
tudo, antes mesmo de você descobrir. Não concordo por terem
escondido de você, mas será que você teria aceitado se soubesse antes?
A pergunta dele me faz refletir. Eu teria aceitado? Teria
continuado minha amizade com ela? Teria começado o namoro com ele?
Doeria menos? Teria feito esforço para me esquecer dele? São muitas
perguntas que não tenho resposta agora, talvez eu nunca terei.
— Eu não sei... — respondo. Alícia olha na nossa direção e
chama o marido com o dedo de forma sensual, ele sorri
bobo.
— Essa mulher é minha vida, o que ela viveu no passado jamais
irá influenciar o nosso futuro. Vou lá fazer minha esposa
feliz.
Murilo vai para pista de dança, enlaça a esposa e beija seus
lábios apaixonadamente. Guilherme está dançando com a Nicole, minha
mãe e meu pai. Tia Kamila e tio Rafa estão dançando também, dando
um show para dizer o mínimo. Eles são tão bons quanto a Alícia e o
Guilherme.
— Bianca, quanto tempo. — Olho para o homem lindo de olhos
verdes brilhantes e pulo em seus braços.
— Sam, nem acredito. Quanto tempo!
Samuel é primo da Alícia, filho do tio Arthur e da Shel que são
muito amigos dos nossos pais. Tio Arthur é cardiologista e irmão da tia
Karina, mãe da Alícia. Nós fomos muito amigos quando criança, ele é
um ano mais velho do que eu e sempre dizia que tinha uma queda por
mim. Eu sempre achava graça e respondia que infelizmente eu já tinha o
amor da minha vida. Ele desapareceu completamente quando Gui e eu
ficamos noivos.
— Você está ainda mais linda. Como pode isso?
— São seus olhos. E esse cabelo cumprido?
Samuel sempre teve os cabelos castanhos cor de mel um pouco
grandes, mas agora deve estar abaixo dos ombros, não dá para saber,
pois está preso em um coque no alto da cabeça, na parte da nuca está
bem curtinho. Sem contar na barba rala que nossa, o deixou bem sexy. É
um homem muito bonito.
— Gostou?
— Está muito... muito... nem tenho palavras. Eu adorei.
— Quer dançar?
— Não sei... — Olho para a pista de dança meio desanimada. —
Parece que só tem profissional lá, vou passar vergonha.
Apesar de o Guilherme dançar muito bem, eu nunca quis de fato
aprender. Sei o básico, dá para enganar. Isso nunca me incomodou antes.
Guilherme dança muito bem, sabe conduzir uma mulher fazendo com
que pareça uma bailarina.
— Iremos passar vergonha juntos então. Vem... — Ele me
arrasta para a pista de dança que graças a Deus, mudou o ritmo latino
para algo mais lento.
— Então, faz o quê, uns três anos que não nos vemos? —
pergunto para puxar assunto. Inspiro seu perfume, ele cheira bem.
— Mais ou menos isso. A propósito, parabéns pela formatura. Já
está fazendo residência?
— Vou começar na próxima semana. Estou muito ansiosa.
— Em um dos hospitais do Grupo Lacerda?
— Não, acho que depois de tudo não daria certo. E você, agora é
piloto oficial da Excelsior, parabéns.
Samuel segue carreira diferente dos pais, é piloto de Fórmula 1
como o primo Gabriel. Ele correu um tempo pela Indy.
— Obrigado. — Ele me empurra devagar e depois me puxa para
seus braços. — Estava pensando, agora que é uma mulher solteira, o que
acha de sair comigo?
— Seria ótimo, mas como amigos.
— Eu por acaso sugeri outra coisa?
— Não, mas eu conheço você... É um mulherengo safado.
— Juro que não vou forçar a barra, mas se você deixar... — Jogo
a cabeça para trás rindo da cara lerda que ele fez. — Você sabe, a única
garota que poderia me fazer um homem honesto era comprometida. —
Confessa dando a entender que essa garota sou eu. — Antes eu não tinha
por quem sossegar.
— Você não tem jeito. — Olho seu rosto e ele se aproxima cada
vez mais como se fosse me beijar. Engulo em seco. — Samuel...
— Bia, deixa rolar...
Alguém esbarra na gente fazendo com que nos desequilibremos.
— Ai, desculpa. — Sara, irmã dele, pede.
— Sem problemas. — Ele aperta um pouco minha mão para
puxar-me novamente para seus braços. Meu pai está bem diante de nós
neste momento.
— Samuel, posso dançar com a garota mais linda da festa um
pouco? — Meu pai pergunta.
— Claro. Bia, eu vou te ligar.
— Ok, eu vou esperar.
Começo a dançar com meu pai.
— O que foi aquilo? — questiona, eu me afasto e olhos seu
rosto.
— Aquilo o que, pai?
— Parecia que o Samuel ia te beijar, e você...
— E o que tem isso, não posso?
— Filha...
— Pai, eu não ia beijar ninguém, ok? Não precisava vir me
socorrer — digo brava. — Eu nem estava em perigo.
— Me diz uma coisa, qual foi a festa que eu não dancei com a
minha princesa? Faço isso mesmo antes de você saber andar. — Beija
minha testa. — Eu só queria dançar com a minha filha, como sempre fiz.
Não posso?
— Ian, você não tem jeito. — Ele ri e eu beijo seu rosto de forma
carinhosa.
Realmente desde que me entendo por gente é tradição meu pai
dançar comigo. Olho ao redor e encontro os olhos verdes do Samuel
grudados em mim enquanto dança com a irmã dele. Reviro os olhos e
ele pisca para mim. Olha, acho que eu teria deixado ele me beijar sim.
Capítulo 20
Guilherme
— Acho que preciso beber alguma coisa. — Beijo a testa da
Nicole, já um pouco cansado de dançar.
— Vai lá, traz champanha para mim.
— Folgada. Já está na hora de parar de beber.
— Duas taças, por favor.
Vou até o bar e peço uma água. Depois pego duas taças de
champanha e vou ao encontro da Nick. Fico paralisado olhando a Bianca
dançar com o Samuel. Ela solta uma gargalhada profunda e espontânea
que faz meu coração disparar. É o jeitinho dela de ser, sempre dessa
forma, exagerada, doce, inocente e cheia de malícia ao mesmo tempo.
Samuel se aproxima mais do rosto dela.
Ele vai beijá-la?
Dou alguns passos para frente e me contenho em seguida.
Respiro fundo.
Calma, Guilherme. Tenha calma.
Calma uma ova, como assim ela vai permitir que ele a beije?
Alguém esbarra nos dois, na mesma hora, ela está dançando com o pai
dela. Estava tão vidrado na cena que sequer percebi o que estava
rolando. Samuel está dançado com a Sara, irmã dele. Mas eu pego o
momento em que ele pisca para a Bianca, em seguida olho para ela que
retribui com um sorriso.
O que está acontecendo?
— Demorou tanto que resolvi ver o... Ei, o que foi? — Nicole
pergunta.
— Nada, só... — Samuel sai da pista de dança e segue para o bar.
— Segura isso, Nick.
Entrego as bebidas para a minha irmã e vou atrás dele. Empurro-
o em direção a lateral do bar para onde ninguém possa nos ver.
— Guilherme, o que vai fazer? — Nicole pergunta colocando-se
em minha frente entre nós dois.
— Não se mete. — Aponto o dedo para ele. — Vou te dar um
aviso, fica longe da Bianca.
— É o quê? — o desgraçado ri da minha cara. — E por acaso ela
é propriedade sua?
— O que está rolando aqui? — Gabriel pergunta.
— Não é da sua conta. É assunto meu e do Samuel. Fique fora,
Gabriel.
Eu sempre achei que ele tinha uma queda pela Bianca, eles eram
amigos antes de namorarmos. Depois ele se lançou nas corridas de carro
e só aparecia poucas vezes. Mas eu sempre achei ruim a forma como ele
olhava para ela.
— Eu não tenho assunto com você, Guilherme, nunca tive. E
quer saber? Não vou ficar longe dela, eu esperei muito tempo para isso,
sempre fui apaixonado pela Bianca, mas ela só tinha olhos para você.
Porém isso acabou agora, não é? E só pra deixar claro, eu sabia do seu
envolvimento com a Alícia, nunca disse nada para a Bianca, poderia ter
feito, no entanto, nunca usei isso ao meu favor. Esperei muito tempo por
isso, agora eu não vou desistir, se ela me der uma chance, eu vou sim
ficar com ela. Azar o seu que perdeu uma mulher fantás...
Nem espero ele terminar a frase e acerto um soco na cara dele.
Surpreso com o ataque, ele cai de bunda no chão com a mão no lado do
rosto machucado. Nicole se coloca em nossa frente. Gabriel e Nicolas
me seguram com força.
— Vocês dois estão doidos? Querem acabar com a festa da
Alícia? — Nicole dá um soco no meu peito. — Você se contenha. — Se
vira para o Samuel. — Samuel, me desculpa, Guilherme está fora de si...
— Eu também estaria, imagino a dor de cotovelo que ele está
sentido. — Ironiza o cara de pau.
— A Bianca me ama, ela vai voltar para mim...
— É mesmo? Me deixa te dizer uma coisinha: se ela fosse te
perdoar já teria feito. Estou há mais de três meses dando tempo para ir
atrás dela. Caia na real, ela não vai voltar para você. Não depois de tanto
tempo.
As palavras dele tem o efeito desejado, pois me atingem em
cheio. Ele pode ter razão quando diz que já faz tempo demais. Quase
seis meses é muito tempo.
— Eu vou arrebentar a sua cara. — Tento me soltar, mas a voz
do meu pai me paralisa.
— Guilherme, o que está acontecendo aqui?
— Papai, o Guilherme está tendo um surto de ciúmes... —
explica Nicole. — Ele deu um soco no Samuel.
— Já falei para não se meter — repreendo-a.
— Samuel, você poderia nos dar licença? — Meu pai sugere
com educação. —Acho que você não quer estragar a festa da sua prima
de fato.
— Claro, não era a minha intenção causar problemas,
principalmente no casamento da Alícia. Sinto muito.
Ele sai andando calmamente e me seguro para não ir atrás dele.
— Acho que já deu, melhor você ir embora. — Meu pai ordena.
Não respondo nada, pois ele não é de agir assim de forma autoritária. —
Eu sabia que uma hora isso iria acontecer. Não é assim que se resolvem
as coisas, filho.
— Eu sei, pai, não vai mais acontecer. Vou ficar mais um pouco,
prometo que irei me comportar.
Só preciso ver até onde isso tudo vai.
— Guilherme, você já causou problemas demais, se...
— Confie em mim, pai, não farei nada.
— Toma, beba isso, vai ficar mais calmo. — Minha irmã me
entrega um copo com água. Reprimo a vontade de revirar os olhos.
Levo um tempo até voltar para a festa, confesso que fiquei com
vergonha da forma que agi, Bianca é uma mulher livre, mesmo se não
fosse, não tenho direito nenhum sobre ela. Volto para a pista de dança e
lá está o Samuel dançando com a minha pequena. Fico o resto da noite
controlando-me para não fazer besteira novamente e tentar não ficar
olhando para os dois a noite toda.
— Mais calmo? — Gabriel pergunta me entregando um copo.
— Nenhum pouco. E não acho que álcool vai mudar isso.
— Mudar não vai, mas quem sabe acabe com essa cara de bunda
que você está.
— Onde está sua esposa, filha... Não tem nada melhor para fazer
não?
— Pior que não tenho. Natália foi levar a Anelise para dormir.
Eu queria saber como você está, temos nos falado tão pouco
ultimamente.
— Você é um cara sem tempo para os amigos com dor de
cotovelo. Fazer o quê? Tenho que sofrer calado e sozinho.
Falo só para descontrair, pois mesmo que ele estivesse viajando
pelo mundo, ele me ligava sempre.
— Deixe de drama. — Gargalha. — A temporada acabou, vou
ficar mais tempo no Brasil e vai poder usar meu ombro a hora que
quiser. Pode começar a chorar nele agora, eu deixo.
Gabriel é piloto de Fórmula 1, acabou de vencer o campeonato.
Sempre que as temporadas acabam fazemos uma festa e passamos muito
tempo juntos.
— Não sei se fico muito contente com o final da temporada, uma
vez que seu primo também terá muito tempo livre para correr atrás da
minha mulher... Quer parar de rir?
— Gui, eu não vou mentir, Samu vai ser um pé no seu saco. Mas
a Bianca ama você, mesmo que venha existir alguma coisa entre eles,
ela vai acabar voltando para você um dia, e meu primo terá sido o
passatempo dela. O cara que ela usou para fazer você sofrer ainda mais.
— Você diz isso assim, com essa calma? O cara é seu primo,
colega de equipe.
— Samuel é adulto, ele sabe no que está se metendo. Sabe dos
riscos, se ele quer acreditar que pode tirar a Bia de você, é problema
dele. — Dá de ombros.
— E se não for só uma possibilidade, já faz quase seis meses...
— Olha pra ela — ele manda e eu faço encontrando seus olhos
em mim. — Ela vai voltar para você, tenho certeza.
Capítulo 21
Bianca
— Bia, olha o que chegou para você — Conceição, nossa
governanta me entrega um enorme buquê de rosas. — Lindas...
— Obrigada, Ceiça. — Pego as flores e procuro por um cartão.

Jamais imaginei ser capaz de um ato tão brega. Olha só o que


você faz comigo.
Samuel

Começo a rir e entrego as flores para a Ceiça.


— Coloca em um vaso para mim, por favor, e leva para o meu
quarto.
Pego o telefone e ligo para agradecer.
— Jamais imaginei que gostaria de um ato tão brega — digo em
tom de brincadeira. — Obrigada, eu adorei.
— Seria melhor se agradecesse pessoalmente. O que acha de sair
comigo? Prometo me comportar.
— Acho uma boa ideia. Amanhã?
— Quando você quiser.

— Como foi seu primeiro dia? — pergunta meu segurança e


motorista. Depois de meses andando à sombra dele, já acostumei e
passei a nutrir uma certa intimidade, apesar de que foi bem difícil
arrancar uma palavra dele no começo. Ele é um homem sério, mas
acabei encontrando nele uma companhia agradável.
— Extenuante, mas compensador.
— Extenuante quer dizer o que mesmo, moça?
— Cansativa ao extremo? — digo sorrindo.
— Certo. Assim é melhor. Direto para casa?
— Sim. Preciso descansar um pouco. Como foi a apresentação
da sua filha?
Acabei ouvindo uma conversa dele com a esposa sem querer, ele
dizia que não poderia ir à festa da filha na escola. Eu então disse que ele
deveria ir, que eu ficaria no hospital e estava segura lá. Depois de muito
relutar ele foi. Mas meu pai nem pode sonhar com isso.
— Ela estava linda. Acho que leva jeito para o balé.
— Que bom, eu era uma negação. Nunca fui muito graciosa para
dançar. Às vezes pareço um bacon fritando.
— Exagerada — diz sorrindo. — Eu duvido disso.
Encontro meu irmão Alejandro no jardim brincando com o nosso
cachorro. Um Border collie preto com branco chamado Tony Stark.
— Alê, que milagre você em casa.
— Até parece. Estava pensando, o que acha de vir comigo para a
fazenda? Faz tempo que não aparece por lá. O Tony disse que está doido
para ir.
— Ótima ideia. Vou verificar quando posso ir. — Passo a mão
na cabeça do cachorro. — E você sossega, é cachorro da cidade agora.
— Ele só está com saudade dos irmãos que moram lá.
— Sei...
— Esqueci-me da residência, como foi? Quer me contar os
detalhes sórdidos?
— Você não é macho o suficiente para aguentar ouvir o que
passei hoje, rapazinho. — Passo a mão bagunçando o seu cabelo
acobreado.
Alejandro é totalmente o oposto de mim e do nosso irmão mais
velho, não digo fisicamente, pois nesse quesito somos bem parecidos.
Enzo é engenheiro e trabalha com meu pai, já o caçula tem uma
fascinação louca por cavalos e gados. Quando fez 14 anos, pediu ao meu
pai um cavalo e disse que queria ser vaqueiro. Hoje ele está terminando
a faculdade de Zootecnia e tem a própria fazenda. Enquanto eu e Enzo
ganhávamos carros caros, ele preferiu a fazenda e os cavalos de raça. O
único problema é que muitas vezes ele fica distante da gente.
— Vai mesmo ser ginecologista? — Faz uma careta engraçada.
— Por que essa cara?
— Obstetra não tem vida minha irmã.
— E qual médico tem?
— Boa pergunta, me diz você. — Ele me levanta nos braços e eu
solto um grito. Segue para a borda da piscina e eu já sei o que tem em
mente. Ele sempre faz isso comigo e eu, boba, nunca lembro que tenho
que ficar bem longe.
— Alejandro, não faça isso. — Ele ri e pula comigo nos braços
dentro da água.

— Obrigada, Kel, ficou lindo. — Agradeço a moça que veio


arrumar meu cabelo e fazer minhas unhas em casa. Ela fez cachos
perfeitos deixando-os mais volumosos.
Termino de me arrumar sem carregar na maquiagem. Gosto do
aspecto natural. Visto um vestido de couro preto e coloco sandálias
vermelhas. Gosto da imagem da mulher no espelho. Alguém bate na
porta.
— Entra.
— O Samuel está lá embaixo, filha. — Minha mãe avisa.
Encontro seu olhar no espelho e vejo que ela não está muito
contente com o meu encontro. Mas eu já esperava por isso. Meus pais
amam o Guilherme e desaprovam minha atitude, entretanto não dizem
nada. Teve um tempo que eu até fiquei magoada com isso, eu sou a
filha, eu fui a enganada, e como assim eles não enxergam isso? Mas hoje
penso diferente. Sei que eles torcem por minha felicidade e pensam que
ela está ao lado do Guilherme.
— Obrigada, mamãe, já estou descendo.
— Bia... espero que saiba o que está fazendo.
— Por que diz isso, mamãe?
— Acho que o Samuel é um bom rapaz e ele gosta de você. Não
gosto da hipótese de você estar brincado com os sentimentos dele. Nós
duas sabemos que você ama outra pessoa.
Eu a olho por um longo tempo antes de dizer o que estou
pensando.
— E a senhora acha que não posso me dar uma chance? Não
posso me envolver com mais ninguém, mamãe?
— O que eu acho não importa. Vai lá, filha, o rapaz está
esperando você e seu pai está conversando com ele.
— Ai, meu Deus! — Pego minha bolsa e saio correndo do
quarto.
Quando chego à sala encontro Samuel rindo de alguma coisa que
meu pai disse. Observo os dois desconfiada.
— Boa noite! — Samuel se levanta ao me ver na sala.
Ele fica calado olhando-me por um longo tempo antes de
responder.
— Boa noite, Bia. Tudo bem? — Vou até ele e deixo um beijo
em seu rosto.
— Tudo bem, e você? Vamos?
— Para que a pressa, filha. Fica mais um pouco.
— Eu adoraria, papai, mas o Samuel fez reserva, então não seria
bom se atrasássemos, não é Samu? — Ele me olha de forma divertida.
— O restaurante é super concorrido, difícil de arrumar reserva.
— Sim, mas eu adoraria continuar essa conversa em outra
ocasião, senhor.
— Sem essa de senhor, por favor. Me chame de Ian, tio,
qualquer coisa que não seja senhor. Senhor está no céu e somos todos
servos dele.
A cara do Samuel é impagável quando meu pai diz isso.
Registrei o momento para perguntar o que passou pela cabeça dele
depois.
— Onde está o Alejandro? — Samuel pergunta.
— Alejandro saiu com os amigos. Coisa que raramente faz, pois
prefere viver isolado na fazenda. — Mamãe responde com uma pontada
de mágoa.
— Ok, papai, mamãe. Já estamos indo. — Beijo o rosto do meu
pai e depois da minha mãe.
— Divirtam-se — deseja meu pai.
— Obrigada, sen... Ian.
Seguimos para o carro, Samuel abre a porta para mim. Percebo
que estamos sendo seguidos por dois carros dos seguranças quando já
estamos fora dos portões de casa.
— Não acredito!
— O que aconteceu?
— Os seguranças...
— Ah, isso, eu vi. Relaxa, Bia. Não vamos procurar confusão
por isso. Seu pai me explicou que precisa deles, então...
— Isso é um saco, não ter privacidade para fazer o que quiser.
— E o que quer fazer comigo que precisa de privacidade, Bia?
— pergunta parando no sinaleiro e olhando com um sorrisinho no canto
dos lábios.
— Onde estamos indo? — Mudo de assunto e ele não insiste.
— Surpresa. A propósito, como sabia que tinha feito reserva?
— Não sabia, inventei na hora ou acabaríamos jantando com
meus pais. Meu pai em especial sabe ser bem convincente.
— Eu gosto dele. Sempre gostei.
Chegamos ao restaurante que conheço bem, já vim algumas
vezes com o Guilherme. Quando desci do carro, Samuel segurou em
minha cintura e sussurrou em meu ouvido.
— Queria muito ter dito como estava linda assim que entrou na
sala. Mas sua beleza me deixou sem palavras. Você está linda.
— Obrigada.
Assim que entramos e o Samuel falou o nome dele, não fomos
levados até uma mesa como de costume, seguimos pelo corredor na
lateral da recepção até uma sala privada. Uma mesa no centro da sala
toda de vidro onde podíamos ver o movimento do restaurante, mas
ninguém poderia nos ver.
— Uau, isso que chamo de exclusividade.
— Privacidade.
— Para que isso tudo?
— Privacidade — repete com um sorriso —, e porque não
teríamos paz em um lugar comum. Cada palavra seria interrompida por
um fã querendo autógrafo, um repórter querendo entrevista. Estou meio
cansado disso.
— Eu sempre me perguntei como o Gabriel lidava com isso. Ele
não parece se importar muito.
— Mas eu me importo. Gosto de correr, gosto de vencer, mas
não gosto do assédio.
— É o ônus da profissão.
— É o ânus mesmo — diz sorrindo. — E você nunca se
importou com o assédio da imprensa?
— Nunca tinha me incomodado antes. Vamos pedir?
Mudo de assunto. Apesar de que só faziam algumas perguntas
sobre minha roupa, sobre a profissão do Guilherme e os negócios do
meu ex-sogro que é governador do estado. Guilherme não gostava de ser
abordado, mas sempre era educado e paciente. O garçom vem e fazemos
o nosso pedido.
— Então, como está sendo ser o mais novo piloto da Excelsior?
— Estranho, nunca pensei que correria ao lado do Gabriel.
— Engraçado, eu sempre me perguntei por que você corria em
outra equipe que não a dele?
— Meus pais são médicos, os pais do Gabriel são pilotos. Então
já sabe o que esperavam de mim e dele. Eu decepcionei todos quando
decidi correr, apesar de meu avô ser o treinador do Gabriel, não era a
mesma coisa comigo. Não porque ele tinha preferência por um neto, era
porque meus pais não me apoiavam, ele não iria contra a vontade deles
deliberadamente. Mas com o Gabriel era diferente, ele tinha o apoio dos
pais. Meu avô percebeu que eu realmente queria correr, até foi contra
meus pais e me ajudou. Comprou uma briga feia com eles. Então eu
decidi que não viveria à sombra do Gabriel e fui procurar o meu lugar.
Consegui, com a ajuda do meu avô, entrar em uma equipe e fazer nome.
— E por que agora foi para Excelsior?
— Meu avô me convenceu, e eu já tinha provado meu ponto.
Então não tinha mais que mostrar que sou capaz, que não corro por ser o
sobrinho do dono da equipe.
— E como seu Rubens conseguiu fazer isso? Digo, te convencer.
— Ele disse que a equipe precisava muito de mim, de um piloto
como eu.
— Está feliz... — Ele levanta a mão em protesto e me
interrompe.
— Espera aí, isso está parecendo uma entrevista. Chega de
perguntas, mocinha. Você é médica, não repórter.
— Desculpa. Sou médica e muito curiosa.
— E você, Bia, me fala um pouco sobre você. Como está sendo a
residência?
— Cansativa, extenuante. Mas estou amando.
— Eu estava me perguntando se em outros países a residência
chega a ser obrigatória para a atuação do médico? Como funciona isso?
— Em alguns países, concluído o curso de graduação, quando
formamos temos uma autorização provisória para o exercício da
medicina, sendo que só ao término da residência se tem uma autorização
ampla e definitiva para praticar. No Brasil, tendo em mãos um diploma,
apenas é necessária a inscrição em um Conselho Regional da área em
que irá atuar.
— Então aqui não precisa de residência? Apenas nas
especializações? Você acha que é certo?
— Eu era bastante contrária à obrigação da residência para poder
praticar medicina. Mas entendo que sem os médicos residentes, boa
parte da população não teria acesso à saúde, tanto por sua atividade
enquanto residentes propriamente dito, como em plantões durante a
noite, finais de semana ou feriados. Boa parte dos meus colegas fazem
muitos plantões para conseguirem se manter, já que o valor que
recebemos é baixo. Tenho sorte de não precisar do dinheiro da
residência, ou neste momento estaria fazendo plantão em algum lugar
por aí ao invés de jantando com você. Mas faço plantão extra pela
experiência mesmo.
— Então acha que precisa fazer residência?
— Acho sim. Residência fornece um grande aprendizado para
nós, amadurecemos muito nesse período, pois estamos numa faixa etária
que permite uma aquisição máxima dessas qualidades, que podemos
doar nosso tempo. Além disso, onde há residência médica também há
qualificação do serviço médico, com melhora da assistência. Eu fico
muito preocupada com os médicos que só pensam no dinheiro, sabe?
— Isso porque você não precisa se preocupar com ele. Imagina
quem precisa dele? Ganha pouco, trabalha muito e não consegue se
sustentar? Complicado.
— Sim, é verdade. Meu irmão estava me perguntando hoje
mesmo por que quero ser ginecologista. Então me fiz a mesma pergunta.
— E qual resposta você se deu?
— Ainda nenhuma. Só precisava escolher ou ficar dois anos na
cirurgia geral. Mas me lembrei da primeira vez que ajudei de fato em
um parto, foi em Uganda, eu fiquei tão maravilhada que isso ficou na
minha mente. Acho que no fundo foi por isso. — Ele sorri e então me
lembro da pergunta que queria fazer. — O que estava pensando quando
meu pai disse para chamá-lo do que quisesse?
— Por quê?
— Você fez uma cara muito engraçada. Fiquei imaginando no
que estava pensando.
— Então, pensei no que ele acharia se o chamasse de sogro?
— Samu... nem sei o que dizer. Você sabe a preferência do meu
pai, aliás, de toda minha família. Guilherme tem um fã-clube lá em casa,
não sei o que ele acharia disso.
— Mas me diz você, o que acha disso?
Penso por um instante antes de dizer o que realmente penso. Eu
adoraria passar um tempo com ele, mas tenho que ser honesta antes de
mais nada.
— Eu... vou ser bem honesta com você, Samuel. Não sei o que
você pretende comigo, mas adianto que vai ser bem difícil conseguir. Eu
ainda estou...
— Está disposta a tentar? A me dar uma chance? Eu não me
abalo com coisas difíceis, Bia.
— Eu não quero machucar você. Gosto da sua companhia e até
arrisco dizer que tenho uma queda por você, mas...
— Não me respondeu, Bia. Está disposta a tentar? Não me
importo se no final você perceber que não conseguiu esquecer o
Guilherme, mas se disser que quer tentar, eu... — ele segura em minha
mão de forma carinhosa, mas me encara com seus olhos verdes intensos.
— Estou disposto a correr o risco, estar com você mesmo que resolva
voltar com ele depois, é melhor do que nunca ter estado. Entende? Um
pouco de você é melhor do que nada de você, mesmo que no final eu
tenha um coração partido, certamente terá valido a pena.
Capítulo 22
Acordo ofegante, minha camisola está grudada no corpo que
treme pelo orgasmo perfeito que acabei de ter. Dou um soco no
travesseiro, morta de raiva por ter sido um sonho.
Sonho ou uma lembrança?
Levanto-me e vou para o banheiro tomar banho e tirar o suor
grudado em meu corpo e tentar apagar o fogo que queima cada parte do
meu corpo. Fecho os olhos enquanto a água escorre por minha cabeça
lembrando-me de parte do sonho. Foi tão real.
Encosto a cabeça no mármore frio do banheiro, tentando segurar
as lágrimas e frear as recordações. Termino o banho e deito-me na cama
ainda sem roupa. Não tive ânimo para me vestir. As lembranças ganham
a briga e invadem minha mente levando-me até o dia da nossa primeira
vez.
Eu já havia tentando de tudo para seduzir o meu namorado. Até
pensei que ele não me desejava, pois não passávamos de amassos.
Amassos delicioso com orgasmos intensos, devo admitir. Entretanto
Guilherme sempre dizia que a nossa primeira vez seria especial para
mim, que deveríamos esperar, que eu era muito nova. Eu ficava
revoltada, queria fazer amor com o homem que amo, mas ele queria
esperar. Muita coisa passava por minha cabeça, às vezes pensava que era
por causa da outra. Já namorávamos há mais de um ano, ele parecia
muito apaixonado. Eu ficava esperando-o tomar atitude, fazer algo
especial como disse que eu merecia.
Foi então que tomei uma decisão. Eu iria ter minha noite de
amor, ia fazer algo a respeito. Organizei tudo nos mínimos detalhes. Os
pais do Gui haviam viajado, ele estava trabalhando, então pedi a Nicole
que me ajudasse. Ela e o irmão gêmeo foram para o fim de semana com
os avós na praia. Mas antes arrumamos o cenário perfeito para nossa
primeira noite. Decorei o quarto dele com velas, pétalas de rosas,
champanha, morangos e chocolate. Confesso que fiquei muito nervosa
quando ele chegou em casa. Estava com os cabelos ainda úmidos por ter
tomado banho no hospital. Sempre fazia quando tinha alguma cirurgia
ou ficava muito tempo de plantão. Para deixar claro a minha intenção,
eu coloquei um vestido muito sexy, preto, transparente e curto.
— Bia, o que está fazendo aqui?
— Não gostou da surpresa? — pergunto recebendo seu beijo.
Apoio as mãos frias pelo nervoso em seu peito. Ele me encara franzindo
o cenho.
— Gostei muito, mas algo me diz que está aprontando alguma
coisa.
— Está com fome? — pergunto puxando sua mão para a sala de
jantar. — Nádia deixou o jantar pronto para nós.
— Nossa, a Nádia arrumou tudo isso assim? Geralmente
comemos na cozinha quando meus pais não estão em casa — explicou
divertido. Revirei os olhos.
Arrumei a mesa com candelabro, velas e taças. Agora estou até
achando que foi demais.
— Não, fui eu que arrumei, ela só cozinhou. — Pego o vinho
que já tinha deixado aberto e sirvo uma taça para ele. — Eu teria
cozinhado, mas não quero te matar.
— Estamos comemorando alguma coisa que não me lembro? —
Sorve um pouco do vinho sem tirar os olhos de mim.
— Relaxe, meu amor. Só celebrando o nosso amor.
— Sei... — Ele me olhou com intensidade tamanha que minhas
pernas fraquejaram. Ao mesmo tempo me senti poderosa, percebi que a
intensidade em seus olhos azuis era uma indicação de que hoje ele não
iria fugir. Meu coração deu um salto e começou a pular.
Eu até entendia que ele estava fazendo o melhor para mim.
Realmente era muito nova quando começamos a namorar. Mas estamos
juntos há muito tempo, eu o amo mais do que tudo e tenho certeza do
que quero.
— Como foi seu dia no hospital? Parece cansado.
— Nada que uma boa massagem feita pelas mãos da minha linda
namorada não resolva.
— Posso fazer isso depois do jantar.
— Eu não estou com fome, Bia. Não de comida.
— Não quer jantar? — pergunto com o coração disparado.
— Não, agora não. Não sabia que estava aqui e acabei comendo
no hospital. Acho que o jantar pode ficar para depois.
— Para depois? Depois de quê?
— Depois da massagem. Venha aqui — Ele estende a mão para
mim. Aproximo-me meio confusa. Talvez pelo fato de ele estar
estragando tudo.
— Está estragando a surpresa que fiz para você — acuso
decepcionada.
— Sinto muito, não era a minha intensão. Não estou me
desfazendo do seu esforço. Só não acho que nenhum de nós dois irá
conseguir comer agora. — Ele me prende em seus braços. — Me mostra
o que mais preparou para mim.
— Como sabe que... Nicole, ela me paga — digo passando os
braços em seu pescoço.
— A Nicole não disse nada, o Nicolas que me ligou dizendo que
estava sendo obrigado a ir com a vovó enquanto eu iria ficar aqui
aproveitando com a minha namorada. Então eu o fiz dizer o que estava
acontecendo.
— Que vergonha. — Escondo o rosto em seu ombro.
— Ei, olha pra mim. — Ergue meu rosto em sua direção. —
Vergonha de quê?
— Agora todo mundo vai ficar sabendo da minha tentativa
patética e desesperada de seduzir você.
— Não se preocupe que ele não vai dizer nada. E você não está
sendo patética, meu amor. Desesperada? Um pouco, mas eu tenho culpa
nisso, assumo, estou fazendo você esperar tanto. No entanto, pequena,
eu estou mais do que desesperado por você.
— Não vai mais me fazer esperar? — Busco a resposta em seus
olhos. Ele encosta a testa na minha, em seguida beija meus lábios, meu
queixo, morde a ponta da minha orelha antes de sussurrar em meu
ouvido fazendo meu corpo arrepiar-se todo.
— Não...
Minha nossa, como uma simples palavra pode causar esse
turbilhão de sensações em meu corpo.
Então eu busco seus lábios de forma desesperada. Guilherme
prende meus cabelos em sua mão, deixa meus lábios e começa a
explorar muito devagar o meu pescoço, ombros. Desce pelo decote do
meu vestido, depois volta para meus lábios. Eu estava desesperada por
mais dele, por mais desse beijo. Deslizo minhas mãos sobre seus
ombros, braços e depois de voltar até o pescoço, seguro o seu belo rosto
em minhas mãos e me afasto olhando-o nos olhos.
— Não vai mais me fazer esperar? Dizer que não está na hora?
Vai me fazer sua por completo?
— Não, pequena, já esperei demais por este momento.
Quando começou a chover beijos sobre minhas bochechas,
queixo, e em seguida, na curvatura do pescoço, onde ele se dedicou um
pouco mais de tempo, eu enfiei os dedos em seus cabelos, em seguida,
arqueei a cabeça para trás e apertei meus seios contra seu peito enquanto
ele pressionava beijos lentos na minha pele.
Oh Deus, quanto tempo eu esperei por este momento?
— Vem... — Ele segura minha mão entrelaçando nossos dedos e
seguimos em direção à escada.
Paramos na porta do quarto dele, Guilherme aguarda que eu abra
a porta. Assim que ele entra, eu solto sua mão e, nervosa, vou em
direção à garrafa de champanha. Coloco o líquido na taça que balança
por conta do tremor das minhas mãos. Ele se aproxima por trás e deixa
um beijo em meu ombro. Em seguida ele aperta o play no controle
remoto e a música da Adele, Make you feel My love começa a tocar.
— Está nervosa?
— Sim, um pouco. — Bebo um pouco do champanha. Enquanto
ouço o trecho da música que diz:
Eu passaria fome, eu ficaria triste e deprimida
Eu iria me arrastando avenida abaixo
Não, não há nada que eu não faria
Para fazer você sentir o meu amor
— Eu adoro essa música — digo.
— Eu sei. Você cantou para mim uma vez, agora, a letra diz
muito sobre o que sinto por você.
Guilherme pega meu queixo erguendo meu rosto em sua direção
em busca dos meus lábios. Em seguida a taça desaparece da minha mão.
Senti sua boca se movimentar sobre meu pescoço, ombro e mais
para baixo, gira-me ficando de frente, desce a alça do meu vestido até
que sua língua enrola sobre a ponta de um mamilo.
Era sempre maravilhoso sentir o toque dele, sua boca em mim,
mas nunca tinha sido dessa forma. Como se algo ainda melhor fosse
acontecer, como se uma pequena fagulha se transformasse em chamas
dentro e fora de mim. As explosões começaram no fundo da minha
barriga, lá embaixo, onde tudo estava pulsando com uma louca
excitação, à espera que finalmente ele me possuísse. Levei a mão até a
barra da sua camiseta tirando-a do seu corpo. Guilherme puxou a tira do
meu vestido preto que era preso em um laço na lateral, em seguida ele
caiu aos meus pés me deixando só de calcinha. Ele já tinha me visto sem
roupa antes, muitas vezes, entretanto eu nunca havia sentido tanta
vergonha como agora, e não sei o motivo.
— Está com vergonha? — pergunta olhando cada parte do meu
corpo.
— Um pouco.
— Não fique, você é tão linda.
— Você também. — Ensaio um sorriso que foi reprimido por
seus lábios.
Seu nome saiu dos meus em um gemido. Minhas pernas
fraquejaram e teria caído se não fosse por Guilherme ter deslizado um
braço sob meus joelhos e outro em torno de minhas costas quando ele
levantou-me do chão sem desgrudar sua boca da minha. A sua língua
empurrando contra a minha, se enroscando da forma que eu amava. E
enquanto ele me levava pelo quarto, eu me senti tão incrivelmente sexy,
quase nua, com apenas uma calcinha vermelha. Eu sempre achei meus
seios muito pequenos, apesar de ele dizer que os adora, que foram feitos
para as mãos dele, ainda assim eu queria ter seios mais fartos.
Senti meu corpo sobre o tecido macio dos lençóis da cama. Ele
parou de me beijar e ergueu meus braços acima de minha cabeça,
segurando-os firmemente no lugar. Deixando-me exatamente onde ele
queria.
— Não se mova.
— Sim, senhor.
Com os olhos vidrados em mim, ele desceu as mãos
vagarosamente por meus braços alcançando meus seios, acariciando-os
por um tempo. Uma delas ficou enquanto a outra deslizou sobre minha
barriga e alcançou o meu sexo. Ele ergueu a cabeça, apenas para
descobrir que eu estava olhando-o também, e nesse instante, nossos
olhares se conectaram, eu pude ver tanta paixão e desejo neles que quase
desobedeci a ordem de ficar com os braços para cima e os desci para
tocá-lo. Suas mãos trabalhavam de forma habilidosa arrancando-me
gemidos roucos. Meus olhos se fecharam quando desmoronei em suas
mãos, meus quadris instintivamente balançando contra elas. Seu toque
sensual, o calor de seus dedos dentro de mim, tudo estava me
enlouquecendo.
— Sabia que sonhei com esse momento a minha vida toda?
— Então farei valer a pena sua espera, meu amor — disse
roçando a barba contra meu seio da forma mais deliciosamente áspera, o
que enviou uma nova onda de desejo, ainda maior, a partir de um
proêmio de prazer que prometia ser ainda maior. Abaixo os braços para
tocá-lo, mas sou repreendida.
— Eu disse para ficar quieta — diz de forma carinhosa. — Mas
você nunca faz o que eu mando, não é?
— Desculpe, eu não sabia que era uma ordem, senhor.
Acariciei suas costas, apetei sua bunda e tentei envolver minhas
pernas ao redor dele, queria que ele me possuísse logo, me fizesse dele,
mas o seu corpo pesado sobre o meu impediu que me movesse mais.
— Eu preciso... Não aguento mais esperar.
Presa em seus braços fortes, assisti sua bela boca dizer:
— Deixe-me te amar. Eu esperei muito por isso, pequena. Quero
provar cada parte de você.
— Você já fez isso muitas vezes, está na hora de... — Sua boca
esmagou a minha impedindo-me de falar, depois de um longo beijo, ela
se moveu para minha orelha, lambeu a pele atrás antes de morder a
ponta dela.
— Eu amo você, pequena, e vou te mostrar o quanto é linda. O
quanto eu a desejo.
Ele já havia dito que me amava antes, entretanto nunca foi tão
intenso. Talvez porque minha mente meio maluca achava que ele não
queria fazer amor comigo antes por não me amar o suficiente. Então, ele
com toda paciência do mundo dizia que era o oposto. Que por amar-me
tanto estava fazendo o enorme sacrifício de esperar. Ainda não entendo
o porquê.
— 'Cause you, You mean the world to me, Oh I know, I know,
I've, found in you, My endless love. — Ele canta o trecho de Engless
love que eu adoro, e que diz. – Porque você, Você significa o mundo
para mim, Oh, Eu sei, Eu sei, Eu encontrei em você, Meu amor sem fim.
— Então me mostra — peço.
Minha pele queimou feito brasa com o curso doce da sua mão
livre caminhado para baixo outra vez, minhas pernas abriram-se para ele
novamente, para a deliciosa carícia de sua mão sobre meu sexo. E então
sua boca estava de volta em meus seios, beijando e mordendo a pele
esticada sobre meu estômago. Eu sabia o que ele ia fazer, o que ia
acontecer, que ele estava indo para colocar a boca entre minhas pernas e
saborear-me, eu adorava e ele sabia disso. Suas mãos se moveram para
minhas coxas, gentilmente empurrando-as.
— Você é linda. Deixe-me provar sua doçura. — Amava a forma
que ele falava, como se fosse um homem faminto e eu fosse o banquete
que ia provar. Que mataria sua fome. — Linda. — Ele respirou contra
minha carne excitada e um arrepio percorreu meu corpo todo, fazendo-
me ainda mais molhada. Abaixou a cabeça até que ele estava com a boca
sobre mim, fazendo-me gemer por sentir o golpe lento de sua língua
quente, habilidosa, exigente e deliciosa. — Gostosa.
Ele chupou minha carne incrivelmente sensível entre seus lábios.
Meu corpo todo se balançou, meu coração batia tão forte que quase
saltou por minhas costelas e pele quando o gozo veio forte. Meu grito de
prazer soou pelo quarto, por cada canto, ecoando-o de volta.
Quando as correntes de prazer diminuíram, meus olhos estavam
pesados, tão pesados que, mesmo que forçasse a abri-los, eu não
conseguia. Não sabia o que ele estava fazendo. Logo, senti a cama se
mexer de novo e sabia que ele estava de volta. Continuei com meus
olhos ainda fechados. Quando forcei a abri-los tive a visão mais bonita
do mundo.
Guilherme era lindo, sua pele branca levemente bronzeada,
ajoelhado entre minhas coxas. Minhas mãos desceram por seu peito,
abdome até alcançar seu eixo já coberto por uma camada fina de látex.
Eu não conseguia tirar os olhos dele, mal podia acreditar que aquela
coisa grande poderia caber dentro de mim. Eu sempre tinha esse
pensamento quando o via assim.
— Posso te pedir uma coisa? — pedi acariciando seu membro
satisfeita com o seu gemido rouco.
— Tudo que quiser, meu amor.
— A gente pode fazer sem camisinha? Estou protegida e...
— Bia... tudo bem, eu também estou.
Seus olhos estavam cheios, não apenas de desejo, mas algo feroz.
Possessivo.
— Quero pedir mais uma coisa — digo tirando o preservativo do
seu membro e jogando para longe.
— Sem mais pedidos, pequena. — Em um único movimento, eu
o empurrei sobre a cama.
— Me deixa provar você. Só um pouco.
— Sou todo seu — diz erguendo os braços. Olho todo seu corpo,
rosto e abro um sorriso antes de colocar meus lábios em seu membro.
Ouvir os gemidos dele era o paraíso, ainda mais saber que era eu
que o estava deixando assim. Em outra ocasião havia pedido para me
ensinar a fazer sexo oral da forma que ele gostava. Ele me disse que até
o leve toque da minha mão já o deixava louco. Mas acabou me
ensinando a dar prazer da forma que ele gostava. Eu deslizava a mão
para cima e para baixo enquanto chupava a ponta, deslizava a língua por
todo cumprimento, depois o tinha todo dentro da boca, até a garganta.
Acabei descobrindo que eu gostava disso, sentia prazer no prazer dele.
Não percebi o momento que ele me girou ficando sobre mim.
— Eu quero você, muito.
— Então me tome. Agora.
Quando ele estava a ponto de me penetrar, eu prendi a respiração
à espera do momento precioso quando nós dois finalmente tornaríamos
um só. Ele parou, agarrou meus quadris e pairou sobre mim.
— Olha pra mim. — Ergo meus olhos e mergulho no oceano
azul que tanto amo. — Se quiser que eu pare...
— Nunca. É tudo que eu mais quero, que eu sempre quis.
— Se estiver machucando você...
— Não existe outra forma, Gui, não tenho a ilusão de que a
primeira vez não iria doer. Agora acaba logo com isso. — Ele ri e me
beija profunda e deliciosamente. Ele se afasta, olha nos meus olhos e eu
canto o trecho da música para ele.
Meu primeiro amor,
Você é "tudo que respiro"
Você é cada passo que dou
Ele não me penetra de imediato, esfrega o pênis sobre minha
entrada de forma lenta, gostosa, me deixando a beira de gozar
novamente. Então ele empurra, primeiro devagar, depois duro e
profundo que seu nome explodiu de meus lábios em um grito de dor.
Fecho os olhos. Ele fica parado por um tempo até que eu me acostume
com seu tamanho. Agora parece muito maior do que eu via.
Caralho, como isso dói.
— Tudo bem?
— S... sim. Estou bem.
— Está doendo muito?
— Um pouco. Mas não quero que você pare — antecipo.
— Você precisa relaxar, amor. Quer ficar por cima?
— Melhor não. — Seguro seu rosto e beijo seus lábios. Ele
corresponde gemendo. Seu braço tremendo por conta do seu próprio
peso. Ele então passa a se mover vagarosamente. Ele se apoia em um
único braço, desce a mão por entre nossos corpos, então alcança meu
clitóris fazendo a dor se transformar em ardência suportável. Respiro
fundo e ergo o quadril de encontro ao dele. A dor sumindo aos poucos
dando lugar ao prazer.
— Até que não era tão ruim quanto eu pensei.
— Ah é? E o que está sentindo? — diz movendo-se mais rápido
um pouco. Solto um gemido e ele ri. Deixa de estimular o meu ponto de
prazer e se apoia nos dois braços.
— Um pouco de dor, mas sinto que vou gozar a qualquer
momento. Que sou a mulher mais sortuda do mundo. Que está mais
gostoso do que imaginei que seria. — Ele ri. Eu estendi a mão e
coloquei o braço ao redor do seu pescoço para puxar o seu rosto para
baixo.
Nossas bocas se uniram em um beijo desesperado.
— Eu te amo — sussurrei contra seus lábios. — Sempre, sempre.
— Jurei com ondas de prazer percorrendo através de cada célula de meu
corpo. — Sempre.
— Eu também te amo, pequena, muito. Mais do que imaginei ser
capaz de amar alguém.
Com essas palavras de amor, olhando dentro dos meus olhos, ele
empurrou mais depressa, com desespero tamanho que o topo de minha
cabeça bateu no almofadado da cabeceira, e neste instante, apesar da
ardência ter se intensificado, eu explodi ao mesmo tempo em que meu
nome saiu dos seus lábios colados nos meus.
Ficamos parados, ofegantes, tremendo, esperando que as
sensações passassem. Ele levantou a cabeça que estava sobre a curva do
meu pescoço. Não sei se estava olhando para mim, pois meus olhos
estavam fechados. Maravilhada. Mas sentindo que a ardência ia voltar.
— Bia, está tudo bem? Eu machuquei você?
— Não... quer dizer, estou bem. Só tentando voltar do universo
onde fui parar. — Abro meus olhos e vejo seu rosto. — Acho que fui ao
paraíso.
— Então por que tem lágrimas saindo do canto dos seus olhos?
— Passa o dedo de leve na lateral do meu olho.
— O que você esperava. É o momento mais emocionante da
minha vida. — Seguro seu rosto entre minhas mãos. — Não consigo
nem descrever o quanto foi perfeito.
— Eu imagino, foi para mim também. — Ele beija minha testa,
meus olhos, nariz, meus lábios. — Nunca senti isso com ninguém, Bia.
Sabe por quê?
Minha voz está embargada, engulo em seco e faço um leve
movimento com a cabeça negando.
— Porque você é a mulher da minha vida. A única que faz meu
coração bater forte. A única mulher que me fez amar além da razão. E
eu vou te amar para sempre, pequena, você tem meu coração.
Eu o abraço apertado, sorrindo, chorando ao mesmo tempo.
E assim que desperto das lembranças, porém sem o sorriso de
felicidade e o coração repleto de alegria e certeza de que ficaríamos para
sempre juntos. A única certeza do momento é que tudo não passou de
ilusão.
Pego o telefone e ligo para a Alícia sem me preocupar com a
hora. Ela demora a atender.
— Bianca?
— O que o Guilherme disse na primeira vez de vocês?
— Como? — pergunta surpresa.
— Eu... eu estava lembrando da nossa primeira vez. Só... só
queria saber como foi com você. Ele foi cuidadoso? O que ele disse?
Que te amava?
— É muito estranho você me ligar a essa hora e perguntar uma
coisa assim. Mas vou ser honesta com você, mesmo achando que está
maluca e deveria esquecer isso. Não, ele nem soube que foi o primeiro.
Eu não disse. Eu... Ele tinha bebido um pouco, eu meio que seduzi o
Guilherme e ele não teve outra opção. Com medo de que ele se
arrependesse eu menti, disse que ele não era o primeiro.
— Como um homem pode não saber que foi o primeiro de uma
garota?
— Eu não queria que ele soubesse. Eu era uma adolescente
desmiolada. Ele desconfiou e eu disse que já tinha feito sexo com outro
antes. Para ele ficar tranquilo. Ele não disse que me amava ou que estava
apaixonado. E nem eu a ele. Apesar de ter sido... quer saber? Você
deveria esquecer isso. Faz parte do passado, eu não sou a mesma de
antes assim como ele não é.
— Só me responde uma coisa, Alícia. Vocês ficaram juntos
depois que eu e ele começamos a namorar? — Ela parece pensar no que
vai dizer, o que faz meu coração se apertar, pois já sei a resposta.
— Não, Bianca, não ficamos juntos. Mesmo antes de vocês
começarem a namorar, nós não ficamos, já fazia tempo. Houve uma vez
em que... poucos dias que anunciaram que estavam juntos a gente se
beijou. Estávamos discutindo e aconteceu. Foi um beijo rápido e sem
sentido... nos arrependemos mesmo antes de acabar. Foi só um beijo e
nunca mais voltou a acontecer.
— Não foi só um beijo, foi traição. E provavelmente nada sem
sentido.
— Bianca, o que teve entre mim e Guilherme não passou de
tesão, desejo.
— Você não sabe do que está falando, ele amava você, e quer
saber? Não liguei para pedir seus conselhos.
Desligo a chamada sem me despedir. Será que um dia vou
conseguir esquecer isso tudo?
Capítulo 23
Guilherme
Tiro o jaleco e coloco sobre o encosto da cadeira. Esfrego os
olhos com força por causa do sono, não tenho dormido nada e
trabalhado muito. Ouço uma batida na porta em seguida ela se abre.
— Posso entrar? Sua secretária disse que não estava ocupado. —
Murilo, marido da Alícia e colega de trabalho, entra na sala.
— Claro. Fique à vontade. Está precisando de uma consulta? —
brinco.
— Sou médico, qual o sentido de um ir se consultar? — rebate
fazendo-me rir. — Esqueceu que médicos são iguais a deuses, não
precisam de médicos?
— Acho que adquiri um pouco de humanidade e acabei
esquecendo. — Entro na brincadeira.
— Vim ver como você está. Trabalhou duro para me cobrir
enquanto eu estava em lua de mel. Quero dizer que se precisar de
descanso pode contar comigo.
— Você acabou de se casar, tem que curtir sua esposa em casa.
Que conversa é essa?
— Quanto a isso, não é bem assim. Alícia está na residência e
pegando todo plantão que tem, diz que não quer ser taxada de estar aqui
por ser filha do dono do hospital. Então prefiro ficar aqui do que sozinho
em casa.
— Eu a entendo perfeitamente. Também fazia isso. Na verdade,
faço até hoje. Acho que iremos passar o resto da vida tentando provar
isso.
— O que é uma tremenda besteira. Você é um excelente
profissional. Não tem nada a ver essa de ser filho do dono. Que se foda a
opinião dos outros.
— Diz o homem que negou uma promoção porque ia se casar
com a filha do chefe do hospital. Esse discurso me pareceu meio
hipócrita.
— São coisas distintas.
— Para mim é a mesma coisa.
— Não vou entrar nesse assunto. Bom, vou deixar você ir
descansar. Consegui convencer a teimosa da minha esposa a ir para casa.
— Levanta a mão para o céu.
— Que ótimo. Acho que vou jantar com vocês então — brinco.
— Nem ouse pensar uma coisa dessas. Estou de lua de mel.
Esqueceu? — Levanta-se colocando a caneta no bolso do jaleco.
— Credo, pensei que recém-casados gostassem de receber visitas
em casa.
— Pensou errado. Recém-casados gostam de trepar, o tempo
todo em qualquer lugar. E visita só atrapalha.
— Desnecessário dizer isso para um cara que está há meses na
seca — desabafo e ele ri dando um tapinha em minhas costas.
— Coitado. Deveria resolver isso. Bom, preciso ir. Já sabe, se
precisar estou disponível. Ok?
— Dispenso, prefiro mulheres. Uma em especial.
— Há, há, há. Você entendeu.
Murilo sai e resolvo ir embora também. Passo pela cantina para
tomar um café antes de sair, pois estou com sono, resultado de muito
trabalho e noites mal dormidas. Vejo a Alícia sentada em uma mesa e
faço um gesto para que ela espere. Pego o café, uma turma de
enfermeiras está rindo distraídas olhando uma revista quando passo por
elas. Ouço uma delas dizer meu nome e diminuo o passo.
— Dr. Guilherme é lindo, mas olha só para esse cara. Sei não,
mas foi uma troca justa.
— Dr. Guilherme faz o tipo certinho demais, já esse cara, olha a
cara de bad boy, isso deve ter uma pegada, adoraria bagunçar esses
cabelos longos. — Dou alguns passos para trás de volta ao grupo e tento
ver do que elas estão falando. Mas já imagino de quem seja, cabeludo,
com cara de bad boy?
— Eu prefiro o Dr. Guilherme, deve ser um saco sair com
alguém famoso assim. E esse cabelo nem é tão bonito. Parece mulher,
credo.
— Esse não é o filho do Dr. Arthur Santini? Muito gato.
— O próprio. Uma família abençoada de homens gostosos essa.
— Boa noite! — digo alto fazendo com que se assustem. —
Posso ver?
— Dr... Dr. Guilherme? — uma delas diz vermelha como um
pimentão enquanto esconde a revista atrás das costas.
— O próprio. — Alguém diz, toma a revista da mão dela e me
entrega. — Claro, Dr.
Devo ter ficado pálido quando vejo a foto da Bianca e do Samuel
sorrindo na capa da revista de fofocas, pois sinto o sangue sumir do meu
rosto. A manchete diz: “O piloto Samuel Santini é visto com nova
namorada, a linda Bianca Maldonado, herdeira...” Devolvo a revista
para ela sem terminar de ler, não preciso.
— Obrigado. — Sigo para a mesa com meu café quase
derramando, pois a minha mão treme de raiva. Se o copo fosse de
plástico já teria sido destruído.
— Oi, Gui. O que foi? — Alícia se assusta quando bato a xícara
com força sobre a mesa derramando café.
— Ele deve ter visto a revista. — Natália, esposa do Gabriel diz.
— Você sabia? — pergunto reprimindo a vontade de socar a
mesa.
— Natália acabou de me contar que viu a foto na capa... Talvez
não seja verdade, sabe que a imprensa mente muito e... — Alícia diz
apreensiva.
— Não é mentira, eles estão juntos, eu sei...— passo a mão pelo
cabelo. — Quero matar aquele filho da puta.
— Eu sinto muito, Gui. — Ela segura em minha mão. Percebo o
remorso impresso em sua voz.
— Você não tem culpa, Alícia, se é isso que está pensando.
— Eu já disse isso para ela, mas vira e volta ela está com essa
conversa. Tem que parar de sentir-se culpada. — Natália diz levantando-
se. — Preciso ir. Aparece lá em casa, Guilherme. Gabriel vai ficar feliz e
a Anelise mais ainda.
— Eu estava indo embora. Vai ficar bem? — pergunta Alícia
segurando em minha mão. — Quer que fique com você?
— Também já estou indo embora, Alícia.
— Quer que eu vá com você? Talvez queira conversar, sei lá.
— Pode ir, seu marido está te esperando. Não se preocupe, eu
ficarei bem.
Por pouco não vou atrás das enfermeiras para pegar a revista, ler
a maldita reportagem. Assim que saio do hospital, a primeira coisa que
faço é procurar uma banca de revista. Antigamente era mais fácil
encontrar uma, tinha em todo lugar. Então me lembro do motivo de não
haver mais tantas assim. Pego o celular e faço a busca. Encontro muita
coisa relacionada aos dois, abro a reportagem da revista em questão.
Bianca está ainda mais linda na reportagem do que na capa. Seu vestido
de couro preto abraça seu corpo com perfeição. A mão do Samuel aperta
a dela possessivamente enquanto caminham para o carro.
Ela está sorrindo.
A nota diz que os dois estão namorando, que Bianca havia saído
de um relacionamento de anos com o filho do governador com quem iria
se casar, ficou sozinha por cinco meses e agora está dando mais uma
chance ao coração com o jovem e lindo piloto.
É pequena, será que perdi você para sempre?
Encosto a cabeça no banco. Não consigo segurar a lágrima que
escapa por meu rosto. Soco o volante por vezes consecutivas. Ligo o
carro e vou atrás dela. Sei que está fazendo residência no HMA. Não
procuro por ela na recepção, não quero atrapalhar o atendimento. Fico
por horas esperando na saída até que a vejo saindo olhando
distraidamente para a tela do celular. Veste calça jeans clara e blusa
verde de alças finas. Seus cabelos amarrados em um rabo de cavalo e
sem nenhuma maquiagem é a visão mais linda que já vi. Meu coração
quase sai pela boca. Sinto tanta saudade, uma vontade imensa de correr
até ela e tomá-la em meus braços. Como dói não poder fazer isso.
— Bianca — Chamo seu nome e ela paralisa. Gira
vagarosamente em minha direção. Seus olhos encontram os meus e eu
percebo que está nervosa. Minha presença incomoda porque ainda me
ama, eu sei que sim. — Quero falar com você.
— Tudo bem, Guilherme? — diz de forma fria, como seu fosse
alguém que ela mal conhece.
— Não faz assim, Bianca — suplico chegando mais perto.
— Não faz o quê? Você aparece do nada no meu trabalho e quer
que faça o quê? Que faça festa e pule nos seus braços sendo que sequer
estou feliz em te ver?
Que língua ferina.
— Está namorando o Samuel? — me aproximo mais.
— Senhorita, tudo bem por aqui? — Um homem forte, alto,
vestido em um terno me encarara ameaçadoramente. Presumo ser o
segurança dela, pois Enzo me disse que todos em sua casa estão andando
com seguranças depois que descobriram a sabotagem no carro dela.
— Está sim, não se preocupe. Pode me esperar no carro, por
favor. — Ela me encara e se afasta um pouco sem responder a minha
pergunta.
— Está namorando o Samuel? — repito a pergunta.
— Eu não devo satisfação da minha vida a você e nem a
ninguém. E se estiver com alguém? O que você tem a ver com isso? Sou
livre para ficar, transar, sair, namorar e até me casar com quem eu
quiser. E não é você quem eu quero. Acredite.
Suas palavras me causam uma dor tão profunda que até paro de
respirar.
Capítulo 24
Bianca
— Você não imagina o que está fazendo comigo, Bianca. —
Uma lágrima cai dos seus lindos olhos e enrijeço. Limpo a gota teimosa
que insistiu em cair dos meus olhos sem minha autorização. Não posso
fraquejar. Não posso. — Está me matando a cada dia. Está quebrando
meu coração.
Engraçado ele falar sobre coração partido, será que não sabe que
ele fez isso comigo? Que jamais poderá restaurar os estilhaços deixados
pela mentira?
— Eu sei bem o que é ter o coração quebrado, Guilherme. Você
me mostrou isso com propriedade.
— Eu... eu mereço isso que está fazendo, eu sei. Mas sabe o que
me deixa ainda mais triste? — Ele chega tão perto que posso sentir o
calor do seu corpo. — Eu deveria me vangloriar em saber que é em mim
que você pensa enquanto está com ele. São minhas mãos que você
queria que estivessem em você, por cada parte do seu corpo. Só a minha
boca faz você delirar e gritar de prazer. E sou eu quem você enxerga
quando fecha os olhos e tem sua boca sobre a dele. Mas isso não me
consola, isso me quebra ainda mais. — Ele se afasta bruscamente. — E
o pior é saber que fui eu a fazer isso com você.
Algumas pessoas passam pelo estacionamento olhando curiosos
para nós dois.
— Que bom que tem ciência de que a culpa é sua. Agora me
deixa em paz.
— Paz é tudo que nem eu nem você conseguimos ter, Bianca. —
Ele segura em meus braços encostando seu corpo no meu. Minhas
pernas fraquejam pelo toque de suas mãos em mim. Meu coração bate
ainda mais acelerado.
— O que você pensa que está fazendo? — Faço movimento
brusco soltando-me de seu aperto. Ele é muito mais forte do que eu, se
quisesse poderia me segurar, no entanto, ele permite que o afaste.
— Eu não vou desistir de você, minha pequena. Eu vou te
esperar, vou te dar o que você quer, e se rastejar aos seus pés, sofrer e
mendigar por sua atenção é o que você precisa, então eu pago o preço.
Pegue tudo o que quiser. Namore quem quiser. Mas faça o seu melhor.
Porque. Eu. Não. Vou. Desistir. Jamais ouviu bem? Eu não vou desistir
de você.
Cada palavra que ele diz abala minhas estruturas e me deixa com
muita raiva. Raiva de mim por querer tanto esquecer de tudo. Por saber
que se ele continuar insistindo não sei se terei forças para suportar.
Certamente cederei e não quero fazer. Não quero me esquecer de tudo,
não quero perdoar. Minha mãe me diz que para perdoar basta querer.
Esse é o problema, eu não quero.
— Presta bem atenção no que vou te dizer, Guilherme, se você
realmente me ama como diz me amar, quero que faça um favor. Não me
procure mais, me deixe viver minha vida, minhas experiências, ser livre.
O que eu sentia por você não era amor, era obsessão e isso eu sei que
posso dominar porque já estou conseguindo fazer. Eu realmente quero
seguir em frente, e você fazendo o que fez hoje só me machuca, me faz
sofrer. Entenda que não quero mais nada com você. Essa obsessão tem
que acabar. Acabou, siga em frente, não iremos voltar e não pretendo te
dar mais uma chance. Nunca. Isso é um adeus definitivo. — Ele fica em
estado de choque com as lágrimas molhando seu rosto.
Eu saio dali sem olhar para trás e com o coração ainda mais
despedaçado. Que porra ele pensa que está fazendo? Como sabe que
estou com o Samuel? Saímos apenas duas vezes. Na primeira, ele deixou
claro que queria ficar comigo. Mas só na segunda vez nos beijamos. Não
posso dizer que não gostei, entretanto Guilherme tem razão quando disse
que pensei nele, que desejei ser sua boca, suas mãos. Samuel deve ter
percebido isso, pois me disse que entendia minha situação, que não vai
me pressionar. Eu quero dar essa chance ao Samuel, a mim.
— Está tudo bem? — Meu segurança pergunta assim que entro
no carro e bato forte a porta.
— Não, não estou nada bem. Me leva daqui, por favor. — Olho
para o Guilherme ainda parado no meio do estacionamento olhando na
direção do carro. Suspiro fundo e encosto a cabeça no banco fechando
os olhos e deixando as lágrimas rolarem livremente por meu rosto.
Pego o celular e começo a digitar uma mensagem.
Eu: Sinto muito, não estou muito bem hoje. Podemos sair outro
dia?
Samuel: Claro, espero que não seja nada sério. Posso ir ficar com
você se quiser.
Eu: Não precisa, Samu, estou com uma enxaqueca terrível.
Preciso me isolar no quarto escuro e silencioso.
Samuel: Tadinha. Melhoras, me ligue se mudar de ideia.
Eu: ok.
Cancelo o encontro, será aniversário de um amigo dele e eu o
acompanharia. Mas depois desse encontro com o Guilherme não
conseguirei olhar nos olhos do Samuel, muito menos deixar que me
beije. Eu estou ficando louca por levar esse relacionamento a diante?
Devo ter uma conversa com ele e dizer o que está acontecendo? Dizer o
quê que ele já não saiba? Não quero machucar o Samuel, deixei claro
que corre esse risco, o problema é que ele quer tentar e eu quero muito
que ele consiga.
Depois de pensar muito, começo a digitar outra mensagem,
apago muitas vezes incerta se devo mesmo fazer isso.
Eu: Sinto muito. Cada palavra que disse é a pura verdade. Não
me procure mais. Refaça a sua vida, pois estou refazendo a minha e não
tem lugar para você nela.
Guilherme: Presta bem atenção no que está me pedindo. Farei o
que você quer, Bianca. Não vou mais te importunar e nem fazer você
sofrer. Seja feliz. Tudo que eu quero é que seja feliz, pequena.
Tanto as palavras que mais cedo saíram pela minha boca quanto
as que digitei agora, para ser sincera, doíam ainda mais em mim. Sempre
que dizia essas coisas, os cacos do meu coração cortavam minha alma e
sangrava muito. Doía demais. Muita coisa que dizia e pensava era
bastante difícil de acreditar que era eu, a doce e apaixonada que sempre
faria qualquer coisa para ter o amor da minha vida ao meu lado. Tudo
aquilo parecia um pesadelo do qual eu simplesmente não conseguia
acordar. Eu queria fazer diferente, mas meu orgulho ferido não deixava.
Capítulo 25
Guilherme
Nestes últimos meses tenho tido muita dificuldade para dormir,
em especial hoje depois de tudo que a Bianca falou. Depois de ver a
frieza nos olhos dela, eu percebi que não haveria mais pelo que lutar.
Apesar da vontade de enfiar a cara no álcool, procurei não fazer.
Tive muita raiva dela por estar agindo como uma pessoa fria,
incapaz de perdoar, e de mim mesmo por ter escondido a verdade dela e
causado tudo isso. Mas se tivesse contado antes ela teria me perdoado?
Ela teria me amado e proporcionado os melhores anos da minha vida?
Depois de rolar na cama muitas vezes achei que precisava sair
um pouco.
Sempre fui um homem que gosta muito de sexo, mesmo assim
estou há meses sem transar. Não tenho ânimo para nada, apesar de meu
corpo ter as necessidades e de tudo se acumular dentro de mim prestes a
explodir, eu não conseguia me imaginar com outra mulher. Não tinha
vontade de ficar com outra, não conseguia sentir desejo. Talvez seja
disso que eu precise para tirar a Bianca da minha cabeça, apesar de saber
que não conseguiria, é impossível ficar com alguém quando apenas ela
estava na minha mente, intrínseca em meu coração. Meus desejos são
todos para ela. Só seu corpo seria capaz de saciar a minha fome. Sendo
assim, morreria de inanição. A realidade é que ela nunca me perdoaria e
eu acabaria um celibatário o resto da vida.
Nem tanto, Guilherme, já chega.
Vesti uma roupa para sair, mas mudei de ideia na mesma hora
que passei pela porta em direção ao elevador. Isso prova o quanto estou
sem rumo na vida. Fui para a cozinha e procurei por alguma coisa com
álcool. Encontrei uma garrafa de vodca dentro do armário. Tomei a
bebida direto da garrafa. Para que copo não é mesmo? Os primeiros
goles desceram rasgando, queimando tudo. Enquanto ia bebendo, a
imagem dela ia tomando toda minha mente. Bebi todo o líquido que
depois de algum tempo tornou-se mais tragável, doce até.
Até gostei da sensação de não sentir tanto. Parecia adormecido,
incapaz de pensar direito. E assim fui madrugada adentro até me
levantar em busca de outra garrafa. Não encontrando mais nada, eu fui
me deitar com a dor de cotovelo e o mundo girando ao meu redor.
O barulho infernal da companhia sacodiu e depois esmagou meu
cérebro. Com muita dificuldade fui abrir a porta.
— Bom dia! — Gabriel entra sem que eu o convide. — Veio
morar sozinho para isso? — questiona apontando para a garrafa de
vodca e as latas de cerveja que eu nem me lembrava de ter tomado.
Forço a mente para lembrar que horas tomei essas latinhas, mas não me
lembro de nada.
— Não entendi — minha voz sai estranha até mesmo para mim.
Meu estômago embrulha. — Para isso o quê?
— Que bafo desgraçado, vai tomar um banho, escovar os dentes,
que vou preparar um café para ver se cura essa ressaca.
Faço o que ele manda, pois não estou em condições de discutir
no momento. Depois de tomar banho, tomo um comprimido para dor de
cabeça. Encontro o Gabriel na cozinha colocando ovos em um prato.
— Senta e come alguma coisa — ordena.
— Veio aqui para ficar me dando ordens?
— Não, vim te chamar para ir à praia surfar, mas estou vendo
que não vai ser possível, com essa ressaca que está, é capaz de morrer
afogado.
—Surfar no meio da semana? Sou médico não piloto. Está ligado
que hoje é quinta-feira ainda? — falo tentando fazer uma brincadeira.
— Estou sim. Mas isso não impediu de você encher a cara e não
atender minha ligação. Não é? Sabe que horas são? — Sacudo a cabeça
que não e me sirvo de café. — Onze da manhã. Murilo teve que ir cobrir
você.
— E a Alícia mandou você aqui? — questiono.
— Não, a Nat me disse o que aconteceu ontem no hospital, o
lance da capa de revista e tal, presumi que precisasse de alguém para
conversar. Liguei e você não atendeu, então resolvi vir para cá, fiquei
preocupado. Somos amigos e você anda meio sumido. Minha filha não
para de pedir para encontrar você, ela sente sua falta.
— Eu também estou com saudade da Anelise. Obrigado pela
preocupação. — Agradeço e pego meu celular. Várias chamadas não
atendidas, inclusive minha secretária a qual retorno imediatamente. Que
irresponsabilidade. — Ana, aconteceu um imprevisto e vou me atrasar
muito.
— Então, Dr., eu me antecipei e liguei para o Dr. Murilo, ele
concordou em substituir você na cirurgia das 13:00h, pensei que tivesse
acontecido algo, pois você nunca se atrasa.
— Obrigado, Ana, fez muito bem. Se tiver como remanejar meus
horários. Não consigo mesmo ir hoje.
— É algo em que posso ajudar? Qualquer coisa estarei aqui.
— Nada muito sério. Até mais.
— Até mais.
— Está fazendo isso há quanto tempo? — Ergo os olhos para ele.
— Como assim? Fazendo o quê?
— Bebendo e acordando de ressaca. Dando desculpa para não ir
trabalhar... Essas coisas.
— Claro que nunca fiz isso antes. Está maluco? Essa foi a
primeira vez nesses últimos meses. Apesar de tudo, eu não gosto de
beber, estava levando sem muito drama. Apesar de inconformado e da
saudade que sinto, estava esperando o tempo dela. Mas ontem... ontem,
eu percebi que tudo acabou. Não consegui suportar saber que minha
mulher está saindo com outro. Que ela simplesmente esqueceu que me
ama e está seguindo em frente.
— É foda.
— Muito. Eu fui atrás dela no hospital, Gabriel. O que vi nos
olhos dela... Não tem mais volta, cara. Só espero que... espero que ela
seja feliz com a escolha que fez. Você sabia que ela estava namorando
seu primo? Claro que sabia. Que pergunta.
— Não achava que era algo sério, pensei que ela estava só
tirando onda com a sua cara... Até saber que ela vai com ele no
aniversário da vovó no sábado.
Esfrego o rosto com força suspirando fundo. Mesmo tendo
forçado para comer, depois disso não desce mais nada.
— O que eu faço, Gabriel?
— Ela só precisa de tempo.
— Mais? Seis meses não é tempo suficiente?
— Parece que não.
— Olha o que ela mandou. — Coloco na mensagem e entrego o
celular para que ele leia. — Antes disso ela me disse...
Conto toda história para ele que escuta calado. Devolve-me o
celular e em seguida me encara.
— Nunca pensei que eu chegaria ao fundo do poço. Mas aqui
estou eu.
— Vai desistir? O que sente por ela não é grande o suficiente que
possa fazer você lutar por vocês?
— Você não leu a mensagem? Não ouviu nada do que falei?
— Claro que sim, mas pensa comigo, Bianca passou a vida
correndo atrás de você, suportou você dizendo que gostava de outra,
mesmo assim ela insistiu e não desistiu. Ficou ao seu lado mesmo
correndo o risco de ser só uma substituta. Será que não é isso que ela
espera que você faça por ela?
— Que eu sofra igual um condenado no inferno, fique rastejando
atrás dela até ela resolver me perdoar?
— Não, que lute por ela. Ou você pode desistir e deixar o
caminho livre para o Samuel. E só para esclarecer, ele é apaixonado pela
Bianca desde a adolescência, é um cara muito bacana, verdadeiro e vai
fazer de tudo para que ela te esqueça. E então, seu bundão, vai desistir
sem lutar?
Capítulo 26
Bianca
Os olhos do Samuel chegam a brilharem quando desço as
escadas em direção à sala da minha casa. Ele abre um sorriso e se
levanta para cumprimentar-me, ele me dá um beijo educado na
bochecha, bem próximo à boca. Samuel veste calça jeans escura e
camiseta verde, sapatênis branco com azul. Estamos indo ao almoço de
aniversário da avó dele em Niterói. Então optei por um conjunto de short
e croped floral e sapatilhas dourada. Deixei meus cabelos soltos e lisos.
Não caprichei muito na maquiagem.
— Você está muito bonita — observa. — Linda, como sempre.
— Obrigada. Vamos? — dou uma boa olhada nele antes de
sairmos e percebo que a cor da sua polo combina com seus olhos
brilhantes.
Ele encaixa o braço no meu e caminhamos para o lado de fora da
casa. Há alguns dias quando saiu o boato de que estávamos namorando,
nós conversamos sobre nosso relacionamento. Fui franca com ele e disse
que não esperasse muito de mim. Ele disse que sabia no que estava se
metendo, que eu relaxasse e o deixasse aproveitar os momentos comigo.
Não vou negar que gosto da companhia dele. Não só me sinto bem ao
seu lado como gosto dos seus beijos. Decidimos então que teríamos uma
relação aberta. Ele tem liberdade para ficar com outra pessoa se quiser.
A princípio ele não foi muito a favor disso. Mas no final acabou
concordando, mas mesmo assim garantiu que não ficaria com mais
ninguém além de mim. Não vou me iludir que um homem como o
Samuel fique apenas comigo em uma relação sem sexo.
Samuel abre a porta do BMW vinho e me ajuda a entrar.
— Seus pais chegam que dia? — pergunta colocando o carro em
movimento.
— Eles devem chegar na terça ou na quarta-feira. Ainda não
sabem.
— E você não acha ruim ficar sozinha nessa casa enorme?
— Eu quase não estou ficando em casa. E tem o Alê, ele está no
final do curso e não está indo tanto à fazenda. Mas quanto a ficar
sozinha em casa, eu meio que já me acostumei. Você está lembrando
que no próximo sábado é aniversário da minha mãe?
— Estou. Você acha que...
— Samu, estamos juntos, não estamos? Deixa de bobagem. —
Seguro em sua mão que descansa sobre a sua perna enquanto ele dirige.
Ele faz que sim. Parece ter ficado satisfeito com minhas palavras. Seus
lábios se abrem em um sorriso, leva minha mão aos lábios deixando um
beijo nela. Seguimos conversando amenidades até chegarmos à casa dos
avós paternos do Samuel, que são também avós maternos do Gabriel e
da Alícia. Ele já tinha me dito que é uma reunião simples de família.
A rua está repleta de carros de luxo. A festa está acontecendo na
casa da piscina onde tem uma grande área coberta, daqui podemos ouvir
que tem música ao vivo. Samuel abre a porta para que eu desça. Assim
que ele fecha, eu seguro em sua mão, entrelaço nossos dedos e seguimos
para entrar. Confesso que estou bem nervosa, apesar de conhecer a
maioria das pessoas lá dentro, não posso negar que a situação é estranha.
Somos recebidos pela aniversariante que me abraça apertado e depois ao
neto dela. Ela enlaça o braço no dele e nos arrasta para onde está toda a
família reunida.
— Bia, seja bem vinda! — Shel, a mãe do Samuel me abraça.
— Oi, Bia, senta aqui com a gente. — Anelise, filha do Gabriel e
da Natália pede com um sorriso faltando um dente na frente. Uma
coisinha linda.
— Oi, Ane, vem aqui me dar um abraço. — Ela vem correndo,
eu me abaixo, abraçando-a e deixando um beijo em seu rosto.
— Eu estava com saudade de você — ela diz animada.
— Eu também estava, você cresceu.
Depois de cumprimentar o pai dela, os avós, o restante da família
e mais alguns membros da família que não conheço, nos sentamos ao
lado da Anelise.
— Viu o tio Murilo cantando? — Ela aponta para ele que está
diante do piano tocando uma música do Caetano Veloso. Alícia chega
carregando uma travessa. Coloca em cima do balcão perto da
churrasqueira.
— Bia, tudo bem? — Levanto-me para cumprimentá-la.
É tudo meio estranho. Mesmo que ninguém diga nada, mesmo
que me tratem muito bem, parece que alguma coisa não se encaixa.
Samuel descansa a mão em meu joelho. Coloco a minha por cima da
dele fazendo uma carícia.
— Essa música eu dedico à minha esposa linda. — Murilo diz
dedilhando notas que não conheço. — Descobri recentemente que ela
adora Sandy e Junior, e eu adoro bajular minha esposa. — Pisca para ela
que revira os olhos. Ele é um homem muito bonito. Tem um sorriso
lindo e olhos negros. Sempre achei que fazem um lindo casal.
— Ele é muito idiota mesmo. — Alícia ri enquanto nos
sentamos. — Não para de pegar no meu pé por isso.
— Prima, é um gosto meio duvidoso, você tem que admitir. —
Samuel implica.
— Eu adoro — digo sorrindo muito admirada com a habilidade
dele ao piano. Me lembra muito a infância.
— Quer beber alguma coisa? — Samu pergunta se levantando.
— Traz uma Coca-Cola, por favor.
Então ele começa a tocar uma música muito conhecida por mim.
Olho para a Alicia e começamos a rir e cantar.
— Esse turu, turu turu aqui dentro. Que faz turu turu quando
você passa...
Já tinha visto o Murilo cantar no casamento deles, ele tem uma
voz linda e canta muito bem, assim como a Alícia. Finaliza a música e
faz um gesto chamando-a para ir até ele. Ela se levanta, senta-se ao lado
dele que começa a tocar Olha o que o amor me faz. Alícia canta junto
com ele. Em seguida ele começa a tocar Inesquecível.
Às vezes me pergunto se
Eu viverei sem ter você
Se saberei te esquecer
Passa um momento e eu já sei
Você é o que eu quero ter
Inesquecível para amar
Eu engulo em seco, um nó se forma em minha garganta.
Incomodada com a música, eu me levanto em busca de um pouco de ar.
Samuel está chegando com as nossas bebidas.
— Eu vou ao banheiro. Já volto. — Dou um beijo rápido em seus
lábios e sigo para os banheiros que ficam do outro lado de onde Murilo e
Alícia cantam. Passo por eles quase correndo. Dou um sorriso trêmulo
segurando as lágrimas com dificuldade. Quando entro no banheiro deixo
que elas escorram. Sento-me no vazo tapando os ouvidos com as mãos.
Entretanto ainda posso ouvir.
Se existe céu
Você sempre será
Inesquecível para amar,
Oh, Oh
Respiro fundo várias vezes. Péssimo momento para deixar a
emoção me pegar assim. A vergonha e o medo de alguém ter percebido
como fiquei abalada batem forte na minha cara. Samuel não merece isso.
Não merece que eu esteja chorando no banheiro porque uma simples
canção me fez lembrar do Guilherme. Engulo em seco. Levanto-me e
olho no espelho, ainda bem que não estou usando muita maquiagem.
Depois de me recompor nem parece que tinha chorado. A música agora
é mais agitada. Um rock nacional do Capital inicial – Fogo. Meu
telefone toca e atendo a chamada da minha mãe. O que me dá mais um
tempo até voltar.
— Mãe...
— Oi, amor, está em alguma festa?
— Sim, lembra que te falei do aniversário da avó do Samuel?
— Esqueci, ligo mais tarde para falar com você então. Fala para
todos que mandei um beijo.
— Ok, digo sim. Beijo.
Se alguém percebeu o que aconteceu comigo ninguém disse
nada. Sento-me ao lado dele.
— Minha mãe mandou um beijo para todos — digo sacodindo o
celular.
Vejo o alívio no rosto do Samuel. Ele me puxa para um beijo que
eu retribuo carinhosamente. Murilo deixa o piano e todo mundo
reclama.
— O quê? O cantor também precisa comer. Nem cachê estão me
pagando — brinca.
— Diga seu preço, eu pago. — Gabriel diz, ele ignora e vem até
mim e me abraça.
— Bom te ver, Bia.
— Estou impressionada com o quanto você canta bem. Alícia já
tinha me dito, até pensei que era porque ela estava arrastando um
caminhão por você, mas olha — bato palmas —, você realmente arrasa.
— Obrigado.
— Bia, sabia que vai ter uma festa na minha escola? — Ane diz
toda animada sentando-se no colo do Murilo.
— Lá vai ela. — Natália diz. — Anelise, depois a gente fala com
ela...
— Deixa ela, amor. — Gabriel reprime a esposa. — Continua,
filha.
— Então, vai ter essa festa lá na minha escola, é o dia das
madrinhas, eu não tenho madrinha, só padrinho. Aí a minha mãe disse
que eu poderia escolher alguém e convidar para ser minha madrinha,
alguém que eu gosto e admiro muito. Eu ia chamar a tia Alícia, mas ela
já é minha tia. — Revira os olhos como se tivesse dito o óbvio. — Não
teria graça uma madrinha tia. Então eu queria saber se você pode ser
minha madrinha? — Abro a boca chocada. Ela me encara com seus
olhos azuis cheios de esperança e carinho. Os meus chegam a lacrimejar.
Engulo em seco.
— Sério? — pergunto e ela sacode a cabeça que sim. Olho para a
Natália que faz um movimento com os ombros quase que pedindo
desculpas. — É claro, eu adoraria ser sua madrinha. Seria uma honra.
— Ebaaaa. — Ela pula em meu colo e beija meu rosto. — Viu,
mamãe, agora tenho uma madrinha e um padrinho.
Nem pergunto quem é o padrinho. Pela cara de todo mundo aqui
presente, eu já sei de quem se trata.
— O almoço está servido. — Tia Karina chama batendo palmas.
O restante do dia corre tranquilo. A festa termina já tarde da
noite. Quando Samuel me deixa em casa ele me encara sério.
— Posso entrar? Acho que a gente precisa conversar.
Capítulo 27
Dia corrido demais para mim. O aniversário da minha mãe
geralmente comemoramos na ilha, mas por conta dos meus plantões, das
provas do Alejandro, iremos comemorar em casa mesmo. Meu pai
preparou uma festa e o Enzo veio de surpresa para a completa felicidade
da mamãe que ama ter seus filhos ao seu lado nesses momentos. Saí do
hospital e passei no cabelereiro, em seguida fui buscar o presente dela
que havia encomendado há alguns dias.
Já cheguei há um tempo em casa, estou pronta, apenas
protelando para descer temendo o momento de encontrar o Guilherme.
A questão é que Samuel virá para a festa, e como meu namorado. Não
sei como o Guilherme irá reagir. No dia que Guilherme foi atrás de mim
no hospital, nós não estávamos namorando de fato, era apenas um boato.
Estávamos saindo como amigos apenas. Só depois do aniversário da avó
dele decidimos tentar, já que estava todo mundo sabendo do nosso
envolvimento. Existe sempre o julgamento, acham que estou usando o
Samuel, mas eu realmente gosto dele, e se ele quer me ajudar a esquecer
o Guilherme sem pensar nas consequências, eu vou dar essa chance a
ele. A nós. Farei de tudo para retribuir os sentimentos dele.
— Bia, não vai descer? — Enzo entra em meu quarto com as
mãos nos bolsos da calça. — O Samuel já chegou faz um tempo.
Estou diante da porta da sacada do meu quarto olhando para o
jardim, buscando coragem para descer.
— Eu já vou, só... estou terminando de me arrumar.
— Sei, quer que te espere? Na verdade, Bia, já está todo mundo
lá embaixo estranhando o motivo de você não ter descido ainda. — Ele
me olha analiticamente. — E para mim, você já está muito bem
arrumada.
— Eu já vou.
— Está apreensiva por causa do Guilherme? Está com medo de
estar no mesmo lugar que ele e o Samuel? É isso?
Sim, talvez seja isso. Ou talvez eu não esteja querendo sentir
meu coração bater tão acelerado, nem lutar contra a vontade de beijar o
Guilherme ou de bater nele.
— Não é medo, mas... eu não sei explicar.
— É bem normal, Bia, mas não se preocupe, Guilherme avisou
que não vai vir.
— O quê? — grito embravecida, o que faz o Enzo franzir o
cenho. — Ele é afilhado da nossa mãe, como pode fazer uma desfeita
dessas para ela? Ele sabe a importância que a mãe dá para isso.
— Eu achei a decisão dele bem sensata.
— E eu uma tremenda falta de consideração. — Ando em
direção à porta para sair, mas as palavras do Enzo me param antes que
eu faça.
— O que você queria, Bia? Que ele viesse e encontrasse você
seguindo em frente com seu novo namorado enquanto ele está sofrendo
o inferno? Ele não foi sem consideração, hoje ele almoçou com a mamãe
para entregar o presente dela e se desculpar por não vir. Sabe o que ele
disse? — Sem palavras sacudo a cabeça que não. Talvez nem quisesse
saber, pois meu irmão tende a ser bem cruel às vezes. — Ele disse que
não queria causar constrangimento para você e nem indisposição com o
seu namorado, então achou melhor passar o dia com a nossa mãe. E ela
entendeu e aceitou bem a decisão dele. Guilherme só está fazendo o que
você pediu, mantendo-se distante e deixando você seguir com a sua
vida, assim como você pediu. Agora vamos descer que... — Começo a
chorar de raiva e ele se cala.
Raiva do Guilherme por fazer isso, raiva de mim por impedir que
alguém tão importante para a minha mãe não estivesse aqui para
comemorar com ela, pois ele tem a mesma importância de um filho.
Raiva do Enzo por dizer essas coisas. Eu esperava um abraço do meu
irmão, um pouco de empatia e compreensão, no entanto ele passa direto
por mim. O que há comigo? Eu queria que ele estivesse aqui? Queria
sim, no fundo eu queria exatamente tudo aquilo que o Enzo falou e
ainda mais, queria ver o Guilherme sofrer.
— Espero você lá embaixo, não demora.
A indignação de ver meu irmão agir desse jeito comigo me deixa
de boca aberta. Fico olhando-o desaparecer pela porta sem acreditar que
meu carinhoso e compreensivo irmão estava agindo como a criança
implicante que me atormentava quando eu insistia em dizer que gostava
do amigo dele. O que foi isso?
Recupero-me e entro no banheiro para verificar a maquiagem,
depois desço para a festa. Na primeira oportunidade que tiver irei me
desculpar com a mamãe, sei que ela deve estar chateada, pois ama o Gui
como um filho. Em contra partida irei ter uma conversa séria com o
Enzo por conta dessa atitude que ele acabou de ter comigo. Eu sou irmã
dele, esperava um pouco mais de carinho.
Quando chego ao jardim onde está acontecendo a recepção,
todos estão olhando para mim. A primeira pessoa que cumprimento é
minha ex-sogra.
— Oi, Bia, tudo bem? Está linda, como sempre. — Abraça-me
carinhosamente.
— Obrigada, sog... tia Kami. — Quase a chamo de sogra por
força do hábito. Ela sorri compreensiva.
— Minha nora favorita. — Tio Rafael diz beijando minha testa.
Ele me cumprimenta assim mesmo antes de Gui e eu começarmos a
namorar, então não deveria sentir esse aperto no peito, não é?
— Governador, quanta honra.
Sigo cumprimentando as pessoas no caminho até chegar a minha
mãe, mas nada de encontrar o Samuel.
— Filha, você demorou. Enzo me disse que não está se sentindo
bem? O que foi? Estava chorando? — pergunta preocupada olhando
meu rosto em busca de resposta.
Minha mãe me conhece bem, basta uma olhada e ela já sabe que
tem alguma coisa errada. Eu não quero que ela fique preocupada. Hoje é
aniversário dela, então invento uma desculpa, depois converso com ela.
— Não foi nada, mamãe. Só uma dor de cabeça, mas já passou.
— Oi... — abro um sorriso ao ouvir a voz do Samuel. Ele segura
em minha cintura, eu giro e beijo de leve seus lábios sob os olhos
atentos da minha mãe.
— Oi, onde você estava? — pergunto. Ele está lindo vestindo
camisa social preta dobradas até o cotovelo, calça clara e seus cabelos
amarrados para trás com um elástico que depois terei prazer em tirar,
pois gosto do aspecto selvagem que os cabelos bagunçados lhe dão.
— Conversando com meus pais e o Gabriel. Está melhor?
— Sim, estou. Licença mamãe, já volto. — Entrelaço meus
dedos nos dele e o puxo para um canto mais afastado onde ninguém nos
veja.
— Ei, o que foi? — pergunta. Paro ao lado de uma árvore e
puxo-o pela gola da camisa.
— Não foi nada, só queria te compensar pela espera. — Beijo
seus lábios de forma intensa.
O que estou fazendo? O problema é que não consigo fazer nada
de forma morna. Eu sou intensa, e se ficar com o Samuel foi a minha
decisão, então farei de tudo para tornar os melhores momentos
possíveis. Ele sorri enquanto retribui o beijo, segura forte minha cintura
e me puxa ainda para mais perto. Seu beijo é habilidoso, delicioso e me
faz esquecer por um tempo que não é ele quem eu realmente queria
beijar. Digo por um tempo, pois quando suas mãos entram em meus
cabelos de forma possessiva e sua língua encosta na minha, minha
mente me trai e vejo a imagem do Guilherme, seus olhos me encarando
enquanto nos beijamos. Isso é um balde de água fria sobre mim.
— Gostei disso. Confesso que não sabia como agir perto dos
seus pais, em especial por causa dos pais do Guilherme. — Meu corpo
estremece todo só de ouvir o nome dele. Engulo em seco e me afasto um
pouco.
— Não é como se todos eles fossem estranhos para você, Samu.
Todo mundo o conhece a vida toda, seus pais estão aqui. Então está em
casa.
— Você tem razão, e o Guilherme? Eu não o vi ainda, não vai
vir? — pergunta com naturalidade.
— Parece que não. Mas vamos deixar isso para lá, nada disso
deveria importar. Vem, já demorei para descer, se ficar sumida por
muito tempo a coisa não vai ficar boa para o meu lado.
— Vamos... — Pego sua mão e vou para sair, mas ele me puxa
para seus braços novamente. — Só mais um beijo.
Sua boca procura a minha exigente. Eu retribuo e dessa vez não
me vem nada à mente a não ser o gosto delicioso dos seus lábios, seu
perfume e o calor do seu corpo.
Capítulo 28
Guilherme
Estou sentado no sofá da minha sala, mudando o canal da TV a
cabo em busca de algo que prenda a minha atenção. A porta se abre e
olho para trás surpreso com a visita inesperada.
— Nicole?
— Olá, que cara de surpresa é essa? Não posso vir visitar meu
irmão mais velho? — Vem até o sofá e beija o meu rosto. Depois coloca
a bolsa na mesa ao lado do sofá.
— Claro que pode. Sempre que quiser.
— O que tem para comer? — Vai para a cozinha que divide
espaço com a sala, separada apenas por uma bancada.
— Ainda não havia pensado em nada. — Deixo o controle em
cima do sofá e sigo atrás dela.
— Se a mamãe vier aqui vai infartar, sabia? — diz fechando a
geladeira. — Nem água você tem aí dentro.
— Não costumo cozinhar só para mim. Já ia pedir alguma coisa.
O que você sugere? — Pego o celular para fazer o pedido. — Uma barca
de japonês com sashimi extra? — pergunto sabendo que ela ama peixe
cru.
— Não, hoje não estou a fim de sushi. — Fecha a porta do
armário. Acho estranho a sua recusa, pois ela ama sushi. — Nem pão de
forma você tem aqui? Deveria ter vergonha, isso é preguiça de ir ao
supermercado? Vai arrumar, vamos agora fazer compras.
— Nick, relaxa. É só dizer o que você quer, em vinte minutos
estará aqui. Estou cansado, não vou enfrentar fila de supermercado
agora.
— Tudo bem, pede uma pizza então. Vou dormir aqui e amanhã
cedo vamos ao supermercado. — Ela volta para o sofá.
— Vamos?
— Sim, ou prefere que peça para a mamãe te acompanhar?
— Tudo bem, vou com você. — Ela sorri arteira com a vitória.
Faço o pedido da pizza e me sento ao seu lado depois de
empurrar as suas pernas que estavam em cima do sofá. Ela coloca as
pernas sobre meu colo e começa a mudar de canal. Deixa em um filme
de comédia romântica.
— Nicole, o que está fazendo aqui em pleno sábado à noite?
Nem vem dizer que estava com saudades de mim que eu sei que não.
Fico mais na sua casa do que na minha, nem deu para sentir minha falta.
Não deveria estar com o seu noivo ou coisa parecida? — O celular dela
que está sobre o braço do sofá começa a tocar, ela recusa a chamada.
— E você, não deveria procurar se divertir um pouco? Vai ficar
o resto da vida assim?
— Não se responde uma pergunta com outra.
— É claro, é super normal um homem lindo, rico, inteligente,
ficar em casa curtindo dor de cotovelo enquanto a mulher amada se
diverte com o famoso piloto por aí. Só sabe trabalhar, trabalhar. É muito
certinho, Guilherme. Está desperdiçando sua juventude.
O comentário da Nicole me paralisou. Não era a primeira vez
que eu ouvia alguém dizer que eu estava me dedicando demais ao
trabalho e que estava deixando muito de lado minha vida enquanto a Bia
seguia feliz com a dela.
— É sério que a conversa veio para o meu lado? Sou um certinho
chato então?
— Sim, é um saco às vezes. Você é cuidadoso e gentil por
natureza, é um homem de princípios. Está fazendo tudo certo, esperando
a Bianca decidir te perdoar. Não fica com ninguém. Está sendo o
homem perfeito.
— E por que isso deveria ser visto como negativo?
– Porque você não precisa ser o homem perfeito o tempo todo. O
mundo não vai acabar se você sair da linha. Eu acho que deveria ser
mais agressivo. Esquecer a promessa que fez de dar tempo a ela.
Deveria sair e se divertir. E deveria mostrar que está fazendo isso.
Bianca tem que sentir que pode perder você.
— Acho que você se esqueceu de um detalhe. Fui eu quem a
perdi nessa história. E não tente tirar o foco para mim, porque eu sei o
que está fazendo.
Apesar de ter percebido a tática de manipulação da Nicole, ela
pode ter razão no que está dizendo. O telefone dela agora está no mudo,
mas não para de iluminar a tela. Ela suspira fundo, pega o celular e
digita furiosamente uma mensagem.
— Então, estou esperando. — Levanta os olhos para mim
enquanto coloca o celular de lado. — Veio aqui se esconder do seu
noivo?
— Não, eu vim buscar os conselhos do meu irmão mais velho.
— O chato certinho que nunca faz nada errado?
— Nunca diga nunca, meu caro, você fez merdas das grandes,
não se esqueça. Ok, se redimiu, mas fez. — Começo a rir e fazer
cocegas nos pés dela. — Para, credo, estou tentando falar sério com
você.
— Então está bem, diga. Sou todo ouvidos.
— Eu... eu acho que estou grávida — dispara sem rodeios
mostrando ser a Nicole de sempre. Nunca enrola para dizer o que tem
que ser dito.
— Grávida. Então você acha, não tem certeza?
— Sim, foi o que acabei de dizer.
— Então por que não fez um exame ainda?
— Eu comprei alguns testes de farmácia. Não tive coragem
ainda. Guilherme, estou morta de medo, meu pai vai me matar. Minha
vida vai virar de cabeça para baixo...
Então ela começa a chorar desarmando-me completamente.
— Ei, vem aqui. — Puxo sua mão e ela me abraça. — Não é o
fim do mundo. Quando nossos pais se casaram, mamãe já estava grávida
de mim. Mesmo que você não estivesse noiva, isso não seria motivo
para pensar assim. O que o Frederico disse?
— Ele não é o pai. Esse é o problema.
— O quê? — Minha surpresa é tanta que me levanto de uma vez
quase derrubando minha irmã do sofá. — Você tem um amante, Nicole?
— Que palavra mais antiquada...
— E quer que eu use que adjetivo?
— Um que não soe tão pejorativo quanto esse. — Ela se senta
ereta me encarando. — Eu... estou perdida, sem rumo, preciso de sua
ajuda para decidir o que fazer. Para ter coragem de fazer aquele teste.
Não preciso do seu julgamento.
Sento-me novamente ao lado dela no sofá. Seguro sua mão entre
a minha.
— Está bem, eu só fiquei muito surpreso com o fato de você...
Não de estar grávida, mas, de Frederico não ser o pai. Quem é o pai
dessa criança?
— Eu vou te contar toda a história. — O interfone volta a tocar e
eu me levanto para atender. Recebo a pizza e volto para a sala. — Quer
comer agora ou depois?
— Me dá um pedaço aqui, eu realmente estou morta de fome.
Nicole se senta no chão, coloco a caixa ao lado dela. Vou até a
cozinha e pego dois copos para o refrigerante. Sento-me ao seu lado e
ela já está no segundo pedaço.
— Está mesmo com fome. Sabe que se estiver mesmo grávida é
uma irresponsabilidade enorme está passando fome? Sem contar que
deveria estar comendo algo mais saldável e não tomando esse tanto de
refrigerante.
— Eu sei, eu sei, talvez seja por isso que não fiz o teste ainda. É
como se eu não tiver certeza não é real. — Ela bebe quase toda a Coca-
Cola do seu copo de uma vez. — Faz alguns meses, eu descobri que o
Frederico me trai com a assistente dele. Não... — Levanta a mão me
impedindo de falar —, não diz nada ainda. Me deixa falar.
— Eu não ia, juro — minto. Claro que eu ia.
— Eu fiquei com ódio dele, decidi que iria me vingar, que ia
levar o casamento a diante e na igreja ia revelar tudo, que ele é um
interesseiro que está comigo para ter um pistolão político. A Bianca
tentou me convencer do contrário, mas eu estava convicta de que iria até
o fim. Então eu conheci o Marco no casamento da Alícia, confesso que
fiquei encantada com a ideia de alguém se interessar por mim, mesmo
achando que eu era uma simples ajudante de cerimonial. Ele me
confundiu com a moça que organizava a decoração. Ele me seguiu até a
praia e a gente transou. — Ergo a sobrancelha meio em choque. Não que
isso seja o fim do mundo, mas ouvir da sua irmã mais nova que transou
com um estranho é... estranho. — Não faz essa cara, eu nunca, em toda a
minha vida havia feito algo assim. Mas eu não resisti à beleza dele, aos
beijos e... Então desde esse dia que tenho encontros furtivos com ele.
— Ele sabe que vai ser pai?
— Isso não é certeza ainda, Gui. Mas não, ele não sabe de nada.
Nós brigamos, ele está me pressionando para terminar com o Fredy e
ficar com ele. Eu disse que ia pensar no assunto, que mesmo se
terminasse o noivado, eu não iria entrar em outro relacionamento tão
cedo. Ele não gostou da resposta e terminou tudo comigo.
— Você tem certeza de que é ele o pai? Não pode ser do seu
noivo?
— Não tem a mínima possibilidade de ser do Fred, não me dou
bem com anticoncepcional, então sempre usamos camisinha. Nunca
vacilei quanto a isso. Fora que... a gente não está... eu não... a gente não
transa faz tempo.
— Entendi, nunca se esqueceu de se proteger com o seu noivo,
mas com o tal Marco...
— Você não entenderia, com ele é diferente, é loucura, eu perco
a cabeça, fico fora de mim. Não foi só uma vez que esquecemos, quando
vi já tinha... você sabe.
Não digo nada, mas entendo muito bem o motivo dela estar
assim. Minha irmã apaixonada e pelo que tudo indica, é a primeira vez
que se sente assim. O fogo da paixão domina a ponto de perder a cabeça
e se esquecer de tudo, isso só acontece quando está apaixonado. O
celular dela chama mais uma vez.
— É ele que está te ligando agora? — ela afirma com a cabeça
olhando o celular.
— Engraçado, ele disse que para ele não dava mais, que não
queria mais me ver, agora fica me ligando e passando mensagem
dizendo que vai ligar até eu atender.
— Ele está apaixonado, e muito, ou já teria desistido de você e
todo esse seu drama.
— Eu sei... — sua voz sai em um sussurro, meio embargada. —
Ele me disse que nunca amou alguém como ele me ama. Mas...
— Você está cega por se vingar do babaca do seu noivo.
— É isso. Mas também tem o fato de ser muito cedo, mal nos
conhecemos.
— O que você sente por ele?
— Por quem? — reviro os olhos para ela.
— Você sabe quem, eu nunca achei que você amasse o
Frederico, até já te perguntei uma vez se tinha certeza de que se casaria
com ele.
— Eu o amo.
— Então qual o problema? Termina com o Frederico e pronto.
Agora você tem uma criança para pensar além de você, Nicole. Está
tendo uma visão muito errada dos nossos pais. Nós iremos apoiar sua
decisão, seja qual for ela. — Faço um carinho no seu rosto. Uma lágrima
cai sobre sua face e eu limpo com o dedo. — Agora vai lá, pega o teste
que está na sua bolsa e acaba com essa agonia.
Ela sorri meio sem graça. Suspira fundo e se levanta, pega a
bolsa e vai para o banheiro. O celular dela volta a tocar. Eu pego o
aparelho e vejo o nome Dr. Medina na tela e a foto do irmão do Murilo.
Como não liguei o nome à pessoa? Anoto o número dele no meu celular
para caso precise no futuro. Abro um sorriso de satisfação, acho que
posso gostar do meu novo cunhado muito mais do que do antigo. Nicole
está demorando muito. Vou até o banheiro e bato na porta. Ela abre,
então eu vejo seus olhos cheios de lágrimas.
— Esses testes não são confiáveis, não é? Pode dar errado...
— Nicole... — Olho para os seis testes em cima da pia, depois
para o que está em sua mão. — Talvez um dê resultado errado, mas sete
é bem improvável. E então?
— Segundo os sete testes, você vai ser titio.
— Que maravilha! Melhor notícia de todos os tempos. — Corro
e abraço minha irmã que está chorando muito. Afago sua cabeça
enquanto seu corpo sacode de tanto chorar agarrada a mim. — Um bebê
vai trazer muita felicidade para a nossa família, Nick.
— Meu Deus! O que vou fazer da minha vida? — Ela se afasta e
começa a andar de um lado para o outro. — Eu vou ter um filho com um
homem que não é o meu noivo. Pensa quando a imprensa descobrir isso?
E o Marco? E se ele não quiser ter um filho agora?
— Ei, fica calma, tudo vai ficar bem. — Seguro seu rosto em
minhas mãos. — Vai dar tudo certo. Estarei ao seu lado te apoiando,
mesmo que ninguém fique. Não importa o que a imprensa vai dizer, o
que nosso pai vai dizer. Eu vou cuidar de você.
Meu peito se aperta de amor, alegria e um pouco de tristeza, pois
fiquei arrasado quando descobri que ia ser pai, e que meu filho tinha
morrido antes mesmo de se tornar um feto. Eu sofri por um filho que
nem sabia que existia.
— Você promete?
— Claro que sim. Mas vai ter que ligar para o Marco agora,
mandar vir aqui e contar que ele vai ser pai. Um homem deve saber que
tem uma semente dele crescendo, ele tem que mostrar que tem culhões...
— E se ele não quiser assumir uma criança agora?
— Então vai mostrar que ele não merece você. O que eu duvido
muito, Nicole. Tenho certeza que ele vai amar a notícia, vai ficar do seu
lado e te apoiar. E se não o fizer, você não vai precisar dele para cuidar
desse bebê. Ele vai ter amor e cuidado de sobra. — Puxo sua mão e a
levo para a sala, pego o celular e entrego para ela. — Liga para ele.
Capítulo 29
Bianca
Antes que eu pudesse descer da BMW, Samuel já estava abrindo
a porta para me dar a mão e me ajudar a sair. Olhei ao redor enquanto
ele fechava a porta.
Estamos na sede da Excelsior Motors, equipe de automobilismo
que pertence ao tio do Samuel, Vítor, pai do Gabriel e da Alícia. É aqui
que acontecem os testes dos carros e treinos. Já estive aqui para ver o
teste de um dos carros que o Gabriel corria há muito tempo.
— Então, o que mesmo estamos fazendo aqui? — pergunto
segurando sua mão estendida para mim.
— Eu te disse que iria te levar ao meu lugar favorito no mundo,
lembra? Esse é o melhor lugar do mundo, depois da casa da minha avó,
claro.
— Que gracinha, menino da vovó, é? — Aperto sua bochecha
para implicar.
— Não zoa, filhinha do papai.
Samuel me leva para uma pequena colina onde tem uma árvore
enorme e podemos ver toda a pista, inclusive os escritórios. Só quando
chegamos mais perto da árvore, percebo que tem um edredom vermelho
forrado no chão, almofadas beges, uma cesta de vime e um jarro com
flores.
— Samuel, que coisa mais linda! — Dou um beijo em seu rosto
e me sento próximo às flores. Ele se senta, pega uma gérbera, uma flor
que parece muito com a margarida só que de tamanho maior, coloca no
meu cabelo acariciando minha orelha, meu maxilar e queixo no
processo.
— Sempre venho aqui quando quero pensar em algo importante.
Mesmo antes, quando ainda não fazia parte da equipe, eu vinha para cá.
Às vezes, quando eu era mais novo vinha fazer racha aqui com o
Gabriel. — Ele pega uma garrafa de vinho e abre, despeja o líquido nas
taças. Depois coloca uma música no celular. — Uma vez, meu tio
colocou nós dois de castigo, pois eu não tinha nem 14 anos e estava
correndo com uma Ferrari de quase 2 milhões de reais. Se tivesse batido
aquele carro estaria pagando até hoje.
— Foi muita irresponsabilidade.
— Irresponsável era meu nome do meio.
— Era? — implico. Ele pisca o olho de forma misteriosa.
No dia em que fui à festa de aniversário da avó dele, quando me
deixou em casa, Samuel disse que precisávamos conversar. Ele me
perguntou por que saí correndo da mesa. O que tinha me chateado para
agir estranho daquela forma. Eu disse a verdade para ele que ficou por
um tempo pensativo. Depois disse que preferia que eu fosse honesta
com ele. Que apesar de chateado, ele entendia pelo que eu estava
passando.
Voltei a realidade e ficamos conversando sobre o tempo em que
ele esteve morando nos EUA e era piloto de Fórmula Indy antes de
mudar para a equipe do tio. Do nada ele se levanta. Estende a mão para
mim.
— Vem, dança comigo. — Seguro sua mão e me levanto
sorrindo.
A música do Tiago Iorc, Coisa linda está tocando. Ele ergue a
minha mão e me gira na ponta dos pés. Ergo os braços e sacudo o corpo
enquanto ele segura em minha cintura. Depois remexo até o chão
fazendo graça. Ele ri me puxando pela cintura.
— Pode rir, sei que sou péssima dançarina.
— Você não consegue ser péssima em nada, Bia, é perfeita para
mim.
Suas palavras me causam um certo desconforto, ao mesmo
tempo uma euforia, vontade de que algo aconteça, e um sentimento
estranho de que eu realmente desejava ser perfeita como ele pensava que
eu fosse. Só que eu sei que tenho defeitos, e defeitos no coração, o que é
pior. Entretanto, eu não posso negar que estou encantada com o Samuel.
Ele é divertido, lindo, me faz esquecer, deixa tudo mais leve.
Então ele vira de costas e faz um passo imitando o meu. Eu bato
de leve na sua bunda, ele gira olhando-me de olhos arregalados.
— Não, você...
— O quê? Você fica exibindo essa bunda linda, queria o quê? —
Ele aperta os olhos e vem em minha direção. Vou para correr e ele me
pega pela cintura, passa uma rasteira em minhas pernas e me joga sobre
o cobertor. Estamos rindo muito. Paira sobre mim, olhando meu rosto, o
sorriso vai diminuindo, ele abaixa a cabeça e me beija com doçura.
A tarde se foi, comemos e trocamos o vinho por suco, pois ele
tinha que dirigir. Depois, ele me levou para uma volta no carro de
corrida. Fomos embora já passava das oito da noite.
— Vou sentir saudade — diz fazendo uma carícia em meu rosto.
— Eu também. — Pego sua mão e deixo um beijo nela. — Me
diverti muito hoje. — Ele me puxa para um beijo.
Eu já disse que gosto de beijar o Samuel, acontece que a cada dia
que passa, eu gosto ainda mais. Sua boca explora a minha, eu
correspondo o beijo. Ele se afasta e começa a rir.
— O que foi?
— Essa música. — Paro para ouvir a letra de Sameone Like you
da Adele: Não faz mal, eu vou encontrar alguém como você. Não desejo
nada além do melhor para você, também. Não me esqueça, eu imploro,
eu me lembro do que você disse. Às vezes, acaba em amor. Mas às
vezes, em vez disso, ele machuca. — Faz parte da playlist que eu fiz
para ouvir quando você me der o pé na bunda e eu ficar sofrendo,
largado.
— Está de brincadeira — falo muito séria me afastando dele.
— Não estou não. — Ele começa a rir da minha cara de
indignação. — Relaxe, Bia, você e eu sabemos que isso será inevitável.
— Ele faz uma carícia em meu rosto e eu tiro sua mão e me afasto. Ele
fica sério e encosta a cabeça no banco do carro.
— Você é um babaca, Samuel. Estragou um dia perfeito. — Saio
do carro batendo a porta com força. Fico com ainda mais raiva por saber
que ele pode ter razão, e eu não gostaria que isso acontecesse.
— Bia, espera. — Ele corre e segura em meu braço. — Ei,
desculpa, não pensei que isso fosse te chatear tanto.
— Por que está perdendo seu tempo comigo? Se sabe que... Por
que me levou para um passeio romântico, por que me trata como se
quisesse me conquistar se não acredita que será capaz de fazer?
Cruzo os braços e o encaro de forma desafiadora. Ele me olha,
depois olha para a porta da minha casa.
— Eu faço todas essas coisas porque eu gosto de te ver feliz.
Gosto de pensar que talvez, você possa se apaixonar por mim. Porém,
Bianca, eu vejo nos seus olhos, eu sinto quando você me beija que não é
em mim que está pensando naquele momento. Que não sou eu que você
realmente quer estar beijando. Por mais que você queira e se esforce, eu
sinto. Eu não acho que esteja perdendo meu tempo com você, muito
pelo contrário, estou aproveitando cada minuto. Só não estou me
iludindo que você...
— Então eu acho melhor a gente parar por aqui. Eu não estou
passando tempo com você, Samuel. Não quero te machucar, se isso será
inevitável, é melhor acabarmos antes. Não quero nunca que alguém
sofra o que eu sofri.
Mal acabo de dizer isso e lembro-me do Guilherme, se eu não
quero que ninguém sofra o que eu sofri, então por que faço isso com
ele? Guilherme está sofrendo, isso eu sei. Por que estou me envolvendo
com o Samuel? Nada faz sentido e eu sou uma idiota confusa.
— Talvez já seja tarde demais, Bia. E eu esteja bem mais
envolvido do que você imagina.
— Então é melhor pararmos com isso, Samuel.
— Você está terminando comigo?
— Estou e você pode ir embora já colocando a sua playlist para
tocar. — Viro para ir em direção a minha casa, mas ele me segura mais
uma vez.
— Você está com raiva?
— O que você acha?
— Me desculpa. Eu só quis ser honesto com você.
Eu seguro na sua camiseta e puxo para perto de mim. Sou uma
completa contradição.
— Cala a porra da boca e me beija. — Ele sorri e gruda seus
lábios nos meus. Gira meu corpo deixando-me encostada no carro. Meu
irmão caçula escolhe esse exato momento para chegar em casa. O farol
da caminhonete do Alejandro ilumina nós dois antes de seguir para a
garagem nos fazendo interromper o beijo. — Você quer entrar? —
convido.
— Melhor eu ir embora. Eu te ligo amanhã.
— Posso te pedir uma coisa? — ele afirma com um movimento
da cabeça. — Não fala mais essas coisas, e acredite quando eu digo que
estou adorando ficar com você. Você é um cara incrível e eu sei que sou
eu que posso sair com o coração partido, mais uma vez.
— Você sabe que isso não é verdade. Mas tudo bem. Não vou
mais dizer essas coisas, vou fazer de tudo para você se apaixonar por
mim. Agora vem aqui, me beija desse jeito mais uma vez.

Acordo um pouco atrasada devido à dificuldade que estou tendo


para dormir. Demoro a pegar no sono, e quando faço, tenho sonhos
eróticos com meu ex-noivo. Uma tortura. Meu pai está rindo ao telefone
quando me aproximo da sala.
— Bom, meu filho, depois de tudo que me disse, tenho certeza
de que está mesmo apaixonado, e digo mais, você encontrou a mulher da
sua vida... Eu fico muito feliz por você. Vai trazê-la quando para a gente
conhecer? Claro... Está bem... Fica com Deus.
Entro na sala e dou um beijo no rosto do meu pai. Ele está
radiante.
— O Enzo está namorando? Isso é novidade.
— Estava ouvindo minha conversa? Que coisa feia.
— Só o finalzinho. Agora deixa eu ir se não vou me atrasar.
— Não vai tomar café?
— Como alguma coisa no hospital. Estou mesmo atrasada ou
faria o senhor me contar essa história do Enzo, mas fica para outra hora.
— Não senhora, vai sentar e comer alguma coisa. — Olha no
relógio. — Vem, vou arrumar para você levar e comer no caminho. Não
vai ficar sem comer. Onde já se viu?
Meu pai me arrasta para a copa onde o café da manhã está sendo
servido. Minha mãe entra neste momento.
— Meu Pai do Céu, eu não vou comer isso tudo. — Questiono
quando vejo uma cesta que antes estava com pão, cheia de coisas dentro
para eu levar. Meu pai sempre atencioso comigo. Quando está viajando
liga para perguntar se já comi, se estou me alimentando direito. Até
parece que ainda sou uma criança.
— O que foi? — Minha mãe pergunta.
— Bianca estava saindo sem comer, está atrasada, então estou
arrumando o desjejum para ela levar.
— Desjejum, pai, quem fala uma coisa dessas? — Gargalho
pegando a comida que dá para duas pessoas. — Tchau, mamãe. — Beijo
o rosto dela, depois do meu pai, e vou para o hospital.
No caminho ligo para o Enzo.
— Oi, Bia, meu pai já deu com a língua nos dentes? — acusa
sorrindo.
— Não, eu cometi o delito de ouvir atrás da porta. Agora me
conta tudo e seja rápido. Estou atrasada para o plantão.
— Não é nada demais, conheci uma garota linda, inteligente e
estou muito apaixonado por ela. Estamos namorando desde o dia em que
fui para o aniversário da mamãe, é só.
— Eu percebi que você estava todo feliz, mas não imaginava que
era por isso. Quem diria, meu irmão sem coração está apaixonado. Qual
o nome dela? É inglesa? — Como um pedaço de pão de queijo.
— Ela se chama Evy e não, ela não é inglesa, é francesa...
Conversamos até eu chegar ao hospital e deu para perceber o
quanto meu irmão está apaixonado, nunca o vi assim antes. Meu plantão
hoje não durou muito. Antes das 17:00h eu já estava em casa. Tomei
banho e fui ao quarto da minha mãe. Encontro-a tirando os brincos e
guardando dentro da gaveta de joias. Tira a correntinha do pescoço e
guarda.
— Como foi seu dia? — pergunta me dando um beijo no rosto.
— Intenso. Minha nossa, mamãe, que coisa mais linda? — pego
um bracelete de ouro rosa com um laço cheio de pedras de diamantes.
— Eu nunca tinha visto esse, é maravilhoso.
— Foi um presente de aniversário.
— Papai se superou dessa vez.
— Não foi do seu pai, foi o Guilherme que me deu. — Meu
queixo cai olhando a pulseira. Uma pontada de ciúme faz um gosto
amargo surgir em minha boca. Coloco de volta na almofada sentindo
pesar em minha mão. — Quando quiser usar, pode pegar, eu amei essa
pulseira. — Ela fecha a gaveta que dá um clic travando o alarme. —
Você está indo se exercitar?
— Vou correr na praia, vamos?
—Hoje não, estou muito cansada. Vou tomar um banho relaxante
e descansar um pouco.
— Eu vou então. — Beijo seu rosto antes de sair.
Precisava correr, me exercitar, odeio ficar presa em uma
academia, amo o ar livre. Acabo arrastando meu segurança para uma
corrida comigo. Quando estou voltando para a casa, paro de frente onde
guardamos coisas de praia, cadeira, jat ski, barco, etc. Moramos em um
condomínio, nossos vizinhos são os amigos dos meus pais, dividimos
esse espaço que é um grande galpão que todas as casas têm acesso. Faz
muito tempo que não entro nela.
— Você se incomoda se eu for tomar um banho? — Meu
segurança e companheiro de corrida diz.
— Sem problema. Vou entrar um pouco.
— Não demoro.
Abro a porta, está tudo escuro. Ligo o interruptor, mas a
lâmpada não acende. Faço uma nota mental para pedir para trocar. Vou
andando no escuro em busca de outra lâmpada ou uma lanterna. Nem sei
o que realmente estou fazendo aqui dentro, ainda mais uma hora dessas,
já é quase noite. Suspiro fundo já pensando em voltar.
— Oi, pequena. O que faz andando por aqui sozinha?
Levo um susto tão grande que tropeço em alguma coisa e acabo
nos braços do Guilherme.
— Você me assustou — digo tentando me soltar.
— Desculpa, não foi minha intenção.
— Ok, tudo bem, agora já pode me soltar. — Meu coração está
batendo muito acelerado e só aumenta a cada instante. O cheiro dele
entra direto para a minha mente me entorpecendo. Seus braços se
apertam ainda mais em torno da minha cintura.
— E se eu não quiser soltar?
Capítulo 30
Guilherme
Eu estava distraído olhando para o mar pela janela do meu quarto
na casa dos meus pais quando a vi correndo com o segurança na praia.
Não pude resistir em ir atrás dela. Fiquei olhando de longe ela rir e
conversar com ele. Saí correndo para a praia a tempo de ver o segurança
indo para a casa e a deixando no galpão. Entrei pela porta dos fundos
sem que ela me visse.
— Como é? — Ela se recupera do susto e dá alguns passos para
trás para se afastar. Ela vai, eu a sigo.
— Está muito escuro aqui, Bia, pode cair novamente.
— Eu garanto que não acontecerá. Agora me solta.
Não faço. Fico tentando ver seu rosto na escuridão. Então uma
lâmpada resolve acender como se tivesse percebido a necessidade que
tenho de ver seu rosto, seus olhos em especial, pois eles sempre me
dizem o que quero saber. Ela pisca tentando se acostumar com a
claridade que nem é tanta assim. Tenho quase certeza de que seus olhos
só se assustaram com o que viu nos meus. Devo parecer um predador,
pois estou agindo como um, encurralando sua presa.
Ah, ela fica ainda mais bonita quando está zangada e faz a cara
de indignação mais linda do mundo.
— Me solta, Guilherme.
— Eu já disse que não vou. Estava com saudade de ter você
assim nos meus braços. Sentir o seu cheiro. Você se encaixa tão bem,
pequena.
— O que está acontecendo com você? — pergunta recuando
ainda mais.
Eu cansei de esperar, Bianca.
— Lembra-se do quanto nos divertíamos aqui? — Ignoro sua
pergunta e faço outra. Prendo seu corpo na parede quase gemendo no
processo, pois a sensação de ter seu corpo colado no meu é maravilhosa.
O meu pau concorda comigo. — Lembra como você gostava que eu te
pegasse encostada nessa mesma parede? Como se derretia em meus
braços e gozava gostoso? E se eu fizer isso agora? — A respiração dela
fica ainda mais ofegante, mas não é pelo medo, eu sei que não. Ela deve
estar se lembrando das coisas que estou dizendo. De quando estávamos
na praia e corríamos para cá para apagar o fogo que sempre queimava
quando estávamos juntos. — E se eu te beijasse agora, eu tiraria a sua
roupa — passo a mão por sua perna esquerda até chegar à bermuda curta
e larga que ela está usando. Ela estremece —, e te comeria aqui,
encostada nessa parede como já fiz tantas vezes?
— Você não faria isso. — Sua voz sai um sussurro. Já não vejo
mais a raiva em seus olhos, mas sim lascívia. Ela me quer. — Não faria
nada que eu não quisesse, que eu não permitisse. Por isso vai me saltar e
me deixar ir embora.
— Você tem razão, não faria nada que você não quisesse. —
Aperto ainda mais seu corpo na parede. Ela ofega sentindo minha
ereção. Eu sei, pequena, eu estou sentindo essa necessidade louca
também. Minha mão passa pela lateral da sua cintura subindo até a
lateral do seio dela, passo o dedo de forma lenta até chegar em seu
pescoço. Observo sua pele se arrepiar, seguro um punhado do seu cabelo
fazendo com que sua cabeça fosse para trás para me dar mais acesso. —
Mas essa é a questão — abaixo a cabeça e encosto a boca em seu
pescoço provando sua pele, no seu ouvido —, você quer. Você quer
muito. — Desço a mão por suas costas segurando na base da coluna
quase chegando em sua bunda. — Você quer que eu a beije loucamente,
que eu te possua aqui nessa parede até você gozar gritando meu nome
enquanto aperta o meu pau. Você me quer dentro de você. Ah, pequena,
você deve estar muito molhada agora só de imaginar o tamanho do
prazer que irá sentir quando meu pau estiver dentro de você. Bem fundo.
— Para com isso, Guilherme. — Ela já não luta mais. Percebo
que não tem forças para fazer. Certamente eu poderia fazer o que
quisesse com ela agora. A sua súplica apesar de ser para que eu pare soa
mais como um: continua, Guilherme. E porra, como eu quero continuar.
— Seu namorado sabe como você gosta de um sexo mais
selvagem? Que por trás dessa cara de boa moça se esconde uma safada
que iria ao delírio se eu a virasse de costas, descesse seu short pelas
pernas e te comesse por trás enquanto batia nessa bunda linda? —
Arrependo-me do que disse, pois só de imaginá-la com o Samuel me
deixa com raiva. Machuca-me. Entretanto isso não é o suficiente para
me parar.
— Você está ficando louco?
— Seu cheiro me deixa louco de vontade de lamber cada parte
do seu corpo. Eu sei que você adora sentir minha boca, minha língua.
Também sei que está molhada agora, posso sentir o cheiro da sua
excitação, pequena.
Encaixo minha perna no meio das dela pressionando um pouco
seu sexo. Ela estremece. Ela está languida em meus braços, mole, cheia
de desejo. Seu corpo emana um calor febril para o meu que é difícil
resistir.
— Você está louca para que eu faça isso, não é? Confessa,
pequena. — Aproximo minha boca da dela. — Confessa que me quer.
Bianca entreabre os lábios, fecha os olhos esperando que eu a
beije. Seu peito sobe e desce de expectativa. Seu corpo colado ao meu
me deixar insano quase a ponto de cometer uma loucura. Chega a doer
tentar resistir a esses lábios.
— Guilherme... — meu nome sai dos seus lábios como uma
súplica.
Eu quase cedo à vontade de devorar sua boca. Mas não faço.
Afasto-me de uma vez, ela quase desliza para o chão. Apoia a mão na
parede para se equilibrar e me encara confusa.
— Pelo jeito o seu namorado não está dando conta de apagar o
seu fogo, não é, pequena?
Viro as costas e saio deixando-a boquiaberta. Isso é novidade
para mim. Bianca jamais fica sem palavras, então um sorriso se abre em
meus lábios.
— Seu idiota! Eu te odeio. — Ouço o barulho de algo se
chocando contra a porta. Uma, duas, três vezes.
— Não, pequena, você me ama mais do que tudo — digo para
mim mesmo enquanto volto para a casa dos meus pais para receber meu
mais novo cunhado.
Chego em casa radiante. Tiro a areia do sapato ainda do lado de
fora. Sigo para o meu quarto, pois tenho que tomar um banho e cuidar
dessa ereção que não vai abaixar só com água fria. Debaixo do chuveiro,
eu fecho os olhos e penso nela enquanto me masturbo. Não demoro a
gozar chamando seu nome.
Saio do banheiro e encontro Nicole no meu quarto.
— Tomou banho novamente? Estou ficando doida ou vi você
tomar banho a menos de uma hora?
— Fui caminhar na praia um pouco. Acabei me sujando de areia
e sal. — Olho para ela que aperta as mãos uma na outra denunciando seu
nervosismo. — Está nervosa?
— Eu quero te pedir um favor. — Sento-me para calçar o tênis
enquanto ela fala. — Seja legal com o Marco, ele... Toda essa situação é
meio complicada para mim. Nicolas não vai facilitar, você sabe. E meu
pai ficou uma fera com a história do Frederico...
— Papai não gostou do fato de ele estar te traindo, menos ainda
de você saber disso por meses e continuar com ele. Não demitiu o
Frederico por ter levado para o lado pessoal apenas. Iria contra toda a
filosofia de vida do governador se fechasse os olhos para o que ele fez,
se ele trai a futura esposa não merece a confiança do nosso pai, ainda
mais quando essa mulher é a sua própria filha. Mas relaxa, Nick, vai dar
tudo certo. Papai só quer te ver feliz.
— Você pegou meu perfume, Guilherme, por que não devolveu?
Pegou, devolve. — Nicolas entra no quarto, pega o perfume que eu
havia pegado emprestado mais cedo e que é o mesmo que eu uso. — E
aí, Nicole, que horas o cara chega? Estou doido para conhecer o meu
novo cunhado.
— Essa sua cara me diz que não vai facilitar nada, não é
Nicolas? — Nicole inquire.
— O cara aparece do nada, engravida a minha irmã gêmea e eu
devo ficar de boa?
— E essa reunião aqui? — Meu pai entra no quarto. — Nicole,
avisaram da portaria que seu namorado chegou.
— Maravilha. — Nicolas diz todo animado. — Pode deixar que
eu o recebo, papai.
— Vocês são terríveis.
— Você não viu nada, maninha.
— Nicolas, volte aqui... — Ela sai do quarto ainda mais nervosa
do que entrou. — Mamãe...
— Coitada da Nick, vou descer para ajudá-la — digo para meu
pai. Ele sorri, cruza os braços e encosta na parede.
— Você protetor como sempre.
— Coitada da Nicole, pai, ela está uma pilha e o Nicolas ainda
fica torturando.
— Quando você era pequeno era o protetor das meninas
indefesas. O Enzo era o carrasco e você era o príncipe salvador. Isso não
mudou muito, não é?
— Não, eu continuo o mesmo, só o Enzo que mudou, por isso
vou descer antes que o Nicolas faça o pior. Esse sim tende a ser um
carrasco.
— Vou apressar a sua mãe. Ela ficou envolvida em ajudar a
preparar o jantar, agora está atrasada tomando banho às pressas.
Chego à sala no momento em que a Nicole abre a porta para
receber o namorado. Fico observando os dois de longe. No dia que a
minha irmã contou que estava grávida, ele foi até meu apartamento falar
com ela, pude perceber o quanto ele estava desesperado. Os deixei no
apartamento e saí para dar uma volta e deixar os dois mais à vontade.
Voltei horas depois e o encontrei sentado no sofá e ela dormindo com a
cabeça apoiada nas pernas dele.
— Os dois parecem apaixonados. — Meu pai diz do meu lado
antes de ir ao encontro deles na sala.
— Pai, esse é o Marco, apesar de que vocês já se conhecem.
— Bem-vindo, Marco. Estamos felizes em receber você.
— Ele está dizendo só por ele. — Nicolas diz batendo a mão no
ombro do cunhado bancando o irmão protetor. — Nem todo mundo aqui
compartilha o mesmo sentimento.
— Não liga para ele não, Marco. Vem, vamos sentar e tomar
alguma coisa — digo empurrando o Nicolas para o lado. — O que você
quer tomar?
— Se tiver cerveja, eu aceito uma.
— Está vendo só que cara folgado? — Nicolas diz indignado. —
Cerveja lá é a bebida que pede no primeiro encontro com a família da...
O que você é mesmo dela? Namorado, rolo...
— Nicolas, vai buscar cerveja para mim, para o Marco... Você
quer uma também, Gui? — Meu pai pergunta colocando o Nicolas no
lugar dele. Boa.
— Quero sim, papai.
Meu irmão sai revirando os olhos.
— Kamila deve descer logo, ela fez questão de fazer o jantar
para te receber. Então, Nicole disse que você é advogado...
Meu pai inicia uma conversa amigável. Alguns minutos depois
minha mãe chega junto com o Nicolas. Logo estamos na sala de jantar
desfrutando de uma comida deliciosa feita por minha mãe. Marco parece
bem à vontade.
— Marco, você engravidou minha irmã, vem aqui e está sendo
recebido como um rei, até fez minha mãe ir para a cozinha, agora me diz
quando vai ser o casamento? — Nicolas dispara. Nicole engasga.
— Nicolas, dá para deixar de ser um pé no saco? — Minha mãe
reclama.
— Só quero saber as intenções do cara com a minha irmã depois
do mal que ele causou.
— Mal? Só fiz bem para sua irmã, isso eu garanto. — Ele não se
intimida, gostei disso. — Agora quanto ao casamento, essa é uma
decisão que só ela pode tomar. Eu já fiz o pedido, ela disse não.
Ofendeu-me de todas as formas, primeiro quando disse que eu sou um
estranho. Depois que o filho dela não precisava de um pai e nem ela de
um marido para cuidar dele, e pior, duvidou dos meus sentimentos por
ela.
Olho para a minha irmã meio surpreso. Não era isso que ela
realmente queria quando conversamos.
— E eu não tinha razão? Eu só pensei que estivesse querendo se
casar por causa do bebê, isso não é necessário. É muito cedo para...
— Gabriela e Ian se casaram um mês depois de se conhecerem e
estão juntos há mais de 30 anos. — Minha mãe diz sorrindo.
— Está vendo? — Marco diz apontando para a minha mãe.
— Marco, vamos deixar isso para depois, tudo bem? — Nicole
diz carinhosamente, ele concorda feito um cordeirinho. Esse já está
dominado.
— Engraçado, Nicole, você não quer se casar com o cara que
você nitidamente ama, que é o pai do seu filho por motivo besta, prefere
desonrar o nome do seu pai que tem uma imagem para zelar, mas ia se
casar com um filho da puta que não amava, por que mesmo?
— Nicolas... — minha mãe diz brava reprimindo meu irmão. —
Olha a língua.
— Olha, é difícil concordar com ele, mas acho que ele tem razão
— digo fazendo meu irmão sorrir satisfeito. — Porém, também acho que
a vida é dela, ela decide e não cabe a nenhum de nós ficar pressionando
na sua decisão.
— Obrigada, irmão.
O resto da noite corre cheia de risos e provocações. Marco
conseguiu um forte aliado no fim das contas, o Nicolas que quer casar a
Nicole de qualquer jeito. Depois do jantar, eu vou para o meu
apartamento, pois fica mais perto do hospital e tenho uma cirurgia muito
cedo no dia seguinte. Quando passo pelos portões da casa da Bianca,
vejo o carro do Samuel saindo. Ele me cumprimenta e eu respondo
educadamente.
— Seus dias com a minha pequena estão contados — digo com a
raiva e o ciúme borbulhando dentro de mim.
Capítulo 31
Guilherme
Não sei como deixei o Nicolas me convencer a vir com ele para
uma festa de aniversário de um amigo dele do tempo da escola e da
faculdade. Faz dias que ele fica no meu pé dizendo que preciso sair, não
só ele, mas todo mundo. Eu concordei em sair com ele, mas se soubesse
que se tratava de uma festa tão temática, talvez tivesse pensado melhor.
— Caique é baiano, adora carnaval, então vai fazer uma micareta
ou coisa parecida. Você não tem noção, as festas dele são as melhores.
— Percebi. — Pego o abadá que é usado nos blocos do carnaval
da Bahia. Visto a camiseta. — Estou pronto. Vai ser divertido.
Bom, isso foi antes de chegar ao local da festa e dar de cara com
um trio elétrico tocando axé. Nada contra o estilo musical, eu até gosto,
principalmente da Ivete Sangalo e do Chiclete com Banana. Mas não
estou com clima para carnaval. Segundo meu irmão, todo mundo está
aguardando essa festa há tempos. Até o cardápio é típico, já na entrada
avistamos uma banca de acarajé que estava com um cheiro delicioso,
então resolvemos experimentar, realmente estava uma delícia. Estamos
tentando ir para mais perto do bar quando eu praticamente pisoteio uma
garota por conta da multidão seguindo o trio.
— Desculpa, machuquei você? — pergunto segurando em seus
ombros, ela me olha e abre um sorriso.
— Tudo bem, isso sempre acontece, é o que você ganha quando
se é tão pequena.
Ela deve ter no máximo 1,60, tem cabelos loiros cumpridos até a
cintura, olhos escuros e uma boca muito sensual. Ela é bem bonita. O
que mais chama atenção é o decote que ela fez na camiseta que
valorizou muito os seios enormes. Usa uma saia de couro branca muito
curta.
— Me deixa te pagar uma bebida então, para me desculpar. —
Brinco, pois é uma festa open bar. — Pode escolher o que quiser.
— Eu vou aceitar. Estava tentando chegar ao bar, mas está
difícil. Bom que você vai na frente abrindo caminho, Moisés.
— Então siga-me que irei abrir o Mar Vermelho para você. —
Ela sorri quando entendo sua brincadeira.
Sigo meu irmão e ela vem logo atrás de mim. Chegamos ao bar e
estava lotado de gente esperando para pegar drinks especiais. Pegamos
as bebidas e fomos para os camarotes, um lugar com mesas altas como
de boates e um pouco mais vazio.
— Então moça, meu nome é Guilherme, esse é meu irmão,
Nicolas — apresento assim que chegamos.
— Que família abençoada. Eu me chamo Bárbara.
— Caique levou bem a sério essa coisa de festa temática, tem
camarote, e a turma da pipoca, olha. — Observo ao redor vendo as
pessoas dançarem uma música antiga do Asa de Águia.
— Então você não gosta da muvuca? Não gosta de dançar? —
Bárbara pergunta.
Alguém chama meu irmão de longe e ele pede licença para ir
falar com seu grupo de amigos que presumo ser os colegas da escola ou
faculdade.
— Eu adoro dançar. Danço muito bem por sinal.
— Então vamos lá, dança essa comigo. Quero ver se é isso tudo
mesmo. — Cada palavra que ela diz é recheada de segundas intenções, e
deixa isso bem explícito.
Uma lambada está tocando, eu puxo sua mão e começamos a
dançar. Ela não é ruim, mas nem chega perto da Nicole e da Alícia que
são excelentes dançarinas, aprenderam desde cedo com a minha mãe que
tem uma escola de dança.
— Caralho, você dança muito — ela diz sorrindo.
— Eu disse que sou bom.
— Me diz em que mais você é bom, Guilherme?
— Não gosto de ficar me gabando, são coisas que você teria que
descobrir por si mesma.
— Jura? Eu adoraria. — A música acabou e o Nicolas voltou
para a nossa mesa.
— Vou só falar com uma amiga e já volto — ela diz. — Não sai
daqui, eu já volto e quero dançar mais uma com você.
— Só uma? — pergunto e ela sorri satisfeita.
Fico observando-a se afastar entre a multidão indo de volta para
a mesma direção que nos esbarramos. Ela é realmente linda, tem belas
pernas torneadas.
— Então, vai pegar a primeira que te deu mole? — Dou um tapa
na nuca do meu irmão. — Vai que você não percebeu que a... como é
mesmo o nome dela?
— Bárbara. O nome dela é Bárbara.
— Bárbara, está querendo te pegar. Ela é bem gostosa, eu
pegaria. Acho que você deveria... — Ele se cala e ergue a cabeça para
olhar por cima do meu ombro. — Eita porra. Acho que agora você não
pega mais é ninguém.
Olho na direção em que ele está indicando. Então eu vejo a
Bianca me encarando, ela desvia os olhos assim que nossos olhos se
encontram.
— Você disse que o Caique era seu colega de escola, depois de
faculdade, só se esqueceu de dizer que ele é amigo do Samuel também.
Não tem como segurar as batidas do meu coração.
Instintivamente ficamos nos encarando. E parece que escolheram a
música perfeita para tocar agora. “Então diga que valeu, o nosso amor,
valeu demais, foi lindo, ficou pra trás...”.
— Nem me lembrei desse detalhe. Mas o Samu ficou sumido
tanto tempo depois que foi embora que realmente nem me lembrei. Fora
que ele evita lugares cheios, pois sempre tem repórteres querendo
entrevista e fãs querendo autógrafos e fotos.
— Eu imagino.
— Não vai embora agora por conta disso, não é?
— De jeito nenhum — afirmo.
— Guilherme, nada de arrumar confusão, lembro bem como foi
no casamento da Alícia. Não quero ir parar na delegacia e nem fazer
parte de um escândalo na mídia, ok? Está cheio de repórteres aqui.
— Relaxa, Nico. Já passei dessa fase. — Ele estreita os olhos
para mim. — Estou falando sério.
O Samuel parece não ter visto a gente ainda, ele diz alguma coisa
no ouvido de Bianca, ela sorri e concorda. Ele sai e a deixa na mesa
sozinha. Nicolas acena para ela que se aproxima de nós. Ela veste um
short jeans, a camiseta está amarrada na cintura com um nó deixando
seu umbigo de fora. Meu coração bate apressado, minhas mãos
começam a suar. Respiro fundo em busca de controle.
— Cunhada, que bom te ver por aqui. — Nicolas praticamente
grita abraçando-a.
— Eu vim dar os parabéns, vai ser titio. Nicole me contou a
novidade.
— Você viu que merda? Mas eu adorei. Vou ensinar muita coisa
para ele.
— Tudo bem, Guilherme? — Ela me cumprimenta de longe.
Chega mais perto, Bia, está com medo de mim? Não mereço um
abraço também?
— Eu estou ótimo, e você?
— Estou vendo o quanto está bem. — Ironiza me fazendo rir. O
amigo do Nicolas escolhe essa hora para chamá-lo novamente, e como
se não fosse suficiente a banda começa a Voa Voa do Chiclete Com
Banana.
— Vou ali e já volto. — Antes de sair ele me dá um olhar que
diz: se comporta. Eu vou me comportar, pode deixar.
— Onde está o seu namorado? — pergunto tomando um pouco
da minha cerveja.
— Ele foi ao banheiro e já volta. Não deve demorar se não
encontrar nenhuma fã ou repórter pelo caminho.
— Deve ser ótimo todo esse assédio. Você deve saber lidar bem
com isso.
— Sei sim, já estava meio acostumada com o assédio da mídia
quando estava com você, só é um pouco mais intenso. E você, deu para
pegar as residentes agora, Guilherme? Não tem mais ética não? —
Cruza os braços em desafio.
Mesmo sem saber do que ela está falando, eu dou corda.
Provavelmente ela me viu com a Bárbara que deve ser residente no
HGL. Isso é uma merda e ótimo ao mesmo tempo. Ela está furiosa.
Reprimo a vontade de cantar o trecho da música.

Amor, que saudade de você


Vem me ensinar a perceber
Os segredos desse amor

— Que eu saiba não é proibido relacionar-se no hospital. Visto


que temos muitos casais por lá. Tem o Murilo e Alícia, Dr. Arthur e a
Dr.ª Sheridan, que por sinal são seus sogro e sogra agora. — Dou um
sorriso sínico. — Está com ciúmes? O que seu namorado diria se
soubesse que você está morrendo de ciúmes do ex-noivo? E pior, tirando
satisfação de com quem ele está? — Com um sorriso sínico começo a
cantar o trecho da música sem tirar os olhos dela passando um recado
claro.

Pequena, quero tanto de dizer


Que eu não vivo sem você um segundo
É você quem faz girar meu mundo

— Você... Não acredito que fiquei tanto tempo com um... um


idiota como você. Não estou nem aí com quem você sai — Posso
enxergar a mentira na cara dela. Qualquer um pode na verdade. Tenho
vontade de rir, pois agora ela vai sentir na pele o que é morrer de ciúmes
e não poder fazer nada quanto a isso.
— Pois eu acho que agora que estou fazendo o que me pediu,
seguindo em frente, você está morta de arrependimento.
— Há, há, nem nos seus sonhos.
— Nos meus sonhos, pequena, fazemos coisas muito melhores
do que ficar discutindo por besteira, mas isso não tem importância.
Olha, seu namorado voltou, é melhor ir dar atenção para ele, coitado. —
Antes que comece realmente uma discussão, eu saio deixando-a sozinha.
Samuel nem chegou a me ver ao lado dela.
Vou até o bar e pego um balde cheio de cervejas e volto à mesa.
Não demora e a Bárbara chega com mais duas amigas, ela faz as
apresentações e uma delas não me é estranha.
— Então você é residente no HGL? — ela morde o lábio.
— Culpada. Como sabe? Por acaso se lembrou de mim? Ou foi
da Vanessa? — Abro uma garrafa e entrego para ela que está quase em
cima de mim. — Bianca... — afirma quando vê a Bianca conversando
com o Samuel e o Nicolas mais à frente.
— Esse é um detalhe importante, não seria nada legal descobrir
isso depois — digo passando a mão em sua cintura. Ela gosta do toque e
se aproxima ainda mais.
— Depois do quê?
— Você sabe do que estou falando, Bárbara. Para ser bem
honesto, eu não gosto de me envolver com colegas de trabalho. E não
gostei de você esconder isso de mim.
— Foi por isso que não disse nada, não queria desperdiçar a
chance de ficar com você, Dr. — De forma ousada ela enlaça meu
pescoço, coloca-se entre minha perna, fica na ponta dos pés. — Eu tenho
uma queda por você desde que fazia faculdade e via você com ela. No
hospital, você não dá moral para ninguém e eu sou bem discreta no meu
local de trabalho. — Seguro sua cintura. — Agora que você terminou
com aquela mimadinha chata, eu...
Se ela tinha alguma chance comigo, mesmo que remota, acabou
agora.
— Correção, ela terminou comigo. Bárbara, tem uma coisa sobre
mim que você talvez não saiba, mas não existe outra mulher no mundo
para mim além dela. Se aquela mimadinha estalar os dedos, eu vou
correndo e caio de joelhos aos pés dela. — Ela ergue as sobrancelhas e
abre a boca meio chocada. — Me desculpe se estou sendo rude, mas, se
você está neste momento prestes a me beijar, é só porque ela deve estar
morta de ciúmes. Então moça, não se iluda, é ela que faz o meu mundo
girar.
— Uau! Nossa, essa doeu. — Ela se afasta e eu a puxo pela
cintura novamente.
— A sinceridade sempre causa isso. Só gosto de ser honesto,
sempre. Desculpe.
— Então você pareceu interessado antes só por causa dela?
— Não, até agora eu não sabia que ela estava aqui. Estava
rolando sim algo entre nós, eu gostei de você, mas agora que sei que
posso te encontrar no hospital, sinto muito, porém não costumo me
envolver com as residentes e nem com qualquer colega de trabalho.
Agora que você está ciente disso, é melhor não perder tempo comigo,
pois agora seria apenas para fazer a Bianca...
— Se morder de ciúme — completa. — Então, eu iria te beijar,
depois não iríamos transar, seria tudo só para matar a mimadinha de
raiva? Eu topo.
Franzo o cenho muito incomodado com a forma que ela se refere
à Bianca.
— Estou notando uma certa inveja... Você não a conhece de fato,
não é?
— O suficiente para me manter bem longe. Durante quatro anos,
ela nunca deu abertura para ninguém além da Alícia e da Susana. Ela
sempre se achou melhor do que todo mundo na faculdade com aquele ar
de princesinha e nariz empinado. Chegou dois anos depois e virou o
centro das atenções só porque estudou dois anos na Universidade de
Miami e resolveu terminar o curso aqui.
— Acho que você teve uma impressão errada da Bianca, essa
descrição não se enquadra nela, não na pessoa que eu conheço a vida
toda. A Bia se esforçou muito, começou o curso de medicina com
apenas 16 anos e era uma das melhores alunas da turma. Bem, você já
tem a opinião formada, não posso fazer nada. — Coloco uma mecha do
cabelo loiro para trás, meus olhos descem para os seios enormes bem
expostos. — E então, temos um acordo?
— Sim, nós temos, caso você queira mudar os termos, estou
disponível para uma noite em sua cama também, doutor. Ou várias se
desejar.
Mal tenho tempo de responder, pois sua boca já está grudada na
minha. Pensei que seria fácil beijar outra mulher, apesar de ter lábios
macios, uma língua habilidosa, a sensação de estar cometendo um erro
não me deixa aproveitar muito. Incomoda saber que posso estar fazendo
a Bianca sofrer. Mesmo que isso seja uma mera possibilidade e ela no
fundo não esteja nem aí. Terminamos o beijo e ela me olha com desejo,
satisfação. Meus olhos seguem para encontrar os da Bianca. Sua
expressão de choque, decepção e dor me fazem engolir em seco.
Capítulo 32
Bianca
Eu estava imóvel. Perdi o ar. Fiquei estarrecida, surpresa. Senti
desespero, decepção e no final de tudo, a dor me rasgando por dentro.
Pensei que fosse desmaiar. Quis morrer. Desejei sair correndo, mas não
podia, pois a sensação de que poderia desmaiar a qualquer momento só
aumentava. Apertei o braço do Nicolas com muita força depositando
toda a minha raiva nele.
— Bia, você está pálida. — Ouço alguém dizer. Eu desperto do
torpor. Nicolas se aproxima e diz com certa frieza: — Samuel está
olhando para você, deveria ao menos disfarçar, porra.
Eu queria reagir, queria dizer alguma coisa, dizer que não estava
sentindo nada, mas não conseguia. Estava sem qualquer reação. Não
olhei para o Samuel. Tive vergonha. Ele estava um pouco distante
conversando com alguns amigos da época da escola. Pensei que já
tivesse sofrido o suficiente por causa do Guilherme. Por saber que um
dia ele amou outra pessoa. Mas nunca imaginei que fosse doer tanto ver
o Guilherme beijar de fato outra mulher. Ele se afasta e seu olhar
encontra o meu. Ele me olha de uma forma estranha. Parece
arrependido. Eu suspiro fundo recobrado o controle e encaro o Nicolas.
— Você não está bem, Bia, parece que vai desmaiar agora, se
controle.
— Estou bem — afirmo, a minha voz sai espremida.
Seguro as lágrimas que se formam em meus olhos, bebo toda a
cerveja da garrafa que estou segurando. Procuro o Samuel e ele está
sorrindo para o amigo e olhando para mim. Eu o conheço o suficiente
para saber que esse sorriso não tem nada de genuíno. Droga, Bianca, o
que você está fazendo?
— Você pensou que meu irmão ia passar a vida esperando por
você? — Nicolas pergunta. Ele sempre foi sarcástico, não mede as
palavras, mas agora acho que ele está gostando muito de fazer isso
comigo. Adorando na verdade.
— Não, eu não pensei, seu irmão é livre para viver a vida como
quer. Eu só fiquei surpresa de ser com essa garota. Eu sempre a detestei.
Sempre me tratou mal, falava de mim para todo mundo na faculdade. E
você não deveria estar tão satisfeito, Nicolas.
— E se fosse com outra estaria tudo bem? — pergunta.
Não, claro que não estaria.
— Sabia que ela é interna no HGL? — pergunto ignorando sua
pergunta.
— Não, não fazia ideia, acho que nem o Gui sabe disso.
— Ele sabe, já teve estar com ela faz tempo. — Nicolas cerra os
olhos mediante ao desdém usado por mim. — Eu falei com ele... quer
dizer, eu perguntei se ele sabia e ele não negou. Parece conhecê-la bem.
Sinto os braços do Samuel em minha cintura e a vontade de
desabar em lágrimas aumenta. Que porra é essa que estou sentindo?
— Você quer ir embora, Bia? — pergunta dando um beijo no
meu pescoço.
— Não, por que iria querer? — Ele me encara muito sério, mas
não diz nada.
Uma garota chega no Nicolas e o beija, um beijo daqueles que
parece que vai engolir a pessoa. Ele está de olhos arregalados. Começo a
rir da sua cara de surpresa. Ela se afasta e sai dançando no meio do
povo.
— Ei, espera, volta aqui — grita e sai atrás da garota me fazendo
rir.
— O que foi? — pergunto para o Samuel que está sério
revezando o olhar entre mim e o Guilherme, eu sequer olho na mesma
direção. Então eu faço e vejo que agora está saindo com a Bárbara de
mãos dadas. Meu coração se aperta, mas consigo disfarçar. Ao menos eu
penso que sim.
— Te incomodou muito ver o Guilherme com outra — afirma.
— Acho que incomodou mais a você do que a mim — respondo.
Ele não diz nada. Pego um copo na bandeja de um garçom que passa por
nós. Começo a dançar segurando seu pescoço. Mordo o lábio e danço
bem junto do seu corpo. Vejo um meio sorriso se formar. — Ei, eu estou
aqui, com você.
— Está?
— Sim, Samu, eu estou.
Ficamos dançando e bebi um pouco mais do que o de costume. O
tempo todo disfarçando, fingindo que estava me divertindo.
Beijando o Samuel, na proteção dos seus braços, eu acabei
realmente deixando de lado o que vi e passei a me diverti. Um pouco
mais de uma hora depois estávamos indo embora da festa que
provavelmente duraria até o dia seguinte.
— Me leva para a sua casa — peço fazendo um carinho no rosto
do Samuel. Ele não diz nada. Sabe o que significa isso, o que quero
fazer.
Durante o caminho para apartamento de Samuel, eu fui pensando
nos acontecimentos de hoje. Mesmo depois do que senti quando vi o
Guilherme com outra, mesmo que soubesse o quanto ainda o amo,
mesmo que no dia em que o encontrei no galpão da praia e quase o
beijei, mesmo com todo desespero que tenho por estar em seus braços,
eu não conseguia perdoar. O meu orgulho ainda muito ferido não
deixava.
Por mais que eu sorrisse, fosse feliz, gostasse de estar com o
Samuel e talvez até tivesse me apaixonando por ele, havia aquele algo
mais dentro de mim que estava faltando, estava sempre pesando,
ardendo como uma pedra em brasas. Junto com o amor tinha a raiva, o
rancor que não conseguia me deixar, já eram parte de mim.
Tentei esquecer o Guilherme, tentei muito. Olhei para o Samuel
dirigindo todo concentrado, mais do que o necessário. Estava pensativo,
nervoso. Vou fazer com que ele saiba que ele foi a melhor coisa que
aconteceu em minha vida nesses últimos meses. Já iria fazer dois meses
que estamos saindo. Eu gosto da sua companhia, da sua presença, dos
seus carinhos e adorava seus beijos. Muitas vezes pensava que estava
usando-o, sendo egoísta e mimada como a Nicole me acusou de ser. Só
que no meio disso tudo, eu não posso negar que me sinto atraída por ele.
Samuel sempre foi lindo e agora ainda mais. Em meio aos pensamentos
acabo adormecendo.
— Bia, vamos? — ouço a voz dele e sinto uma carícia em meu
rosto. — Ou prefere que te carregue?
— Não, não precisa, estou bem, consigo andar, só fiquei com um
pouco de sono. — Abro os olhos e vejo que estamos na garagem do
prédio. Ele abre a porta para mim e ajuda-me a descer.
— Você parece cansada — diz dentro do elevador.
— Talvez um pouco. — Me aproximo e sou recebida em seus
braços. Encosto a cabeça em seu peito.
Já estive aqui antes. Ele fez o jantar, macarrão instantâneo, o
melhor que já comi. Assistimos a um filme e depois fui para casa. Nesse
dia ele não tentou avançar o sinal. Talvez seja isso que eu mais admire
nele.
Ele abre a porta e me dá espaço para que eu entre. Meu coração
começa a bater acelerado. Parece que vai sair pela boca. Ouço a porta se
fechar. Ando até o sofá. Fico de pé esperando por ela. Mas ele não vem.
Olho para trás e o vejo parado me olhando. Parece que está tomando
alguma decisão importante. Sua testa franzida.
— Quer beber alguma coisa? — pergunta.
— Não, já bebi demais por hoje, quero que você venha aqui e me
beije.
Ele demora um bom tempo até me abraçar por trás, eu giro
ficando meio de lado e ofereço minha boca. Ele me beija, eu retribuo
com avidez. Eu gosto do seu beijo, gosto do seu toque. Não deve ser
difícil me entregar mais do que apenas isso. Girei ficando de frente para
ele.
— Você bebeu muito hoje. — Ele diz com os olhos fixos em
meus lábios.
— Não, eu não bebi. Se pensa que estou dando esse passo
porque estou bêbada, fique tranquilo que não estou. Nem um pouco. É
algo que eu já tinha decidido fazer.
Começo a desfazer o nó que tem na minha camiseta.
Samuel ficou imóvel, como se lutasse consigo mesmo. Seus
olhos perfuravam os meus. Eu tirei minha camiseta ficando de sutiã e
short. Apoiei minhas mãos em seu peito. Seu coração batia muito forte
contra as palmas das minhas mãos. Voltei a beijar seus lábios. Deslizei a
mão até a barra da sua camiseta e a tirei. Samuel tem o tórax definido,
uma barriga tanquinho que dava para contar os gomos. Subi as mãos e
puxei o elástico que prendia seus cabelos, enfie os dedos puxando-o
ainda mais para mim.
Samuel respirou fundo. Suas mãos subiram por minhas costas e
me puxaram para si, ele parou de me beijar, segurou meu rosto em suas
mãos. Seus cabelos castanhos agora faziam uma moldura em seu rosto
bonito.
— Não seria justo nem comigo nem com você se eu permitisse ir
adiante com isso, Bia. Se tirar mais uma peça de roupa, talvez eu não
conseguisse mais parar.
— Eu não quero que você pare.
— Quanto tempo mais você vai continuar com isso? — Encaro
seus olhos verdes e sinto um aperto no peito. Afasto-me decidida a
continuar. Desabotoo meu short sem dizer nada. — Olhe para mim,
Bianca.
Eu o olhei. Surpreendi-me com o seu olhar profundo em mim.
— Samuel...
— Eu estou apaixonado por você, mas isso não é novidade
nenhuma. Eu poderia agora deixar acontecer, deixar que todos os
sentimentos se mostrassem, iria fazer amor com você como sempre
sonhei na vida. Só que você não estaria fazendo amor comigo, não é? Eu
sou só um substituto do Guilherme. Eu não quero mais isso.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Eu engulo em seco,
envergonhada eu me afasto dele. Meu coração se aperta lembrando que
talvez eu tenha passado por isso, talvez o Guilherme já tenha transado
comigo pensando nela. Isso machuca demais.
— Não é assim como você está falando, eu também estou me
apaixonando por você...
— Não, você não está.
— Quem sabe sou eu, o coração é meu e...
— Bianca, você quer que isso seja verdade, até pensa que é. Só
que nós dois sabemos que...
— Samuel...
— É horrível vir em segundo lugar na sua vida, mas continuei
com isso porque pensei que talvez, em algum momento, eu fosse chegar
a ser o primeiro. É como uma corrida de carros quando você está muito
atrás, você vai tomando posições até chegar em primeiro e erguer o
troféu. Mas entre nós não foi assim e eu não quero mais vir em segundo.
Não quero fazer amor com você enquanto está pensando nele.
— Eu não estou...
— Não minta pra você mesma, Bia.
— Não estou mentindo. A gente é tão bom juntos. Nós
combinamos um com o outro. Nos divertimos, temos química e... somos
perfeitos juntos.
— Sim, nós somos. Até o Guilherme aparecer e foder com tudo.
Só queria que fôssemos perfeitos para o seu coração também. Você
pensa que eu não vi a forma como você ficou transtornada quando o viu
com aquela loira? Vai negar o que você sentiu? Eu não posso mais
competir com isso. A gente deve acabar tudo antes que eu me machuque
ainda mais. Eu pensei que conseguiria, mas não consigo. Eu quero você,
quero muito, mas não desse jeito. Como se fosse para se vingar dele.
Ele não estava errado. Apesar de querer muito, de até sentir algo
por ele, eu amo o Guilherme, e em algum momento ele apareceria em
minha mente e estragaria tudo.
— A gente está terminando, não está? — pergunto com algumas
lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
— É melhor assim — sussurrou ele, com algumas lágrimas
escorrendo pelo rosto também. Meus polegares enxugaram as gotas de
tristeza, mas segundos depois surgiram outras. Ele fez a mesma coisa
limpando as lágrimas que caíam do meu rosto. Joguei-me em seus
braços me chocando contra seu peito. Ele me abraçou forte.
— Tentei esquecê-lo, eu juro. Queria mais do que tudo que desse
certo. Eu queria que a gente desse certo.
— A gente deu, eu que fodi com tudo. Me apaixonei mais ainda,
porque você é maravilhosa, Bia. Não tem como não cair de amores por
você.
— É você que é um ótimo partido, Samu. Quem está perdendo
aqui sou eu.
Ele merece encontrar alguém tão bom quanto ele. Samuel é
inteligente, engraçado, lindo de morrer. Merece alguém que não fique
abalada com a simples presença do ex. Alguém que não se perca em
pensamentos e fique distante mesmo estando tão perto. Que o enxergue
e o ame total e completamente. Assim como eu amo o Guilherme. Eu
odeio admitir isso, me odeio por sentir. Entretanto, é a verdade.
— O que eu vou fazer sem você? — pergunto me afastando e
olhando seu rosto.
— Deveria voltar para ele. Deveria tentar perdoar...
— Eu não vou fazer isso. Não acredito que está mesmo dizendo
uma coisa dessas.
— Eu estarei sempre ao seu lado. Mas não vou ser mais o seu
escudo de proteção contra ele. Eu não posso, não mais.
— Eu posso pedir uma última coisa?
— Porra, Bianca, não me olha desse jeito. Como vou conseguir
negar algo se me olha assim?
Beijo seus lábios pela última vez na tentativa de convencê-lo
antes de fazer o pedido.
Capítulo 33
A escola da Anelise é a mesma que eu frequentei quando
criança. Fiquei feliz em encontrar uma das minhas professoras favoritas
sendo agora a coordenadora. Ela me recebeu com um abraço dizendo
que mesmo que não tivesse me visto na televisão na companhia do
Samuel, e antes do Guilherme, ela teria me reconhecido. O evento que
vim participar é o encontro de madrinhas. Todas as crianças trazem suas
madrinhas para passar um dia divertido. Havia maquiagem, contação de
história, apresentação musical, poesia.
No caminho para a escola, ela me contou como havia sido o dia
dos padrinhos na semana anterior. Teve basicamente as mesmas coisas,
só as brincadeiras que foram diferentes, pois teve jogo de futebol e ela
me contou toda feliz que o padrinho tinha feito um gol. Isso me trouxe à
memória algumas vezes que fui assisti-lo jogar bola. Da forma que ele
me dedicava cada gol fazendo um gesto de coração que todos acham
brega, mas ele não ligava, e eu me derretia toda.
Anelise apresentou uma poesia da Cecilia Meireles que me
deixou emocionada. Tem um pouco de sotaque que era bem mais
acentuado antes, agora ela quase o perdeu por completo. Ela é tão linda
e meiga. Às vezes me pergunto se eu não tivesse perdido meu bebê se
ele seria carinhoso assim? Levo a mão à barriga e sinto uma falta de
algo que nem cheguei a ter de fato. Dói saber que perdi um bebê, que era
o sonho da minha vida ser mãe. Anelise vem toda saltitante em minha
direção e eu a abraço.
— Ane, que coisa mais linda! Você foi muito bem, parabéns.
— Fiquei tão nervosa. — Ela diz tapando o rosto com as
mãozinhas.
— Ficou mesmo? Nem pareceu.
Ela se sentou ao meu lado e esperou a próxima apresentação. Era
um menino bonito de cabelos escuros, ela abaixou os olhos
envergonhada. Depois me chamou com um movimento da mão
enquanto a professora apresentava-o para a plateia. Aproximei-me dela,
pois percebi que queria me contar algum segredo. Ela colocou a mão
próximo a boca contando-me com voz sussurrada:
— Sabe esse garoto que está cantando agora? — Olhei para o
palco e vi o menino pegar um violão e começar a tocar uma música do
Legião Urbana, Pais e filhos. Ele é realmente muito bonito, deve ter a
mesma idade que ela, uns 6 ou 7 anos. — Eu sou apaixonada por ele. A
gente vai casar quando crescer. Mas não conta para o meu pai. Ele disse
que não posso dizer essas coisas, que não tenho idade para pensar nessas
coisas. — Olho para ela que tem um sorriso arteiro enquanto dá de
ombros.
Não consigo dizer nada, estou em choque, pois ela me fez
lembrar de mim mesma nessa idade dizendo que iria me casar com o
Guilherme. Uma vez me perguntaram o que eu queria ser quando
crescesse e eu respondi: "esposa do Guilherme." Nunca tive outra ideia
para o futuro que não fosse ao lado dele. O resto era só para seguir
protocolo, pois eu já tinha meu destino traçado. Ser esposa do
Guilherme era a meta da minha vida. Olho para ela que está com os
olhos azuis muito brilhantes olhando o menino cantar. Ela sacode o
corpinho de um lado para o outro dançando no ritmo da música. Quando
ele termina todos aplaudem, ele olha diretamente para ela e sorri. Ela
abaixa o rosto envergonhada. Ele vem e senta-se à mesa ao nosso lado,
Anelise está feito um pimentão vermelho. Ela está com muita vergonha
de olhar na direção dele. Então percebo a diferença entre nós duas. Ela
não vai ficar dizendo isso para todo mundo e não vai fazer desse
encantamento de criança sua obsessão como eu fiz.
O resto do evento eu fiquei na dúvida cruel se conversaria com
ela ou não sobre isso. O lanche foi servido e ela ficou com muita
vergonha de ir até a mesa pegar o que queria na mesma hora que ele foi.
O que me fez rir da sua timidez, pois a deixa ainda mais graciosa com o
rosto cheio de pequenas sardas completamente corado. Esperamos ele
voltar, só então fomos nos servir.
Esperei chegarmos ao carro para conversar com ela. Meu
segurança dirige e pela primeira vez me sento no banco de trás só para
conversar com ela.
— Então você gosta daquele garoto, como é mesmo o nome
dele?
— Xiiii — ela coloca o dedo sobre os lábios e aponta para o
motorista. Me seguro para não cair na gargalhada.
— Ele não vai falar nada, não se preocupe. — Olho pelo
retrovisor e percebo-o querendo rir. — Então me conta, como é, ele
também gosta de você?
— Eu não sei, ele já disse que eu sou bonita. Uma vez levou
chocolate para mim. Acho que ele gosta sim.
— Entendo. O que você fez quando ele te deu o chocolate?
— Peguei e saí correndo. — Reprimo um sorriso.
— Ane, eu sou sua madrinha, você pode confiar em mim
sempre, você sabia? — Ela sacode a cabeça que sim. — Seu pai tem
razão quando diz que é muito pequena para pensar em casamento. Tem
uma vida toda pela frente. Está muito cedo para sair correndo porque o
menino te deu chocolate e te acha bonita. — Ela abaixa os olhos
envergonhada. — Ei, olha pra mim, princesa. — Ela ergue seus imensos
olhos azuis e me encara. — Não precisa ter vergonha. Toda menina tem
essas coisas de gostar de garotos na escola. Só não pode ficar querendo
namorar, está bem? Isso é coisa de gente grande.
— Eu não, só quando eu crescer.
— Ótimo.
— Chegamos. — O motorista diz.
Subimos para a cobertura onde a Anelise mora com os pais. Ela
está toda animada mesmo com os cabelos cheios de bolo da brincadeira
da torta na cara. Ela digita a senha para abrir a porta e entra gritando.
— Mamãe, papaiiiii, llegué. — Ela coloca as mãos na cintura e
faz uma cara tão fofa que tenho vontade de apertar suas bochechas. —
Ué, onde está todo mundo?
— Estou aqui, meu amor. — Ela corre para a mãe que arregala
os olhos quando vê o estado do cabelo ruivo grudado dela. — O que
aconteceu com você?
— Errei uma resposta e ganhei torta na cara. Mas estava muito
gostosa, mamãe.
— Então já para o chuveiro limpar essa sujeira toda.
— Vem dinda, vem me ajudar...
— A Bianca deve estar muito cansada já. Divertiram muito?
— Eu adorei cada segundo — digo seguindo as duas até o quarto
da Anelise.
— Janta com a gente hoje? — Natália convida.
— Vai ser um prazer.
— Ebaaa. — Anelise entra no banheiro pulando de alegria.
Fico observando as duas, Natália lava os cabelos da filha
enquanto ela não para de falar como foi divertido e cada coisa que
aconteceu.
— Prontinho. Quer que eu escolha as roupas?
— Não, mamãe, eu pego. Já sou grande, dou conta.
— Então está certo. Eu vou com a Bianca até a cozinha olhar o
jantar, te espero lá. Enxuga direito, ok?
— Eu já sou uma moça, mamãe.
— Obrigada por hoje. Foi muito importante você ter ido com ela.
— Natália diz enquanto seguimos para a cozinha.
— Eu fiquei muito feliz por ter ido com ela. Juro, adorei.
— Que bom, esses momentos são importantes para ela, você
sabe.
Anelise foi roubada no dia do nascimento. Natália pensou que
ela estivesse morta. Há pouco menos de um ano, ela descobriu a verdade
e conseguiu a guarda da filha. Mas ela não aceitou muito bem no
começo, até chamar a Natália de mãe demorou e deu um trabalho
danado para se adaptar.
— E a residência, Bia, como está indo?
Estamos conversando alegremente enquanto a ajudo a cortar
tomates para a salada quando ouvimos vozes vindas da sala. Mesmo que
esteja abafada, um pouco distante, eu posso reconhecer a voz do
Guilherme em qualquer lugar.
— Por que não me disse que ele viria? — pergunto já secando
minhas mãos. — Acho melhor eu ir embora.
— Eu não sabia que ele viria, juro. Mas quer saber? Se você sair
correndo desse jeito vai ser muito ruim. E vou te contar porque gosto
muito de você. Venha aqui. — Ela me arrasta para a área de serviço. —
No dia em que o Gui foi para o dia do padrinho na escola da Ane, ele
perguntou se seria só ele ou se você estaria lá, pois estava evitando
encontrar com você. — Olho para ela perplexa. — Então será uma
tremenda surpresa para ele também você aqui. Mas eu queria pedir pela
Anelise que você fique, ela vai ficar muito feliz.
— Mamãe, mamãe, meu padrinho está aqui. — Voltamos para a
cozinha no mesmo momento em que o Guilherme entra com a pequena
ruiva. — A madrinha também vai jantar com a gente, não é legal?
Ele me encara e seu sorriso morre gradativamente. Eu franzo o
cenho com sua reação. Então está me evitando na frente de pessoas, mas
quando estou sozinha vai me encurralar e fazer joguinho de sedução?
Aguarde-me, Guilherme.
Capítulo 34
— Olá, Guilherme — digo cruzando os braços na defensiva
enquanto olho seu rosto e ele evita olhar para mim.
As atitudes dele andam me confundindo cada dia mais. Ora ele é
cínico, ora é um homem apaixonado, ora um sedutor. Estou tentando
decidir qual dessas versões eu mais detesto.
— Tudo bem, Bianca?
— Nate, acabei trazendo... — Gabriel entra na cozinha e se cala
assim que me vê. Arregala os olhos e encara o Guilherme meio sem
saber o que fazer. Então percebo que o que a Natália disse sobre o Gui
não querer me encontrar é verdade. Até mesmo olhar para mim está
demonstrando ser difícil. Interessante. — Bia, que surpresa boa. —
Gabriel vem até mim e beija meu rosto.
— Esqueceu que hoje a Ane tinha o dia da madrinha? — Natália
diz beijando os lábios do marido. — Eu avisei para você que era hoje, a
Bia ficou para jantar com a gente.
— Eu fiquei tão preocupado com o problema do motor que não
lembrei.
— Mas deu tudo certo? — Nate pergunta.
Só agora Guilherme me encara.
— Deu certo sim, Graças a Deus. Faltam só alguns ajustes. Acho
que devemos por mais um prato na mesa, amor. Já está pronto o jantar?
— Não precisa se incomodar comigo, Biel, não vou ficar para o
jantar. — Guilherme diz me fazendo erguer a sobrancelha.
— Ah não, você falou que ia ficar, padrinho. — Anelise reclama.
— Por favor.
— É Gui, fica. — Os três me olham surpresos. — A comida está
uma delícia.
— Tudo bem então, já que você faz questão, Ane, eu fico — diz
fazendo carinho na cabeça dela enquanto me encara de forma estranha.
— Ótimo. Aqui, meu amor, leva para a mesa, por favor. —
Natália pede para o Gabriel levar os pratos.
Os três desaparecem pela porta da cozinha.
— Bianca, desculpa, eu não fazia ideia de que o Guilherme foi
com ele para o autódromo, muito menos que viria para cá.
— Não tem problema, preciso terminar de cortar isso aqui. —
Pego a faca e começo a castigar os tomates. Estou com mais raiva das
reações que tenho quando encontro com ele do que dele propriamente.
Ou seria pelo fato de não afetá-lo em nada aparentemente?
— Pode deixar que eu faço isso, melhor verificar seu celular,
acho que está cheio de mensagens. Além do mais, do jeito que está
fazendo vai acabar se machucando.
Enxugo as minhas mãos e pego o celular sobre a bancada. Tem
algumas mensagens do Samuel. A primeira é dele mostrando uma
playlist com meu nome. A segunda é uma imagem dele com um fone de
ouvido deitado na cama fazendo um bico muito engraçado. Começo a rir
e respondo:
Eu: Idiota, ninguém que está sofrendo fica tão bonito assim. Vai
ter que piorar essa cara.
Samuel: Sério? Então não sabe o que é saudade. Sinto sua falta.
Eu: Eu também sinto a sua.
— Prontinho — Natália diz. — Traz a salada para mim, Bia?
Coloco a vasilha sobre a mesa e me sento ao lado da Anelise, em
frente ao Guilherme. Natália coloca comida para a filha enquanto o
Guilherme e o Gabriel falam sobre os testes de hoje à tarde.
— Samuel também mandou muito bem, mesmo que o carro não
estivesse assim tão bom, ele teria feito uma excelente corrida. — Gabriel
diz. Abro um sorriso de orgulho por ele.
— Samuel é realmente um piloto excepcional. — Guilherme diz
me encarando com certo desdém. — Por falar em Samuel, achei que
estaria lá, Bianca, em um dia tão importante para seu namorado. — A
última palavra sai meio que forçada.
É exatamente esse tipo de coisa que anda me confundindo. Ele
não estava me evitando? Então por que foi a um lugar onde sabia que eu
estaria?
— Eu até teria ido, mas já tinha feito compromisso com a minha
afilhada. Mas não faltará oportunidade. Outro dia eu estive lá, Gabriel.
Samuel fez um piquenique em uma colina, tem uma vista linda e o
crepúsculo, maravilhoso — digo com a expressão mais sonhadora
possível. Guilherme cerra os olhos e me encara.
— Dinda, a gente pode ir ao cinema depois? — Anelise pergunta
animada mudando o foco da conversa. Graças a Deus.
— Claro, eu vou adorar. Amanhã estou livre, se sua mãe deixar...
— Por mim tudo bem, se você quer passar o dia com essa
maritaca. Só que amanhã ela vai passar o dia na casa da tia Alícia. —
Natália lembra.
— É mesmo. Sabia que eu vou aprender a tocar piano com o tio
Murilo? — Ela diz animada.
— Nossa, que legal.
— Você sabe tocar piano? A tia Alícia sabe tocar...
— Filha, o que a mamãe já falou sobre conversar demais na hora
do jantar? Assim você nem come direito.
— Desculpa, mamãe.
— Nunca pensei que vocês dois seriam pais tão... tão... como
posso explicar?
— Melhor nem fazer. — Gabriel diz sorrindo. — Aprendi muito
rápido que apesar de amar e querer fazer tudo pelos filhos, os pais
precisam ter limites.
— Não seriam os filhos que deveriam ter limites? — pergunto.
— Acho que essa frase não está correta.
— No caso da nossa família é o Gabriel que tem que ter limites
aqui. — Natália diz como se contasse um segredo. — Ele sempre acaba
fazendo tudo que ela quer, depois isso vai dar um trabalho.
— Dinda, por que você não vai mais se casar com o meu
padrinho? — Anelise diz do nada. — Ia ser tão legal se vocês se
casassem, morassem juntos como a mamãe e o papai, tivessem filhinhos.
Ergo os olhos e encontro as duas orbes azuis do Guilherme me
encarando, isso causa um solavanco no meu coração. Seus lábios
sustentam um sorriso meio de lado por causa do assunto abordado
repentinamente. Talvez por conta da minha reação.
— Anelise... — Natália tenta dizer alguma coisa depois do
choque.
— Então, Bianca, vai responder a pergunta dela, ou quer que eu
faça? — Vejo um sorriso perverso se abrir em seus lábios.
Ah, Anelise não poderia ter perguntado isso quando estávamos
sozinhas? Seria bem mais fácil responder.
— Então, Ane, eu agora tenho outro namorado. Não vou me
casar com o seu padrinho porque... por isso. Por estar com outra pessoa
agora. — Guilherme coloca os talheres sobre o prato fazendo
barulho. Sua expressão agora não é mais tão divertida, pois fiz questão
de deixar claro que não diria o real motivo apesar de ter vários.
— Então vai se casar com o Samuel? Ele que é seu namorado,
né? — Anelise pergunta de forma curiosa. Eu sei que ela adora
casamentos, fica toda animada com uma noiva.
— Anelise... — A mãe tenta parar mais uma vez o inquérito da
filha.
— Talvez, ainda é cedo para pensar em casamento. Apesar de
que a gente passa a vida com uma pessoa e não a conhece de verdade...
— Pois é, Anelise, sua madrinha prefere ficar iludindo o coitado
do homem que pensa que um dia vai ter alguma chance com ela, quando
na verdade ela sabe que deveria estar comigo — Olho para ele que pisca
de forma provocadora para mim.
— Não estou iludindo ninguém, Ane... — Ele não me deixa
terminar a frase.
— Então ele sabe que você fica toda derretida nos braços do ex?
Que quase morre de ciúmes de mim? Onde está mesmo o seu namorado
em pleno sábado à noite?
— Ei, melhor vocês dois pararem com... — Ouço a voz do
Gabriel, mas já estou possessa de raiva.
— Eu não fico... quer saber? Você é um cretino, mentiu para
mim a vida toda, quando trepava por aí com a prima, ao menos eu não
fico fazendo promessas para ninguém, ao contrário de pessoas que juram
amor enquanto está pegando todas as residentes no hospital. Samuel
sabe bem onde se mete, e ele faz muito bem essa última parte, diga-se de
passagem. Muito melhor do que você.
— Ai, meu Deus. — A voz temerosa da Natália não diminui a
minha raiva e nem impede o Guilherme de falar.
— Viu? Está morta de ciúmes e não...
— Não estou com ciúmes coisa nenhuma, não estou nem aí com
quem ou com quantas você anda trepando...
— Agora já chega! — Gabriel praticamente grita. Arregalo os
olhos e olho para a Anelise que está sem entender nada. — Natália, pode
levar a Ane para dormir, por favor.
— Ah não papai, eu nem comi a sobremesa ainda! — reclama.
— O papai já vai para contar uma história para você. — Gabriel
diz todo carinhoso com a filha.
— A gente pode comer a sobremesa no quarto enquanto
brincamos na sua mesinha de jantar, o que acha? Dê boa noite e venha
comigo, filha. — Natália levanta meio sem graça.
Apesar da raiva estou com vergonha da cena que fiz. Não
precisava agir como uma louca mimada.
— Boa noite, Dinda — ela beija meu rosto.
— Eu vou com vocês — digo fazendo menção de me levantar.
— Você vai se sentar e ouvir o que tenho a dizer, Bianca —
ordena Gabriel.
Vejo a Natália sair da copa com a filha levando duas taças de
pavê de chocolate. Não ouso olhar para o Guilherme que tem os olhos
fixos em mim.
— Vocês dois estão parecendo duas crianças. Não têm
vergonha? Deveriam ao menos se comportar na frente da minha filha.
Dois adultos que não conseguem ficar no mesmo recinto sem se
provocar e discutir. Dois irresponsáveis e inconsequentes...— Abro a
boca para contestar, mas ele levanta a mão. — Calada. Vocês estão
causando indisposição onde quer que vão. Todo mundo fica preocupado
se pode ou não convidar vocês dois para a mesma festa com medo de ter
confusão. Já não basta você ter saído no soco com o Samuel no
casamento da Alícia, Guilherme? Não ter ido ao aniversário da sua
madrinha. Agora vem a Bianca falar essas coisas para uma criança. Ela
ama vocês e só queria que estivessem juntos, assim como todo mundo
quer. Mas vocês dois só sabem ficar se alfinetando, se agredindo e
magoando um ao outro. Já chega! Conversem e se resolvam como dois
adultos que são, se não for por vocês, ao menos deixem de ser egoístas e
façam pelos outros que estão ao redor.
— Sinto muito, Gabriel, eu... — tento me desculpar, pois sinto-
me como uma criança sendo repreendia por um adulto responsável.
— Eu não quero suas desculpas, não quando certamente fará de
novo e de novo... — diz de forma ríspida. Fecho os olhos
completamente envergonhada. — Eu vou colocar a minha filha na cama
e tentar explicar a ela o que foi essa confusão aqui.
Não fazia ideia de que o Guilherme havia brigado com o Samuel
no casamento do Murilo e Alícia. Tento buscar na memória, mas não
consigo me lembrar de ver nada parecido. Ninguém me disse nada do
que aconteceu, muito menos o Samuel. Continuo de olhos fechados até
que ouço sua voz:
— Eu não estou trepando com as residentes, só para deixar claro.
— Eu não estou nem ai, só para deixar claro.
— Bia, vamos parar com isso, ok? O Gabriel tem razão, estamos
feitos duas crianças... e... Eu ainda estou esperando por você, só para
deixar claro.
— Está perdendo seu tempo... — Paro de falar e encaro seu
rosto. — Você acha mesmo que eu vou cair nessa conversa? Está
esperando que eu volte para você, mas enquanto isso não acontece você
se diverte com outras? Vai para festas e pega geral?
— Pensei que não estivesse nem aí. — Ele diz de forma irônica,
se levanta da cadeira e vem em minha direção. Inclina-se bem próximo
do meu rosto. — Essa conversa vai nos levar para o mesmo lugar de
sempre, ou seja, lugar nenhum. Quando estiver cansada de ser uma
garota mimada, rancorosa e orgulhosa, sabe onde me encontrar. Estarei
esperando por você. — Abro a boca para responder, mas antes recebo os
seus lábios sobre os meus. Minha surpresa é tamanha que fico sem
reação, completamente paralisada.
Capítulo 35
Depois do show que Guilherme e eu demos na casa do Gabriel, o
mínimo que pude fazer além de me desculpar, foi acompanhar a Anelise
em seu passeio na casa da Alícia como a Natalia pediu. Percebi na hora
em que a proposta foi feita que era uma tentativa de aproximar-me da
Alícia novamente, pois apesar de ter ido ao casamento dela como dama
de honra, nós mantínhamos uma certa distância ainda. Acontece que ela
viajou para a lua de mel, quando voltou começamos a residência, ela,
recém-casada, tem que aproveitar o pouco tempo com o marido, e eu
tenho um namorado para dar atenção. Tinha na verdade.
Murilo está diante do piano com a Anelise ao seu lado. Ela canta
a plenos pulmões a música tema do filme a Bela e a fera, Beauty and the
beast. Eu estou observando a Alícia enquanto ela olha para os dois como
se estivesse diante da coisa mais maravilhosa do mundo. Não há nada
mais no seu olhar do que amor, admiração.
Confesso que mesmo depois de ela ter me dito que amava o
Murilo, seu noivo na época, eu não acreditei que um sentimento forte
como ela sentia pelo Guilherme, tal qual escrito na carta, pudesse acabar
assim. Mas desde então tenho visto a cada dia mais que se um dia ela
amou o Guilherme, acabou. Ou foi como ela me disse, nunca existiu de
fato. Nunca acreditei que alguém pudesse amar duas vezes, porque eu só
amei e sempre irei amar uma única pessoa em minha vida.

Um conto velho como o tempo


Uma canção velha como a música
Amarga e estranha
Descobrindo que você pode mudar
Aprendendo que você estava errado

Reflito sobre o trecho da canção que um dia pensei em dançar no


meu casamento, penso que talvez eu esteja aprendendo o quanto estou
errada. Estava errada quando pensei que Guilherme me amasse como eu
o amava. Estava errada achando que pudesse perdoá-lo. Estava errada
quando pensei que pudesse esquecer um sentimento que era como uma
canção velha, amarga e estranha.
— Eu vou conseguir tocar bem assim? — Anelise pergunta
quando o Murilo finaliza.
— Claro que vai, mas antes precisa conhecer as notas...
— O que acha de irmos ao terraço beber alguma coisa e
aproveitar o sol? — Alícia sugere.
— Vamos sim.
— Amor, estou no terraço com a Bia, quando terminar a aula
sobe para ficar com a gente. — Ela deixa um beijo na testa da Anelise e
outro nos lábios do Murilo.
— Tia Lili, tem sorvete? — Anelise pergunta animada.
— Tem sim, mas só depois do almoço, mocinha. E antes disso
vamos focar na aula que a gente sequer começou ainda. — Murilo
chama a atenção dela que faz uma cara engraçada por ter sido
repreendida. Pisco o olho para ela e faço um movimento com os dedos
como se estivesse tocando piano indicando para ela tocar.
Subimos as escadas que davam para o terraço. Eles estão
morando em um apartamento que já era da Alícia, um duplex na Barra
da Tijuca, não muito longe de onde o Gabriel mora. Alícia se senta em
uma espreguiçadeira e eu ao lado dela. Um imenso guarda-sol nos
protege acabando com o conceito aproveitar o sol, além de que tudo, o
tempo estava meio nublado apesar do calor.
— Então, Bia, queria falar com você desde o almoço da vovó,
mas infelizmente não tivemos oportunidade. — Olho para ela
aguardando que continue. — Foi bem estranho ver você com o Samu,
mas meu primo parece bem apaixonado. Fiquei curiosa, esqueceu o
Guilherme totalmente?
Estreito os olhos para ela, apesar dos óculos escuros, ela
provavelmente percebeu a minha demora em responder.
— Não sei por que isso te deixa surpresa, já faz tempo que
Guilherme e eu terminamos. O mais natural seria eu seguir em frente.
Fora que se você conseguiu se apaixonar por outra pessoa, por que seria
diferente comigo? — digo soando mais brusca do que necessário. —
Samuel é um homem maravilhoso.
— Devo mesmo te responder isso? Sério, Bia, pensei que já
tivesse deixado claro que não sinto nada pelo Guilherme desde muito
tempo. Muito antes de conhecer o Murilo, eu sequer o via mais do que
um bom amigo. Se parar para analisar nunca senti de verdade. Agora
você...
— Não vim aqui para falar dessas coisas, seria melhor a gente
deixar isso tudo no passado...
— Mas eu acho importante. Acho importante porque me sinto
culpada, eu destruí a sua vida, acabei com a sua felicidade.
— Não fez isso sozinha, Alícia, e eu já superei e estou seguindo
em frente. Estou aqui, não estou?
— Eu sinto falta de você como minha melhor amiga. — Encaro
seu rosto, ela engole em seco. — Fico muito feliz por ter me perdoado,
mas eu sinto que nunca mais seremos a mesma coisa. Fico me
perguntando se você realmente me perdoou, e se fez, por que não perdoa
o Guilherme? Erramos na mesma proporção.
— É diferente, quando tudo aconteceu você era uma garotinha,
ele já era um adulto, você... esquece.
— Eu sei que é difícil falar sobre isso, mas a gente não pode
ficar com um elefante branco entre nós e fingir que não existe. Eu sofro,
o Guilherme nem se fala, está sofrendo muito.
— Você não sabe quantas vezes eu o ouvi dizer que ele não
ficaria comigo porque amava outra e não queria me magoar.
— O que te machuca mais é essa mulher ser eu... Depois quer
dizer que não tenho culpa... — ela diz tirando os óculos e olhando-me
nos olhos.
— Um dia a gente vai olhar para isso tudo e nem vai lembrar. —
Seguro em sua mão. — Eu sinto muito se estou distante. Prometo que
vou melhorar. Você está feliz, tem um marido que te ama. Até o
Guilherme está seguindo em frente.
— Está? Acho que você está bem enganada quanto a isso. —
Coloca os óculos novamente e encosta na cadeira.
— Quem está enganada é você, pois eu o vi aos beijos e depois ir
embora de uma festa com a Bárbara, lembra dela? Nossa colega de
faculdade que inclusive é interna no HGL — digo sem esconder minha
indignação.
— Bom, isso sim é uma surpresa. A Bárbara? Não ouço
conversas sobre o Guilherme no hospital, ele é muito sério no trabalho.
Muito menos com ela, o Murilo teria ouvido alguma coisa, já que
trabalha com ele e teria me contado, certamente.
— E se escutasse por acaso você me diria? — Ela fica calada
pensando antes de responder.
— Talvez... Pensando bem, agora que você falou, eu vi mesmo
os dois de conversinha, mas na hora não me liguei... e tem a nova
médica também, eles almoçaram juntos no refeitório algumas vezes, o
que é bem estranho, pois sempre almoçamos juntos, eu, ele, a Nate e o
Murilo. Acho que os dois saíram juntos do hospital outro dia. Como é
mesmo o nome dela? — Estala os dedos tentando lembrar.
Abro a boca surpresa. Decepcionada. Então eu esperava mesmo
que ele estivesse me esperando? Um gosto amargo toma conta da minha
boca. Ajeito-me na cadeira.
— Safado...
Tenho imaginado o Guilherme saindo com outras, a cena dele
beijando aquela horrorosa da Bárbara não sai da minha cabeça. Até já
me preparei para encontrar com os dois em algum evento da família.
Entretanto, ouvir isso assim me deixa arrasada, como se meu coração
não tivesse sido partido o suficiente e ainda pudesse ficar ainda mais.
Como isso é possível? E se ele se apaixonasse por outra?
— Mas e você? Bianca, todo mundo sabe que Samuel está
apaixonado por você, não é justo que faça isso com ele.
— Isso o quê? Não estou fazendo nada...
— Para mim, você acabou de demonstrar que está morta de
ciúme do Gui e as internas. E quando falei que ele estava saindo com a
médica nova você ficou branca como um papel. Ficou claramente
decepcionada e com raiva. Isso quando deveria se preocupar apenas com
o seu namorado. Eu menti, não vi nada disso, Guilherme não está com
ninguém, só falei para ver o que você diria.
— Eu... não acredito que fez isso! — Ela dá de ombros. — Quer
saber? Eu e Samuel não estamos mais juntos. — Ela me encara séria. —
Faz algumas semanas que a gente terminou. Somos apenas amigos
agora.
— Nossa, ele deve estar arrasado. Mas você não negou que está
morta de ciúme do Gui.
— Essa coisa de sentimento é muito estranha. Quem diria que
você estaria tão apaixonada hoje. Lembro-me de todas as suas analogias
sobre o amor ser uma prisão, sobre não querer se apaixonar por
ninguém. Tem até aquela história sobre uma ave... como é mesmo o
nome? — Ela começa a rir.
— O tucano africano.
— Isso... Hoje está toda mudada.
Uma vez fiquei estarrecida com o que ela disse sobre essa ave,
então vem a conversa em minha mente:
— Eu não entendo o motivo de você ter tanto medo de se
envolver. — perguntei na época, lembro que estava muito indignada —
O que aconteceu, Alícia? Por que se mantém tão fechada para
relacionamentos.
Questionei sobre ela não querer nada sério com o Murilo que
estava nitidamente apaixonado por ela.
— Uma vez, eu vi um programa que falava sobre uma ave, o
tucano africano. Ele fabrica o ninho a partir do oco de uma árvore,
escolhe o mais profundo como se fosse um buraco. Dentro dele, a fêmea
se empareda literalmente, ela com a ajuda do macho, constrói uma
parede de barro. Essa parede tem apenas um pequeno buraco, que é o
único espaço aberto, muito pequeno. Por essa pequena abertura, o
macho leva comida para ela durante semanas. Dentro do lugar escuro, a
fêmea arranca as próprias penas para preparar o ninho das futuras crias.
Mesmo que quisesse desistir, ela morreria, sem possibilidade de voar. Se
o macho morrer, ela morre também.
— Meu Deus, você não quer dizer que...
— O amor é uma prisão e eu gosto de ser livre — não consegui
esconder meu estado de choque. — Olha para você, Bianca, não dá um
passo sem que o Guilherme saiba e ele da mesma maneira. "Não faço
isso porque a Bia não gosta, não saio sozinha porque o Guilherme não
gosta". Veja o Gabriel, sofreu por anos por causa da Natália e agora não
está diferente, sem falar dos meus pais, um se move o outro se move,
vivem como se a vida dependesse do outro. Não nasci para isso, gosto
da minha liberdade, de usufruir do meu direto de ir e vir. Gosto de ser
livre e fim.
— Não é assim, eu tenho prazer em agradar o Guilherme, não
faço isso por obrigação.
— Sei que não, o que é ainda pior, a pessoa que ama perde a
própria identidade para assumir algo que nem sequer é verdadeiro. Abre
mão de coisas que gosta de fazer, isso é ridículo. Não me vejo como
alguém que faça nada para agradar os outros. Sem contar que o amor
machuca, nem sempre é correspondido, nem todo mundo tem a sua
"metade". Ou não teríamos tantos corações partidos.
— Hoje é uma mulher apaixonada e adora viver na prisão —
implico.
— Pois é. Eu estou casada, feliz, mas isso foi uma escolha
minha. Eu poderia ter escolhido ser orgulhosa e não estar com o Murilo.
Você não sabe o que é estar casada com um homem que em poucas
semanas vai ter um filho com outra. Em breve vou ter que cuidar de um
bebê que não é meu. Vou ser mãe sem ter pedido por isso. Estou
decorando um quarto de recém-nascido com todo entusiasmo do mundo
como se ele fosse meu. E sabe por que faço isso? Porque eu amo o meu
marido e faria qualquer coisa por ele. Até construiria um muro e viveria
dentro dele se o Murilo quisesse.
— O que está querendo dizer com isso?
— Estou dizendo, Bianca, que você não amava o Guilherme
tanto quanto dizia, ou o que aconteceu não seria motivo para se separar
dele. Tudo bem que você ficou magoada, tudo bem se quis dar uma lição
nele, mas já se passaram mais de sete meses, se realmente o amasse já
teria deixado tudo para trás. Eu penso assim, pois eu não conseguiria
ficar um único dia longe do Murilo, mesmo que tivesse que travar uma
batalha por dia.
— É diferente.
— Não é não. Perdão é consequência do amor. — Ela se levanta.
— Acho que já posso começar o almoço. Quer me ajudar?
Fico calada digerindo suas palavras duras enquanto seguimos
para a cozinha.
Capítulo 36
Uma movimentação diferente no andar de baixo me faz franzir o
cenho.
— Nós temos um mandato. — Mais estranha do que a
movimentação é a frase que escuto ao chegar próximo à escada. Desço
os degraus quase correndo. Encontro a nossa governanta toda afoita à
porta e vários homens com uniformes da polícia federal.
— O que está acontecendo aqui? — pergunto.
— Esses homens, eles querem entrar para... dizem que tem...—
Carmelita está tão nervosa que mal consegue me explicar o que está
acontecendo.
— Temos um mandato para levar os computadores da casa...
— Posso ver? — O homem de aproximadamente 45 anos me
entrega um papel. Antes que eu comece a ler, os homens já estão
circulando dentro de casa. — Ei, o que está fazendo?
Começo a correr em direção às escadas, desisto e desço, vou ao
escritório do meu pai onde estão remexendo em tudo, pegando arquivos
dentro das gavetas. Estou tão nervosa que não consigo raciocinar direito.
Meus pais estão em Miami há menos de três dias. Eu preciso ligar para
eles, mas deixei meu celular no quarto. Vejo um homem descer as
escadas carregando meu computador.
— Ei, esse notebook é meu. Você não tem o direito de levá-lo
assim. — Corro na direção do homem e sinto alguém segurar minha
cintura.
— Bianca, eles têm um mandato. Não dificulta as coisas...
— Alejandro, o que está acontecendo? Por que isso tudo?
— Nosso pai está sendo investigado por fraude, eles estão
investigando um esquema de repasse de propina entre empresários,
políticos e executivos de grandes empreiteiras e construtoras, o tio
Rafael está sendo acusado de facilitar licitações em favor do nosso pai.
— Isso é um absurdo! — Meu olhar se reveza entre meu irmão e
os homens que estão carregando máquinas para fora de casa. Outros
estão procurando sei lá o que, tirando quadros das paredes, mexendo em
tudo dentro de nossa casa.
— Eu sei, Bia, acabei de ligar para o papai, ele está vindo para
casa.
— Meu Deus, isso só pode ser um pesadelo. — Alejandro me
abraça.
— Vai ficar tudo bem.
Ficamos quietos olhando nossa casa ser revirada. Depois que os
homens foram embora ainda estávamos abraçados no meio da sala.
— Que bom que você está aqui — digo deixando uma lágrima
cair. — Eu não saberia o que fazer. Provavelmente teria sido presa por
desacato.
— Vocês querem alguma coisa? Posso fazer algo? O jantar, um
lanche, sei lá... Meu Deus, não consigo pensar direito. — Nossa
governanta diz andando de um lado para o outro.
— Está tudo bem, Carmelita. Pode seguir a rotina normal. Eu e a
Bia iremos jantar em casa hoje.
— Eu não sei se vou conseguir comer, não precisa se preocupar
comigo. Mais tarde faço um lanche — digo me afastando do meu irmão
e indo até o escritório. Fico olhando a bagunça que eles deixaram.
Levaram muitos arquivos, reviraram as gavetas e fizeram bagunça nos
livros da estante. Suspiro fundo.
— O Enzo virá também, todas as empresas do papai estão sob
investigação. — Alejandro diz entrando no escritório comigo. Ele pega
um porta-retrato que eles tiraram a foto e deixaram em cima da mesa e
arruma no lugar. Fico imaginado o que eles esperavam encontrar nesta
foto.
— Como isso foi acontecer? Você disse que o tio Rafael também
está sendo investigado?
— Sim, a coisa não está muito boa para ele também. Todos os
bens foram bloqueados até que a investigação acabe. Contudo, acho que
o alvo era mesmo o nosso pai. Eu preciso tomar um banho, Bia, acabei
de chegar da fazenda e... um banho vai me ajudar a relaxar. Tudo bem
pra você? — aceno com a cabeça que sim.
Encosto-me no batente da porta e fico olhando-o subir pelas
escadas. Meus pais moram nesta casa desde que o Enzo nasceu. Meu pai
tem uma construtora que atua em diversos países. A sede era em Miami,
foi transferida para o Brasil algum tempo depois que meus pais se
casaram. Por esse motivo vivíamos viajando. Sento-me no sofá da sala
meio perdida em pensamentos. Eu precisava do meu notebook, minha
vida está nele. Não sei quanto tempo levará para devolverem o meu.
Preciso comprar outro, ainda bem que muita coisa está salva na nuvem.
Alguém abre a porta da sala. Ergo minha cabeça e vejo o Guilherme
entrar. Ele vem correndo em minha direção. Sem pensar duas vezes, eu
me levanto e me atiro em seus braços.
É tão bom sentir seu cheiro, seu calor. Meu coração está batendo
forte, acelerado, mas, mesmo assim me sinto calma, protegida. É como
se estivesse em casa, como se seus braços fossem meu abrigo, meu lar.
— Eles levaram tudo, Gui — digo deixando as emoções
tomarem conta de mim. Esqueço-me de todas as razões que eu não
deveria estar agindo assim.
— Eu sei, fizeram o mesmo lá em casa. Fiquei tão preocupado
com você, pensei que... Eles foram... Você está bem?
Percebo então que ele está nervoso também. Isso tudo atingiu a
família dele, mesmo assim ele está aqui preocupado comigo.
— Estou sim, só um pouco assustada com toda essa loucura. É
um absurdo tudo isso.
— Vai ficar tudo bem. Eles não encontrarão nada. Nem meu pai
nem meu padrinho seriam capazes de nada do que estão sendo acusados.
Eles irão provar que são inocentes.
Estamos abraçados no meio da sala conversando enquanto sua
mão afaga meus cabelos, minhas costas. Meus braços estão em volta de
sua cintura e eu estou adorando isso. Tento me convencer que preciso
me afastar, mas não quero, não posso e não consigo.
— Você acha que foi tudo armação?
— Com certeza. Meu pai não iria contra aquilo que ele lutou a
vida toda. E o seu pai a mesma coisa, Bia. Logo iremos descobrir o que
aconteceu.
— E como está o seu pai? Tia Kami... — pergunto.
Ergo meu rosto para olhar o seu. Ele me encara sério. Meu
coração começa a bater ainda mais acelerado. Não consigo controlar
minha respiração. Ele não responde minha pergunta. E eu nem sei o que
acabei de perguntar. Ele aproxima um pouco seu rosto do meu. Tenho
certeza de que ele irá me beijar. Até posso sentir o gosto da sua boca na
minha por antecipação. Minha nossa, parece que estou esperando isso há
séculos. Meus lábios se entreabrem um pouco. Ele se aproxima mais. Já
sinto o calor dos seus lábios nos meus.
— Bia, mamãe quer falar com... — Alejandro se cala. Saio do
entorpecimento que estava e me afasto. — Porra, desculpa, não queria
atrapalhar.
— Não atrapalhou nada... nós só... eu e ele... Mamãe quer falar
comigo?
— Sim... — ele me estende o aparelho.
— Eu... vou falar com ele... quer dizer, com ela. Obrigada,
Gui....
Saio correndo da sala para o lado de fora da casa. De repente me
senti sufocada, cansada. Olho para trás e vejo o Alejandro se desculpar
com o Guilherme.
— Oi, mamãe...
Eu ia deixá-lo me beijar? Eu queria muito isso. Não posso mais
mentir para mim mesma. Eu quero isso faz tempo. A sensação de estar
nos seus braços novamente. De repente, uma necessidade enorme de
sentir seu abraço toma conta de mim, um desespero, era como se o
mundo fosse acabar se eu não tivesse seus braços sobre mim. Eu olho
para a casa e suspiro fundo. Quero sair correndo, entrar em casa e me
jogar nos braços dele. Ah, como eu quero. É quase incontrolável.
— Bia, — ouço a voz da minha mãe dizer meu nome de forma
distante. Então volto para o mundo real, sacudo a cabeça.
— Oi, mamãe, o que disse?
— Eu disse muita coisa, mas parece que não ouviu nada.
— Desculpa, mamãe. Eu... estou um pouco atordoada.
— Oh, meu anjo. Eu imagino... — Então ela começa a chorar. —
Fiquei tão preocupada com vocês.
— Está tudo bem, mamãe. Fique calma. O que mesmo estava
dizendo?
Capítulo 37
Fico bem mais calma depois de falar com a minha mãe, apesar
de que uma tempestade se agitava dentro de mim. Respiro fundo e
começo a andar para dentro de casa. Guilherme se choca contra mim, só
não caio porque ele me segura.
— Ei, o que houve? — pergunto percebendo sua agitação.
— Preciso ir, minha mãe está tendo uma crise de pânico, meu pai
não está nada bem. — Ele desce os cinco degraus correndo. Alejandro
está logo atrás dele.
— Gui, espera — grito, pois ele está indo pela praia e pode ser
que demore um pouco para chegar. — Vamos de carro, eu quero ir com
vocês.
Pego a chave do carro e vamos correndo para a garagem.
— Eu dirijo, Bia — Alejandro diz e eu entrego a chave para ele.
Não é muito longe a casa do Guilherme da minha. Até existe um
atalho, mas de carro chegaremos mais rápido, além do mais uma leve
garoa começou a cair, é bem provável que irá chover. Guilherme mal
espera o carro parar para descer e sair correndo para dentro de casa.
Encontro-o diante de sua mãe que está sentada no sofá e com
certa dificuldade de respirar. Ela olha para o marido enquanto seu corpo
balança para frente e para trás.
— Mamãe, vai ficar tudo bem. Respira, respira. — Ele diz
segurando nas mãos dela. — Isso vai passar...
— Eu fico com ela, vai ver o seu pai.
Guilherme faz o que digo. Tio Rafael está respirando com certa
dificuldade. Esfrega a mão no peito demostrando agonia, ele abre dois
botões da camisa social e tem no rosto uma expressão de dor.
— Ei, sogrinha. Olha para mim. Está tudo bem. Inspire
devagar... isso, expire... agora espera... um, dois, três, quatro, inspira...
Presta atenção na minha voz, o tio Rafael está bem, Guilherme está
cuidando dele.
Vou conversando com ela até perceber que está mais calma.
Uma crise de pânico leva em média 30 minutos para passar, contando
que não levamos nem 15 minutos para chegar aqui, ela já deve estar
voltando a si. Nicolas está branco feito um papel, ajoelhado ao lado do
pai, olhando-o fixamente.
— Ele está bem? — tia Kamila pergunta tentando se levantar.
— Ele está bem, Tia. E a senhora, já consegue respirar melhor?
— ela afirma com a cabeça. — Ótimo, a senhora fica aqui, continua
controlando a respiração e eu vou até ele.
Levanto-me e me sento ao lado do Tio Rafael observando o
Guilherme aferir a pressão dele.
— Eu já disse, foi só uma tontura por conta da pressão que subiu,
Kamila se apavorou...
— O senhor está tendo alteração de pressão constantemente? —
tio Rafael nega com um gesto de cabeça. — Precisa marcar com o tio
Vítor, papai. Precisa focar na saúde, praticar mais esportes.
— Eu estou fazendo tudo isso, sou quase um atleta — diz nos
fazendo rir enquanto o Guilherme revira os olhos. — O problema é
que... muita coisa está acontecendo de uma vez, meu filho, então não
tem coração que aguente.
Um tempo depois todo mundo parece mais calmo, o Guilherme
pergunta:
— O que aconteceu para deixar vocês dois assim? Eu saí e
estava tudo relativamente bem.
— Frederico foi assassinado — Nicolas diz muito sério. Tapo a
boca com a mão em choque. — Ele estava... estava chantageando nosso
pai. Daí acabamos de saber que ele foi assassinado, deixaram indícios
que havia sido suicídio, no entanto, as pistas indicam que foi... que meu
pai o matou.
Eu teria caído se não tivesse sentada.
— Isso é um absurdo. Que história é essa? Com o que ele estava
chantageando-o papai, o que ele tinha para usar contra o senhor? —
Guilherme questiona.
— É melhor vocês se sentarem. De toda forma irão saber depois.
— Tia Kamila diz. Sento-me ao lado dela e Alejandro no sofá em frente.
— Há muitos anos, eu, a Gabriela e a Fernanda fizemos uma viagem
para o Caribe. Estávamos em um cruzeiro quando eu e Gabriela
sofremos um sequestro. Fomos levadas para lugares diferentes. Gabriela
era virgem, foi levada para ser vendida em um leilão. Ian estava
disfarçado para tentar descobrir o paradeiro da noiva que tinha sumido
há mais de quatro anos.
Ele comprou a Gabi a levou para a ilha e os dois acabaram se
apaixonando. Eu fui para algumas casas de prostituição, dei muito
trabalho, pois preferia morrer a me entregar. Vivia machucada, pois
mulheres machucadas não podiam fazer programa. Então eu fui levada
para uma boate onde dançava até a exaustão. Foi muita sorte eu saber
dançar. O Rafael era delegado na época, ele era noivo da Gabriela. —
Arregalo os olhos surpresa, pois não fazia ideia dessa história. Ela
continua: — Ele estava procurando pela Gabriela, então ele me salvou
daquele lugar, onde certamente não duraria muito.
Foi quando me vi apaixonada pelo Rafael. Meses depois, a Gabi
apareceu, ela havia se casado com o Ian. Logo ela ficou grávida. Teve
muita reviravolta nessa história. No final das contas, foi tudo apagado,
escondemos a história que seria um tanto quanto constrangedora, apenas
nós sabíamos disso, então resolvemos esquecer alguns detalhes. Era o
que havíamos pensado. Mas o Frederico tinha todas as provas do que
aconteceu. Alguém entregou para ele, não sabemos quem.
— E isso já era motivo para acabar com ele. — Nicolas afirma.
— Eu não me envergonho da minha história. Se ele tivesse
entregado para a mídia, se tivesse sido revelado não me causaria mal
algum. Acontece que... agora ele está morto e a culpa cairá sobre nós.
Temos um bom motivo para ter acabado com ele.
— Meu Deus. Como isso foi acontecer? — Guilherme questiona.
— E a Nicole, como ela está? — pergunto.
— Nicole está bem, ela não sabe de nada ainda. Está na casa do
Marco, em Cabo Frio. Alícia vai buscá-la de helicóptero amanhã. Mas
estou preocupada com ela. Apesar da situação de investigação, de ter a
polícia aqui dentro, nada disso me fez temer, pois confio no meu marido
e no Ian, mas quando fiquei sabendo do Frederico, das provas forjadas...
Foi por isso que entrei em pânico e seu pai... — Tia Kamila se levanta e
vai até o marido. — Por favor, não me assusta assim. Nunca mais. —
Ela o abraça.
— Está bem. — Ele responde fazendo uma carícia no rosto dela.
— Tem um médico bem aqui, três na verdade, eles saberiam se eu
tivesse tão ruim assim. Estou bem, foi só um susto.
— Um susto que precisa ser investigado. Amanhã mesmo o
senhor irá comigo ver o tio Vítor. — Guilherme diz.
— Vocês são muito exagerados.
— Então quer dizer que você já foi noivo da minha mãe. —
Alejandro diz. — Pelo que entendi, ela se casou com meu pai ainda
sendo sua noiva, que safadinha.
— Alejandro, olha o respeito — repreendo-o.
— Pois é, e ela me trocou pelo seu pai. Uma péssima escolha —
ele diz sorrindo. — Mas isso foi o melhor, pois eu já tinha uma queda
pela melhor amiga dela, se tivéssemos casado pensa na confusão que ia
ser. Eu apaixonado pela melhor amiga da minha esposa.
Uma história um tanto quando parecida com a minha. Mas eu
seria a esposa traída.
— Até parece, eu que me apaixonei primeiro. Deixa de conversa.
— Tia Kamila reclama.
Tio Rafael começa a contar detalhes da história dos dois fazendo
a atmosfera mudar. Ele fez tudo ficar leve e até engraçado contando
como o tio Vítor o convenceu de que estava louco pela tia Kamila. Já
não tínhamos mais as preocupações de antes. Nós sabíamos um pouco
da história dos meus pais, mas esses detalhes deixaram-me muito
surpresa.
— O jantar já está pronto. — Zélia, a governanta avisa
interrompendo nossa conversa. Ela abre um sorriso quando me vê. —
Bia, quanto tempo.
Eu vou até ela e beijo seu rosto.
— Tudo bem, Zezé?
— Melhor agora que estou vendo você aqui. — Ela olha para o
Guilherme de forma sugestiva e nada sutil fazendo meu rosto queimar.
— Então, Zezé, será que tem comida para mais um?
— Ei, mais dois — Alejandro grita.
— Claro que tem, se não tivesse eu iria agora mesmo preparar
mais para vocês.
— Parece que não sabe como a Zezé te ama. — Nicolas diz. —
Ela faria a Nádia ir cozinhar para você com toda certeza.
Seguimos para a copa, Alejandro não se fez de rogado e sentou-
se ao lado da tia Kamila. Guilherme puxou uma cadeira para eu me
sentar, em seguida sentou-se ao meu lado. Logo a Zezé colocou os
pratos e começamos a nos servir. Um sentimento de nostalgia tomou
conta de mim. Meu corpo sentindo a presença do homem ao meu lado.
Eu mal consegui comer de tanta tensão. Ou seria tesão?
— Então, Bianca, como está indo na residência? — Nicolas
pergunta.
— Estou amando, outro dia mesmo estava falando sobre isso
com a Alícia, ela está na pediatria, eu na obstetrícia, podemos formar
uma bela dupla no futuro.
— Que ótima ideia. Já fez algum parto? — Tia Kamila pergunta.
— Já fiz sim. Foi a coisa mais maravilhosa da minha vida. Já
tinha participado de outros, mas nunca tinha feito um eu mesma. Foi
mágico trazer uma vida ao mundo. O nome do bebê é Emanueli, nunca
me esquecerei disso.
— Sei como é, fiz um parto de uma égua na fazenda, acabei
vendendo o potro depois, deveria ter dado um nome para ele.
— Credo, que comparação. — Nicolas diz sorrindo.
— O quê? É uma vida também — meu irmão diz.
— Todo mundo sabe que você prefere os animais às pessoas —
digo para implicar.
— Como não iria preferir, eles são ótimos. Pessoas são
complicadas.
O resto do jantar foi divertido. Conversamos, rimos e
esquecemos os acontecimentos do dia. Quando nos despedimos já
passava das onze da noite.
— Foi ótimo ter vocês aqui, vê se não some. — Tia Kamila me
abraça.
— Eu também gostei muito. Qualquer coisa me liga, cuida bem
do meu sogro.
— Pode deixar.
— Tchau, Gui. Obrigada mais uma vez por ter ido lá em casa ver
como eu estava. — Dou um abraço rápido nele ou essa era a minha
intenção, mas ele me segura um pouco mais em seus braços. Beija meus
cabelos e eu aproveito mais uma vez para inspirar o seu aroma gostoso.
— Não me agradeça, Bia, eu sempre vou me preocupar com
você.
Entro no carro com o Alejandro no volante. Evito olhar para
onde eles estão. Um nó se forma em minha garganta.
— Gostei de ver, se comportou bem, não aguentava mais o clima
pesado entre vocês dois. — Alejandro diz.
Lembro-me das palavras do Gabriel quando disse que ninguém
suportava mais ficar no mesmo ambiente que nós dois. Eu fico calada
até chegarmos em casa. Subo para o meu quarto, tomo um banho
demorado para tentar relaxar. Apesar de não estar fazendo tanto calor,
meu corpo queima. Uma agitação já bem conhecida dentro de mim, um
anseio ardente, saudade, desejo incontrolável, faz-me revirar na cama
como se os lençóis estivessem pegando fogo, e não eu. Levanto-me de
uma vez, corro até o closet. Pego um robe, visto e saio correndo de casa.
Estou seguindo pela trilha que dá acesso à casa do Guilherme.
— Bianca, aonde a senhorita vai a essa hora? — Um dos
seguranças pergunta.
— Vou buscar a minha felicidade. Ela está do outro lado desta
cerca.
Capítulo 38
Guilherme
Depois que a Bianca e o Alejandro foram embora, eu aferi mais
uma vez a pressão do meu pai, constatei que ele e minha mãe estavam
bem, conversamos mais um pouco e depois subimos para dormir.
— Qualquer coisa que sentir pode me chamar, ok?
— Pode deixar, mas depois do remédio que você deu para ele vai
dormir feito uma pedra.
— Essa seria uma boa hora para a senhora ver ser precisa
retornar com a medicação.
— Eu estou bem, filho, foi só um fato isolado. Dorme com Deus.
— Amém.
Entrei no meu quarto e fui direto para o banheiro tomar banho. O
estresse do dia começando a pesar nos meus ombros. Deitei-me
pensando na estranheza da situação. Uma noite que era para ser cheia de
preocupação acabou se tornando uma das mais agradáveis dos últimos
tempos. A Bianca aqui tornou tudo mais fácil. Fecho os olhos tentando
dormir, mas como acontecem todas as noites, eu não consigo. Estou há
meses sem sexo e toda vez que me deito para dormir me lembro dela.
Desejo com toda a minha alma que ela estivesse aqui. Que as mãos que
estão entrando na minha cueca agora fossem as dela e não as minhas.
Suspiro fundo e viro para o lado me recusando a fazer isso mais uma
vez. O vento forte sacode as cortinas do quarto, até poderia deixar a
janela aberta se não fosse a chuva forte que está caindo lá fora. Fecho as
janelas e ligo o ar, pego o ipod, volto a deitar-me e coloco uma música
para tocar baixinho enquanto me perco em lembranças.
Bianca estava deitada encostada no meu peito, nós dois na rede
que tem na fazenda do Alejandro, estamos ouvindo música, All star do
Nando Reis tocava nesse momento, estávamos dividindo o mesmo fone
de ouvido. Ela sacodiu a cabeça e estalou a língua.
— Eu gosto dessa música, mas ela é meio sem coerência.
— Sério? Por quê? — Eu adorava ouvir as reflexões dela, ficava
feito bobo olhando enquanto ela falava e defendia seu ponto.
— Presta atenção... — ela pega o celular e a volta um trecho:
Satisfeito, sorri, quando chego ali
E entro no elevador
Aperto o 12, que é o seu andar
Não vejo a hora de te reencontrar
Continuar aquela conversa
— O que tem? — pergunto, ela passa para outro trecho.
Se o homem já pisou na Lua
Como eu ainda não tenho seu endereço?
— Viu? Ele diz que aperta o 12 que é o andar dela, que ia
reencontrar, ou seja, ele sabe onde ela mora. Daí em outra estrofe ele
contradiz, já que afirma que não tem o endereço dela. Totalmente sem
coerência.
Volto da lembrança com um sorriso bobo nos lábios. Nesse dia,
ficamos horas discutindo sobre a letra da música, ela dizia que não tinha
lógica, eu dizia que era poético. Disso nossa discussão foi para a
diferença entre poesia e poema. Eu acabei recitando um poema do
Carlos Drummond Andrade, As sem-razões do amor, que eu havia
decorado para dizer para ela, por saber que gostava de poesia.
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,


é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,


e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

— Ah, pequena, sinto tanta falta de você — sussurro.


Outra música começa a tocar, essa tem tudo a ver com a minha
atual situação. Safe inside de James Arthur
Me lembro de quando você era toda minha
Observei você mudando diante dos meus olhos
O que eu posso dizer?
Agora que eu não sou o fogo no frio
Agora que eu não sou a mão que você segura
Cubro os olhos com o braço, uma certa raiva em lembrar que
outra pessoa não apenas segura a mão dela agora, mas tem seu corpo
todo, sua atenção e pode até estar conquistando o seu amor. Isso
machuca tanto. Um peso parece ter sido colocado sobre meu peito.
Meus olhos queimam, mas não é de sono. Ouço uma batida leve na
porta, em seguida ela se abre devagar. Não consigo acreditar no que
meus olhos estão vendo. A incredulidade se transforma em euforia,
ansiedade e por último se explode em alegria. Sinto todos esses
sentimentos se expandindo dentro do meu peito, crescendo para cada
parte do meu corpo, da cabeça aos pés. Começo a sentir calor mesmo
estando só de cueca e com o frio do ar-condicionado no quarto. Sua
imagem é uma visão majestosa. Parece um anjo vestida em uma longa
camisola clara. Seus cabelos estão molhados.
— Bianca? — Levanto-me de uma vez e vou até ela que está
parada na porta me encarando em meio à penumbra.
Ela vai voltar para mim? Ela não estaria aqui parada na porta do
meu quarto se não fosse, não é?
— Oi, Gui... — ela dá dois passos para dentro do quarto
fechando a porta atrás de si.
O quarto está escuro demais para enxergar direito. Eu preciso ver
o seu rosto, quero ver o que seus olhos sempre tão expressivos dizem.
Ligo o interruptor na parede ao lado da porta. A luz está suave e não
faço questão de mudar a intensidade dela. Estamos próximos agora. Ela
está ofegante, os olhos brilhando e transbordando sensualidade, desejo e
amor.
Acabo com a pouca distância entre nós. Eu a abraço com força,
enfiando o nariz no seu cabelo molhado, inspiro seu cheiro delicioso,
enquanto alívio e uma mistura de emoções preenchem meu peito quase
fazendo-o explodir.
— Ah, Bianca... — sussurro, abraçando-a, surpreso demais e...
feliz demais para falar alguma coisa coerente. — Que falta eu senti de
você. — Ela me abraça de volta, tão apertado que fica difícil saber quem
é quem.
— Eu também. Não aguentava mais ficar longe. — Meu coração
se alegra ainda mais.
Sinto sua roupa molhando todo meu corpo. Qualquer palavra
parece inadequada agora. Então ela ergue a cabeça e eu beijo seus
lábios. Sentir sua boca na minha outra vez é o paraíso, me deixa louco.
Controlo-me para que o beijo não se torne violento como as emoções
que estão em mim. Entretanto é uma tarefa muito difícil, eu acabo
perdendo a batalha para o desespero e a beijo com sofreguidão.
— Ah — ela geme em meus lábios, passando as unhas nas
minhas costas causando arrepios.
— Você está encharcada, precisa tirar essa roupa. — Ela sorri e
se afasta, suas mãos sobem por meu peito e seguram meu rosto.
— Não tem uma desculpa melhor para tirar a minha roupa?
— Ah, pequena, eu sonho com isso todas as noites desde que
você me deixou.
Ela se afasta e deixa o robe cair por seus ombros ficando só de
camisola. Em seguida, com os olhos muito brilhantes e um sorriso de
lado, ela tira uma alça, depois outra. Fico parado olhando cada detalhe
que me recordo bem. Ela volta para meus braços, ergue a cabeça e vejo
seus olhos marejados de lágrimas.
— Me beija...
— A gente tem tanta coisa para falar... — digo tentando fazer a
coisa certa quando na verdade eu queria jogá-la na cama e matar sete
meses de saudade.
Se controle, Guilherme.
— Gui, estou cheia de tesão, doida de saudade, acho que
podemos conversar depois. — Sua mão desce por meu peito de forma
ousada. Passa pelo cós da minha cueca e eu quase imploro para ela
descer um pouco mais. Ela sabe que está me provocando.
— Você tem razão. Podemos esperar.
Ela morde o lábio. Ergo a mão e seguro um punhado do seu
cabelo molhado, faço o que ela pediu e a beijo de forma ardente. Minha
língua busca a dela, seus lábios devoram os meus.
Porra, se isso for um sonho e eu acordar, não vou suportar.
Espalmo as mãos em sua bunda, passo por suas costas, seios.
Suas mãos seguram forte meus cabelos, depois tateiam meu rosto, meus
ombros e costas, depois voltam para os meus cabelos. Nosso beijo é
longo, intenso e saudoso.
Bianca se esfrega em mim de forma ousada, como um pedido
mudo. Ela sabe que a qualquer momento eu irei puxar a calcinha para
baixo, enfiar um dedo dentro de sua boceta olhada. Meus pensamentos
estavam em total desacordo com minhas ações, pois apesar de
desesperado para fazer isso eu me segurei. Respirando fundo para
acalmar meu coração disparado, meu desejo desenfreado, eu deslizo
uma das mãos pelo seu corpo, passando pela barriga, até chegar dentro
da calcinha e alcançar os lábios vaginais. Desço mais e meus dedos
ficam molhados com a sua umidade. Enfio um dedo dentro dela, faço
círculos e ela empurra a pélvis de encontro à minha mão.
— Ah, que delícia, que saudade que estava disso.
— Estava com saudade dos meus dedos em você? Só disso? —
Mordo seu queixo, garganta até chegar em um seio. Abocanho o bico,
chupo, mordo, passo a língua de leve.
— Você sabe que é de você todo, cada parte. Sua boca, seu... —
Interrompo sua fala voltando a atacar sua boca.
Caminho com ela até a cama e a faço sentar na beirada. Abro
suas pernas e me ajoelho diante dela. Enquanto a beijava passei o
polegar para baixo de seu umbigo para sua calcinha, sobre o clitóris
inchado, para a entrada. Mais do que qualquer coisa, eu queria deslizar
meu pau para dentro dela, preenchê-la até que ela esteja gritando meu
nome. Em vez disso, eu deslizei o dedo, usando dois dedos agora. Ela
está gemendo e erguendo o quadril para fora do colchão. Desço a boca
por seu pescoço, sobre os mamilos duros. Prendo os dedos nas laterais
da calcinha e arrasto para baixo. Bianca coloca a perna em meu ombro
me dando livre acesso.
A necessidade de estar dentro dela me dilacera. Mas eu precisava
sentir seu sabor. Beijei seu joelho e sigo passando a língua e beijando
até chegar ao seu centro. Passei a língua de leve, ela gemeu e ergueu
mais contra meu rosto, suas mãos enfiaram em meus cabelos. Fechei os
lábios sobre seu clitóris e ela se moveu mais contra minha boca. Abri
mais suas pernas e lambi, chupei, adorando sentir seu sabor, seu calor,
seu pulsar, até ela gozar gritando meu nome. Bianca se jogou para trás
deitando-se na cama. Levantei-me, ela se arrastou para o centro da
cama. Tirei minha cueca e me deitei sobre ela. Meu corpo estava
tremendo de tanto desejo. Ela segurou minha cabeça e me puxou para
um beijo.
Bianca gemeu quando sentiu seu próprio gosto em meus lábios.
Sem consegui esperar mais, eu me posicionei e entrei nela. Um gemido
que mais parecia um rosnado saiu da minha garganta quando entrei no
meu paraíso quente e molhado, comprimi meu rosto nos seus cabelos
úmidos e pressionei os quadris forte e duro contra ela.
— Ah, meu Deus. — Bianca ofegou.
Passei a me mover dentro dela, maravilhado. Meu coração
batendo depressa, quase explodindo. Eu senti que estava perto, então
passai a me mover mais devagar em busca de controle ou não duraria
muito. Levei minha mão entre nós e passei a acariciar seu clitóris. Ela se
contorce, geme, cravando as unhas em minhas costas. Beijei seu pescoço
avidamente, mordi seu ombro e voltei para seus lábios. Sua respiração
ficou mais rápida, seus gemidos aumentaram anunciando a explosão
eminente. Ela apertou as duas mãos sobre as minhas costas e me abraçou
com tanta força que nem sei como ela conseguia respirar. Agarrei seu
pescoço e olhei dentro dos seus olhos.
— Bianca...
Digo seu nome como uma evocação.
Ela estica a mão e segura meu rosto, enxugando minhas
lágrimas. Desço meus lábios sobre os seus e a beijo. Mergulho ainda
mais dentro dela, buscando dar e receber tudo. Sua respiração sobre os
meus lábios está entrecortada, ofegante. Posso sentir seu interior
apetando meu pau, sei que está muito perto assim como eu. Acelero os
movimentos, ela geme em alto e bom som, tensionando as pernas que
estão rodeadas em meu quadril, me prendendo ainda mais. Nós gozamos
juntos, tão intenso que caio sobre ela, ofegando pesadamente, tremendo
por inteiro. Tão intenso que lágrimas começam a brotar em meus olhos
novamente. Meu corpo agora sacode todo pelo choro, as lágrimas
escorrem livres por meus olhos molhando seu pescoço.
— Gui... — diz ofegante.
— Eu... estou bem — sussurro.
— Olha pra mim. — Balanço a cabeça que não. — Por favor.
Ergo a cabeça lentamente, encaro seus olhos também molhados
de lágrimas. Ela beija meus olhos, minha bochecha até alcançar minha
boca. Apesar de ter acabado de gozar, eu ainda não estou satisfeito,
estou duro. Não preciso de muito tempo e o desejo logo vem forte e
passo a me mover de vagar dentro dela enquanto nos beijamos e
acariciamos um ao outro. Bianca gira ficando por cima.
Ela adorava essa posição, gostava de ficar no controle, e eu
gostava de observar como ela ficava poderosa, sexy, maravilhosa. Ela
apoiou as mãos em meu peito e passou a subir e descer lentamente.
Levei minhas mãos para os seus seios e belisquei o bico, acariciei e
massageei enquanto ela se move, linda e sexy em cima de mim. Ela
jogou a cabeça para trás. Eu levantei o dorso para alcançar seu seio
convidativo. Ela passou as pernas em volta do meu quadril, ficamos
sentados na cama enquanto ela se movia para frente e para trás com os
pés apertando minha bunda. Tomei seus lábios e nos beijamos
lentamente, da mesma forma lenta de seus movimentos. Espalmei as
mãos em sua bunda e puxei para mais perto. Beijei seu pescoço,
mordisquei sua orelha enquanto ia cada vez mais fundo.
— Eu te amo demais — confesso.
— Eu sei — ela sussurrou me fazendo sorrir, movendo-se mais
rápido e mais forte. — Agora eu sei, eu sinto.
Com suas mãos apoiadas em meus ombros, ela passou a se
mover cada vez mais rápido. Não consegui segurar uma onda do
poderoso orgasmo que me tomou. Ela já não conseguia mais mover os
quadris, todo seu corpo tremia, cada músculo estava tenso e duro.
Segurei seu quadril e passei a me mover com força e energia até não
restar mais nada do gozo. Ela relaxou e caiu em meus ombros. Olhei
para ela que gentilmente acariciava minhas costas com as pontas dos
dedos.
— Quer tomar um banho? — pergunto. Ela nega com um
movimento da cabeça.
— Acho que minhas pernas estão bambas, não consigo andar até
lá. — Começo a rir, beijo sua testa e deixo meu corpo cair para trás. Ela
deita-se sobre meu peito.
— Eu não acredito que está aqui — digo sentindo meus olhos
inundarem mais uma vez com lágrimas de felicidade. — Pensei que
nunca mais...
— Shiii, não vamos falar disso agora.
— Nós precisamos.
— Eu sei, mas... eu não estou aqui para conversar sobre o
passado, isso já fizemos demais. Eu vim porque não aguentava mais
ficar longe de você. Então a única coisa que eu quero é esquecer tudo
que aconteceu. Recomeçar...
— Você me perdoou? Vai esquecer tudo mesmo?
— Não estaria aqui se não tivesse perdoado. Se não tivesse
disposta a esquecer de tudo. Eu sofri muito, Gui, mas não quero mais
sentir dor, saudade, mágoa. Não vivo sem você, sempre foi assim. Mas
eu preciso saber uma coisa, você e a Alícia alguma vez ficaram juntos?
— Não quero mais segredos entre nós, talvez você não vá gostar
da resposta. Aconteceu um beijo, uma única vez. — Não levo muito
tempo para responder. Apesar de achar que a verdade poderia machucá-
la, ela parece ter gostado da resposta.
— Não vai dizer que não significou nada?
— Não, não vou. Porque significou sim, eu descobri naquele
momento o quanto estava apaixonado por você. O quanto já te amava.
Foi um erro que cometi, eu me arrependi muito.
— Eu entendo. Eu já sabia disso, Alícia me disse. Só queria ver
se me diria a verdade.
— Isso foi um teste?
— Digamos que sim.
— E se eu tivesse dito que nunca aconteceu nada?
— Eu teria a certeza de que não valeria a pena confiar em você
novamente. Eu iria embora e nunca mais olharia na sua cara.
— Uau. Nunca foi a minha intenção esconder nada de você.
— Vamos deixar isso tudo no passado, ok?
— E o seu namorado? — pergunto sem esconder o ciúme. — A
gente deixa no passado também?
— Nós terminamos naquele dia em que você saiu da festa com a
odiosa da Bárbara.
— Jura?
— Não tinha por que continuar. Eu fiquei com tanto ciúme de
você que... Eu odiei ver você saindo de lá com ela e acabei não
conseguindo esconder isso do Samuel.
— Eu também, odiei ver você seguindo em frente com ele. Não
sabe o quanto sofri.
— Ah sim, sofreu demais, por isso estava se divertindo com as
residentes, não é? — começo a rir. — Ainda mais com aquela garota que
me detesta.
— Eu fui embora naquele dia porque não suportei ver você com
ele. Mas para ser bem honesto com você, ela não foi embora comigo. Eu
saí de lá sozinho, morrendo de dor de cotovelo, fui para casa e chorei a
noite toda imaginando você com ele. Não fiquei com nenhuma mulher
depois de você, Bia. Não podia. Só deixei você pensar isso porque eu já
estava no fundo do poço e não queria ficar mais para baixo ainda.
Ela ergue a cabeça e me olha nos olhos. Ajeita-se na cama
deitando-se no travesseiro bem perto do meu rosto.
— Então você... não transou com ninguém? — Sacudo a cabeça
que não. — Eu também não. — Franzo o cenho, ela suspira resignada.
— Eu até tentei, não nego. Mas você não saía da minha cabeça.
Atrapalhou qualquer possibilidade de transar com alguém.
Meu sorriso está tão largo que chega a doer minhas bochechas.
Não digo nada para não parecer um machista do caralho. Mas saber que
ela é e sempre foi só minha me infla o ego.
— Pode tirar esse sorrisinho da cara. — Ela diz levantando-se e
eu começo a gargalhar. — Vou tomar um banho. Acho que agora já
consigo andar... — Antes que ela termine a frase, eu passo a mão por
baixo dos seus joelhos e a ergo em meus braços indo em direção ao
banheiro.
— Se eu estiver sonhando, por favor, não me acorde — digo
entrando com ela no chuveiro.
— Não se preocupe, se for um sonho, eu também estou nele e
não quero acordar.
Capítulo 39
Bianca
Um calor delicioso se espalha por todo meu corpo. Sinto o
sangue correr muito rápido em minhas veias. Chega a martelar em meus
ouvidos despertando todos os meus sentidos. Aperto os lençóis com
força.
— Aí, Deus, o que é isso? — Então percebo uma risadinha no
calor que se alastra no meio das minhas pernas. Olho para baixo e
encontro olhos muito azuis. Guilherme me encara enquanto me chupa,
eu estremeço por completo, cravo os pés na cama e ergo o quadril
gozando em sua boca. — Minha nossa! Pensei que estivesse... sonhando.
— Eu estava tendo um sonho bem quente com você, então decidi
transformar em realidade. — Deita-se sobre mim e me penetra soltando
um gemido, sinto um leve ardor por conta do excesso que cometemos
nessa noite. Faço uma leve careta tentando me acostumar. — Estou te
machucando? — Balanço a cabeça que não.
Guilherme adora sexo, sempre foi assim, um amante carinhoso,
insaciável e perfeito. Tão perfeito que me anulou para qualquer
possibilidade de ter outro em minha cama.
— Você não cansa?
— São meses para compensar, meu amor — diz movendo-se
devagar. — Meses.
— Desse jeito eu... — Ele me silenciou com um beijo, sua língua
apaixonadamente dançando dentro da minha boca. Ele parou por um
momento e olhou para mim.
— Posso parar se tiver te machucando.
— Se você parar, eu te mato. — Ele rir e volta a me beijar.
— Sabia que eu acordava molhada, gemendo por conta dos
sonhos que tinha com você? — pergunto.
— Eu também sonhava com você, dormia duro e acordava pior
ainda, minha mão não foi capaz de me satisfazer. Acho que já estava
com LER.
— Já eu ficava com tanta raiva de acordar assim que chorava.
Tomava banho frio, mas nunca me toquei, porque eu não daria esse
gostinho de me masturbar pensando em você. Jamais. Algumas vezes
era tão intenso que eu até gozava.
— Credo. Você é uma garota má, rancorosa — diz beijando meu
ouvido e pescoço.
Ergo o quadril em sua direção recebendo suas estocadas agora
mais intensas e sentindo o prazer se formar dentro de mim, apesar da
leve dor.
— Sentir você assim é muito melhor do que qualquer alívio que
eu poderia ter encontrado sozinha.
Ele pegou meu rosto em suas mãos e veio com um gemido alto,
me inundando com seu esperma quente que tive a impressão de que seu
pênis havia crescido alguns centímetros, talvez por conta da
sensibilidade que estou. Depois dessa eu não conseguiria mais fazer
amor tão cedo. Ele terminou, depois caiu sobre mim, enterrando a sua
cabeça na curva do meu pescoço.
— Eu não queria sair de dentro de você. Nunca. — Deixo uma
risada escapar.
— Vou precisar de pomadas. Uma banheira de gelo...
— Desculpa...
— Não se desculpe, eu aproveitei muito. Adorei cada instante.
Depois de alguns minutos, senti seu coração gradualmente voltar
ao normal junto com o meu. Ele ergue a cabeça e beija de leve meus
lábios, depois se levanta.
— Ei, aonde você vai? — pergunto já de olhos fechados meio
adormecida.
Como estou cansada, exausta.
— Vou pegar uma toalha, pequena — deixo um suspiro longo
sair. Entre o sonho e a realidade, eu sinto algo frio passando por minhas
pernas, então eu adormeço completamente.

Acordei antes de o despertador tocar, me aninhei no cobertor


macio. Pisquei algumas vezes e vi a parca claridade deixando o quarto
muito convidativo a permanecer na cama. Entretanto, eu não podia.
Fiquei deitada por alguns minutos, deixando meu cérebro despertar o
máximo, lembranças invadindo minha mente e um sorriso se abre em
meus lábios. Olho para o lado e vejo que estou sozinha na cama, ouço o
barulho do chuveiro e me forço a levantar. A sensação de plenitude e
felicidade não cabe dentro de mim. Pergunto-me por que raios demorei
tanto a tomar a decisão de esquecer tudo e me entregar ao amor que
sinto?
Entro no banheiro. Vejo o Guilherme enxaguar os cabelos, a
espuma escorre por seus ombros e costas, meus olhos bebem da visão do
seu belo corpo. Pego uma escova de dentes e começo a escovar
enquanto olho-o passar a bucha cheia de sabão pelo tórax lentamente.
Tenho certeza de que ele já me viu aqui, mas continua a passar a mão
lentamente, ele sabe que está me provocando. Fico imaginando minha
mão no lugar da sua. Deixo a escova sobre a pia e entro no chuveiro.
— Bom dia! — Em seguida, eu me aproximo, pressionando meu
corpo contra o seu, abraçando-o com tanta força que não resta mais
nenhum espaço entre nós.
— Pensei que ia ficar só olhando. — Ele gira ficando de frente
para mim. Baixa a cabeça sobre a minha. Eu sabia o quanto é bom estar
nos seus braços, senti falta disso. O que eu não fazia ideia até esse
momento é o quanto precisava dele, o quanto isso tinha me feito falta.
Chega a doer meu peito só de imaginar que ficarei um dia sem esses
lábios nos meus. Apoiei o rosto contra seu peito, sussurrando:
— Te amo tanto, tanto.
— Eu também de amo, pequena, parece que saí do inferno e fui
para o paraíso tendo você aqui. Te amo, te amo, te amo... — Então
nossos lábios voltam a se encontrar.
Era impressionante o meu amor por ele, mais ainda o dele por
mim. Toda vez que Guilherme dizia que me amava, o impacto que
sentia dentro do meu peito era maior.
— É melhor eu sair antes que acabe perdendo a cabeça,
imprensando você nessa parede e te comendo até ter você gozando de
novo.
— Uhmm, e por que não faz isso?
— Não me provoque, meu amor. Não me tente. — Passo a mão
por suas costas e aperto sua bunda me esfregando nele. — Não quero
machucar você, já abusei demais essa noite. Fora que preciso ver como
está meu pai, seus pais chegam em duas horas e eu preciso alimentar
você antes que desmaie.
—É um bom argumento. — Ergo a cabeça e ele me dá um
selinho antes de sair do box. — Eu não vou negar. Mas nem sei se
consigo andar hoje.
Ele gargalha enxugando os cabelos loiros. Tomo um banho
rápido e saio, ele está com uma toalha aberta me esperando. Envolve
meu corpo nela e me abraça. Dá um tapa na minha bunda antes de sair
para o closet. Enxugo meus cabelos, penteio e vou atrás dele. Guilherme
veste uma calça jeans e está terminando de colocar uma camiseta.
— Agora não sei o que vestir. Acho que vou precisar pegar uma
roupa da sua mãe ou da Nicole...
— Vem aqui. — Chama erguendo a mão. Ele me abraça e
mostra dentro do armário. — Você deixou aqui, lembra?
— Eu pensei que estivessem no seu apartamento.
— Tem algumas lá sim. Estão esperando você. — Beija minha
testa. — Mas isso aqui eu carrego comigo, aonde quer que eu vá. — Ele
pega uma corrente dentro do armário e sacode em frente a mim. Em
outras ocasiões eu havia notado essa corrente em seu pescoço. Olho o
pêndulo e vejo minha aliança nele. Meus olhos se enchem de lágrimas.
Ele abre o fecho, se ajoelha e segura minha mão. — Bianca, amor da
minha vida, você sabe que sem você, eu só existo, vida mesmo é quando
você está ao meu lado. Você ainda quer se casar comigo? — Sacudo a
cabeça deixando uma lágrima escorrer por meu rosto.
— É o que eu sempre quis, toda a minha vida. É claro que vou
me casar com você.
Ele coloca o anel no meu dedo, se levanta e me beija com
paixão.
— Agora é melhor você se vestir. Já passa das oito e temos um
monte de problemas para encarar.
— É verdade...
Mas quer saber? Tudo fica mais simples se eu estiver em seus
braços. Tinha esquecido todos os problemas eminentes. Isso faz de mim
uma pessoa muito egoísta?
Termino de me vestir e encontro o Guilherme no quarto. Ele
pega o celular e me estende a mão.
— Minha mãe vai ter um treco quando vir você aqui. Ninguém
viu você chegar ontem, viu?
— Não, ainda bem que a senha da porta e do alarme não
mudaram. Ou teria que escalar a janela do seu quarto.
— E se eu não estivesse aqui, espertinha?
— Eu tinha certeza de que estaria, não iria embora e deixaria
seus pais em uma situação como essa. Mas se caso não o encontrasse
aqui, eu teria ido atrás de você onde estivesse.
Guilherme bate na porta do quarto dos pais, esperamos, mas não
tivemos resposta. Ele abre a porta um pouco.
— Mãe? — Nada. — Acho que eles já desceram.
— Então vamos lá, estou morta de fome. — Seguimos pelo
corredor e descemos as escadas. — O que iremos dizer para seus pais...
— me calei quando estávamos na metade da escada. Estaquei no lugar,
só depois começamos a descer novamente. A sala estava cheia de gente.
Eu deveria ter pensado que isso aconteceria. Éramos todos como
uma grande família. A conversa na sala para de uma vez, estão todos
olhando para nós dois descendo as escadas.
— Filha? Você dormiu aqui? — Minha mãe pergunta.
— Oi, mamãe... eu... Bom dia, gente — digo para fugir da
pergunta da minha mãe.
— Hum, pela cara dos dois fizeram muita coisa, menos dormir.
— Enzo diz.
— Fui ao seu quarto hoje cedo te chamar, sua cama estava
arrumada, Alejandro disse que havia saído cedo para o hospital. — Meu
pai diz sério. — Você passou a noite fora?
— Safada, então você me enrolou e voltou para cá? — Alejandro
diz. — Está na cara que ela não passou a noite fora e sim dentro do
quarto, só que do Guilherme.
— Vocês voltaram? — minha mãe grita. — Ai meu Deus! Que
maravilha!
Eu mal abri a boca para responder e já fui bombardeada com
outra pergunta, então decidi ficar calada.
— Maravilha? Sua filha passou a noite na casa de um cara que
não é o namorado dela e a senhora está comemorando? É o fim do
mundo mesmo. — Enzo implica.
— Cala a boca, Enzo. Não estraga a alegria da sua mãe. —
Maressa diz, então só agora a vejo.
— Mah, não acredito que está aqui. — Largo a mão do
Guilherme, corro e a abraço. — Quanto tempo.
— Meu chefe carrasco me deixou fugir para uma emergência de
família. Acho que ele está apaixonado, a loirinha deixou-o com o
coração mole. — Implica com o Enzo. Abraço minha mãe, em seguida
meu pai que está com uma cara engraçada, parece tentando ficar sério,
mas querendo rir.
— Você não respondeu à pergunta da sua mãe. Vocês voltaram?
— Tia Kamila pergunta animada.
— Desde quando a gente precisa estar namorando para passar a
noite com um cara? — digo enquanto saio cumprimentando todo
mundo. Até a Alícia está aqui com um enorme sorriso.
— Estou tão feliz por vocês. — diz em meu ouvido quando me
abraça.
— Verdade, mamãe, os dias são outros. — Nicole me abraça e
diz baixo em meu ouvido: — Estou muito feliz por vocês, cunhada. —
Se afasta, passa a mão na barriga que ainda não tem sinal de gravidez e
em tom de brincadeira diz: — Só toma cuidado para não acabar igual a
mim.
— Como é? — Marco diz ofendido. — Está mesmo reclamando
do nosso bebê, Nicole?
— Claro que não, amor. Vem aqui, estou só implicando... — ela
vai até ele e diz algo em seu ouvido que o faz rir.
— Olha o respeito vocês duas. — Tio Rafael repreende.
— É minha gente, imagina como estou me sentindo. Ela veio
aqui no meio da noite, se aproveitou de mim, me iludiu, e agora diz que
foi só sexo. Estou com o coração partido. — Leva a mão ao peito de
forma teatral.
— Há, há! Nem vem com essa, sua cara é de homem feliz que
fod... que... que... — Nicolas para na palavra quando olha para meu pai e
tenta consertar fazendo todo mundo rir.
— Gente... — Guilherme pega a minha mão e mostra o anel. —
A verdade é que depois da Bianca implorar muito, se ajoelhar e dizer
que não consegue viver sem mim, eu aceitei me casar com ela.
Eu solto uma gargalhada sonora que é acompanhada por todo
mundo.
— Vai sonhando que alguém aqui acredita nisso. — Maressa diz.
— Eu que estava do outro lado do continente não estava mais
aguentando ver seu sofrimento, ouvir sua choradeira, imagina o resto
que teve que te aguentar de perto.
— O café da manhã está sendo servido na área externa. — Zezé
anuncia.
Meus olhos se enchem de lágrimas quando olho para a minha
mãe e a vejo enxugando as lágrimas dos olhos.
— Ah, mãezinha, não chora. — Vou até ela que me abraça
apertado.
— Estou muito feliz, filha, um dia que era pra ser terrível,
chegamos aqui com o coração na mão, não sabemos ainda o que vai
acontecer, então vejo você com esse brilho nos olhos. Estou muito feliz,
muito mesmo.
— Eu também. — Tia Kamila me abraça. — Ontem à noite, eu
até falei para o Rafa que percebi alguma coisa diferente entre vocês
dois... Desde quando?
— A gente conversou ontem. Depois que fui embora, eu decidi
que deveria parar de besteira, então não poderia esperar até hoje,
entende?
— Eu entendo, filha.
— Agora eu estou morta de fome, preciso comer.
— Eu também estaria morta de fome no seu lugar. — Minha mãe
diz piscando o olho para mim, deixando-me chocada.
Guilherme vem até mim e me dá um abraço apertado.
— Obrigado por fazer esse dia tão feliz, não só para mim, mas
para todos. Olha para eles, estão festejando, nem parece que tem uma
bomba prestes a explodir.
Capítulo 40
A minha história com o Guilherme não foi um conto de fadas. É
sim uma linda história de amor, entretanto cheia de acontecimentos que
nos machucaram muito, mas que me fez crescer e perceber que é um
amor que vai durar para sempre. Hoje é o grande dia do meu felizes para
sempre. O dia que passei a creditar em magia, em sonhos. Não é um
final feliz, pois é o começo de uma vida repleta de felicidade.
Olho fixamente para a imagem no espelho e meus olhos
marejam. Ainda bem que a minha mãe não me deixou fazer a besteira de
cortar o meu vestido dos sonhos quando tive um ataque de loucura e
quis destruí-lo. Deslumbrante é a palavra certa para descrevê-lo.
Estilo princesa, de tule ilusion, com 500 flores aplicadas. Uma
grinalda longa de 1,5 metros de comprimento e muitas nesgas e flores
para dar a sensação de que estou caminhando e arrastei as flores pelo
caminho. O véu, feito em tule de 3 metros de comprimento, é
transparente para deixar todo o vestido à mostra. Nos cabelos, escolhi
um coque baixo com mechas laterais e preso atrás com uma presilha da
joalheria Tiffany & Co que o meu noivo me deu de presente no meu
aniversário de 15 anos. Achei melhor me casar descalça, quero sentir a
areia em meus pés, por isso o tapete é de flores brancas e rosas. Para as
madrinhas, pedimos para fazer um tecido exclusivo rosa bebê com
floral, e, cada uma pôde escolher o modelo que gosta.
— Nossa, está tão linda que... Acho que meu coração não vai
aguentar. — Meu pai leva a mão ao peito esfregando teatralmente. Olho
para ele através do espelho e vejo lágrimas escorrerem dos seus olhos.
— Ah não, papai. Está me fazendo chorar. — Ele vem até mim e
me dá um abraço apertado.
— Não acredito que minha bebezinha vai mesmo se casar.
— Finalmente, o senhor quer dizer, não é? Esperei a vida toda
por isso.
— Como diria sua mãe, Deus faz as coisas certas e no tempo
certo, sempre. Vamos? — Estende o braço para mim.
Estamos na Ilha dos Anjos, nas Bahamas, no mesmo lugar onde
meus pais se casaram. No mesmo lugar que eu sempre sonhei me tornar
esposa do Guilherme. Não deu tanto trabalho para organizar, pois com
dinheiro tudo se consegue e isso meu pai tem muito e ele não poupou
para realizar o meu sonho.
Como estamos na ilha, aqui não tem tantos quartos para a
quantidade de convidados, meu pai alugou um navio de cruzeiro que os
trouxe até nós e poderão ficar hospedados nele. Até pensei em usar o
barco para fazer a festa, mas acabei preferindo fazer tudo aqui mesmo,
do jeito que sempre sonhei. Ontem teve o jantar de ensaio, uma festa de
boas-vindas para o pessoal que chegou de barco.
Enquanto caminhamos para o lado de fora da casa onde está
montando o cenário para o grande dia, vai passando um filme em minha
cabeça. Os últimos dias foram corridos, difíceis e cheios de emoções.
Meu pai quase foi preso por corrupção. Meu sogro foi acusado de
corrupção e assassinato. Mas graças a Deus tudo acabou se resolvendo.
Não passou de uma tentativa de prejudicar os dois. Armações que foram
descobertas graças à forma honesta e transparente que os dois sempre
trabalharam. Frederico conseguiu as informações de uma fonte anônima,
que de acordo com as investigações, se tratava de um antigo inimigo do
meu pai que saiu da cadeia e está desaparecido. No meio disso tudo,
Iasser também colocou pessoas para trabalhar nas empresas do meu pai
e forjar todo o esquema de corrupção. Por isso estamos vivendo um
tempo meio complicado, cheio de desconfianças e incertezas, sem saber
de fato em quem podemos confiar. Entretanto, nada abala a felicidade da
nossa família.
Com relação à morte do Frederico, também foi esclarecido que o
meu sogro não foi o mandante do assassinato, e sim a secretária do
Frederico, pois ele não quis assumir o relacionamento com ela que ficou
furiosa e armou tudo para parecer que foi o meu sogro. Coisa de amador.
Agora o que importa é que estou a caminho do altar para casar-me com
o amor da minha vida.
Às 17:00h chegamos à entrada, e como não poderia deixar de
ser, a Marcha Nupcial Mendelssohn começou a tocar, meu coração
quase explodia dentro do peito. Respiro fundo tentando segurar a
emoção. Ao contrário do meu pai que deixa as lágrimas descerem
livremente.
— Eu me casei duas vezes com a mesma mulher. Uma delas foi
neste mesmo lugar. — Ele disse enxugando o rosto com um lenço. —
Agora estou casando minha princesa. — Ele beija minhas mãos. —
Acho que estou mais emocionado do que você.
— Oh, papai...
Esperamos o momento certo para entrar, e para quem pensa que
não poderia ser mais cliché, A thousand years começou a tocar quando
pisei nas pétalas sobre a areia, a linda voz da tia Fernanda preenche o
lugar. Apertei o braço do meu pai e ele soltou um longo suspiro. A
distância até Guilherme não é muita, mas parece que vai levar uma
eternidade até que eu chegue lá. Ele passou os dedos pelo rosto
limpando uma lágrima e os meus olhos se encheram delas neste
momento.
Eu o amo tanto, mas isso todo mundo já sabe.
Meu pai aperta a mão o Guilherme antes de me entregar a ele.
— Oi, pequena — diz e segura minha mão, dá um beijo e depois
coloca no centro do peito. — Olha o que você faz comigo. — Sinto seu
coração bater acelerado contra a palma da minha mão.
O pastor, amigo da minha mãe, recita algumas palavras sobre a
união e nosso desejo de sermos um só e termos nosso amor abençoado,
sobre felicidade e até educação dos nossos filhos. Em seguida, a Anelise
entra com as nossas alianças ao som de Um mundo ideal do filme
Aladin. Murilo que tem uma voz maravilhosa canta junto com a Alícia.
Minha afilhada está maravilhosa, seu vestido é um pouco parecido com
o meu, mas no tom mais rosado que a deixou uma princesa.
Guilherme foi o primeiro a dizer os votos.
— Bianca, minha amada, desde quando você era muito pequena,
eu ouço você dizer que esse dia chegaria. Eu sempre dizia que era coisa
de criança, que quando crescesse você encontraria outra pessoa, mas que
bom que você nunca me deu ouvidos. Eu a vi crescer e se tornar o ser
humano mais incrível do mundo. E quando percebi, eu estava
perdidamente apaixonado por você. Quando isso aconteceu? Me fiz a
mesma pergunta. Então, quando decidi te pedir em casamento, eu me
lembrei de uma coisa que me fez perceber que inconscientemente
sempre amei você. Quando eu tinha uns dez anos de idade, eu a vi
dançando no jardim, você cantava uma música de um dos filmes de
princesa. Então eu fechei meus olhos e imaginei você já adulta, linda, se
casando comigo. É claro que acordei com uma bolada que o Enzo me
deu na cabeça. — Ele faz uma pausa e todos riem. — Eu sempre te
amei, pequena, só fui cabeça dura demais para admitir. Eu amei uma
menininha que ficava no meu pé dizendo que ia se casar comigo, eu
amei uma garota que me pediu para ser o seu primeiro beijo e foi a partir
daí que caí de amores por você. Hoje eu amo uma mulher incrível e
quero nada menos do que passar o resto da minha vida com ela. Eu te
amo.
Fico muda, sem palavras, as lágrimas escorrendo por meu rosto.
Ele levanta a mão e passa por minha bochecha recolhendo a gota fujona.
— Você me deixou sem palavras, e isso é bem difícil de
acontecer. — Ele beija minha testa, eu respiro fundo e continuo: —
Como você disse, eu sempre tive certeza de que um dia me casaria com
você, pois esse sempre foi o meu maior sonho e acredito que quando se
deseja muito alguma coisa, com todas as forças, ela acontece. Uma vez
me perguntaram o que eu queria ser quando crescesse, e eu respondi
com toda a certeza do mundo, quero se a esposa do Guilherme. Hoje,
tenho certeza de que você é muito mais do que eu sonhei. Você é o
melhor presente que Deus preparou para mim. Pra você todo meu
melhor, todo meu amor. Desde que te vi pela primeira vez, e isso foi
quando eu ainda era um bebê, ou talvez antes disso, antes mesmo de
nascer, não passei nenhum dia sem que eu te amasse cada vez mais, que
te admirasse e desejasse te fazer feliz. Eu nasci para você. Você é muito
mais do que a realização de um sonho. É a minha realidade. Eu te amo.
O pastor então deu continuidade à cerimônia, e quando vi já
estava dizendo as palavras finais:
—... Prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença , todos os dias da nossa vida.
Coloquei a aliança no seu dedo.
— ... Agora vocês são marido e mulher. O noivo pode beijar a
noiva.
Guilherme segurou meu rosto entre suas mãos, um sorrisinho
sínico nos lábios:
— Abra a boca, Bianca — ele disse exatamente o que tinha dito
no nosso primeiro beijo. Encosta os lábios nos meus que estão sorrindo
em meio às lágrimas.
Sua mão se apoia nas minhas costas puxando-me para mais perto
enquanto me prende em seus braços. Os aplausos e a música tocando
do Guns N' Roses - Sweet Child O' Mine que o Gui escolheu para esse
momento, nos desperta.
A cerimônia seguiu as formalidades, tiramos fotos e partimos
para festa onde receberemos os cumprimentos.
Capitulo 41
Fizemos uma imensa tenda para recepção. No centro dela tem
um imenso lustre que vai iluminar a pista de dança. Uma mistura do
clássico com o moderno, pois em certo momento o lugar vai parecer
uma boate.
— Já disse o quanto você está perfeita? — Minha mãe entrelaça
nossos dedos enquanto caminhamos para a mesa onde faremos o brinde.
— Várias vezes. — Ela se inclina e beija minha bochecha.
— Mas isso é porque você é a noiva mais perfeita que já vi na
minha vida.
— Obrigada, a senhora é a mãe de noiva mais linda que já vi.
— Eu, Kami e Fernanda preparamos uma surpresa para vocês, e
não vai acreditar na coincidência. — Os olhos dela brilham de excitação.
— Coincidência?
— Você vai ver.
Entramos na tenda e um vídeo começa a passar no telão ao som
de I´m yours. Meus olhos se enchem de lágrimas. Tenho certeza de que
hoje irei desidratar. Imagens minha e do Guilherme de quando éramos
pequenos, eu ainda bebê no colo dele. A música para um pouco e
começa uma filmagem.
— Guilherme... — o menino loiro de olhos azuis fica falando o
tempo todo. De repente a bebê responde.
— G, Gui, Gui. —Foi apenas balbuciar de palavras.
— Ela falou meu nome, tiaaaaaa. Madrinhaaaaa. — Ele começa
fazer cócegas em mim. — Ela falou meu nome.
A música começa a tocar novamente, logo aparece ele segurando
em minha mão me ajudando a andar. Depois várias outras imagens
surgem. Sinto os braços do meu marido rodearem minha cintura e um
beijo em meu rosto. Não tiro os olhos da tela, então a cena que o
Guilherme descreveu nos votos surge na tela e percebo a qual
coincidência minha mãe se referiu. Eu estou cantando a música da Bela
e a Fera enquanto danço no jardim, ele está me olhando com um sorriso
no rosto, fecha os olhos de forma sonhadora, então a bola se choca
contra a cabeça dele e Enzo aparece gargalhando. A música volta a tocar
e imagens nossa já adolescentes, na formatura dele e finalmente
começam a surgir imagens recentes. Giro a cabeça e olho para ele,
encosto a testa na dele, passo o nariz no seu e beijo seus lábios. Olho
para tia kamila, tia Fernanda e minha mãe e faço um coração com as
mãos na direção delas.
— Obrigada.
Então seguimos para a mesa de bolo onde será feito o brinde que
ficou na responsabilidade do meu pai.
— Guilherme, Bianca, minha filha e meu afilhado. Estou
casando dois filhos hoje. Porque tenho esse genro como um filho.
Muitas pessoas passam pela vida sem encontrar o grande amor, e vocês
encontraram algo precioso, então devem cuidar dele, regar, cultivar,
fortalecer as raízes para que elas se tornem cada vez mais profundas.
Neste mesmo lugar, eu pedi a minha esposa em casamento, foi aqui que
nos casamos, acho até que a Bianca foi feita aqui. — Ele faz uma pausa
e todos riem — E hoje é um dia muito feliz para mim, pois posso
presenciar a realização do grande sonho da minha princesa. Eu, como
pai, padrinho e sogro do Guilherme quero fazer um pedido a vocês, não
demorem a me dar um neto, pois quero mimar muito e fazer todas as
vontades dele. Desejo profundamente que vocês sejam felizes. Aos
noivos. — Ele ergue a taça.
Recebemos os cumprimentos e seguimos para a valsa. A música
que escolhemos para dançar foi da La vie en rose. Guilherme é um
excelente dançarino, é do tipo que uma mulher nem precisa saber
dançar, pois ele vai guiá-la e fazer com que ela pareça uma bailarina.
— Está feliz? — ele pergunta.
— Des nuits d'amour à plus finir. Un grand bonheur qui prend sa
place. Des ennuis des chagrins s'effacent. Heureux, heureux à mourir. —
respondo cantando um trecho da música em francês.
— Vai ter que traduzir, acho que fugi das aulas de francês, não
entendo nada.
— Noites de amor que não acabam mais. Uma grande alegria
que toma seu lugar. Os aborrecimentos e as tristezas desaparecem. Feliz,
feliz até morrer. Heureux, heureux à mourir.
— Heureux, heureux à mourir. — Meu marido me gira antes de
dizer. — Eu acredito em vida após a morte, meu amor, e seremos felizes
depois dela também. Como se diz eternamente feliz em francês?
— Toujours heureux.
— Toujours heureux — ele repete.
Arregalo so olhos quando um arranjo faz a música mudar para
Beauty And The Beast.
— Foi você que fez isso? — ele sorri.
— Era essa a música que você estava cantando no jardim da sua
casa quando imaginei nós dois dançando juntos em nosso casamento.
Assim como agora.
Terminamos a valsa com um beijo apaixonado. Não tem como
alguém ser mais feliz do que eu. Toujours heureux.
Depois da valsa com o meu marido, eu dancei com o meu pai, já
estava morta de fome e de vontade de sentar um pouco. Olhei o Enzo
dançando com a Evy, namorada dele e sorri feliz por meu irmão ter
encontrado a sua cara metade. Guilherme estava dançando com a mãe
enquanto eu seguia para beber alguma coisa.
Dei de cara com o Samuel, lindo vestido de terno. Eu fiz questão
de levar o convite para ele, nós conversamos e ele me garantiu que viria,
entretanto eu fiquei na dúvida. Ele abriu os braços para mim e eu recebi
o seu abraço apertado.
Você está tão linda, Bia. Desejo que vocês sejam muito felizes.
Obrigada, eu também desejo que você encontre uma pessoa que
te ame como você merece.
Eu irei encontrar, no tempo certo. Seu noivo está vindo — ele
diz piscando o olho malicioso. — Acho que não está com a cara muito
boa.
Marido, agora eu sou uma mulher casada.
Mas não tem porque ele ter ciúme de mim, nunca tive chance
real com você. E todo mundo sabe disso.
É claro que teve, e ele sabe disso, sabe que você é um homem
maravilhoso.
Posso roubar minha esposa um pouquinho ?
Ela é sua para sempre, meu caro, não estará roubando, só
levando o que sempre foi seu. — Dá para ver que o meu marido gostou
da resposta, pois ele abre um sorriso enorme e aperta a mão que o
Samuel estendeu para ele. — Desejo muita felicidade ao casal.
Obrigado. Vamos ? — Encaixo o meu braço no dele e o
acompanho.
Aonde estamos indo ? — pergunto frenzindo o cenho quando
vejo que estamos indo em direção aos barcos. Ergo a barra do vestido.
Vamos fugir daqui, estou louco para fazer amor com a minha
esposa. — Ele se abaixa e me pega no colo. — Não consigo esperar nem
mais um minuto.
Você está doido ? Ainda tenho que jogar o buquê sonhei com
meu casamento a vida toda, não vou sair assim...
Eu não disse que a gente vai sair. Vamos só fugir alguns
minutos, amor, ninguém nem vai perceber.
Só alguns minutos ?
Eu juro. — Abro um sorriso e beijo seus lábios.
Guilherme entra no barco que está pronto para nos levar para a
lua de mel, passaremos uma noite no barco, depois pegaremos um avião
em Miami e seguiremos para as Ilhas Seychelles. Guilherme me coloca
sentada sobre a mesa da cozinha, e pela forma que me beija, eu não sei
se apenas alguns minutos será suficiente.
Epílogo 1
Coloco Giulia no berço e fico parada olhando para ela. Tão
pequena, frágil e muito linda. Nunca imaginei que pudesse sentir um
amor tão grande por alguém, um ainda maior do que eu sinto pelo
Guilherme, mas está aí o ser humano que arrebatou meu coração.
Suspiro fundo quando me lembro do dia em que contei para o
Guilherme que ele seria pai, o homem simplesmente surtou, primeiro ele
desmaiou, depois ficou maluco. Viveu cada momento da minha
gravidez, tinha gente até que perguntava se ele também sentia enjoos, se
estava sentindo a barriga crescer. Não foi uma gravidez planejada, já
tínhamos quatro anos de casados, claro que queríamos filhos, mas estava
tão feliz que não me imaginava adicionando filhos a equação. Acho que
ver a luta da Alícia para criar o Enrico, filho do Murilo, meio que me
desanimou um pouco.
Guilherme é um pai maravilhoso, um marido que não existe
igual. Talvez exista sim alguém tão sortuda quanto eu, mas ele é meu,
meu príncipe, meu amor.
Hoje, Giulia está com um mês de vida, fizemos o mês-versário
dela com toda a família a amigos. Daqui a quatro dias teremos outro, o
da Ana, filha da Alícia. Apesar de muita gente achar que combinamos
para ficarmos grávidas juntas, não o fizemos. Foi coisa do destino
mesmo. Lembro-me de quanto fui contar para ela que teria um afilhado,
com lágrimas nos olhos e sorrindo muito, ela me disse que eu também
teria um. Depois quando veio a notícia de que eram meninas, até
cogitamos marcar o parto para o mesmo dia, mas optamos por parto
normal, então a Ana veio quatro dias depois da Giulia.
Pego a babá eletrônica e vou ao encontro do meu marido no
nosso quarto. Ele está ao telefone, então sigo para o banheiro a fim de
escovar os dentes para dormir. Estamos contando os dias para acabar
esse resguardo, faltam só dez dias. Sei que muitos casais não esperam o
tempo certo, mas eu sou médica, sei os perigos e não é apenas o
emocional ou por conta da amamentação. O principal motivo de ser
preciso esperar tanto é porque este é o tempo que o útero demora para
recuperar-se e voltar ao tamanho normal. Este também é o tempo
necessário para a cicatrização do órgão, onde a placenta estava inserida.
Ainda estou vivendo o chamado puerpério e esse é um dos momentos da
minha vida que não irei pular etapas ou adiantar processos.
Volto para o quarto e fico alarmada com a cara de espanto do
Guilherme. Ele me olha tão sério que sinto o meu coração acelerar. Será
que aconteceu alguma coisa? Sento-me na poltrona e começo a passar
hidratante no corpo enquanto espero ele terminar. Ele desliga a chamada
e como a boa curiosa que sou, pergunto?
— O que foi? Está com uma cara esquisita, ficou falando baixo.
O que está escondendo de mim?
— Era o Enzo. O Gabriel ligou para ele e...
— Aconteceu alguma coisa com eles na viagem? Fala Gui, está
me deixando assustada.
Gabriel viajou para o Nepal com a família. Anelise, a nossa
afilhada tinha um sonho de conhecer a terra do papai Noel. Como é
aniversário de dez anos dela eles foram realizar o sonho.
— Não aconteceu nada com eles, está tudo bem, só que... eles
estão em um hotel e você não vai acreditar. — Ele se abaixa e pega o
hidratante tirando da minha mão.
— Diga logo criatura.
— A Evy trabalha nesse hotel. Ela é a chef...
— O quê? A megera que largou o meu irmão no altar?
Foi um dia inesquecível para mim, nunca vi meu irmão chorar
tanto como naquele dia. Nem quando éramos pequenos. Ela chegou ao
altar e diante de todos na igreja apenas disse, “não posso fazer isso” e
saiu correndo deixando todo mundo de boca aberta e meu irmão de
coração partido. O pior é que ele ficou mais de dois anos procurando por
ela, esperando, querendo uma resposta, pois até o momento sabíamos
que ela era louca por ele. Foi tudo muito estranho. Ninguém sabe onde
ela se escondeu, pois nem os melhores investigadores conseguiram
encontrá-la.
— Ele não disse para o Enzo, disse?
— É claro, Enzo já deve estar a caminho da...
— Eu não acredito. Meu irmão levou muito tempo para
conseguir seguir adiante, agora que encontrou uma mulher que o faz
feliz não é justo trazer o fantasma do passado para...
— Ei, pequena, se acalme — ele diz me puxando para os seus
braços e me abraçando.
— Gabriel não deveria ter feito isso.
— Deveria sim, não é só sobre ela, Bia, seu irmão tem um filho
com ela.
— O que disse? — Me afasto olhando meu marido nos olhos.
Encontro tanto amor e carinho que fico calma na hora. Esse é o
oceano que me traz tranquilidade, amor e segurança. Sempre que encaro
esses olhos nada mais importa. Então ele abre um sorriso e faz uma
carícia no meu rosto.
— Gabriel disse que ela tem uma criança de mais ou menos três
anos. O menino é a cara do seu irmão. É lógico que ele deve ir atrás
dela.
— Vou ligar para o Enzo... Espera, foi o Gabriel que ligou?
— Não, amor, o Enzo ligou. — Ele me abraça mais uma vez e
começa a rir com os lábios encostados em minha testa. — Você está
louquinha, pequena. Acho que a Giulia está te deixando doida.
— É verdade — concordo suspirando fundo. — Estou
precisando de uma massagem, muitos beijos e de sexo.
— Faltam dez dias, pequena, mas isso não impede que eu te faça
uma massagem e te dê muitos beijos...
— Hummm, gostei. — Passo as mãos em seu peitoral, em sua
barriga e enfio dentro da calça. — Vai me dar um pouquinho de
emoção? — provoco com os lábios colados nos dele.
— Eu adoraria, mas acho que tem um bebê resmungando no
quarto ao lado, e você sabe, logo ela começa a chorar sem parar. — Me
afasto só então ouvido o som que vinha da babá eletrônica.
— Ela acabou de mamar, será que está com cólicas?
— Não sei, amor, eu vou lá ficar com ela. Você deita e descansa
enquanto isso.
— Não precisa, minha mãe chegou cedo ficou com ela para eu
dormir e só acordei muito tarde, ela mamou e eu voltei a dormir
novamente. Estou descansada.
— Tudo bem, vamos juntos então. — Vou na frente e ele atrás
agarrado em minha cintura.
— Vem aqui princesinha, o que foi? Pra que tanto escândalo?
Assim que se aconchega em meus braços, ela se cala e adormece.
— Acho que tem uma menininha meio viciada no colo aqui. —
Gui diz sorrindo.
— Ontem foi a sua mãe, hoje a minha. Com toda certeza ela
passou o dia no colo.
— Acha que deveríamos proibir as avós de vir visitar essa
pequena viciada?
— Tadinhas, Gui, elas teriam um infarto, você sabe.
— ok, você quem manda. Me dê ela aqui. — Entrego nossa filha
para ele. — Vai lá, me espera na cama que já vou.
— Isso soou muito promissor. Eu vou cobrar as emoções que
você me prometeu. — Recebo seu beijo em meus lábios antes de sair.
— E eu vou pagar, se você estiver acordada, claro.
Reviro os olhos e vou para o quarto, mas infelizmente ele tem
razão, eu acabo caindo no sono e perdendo toda a diversão prometida
pelo meu marido.
Epílogo 2
21 anos depois
Aperto os cantos dos olhos e suspiro fundo. Estou extremamente
cansada. Hoje foi um daqueles dias, tudo que tinha que dar errado deu.
Uma paciente de um colega entrou em trabalho de parto antes da hora,
ele estava viajando para um congresso e me pediu para fazer o parto. O
problema é que era gravidez de risco, ela tinha um problema raro que
não foi relatado por ele e nem na última ultrassonografia, o que acabou
em uma hemorragia, teve choque hipovolêmico e tivemos que tomar
uma decisão de última hora, a retirada do útero para preservar a vida
dela. Graças a Deus, mãe e filho passam bem. Eu queria agora tomar
uma taça de vinho, um banho de banheira e descansar. Subo as escadas e
ouço vozes em uma discussão acalorada no quarto da Giulia.
Dois anos depois que a Giulia nasceu tivemos o Augusto, quatro
anos depois veio a caçula, Liz. Augusto é um rapaz extrovertido, muito
sem vergonha que já trouxe mais namoradas em casa do que consigo
contar. Já a Giulia é tímida, um doce, estudiosa, nunca soube de nenhum
namorado dela. Foi uma grande surpresa quando ela disse que traria o
namorado para apresentar a família, pois ele queria fazer o pedido
formal. Achei fofo e me lembrei um pouco do Guilherme quando
insistiu que deveria pedir-me em namoro aos meus pais. A Liz é muito
inteligente, adora ler e diz que no futuro vai ser escritora.
— Nunca vou aceitar que namore esse safado. — Augusto grita.
— E desde quando eu preciso de sua permissão? — Giulia rebate
ainda mais alto.
Paro na porta do quarto dela e o Guilherme aparece na do nosso.
— Que gritaria é essa? — pergunta-me.
— Não faço a mínima ideia.
— De todos os caras do mundo tinha que ser logo esse? Um
safado, mulherengo. Você sabia que ele gosta de orgias, Giu, sabia? Ou
será que está acompanhando ele agora? — olho para o Guilherme
chocada.
— Augusto, o que é isso? — Guilherme diz bravo?
— Do que você está falando? — Giulia questiona.
— Do óbvio, estou falando é porque eu já encontrei o Enrico em
uma...
— Isso significa que você anda frequentando então? — Giulia
ataca. — Porque se tem tanta certeza assim é claro que está metido...
— Eu frequento sim, não nego que eu gosto, mas não vou na
casa de ninguém pagar de bom moço querendo namorar moça de
família. Ele é um safado, além de tudo deve pegar todas pelo mundo a
fora, porque no dia que o vi na festa tinha pelo menos umas dez fazendo
fila para... vai mesmo namorar um cantor famoso, irmã? Pra viver com a
cabeça cheia de chifres.
— Da para explicar o que está acontecendo? — falo de forma
autoritária. — Por que vocês dois estão brigando?
— Mamãe, a Giulia está namorando com o Enrico, Enrico
Medina. Acabei de...
— Invadir a minha privacidade e ler as mensagens do meu
Wathsapp que estavam abertas no meu notebook — completa deixando
a revolta impressa na voz.
— Essa é a educação que eu te dei? — Guilherme lhe pergunta.
— Quanto drama pra uma coisa tão besta. — Liz diz beijando
meu rosto. — Estou no meu quarto, mamãe.
— Besta? Acabo de dizer que a Giulia está namorando o Enrico
e vocês estão preocupados com a forma que descobri?
— Mais é claro, eu namoro com quem eu quiser.
— Eu estava desconfiado que você arrasta a bunda pra ele. Mas é
muita cara de pau a dele querer vir aqui pagar de bom moço.
— Se você estava desconfiado deveria ter perguntado e não
invadido meu quarto, lido minhas mensagens enquanto eu estava no
banho.
— Mensagens? Papai, ela estava mandando fotos praticamente
nua para ele. Já ouviu falar em nude?
— Augusto e essa história de você andar em orgias por aí? —
Guilherme pergunta ignorando os outros fatos.
— Me diz que o senhor nunca foi?
— Primeiro você me respeite, e não, eu nunca estive em uma e
nunca tive curiosidade de ir. Você tem noção do perigo que corre em
uma festa dessas?
— Tenho, é por isso que estou falando que a Giulia...
— Eu gostaria que você me respeitasse, mesmo que gostasse
dessas coisas é a minha vida, ninguém tem que se meter.
— Augusto, vem comigo, vamos conversar. — Meu filho encara
o pai e solta um suspiro.
— Sinto muito, pai... Mamãe.... — chama meu nome, pois sabe
que o pai não vai deixar passar o comportamento dele, principalmente
com relação as tais orgias as quais ele se referiu.
— Eu não tenho nada com isso — digo indo em direção ao meu
quarto. — Resolva com seu pai. Eu vou tomar um banho e descansar.
Já com a mão na maçaneta, eu suspiro fundo e vou falar com a
Giulia. Encontro-a ao telefone com lágrimas nos olhos, ela desliga assim
que me vê.
— Você está bem? — Ela vem e me abraça.
— Decepcionada, triste. Não por causa do Augusto, mas o
Enrico, mamãe, ele fez tantas promessas, eu disse que não daria certo,
mas ele insistiu tanto.
— Você gosta dele?
— Sim, eu sempre fui apaixonada por ele, mas nunca deixei
ninguém perceber, ele é famoso, tem milhões de fãs, isso dificulta tudo.
E se eu não for suficiente para ele?
— Se isso acontecer é porque ele não merece você, pois é linda,
meiga, inteligente, maravilhosa, uma garota fantástica.
— Acha que devo... insistir nesse namoro?
— Eu acho que você deve consultar o seu coração e decidir. Não
vou dizer o que fazer, você sempre foi muito responsável, sabe fazer
suas escolhas.
Percebo então que estou repetindo as palavras da minha mãe
com a minha filha mais velha. Giulia não sabe, mas os empecilhos que
ela citou não são nada diante do problema real que pode vir a se tornar a
relação dos dois. Eu já senti na pele e não queria que a minha filha
passasse pelo mesmo, mas como fez a minha mãe, não irei interferir.
— Obrigada, mamãe. — O telefone dela começa a tocar. — É o
Enrico retornando a ligação que fiz para ele.
— Pode atender, depois a gente conversa.
— Obrigada, mamãe.
Beijo sua testa e vou para o meu quarto. Tomo um banho
demorado dispensando a banheira, pois estou tão cansada que sou capaz
de adormecer e morrer afogada dentro dela. Hidrato o meu corpo, visto
uma camisola e vou para deitar, mas escuto meu estômago roncar. O
jeito vai ser descer e comer alguma coisa. Visto um robe e quando vou
para sair, o Guilherme entra carregando uma bandeja.
— Pensei que estivesse com fome.
— Esse é o homem da minha vida — digo beijando seus lábios e
sentando na cadeira diante da mesa onde ele depositou a bandeja. — E
os seus filhos? Onde estão?
— Giulia saiu, presumo que tenha ido ao encontro do Enrico...
— O quê? Mas já passa das onze da noite?
— Ela é maior de 21, o que você queria que eu fizesse?
— Usasse a sua autoridade de pai...
— Pequena, você sabe que isso só iria piorar.
— E o safado do seu filho? Saiu também? Foi para alguma
orgia?
— Esse está de castigo. — Abro um sorriso satisfeita e como um
pouco da panqueca. — O que você acha da Giulia com o Enrico?
— Está mais preocupado com os dois do que com o fato do seu
filho ser um safado promíscuo?
— É estou. Já conversei com ele. Agora estou preocupado com a
Giulia, ela é muito sensível... você sabe.
— Acho que a história se repete. — Ele franze o cenho tomando
um pouco de vinho.
— Por que diz isso?
— Faz mais ou menos um ano, estávamos na casa do Gabriel, eu
vi o Enrico e a Jade aos beijos.
— Minha nossa! Talvez tenha sido só um beijo...
— Eu não sei, Gui, mas fiquei bem tentada a contar para a
Giulia, elas eram amigas.
Jade é a segunda filha da Nicole, irmã do Guilherme. Ela e a
Giulia sempre foram amigas, porém estão um pouco afastadas devido
aos estudos e a diferença gritante da personalidade das duas, pois a Jade
é extremamente extrovertida ao contrário da minha filha, o que levou as
duas por caminhos diferentes.
Assim que terminamos de comer Guilherme se levanta e fica
atrás de mim.
— Agora nós podemos deixar os problemas dos nossos filhos
para que eles resolvam, e... minha nossa, você está muito tensa — diz
em meu ouvido apertando os nódulos dos meus ombros me fazendo
arrepiar toda.
Ele tem razão, uma frase que minha mãe me disse certa vez em
que eu quis ajudar o Augusto a resolver um problema na escola quando
ele ainda tinha apenas 9 anos de idade, nunca mais saiu da minha
cabeça. Ela disse:
— Se você ama mesmo seus filhos, pare de fazer tudo por eles!
Você é uma ótima mãe, mas essa mania de querer sempre ajudá-los não
está certo. A maioria dos adultos inseguros e dependentes são
geralmente por culpa da educação fundada em dependência e servidão
os pais. Se sempre fizer a vontade de seus filhos, e se eles nunca lidarem
com frustação, certamente serão adultos fracos.
Depois que ela me disse isso, eu passei a controlar meu instinto
protetor. Coisa que foi muito difícil para mim que queria meus filhos
sempre felizes e protegidos. Mas eu aprendi a lição e hoje não me meto
mais na vida deles, portanto, apesar da imensa vontade, não o farei
agora.
— Acho que preciso de um tratamento completo — digo me
derretendo com o toque dos seus lábios em meu pescoço.
— É essa a intenção, senhora minha esposa, te alimentei, agora
vou cuidar do seu relaxamento total.
— Hummm, gostei disso — digo me levantando e passando os
braços por seu pescoço, ofereço meus lábios, recebo seu beijo delicioso
enquanto vamos caminhando em direção à cama.
O tempo ao lado desse homem só me fez perceber que nascemos
um para o outro. Sou a cada dia mais feliz, mais amada e não me
arrependo um dia se quer de ter dito sim ao amor que sinto por ele.
— Eu te amo, pequena.
— Eu também, sempre te amei.
Todo dia nos braços do Gui me dão a certeza que encontrei o
meu “pra sempre”, o nosso felizes para sempre.

Fim
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Outras obras da autora

TUDO POR AMOR


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Helena é uma mulher focada na sua carreira. Está no auge de


tudo que sempre sonhou, um namorado perfeito, uma promoção mais do
que desejou. Ela vê o seu mundo ruir de uma hora para outra quando um
grave acidente deixa a sua irmã mais nova com morte cerebral e com um
bebê no ventre. Helena não pode salvar a vida da irmã, entretanto vai
fazer de tudo para garantir que sua sobrinha venha ao mundo. Helena
perde tudo para arcar com as despesas do hospital enquanto aguarda a
chegada da sobrinha por meses. Perde o namorado e até a promoção pela
qual tanto batalhou. Mas tudo valeria a pena para ver o sorriso da
pequena Valentina a quem jurou proteger com a própria vida. Mais uma
vez ela está diante de uma jogada do destino quando coloca o pai da
criança em seu caminho. Henrique quer a guarda da filha, Helena não
está disposta a abrir mão dela. Entrarão os dois em um acordo? Mais
uma vez ela fará tudo por amor? Helena não está disposta a perder mais
nada em sua vida, muito menos o seu coração para o homem que quer
tirar a única coisa que lhe restou."
CORRENDO PARA O AMOR
https://amz.onl/fTIdoTB
SINOPSE

Linda, inteligente e extremamente sexy, Karina está determinada


a provar que mulher não é mais o sexo frágil, que também pode vencer
um Rally de Regularidade. Apaixonada por velocidade, nunca pensou
em se tornar modelo, apesar das inúmeras propostas recebidas, mas para
conseguir patrocínio e participar do tão sonhado Rally ela faria qualquer
coisa, até aceitar ser garota propaganda de seu patrocinador. Apenas
teria que cumprir algumas exigências que aparentemente seriam muito
fáceis. Nada poderia atrapalhar Karina de subir ao pódio.
O que ela julgou ser fácil, o destino logo a fez descobrir que não
seria tão simples assim.
Vítor Lacerda, cardiologista renomado, dono de uma beleza
ímpar, sempre acostumado a ter tudo em suas mãos, estava prestes a
voltar a fazer aquilo que ama tanto quanto a Medicina. Aquele final de
semana para ele não passava de mais um congresso de cardiologia
entediante.
Até a linda modelo Karina aparecer.
Dominados por uma atração irresistível, mal sabiam que suas
estradas se cruzariam de maneira surpreendente e estariam muito mais
ligados do que imaginavam.
INTENSO E INESQUECÍVEL
https://amz.onl/17ZmyUQ
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Uma fração de segundos e sua vida pode mudar para sempre...


Piloto de Fórmula 1, Gabriel tem uma carreira brilhante e o
mundo aos seus pés, mas sabe que falta algo. O amor que nunca
conseguiu esquecer...
Um trágico acidente que quase lhe tirou a vida o abriga a ficar
fora das pistas que tanto ama até que esteja recuperado das lesões.
Natália é uma fisioterapeuta que teve um grande amor que
marcou sua vida. Ela demorou a conseguir recuperar o seu equilíbrio
emocional, esquecer o passado e começar uma nova história. Depois de
viver o mais intenso e inesquecível amor.
Momentos de paixão... e um estranho destino...
Eles estavam destinados a se reencontrarem. Natália encontra em
seu mais novo paciente o garoto que tanto amou no passado e que foi
obrigada a deixar para trás. A chama do amor que nunca foi apagada
ganha ainda mais força quando eles decidem viver esse amor intenso e
inesquecível.
Será que o amor dos dois é capaz de sobreviver a um segredo
que pode mudar suas vidas? Ou será que mais uma vez serão separados
pelo destino?
PROVOCANTE E IRRESISTÍVEL
https://amz.onl/ewubpfI
SINOPSE

Ele é a presa...
Ela é a caçadora...
Murilo sempre se destacou por ser um médico sério, gentil e
amável. Diferente de seus amigos mulherengos, ele sonha mesmo é com
uma vida tranquila, com esposa e filhos. Mas nem mesmo o cara mais
calmo do mundo estaria preparado para o turbilhão de emoções que ele
está prestes a enfrentar.
Atraente, imprevisível e irresistível. Alícia é o tipo de mulher
que era melhor evitar e Murilo tenta com todas as forças evitá-la. Nesse
jogo, porém, as investidas dela são altas.
Vale a pena pagar para ver?
Misteriosa, orgulhosa, provocante e tão sedutora quanto o
pecado, Alícia está determinada a ter uma noite com o Dr. Murilo e
quanto mais ele nega, mais ela o quer. Por fora, ela é perfeita e doce,
mas Murilo conhece o tipo de mulher que se esconde por trás daqueles
olhos hipnotizantes e do sorriso sedutor. E basta uma noite para que ele
esteja em suas mãos.
Tarde demais para voltar atrás, completamente envolvido ele vai
tentar virar o jogo e conquistar de vez esta mulher provocante e
irresistível.
MINHA SALVAÇÃO
https://amz.onl/a9QQigv
SINOPSE

Gabriela aos 24 anos dedicou a sua vida apenas a estudar, sem


permitir distrações. Está noiva de um homem que não ama, ela sabe que
o amor vem com o tempo.
O que Gabriela não sabe é que sua vida mudará drasticamente
durante uma viagem comemorativa com as amigas.
Um cruzeiro.
Um sequestro.
E a vida dela está nas mãos de um homem irresistível que a
salvou de um trágico fim, e agora ele quer provar que estão destinados a
ficar juntos.
Mas ela não acredita em destino.
Inundada por um oceano de emoções e um súbito desejo
incontrolável, ela entra em pânico. Sabe qual caminho deveria seguir,
mas nem sempre o que se deve é o que se deseja.
Então vai descobrir como a vida pode ser frágil... fácil de
quebrar, difícil de consertar.
MINHA PERDIÇÃO
https://amz.onl/1kg4yNW
SINOPSE

Kamila é uma mulher independente, forte, linda e rica. Sempre


teve tudo que queria. Sua vida não poderia ser melhor. Tinha as
melhores amigas do mundo, e sua família era perfeita.
Não poderia imaginar que uma viagem para o Caribe fosse
causar tantos transtornos. Kamila conheceu o paraíso e também o
inferno.
Depois de ser sequestrada em um cruzeiro, ela se vê obrigada a
dançar em uma casa noturna. Foi resgatada pelo noivo de sua melhor
amiga, Gabriela. Ele estava à procura dela que também se encontrava
desaparecida.
De volta para casa depois de tanto sofrimento, Kamila está,
enfim, pronta para recomeçar sua vida. O que ela não esperava era cair
perdidamente apaixonada por Rafael, o homem que a resgatou do
inferno e que também é comprometido com a sua melhor amiga. Seu
salvador, mas também sua perdição.
ARMADILHAS DO AMOR
https://amz.onl/dcVUgkt
SINOPSE

Fernanda tem uma única coisa em mente: ter um filho. E para


alcançar o seu objetivo vai cometer algumas loucuras. Advogada bem-
sucedida na carreira, entretanto sempre se dá mal quando o assunto é
amor. Ela desistiu há muito tempo de encontrar o príncipe encantado.
Talvez ele nem exista.
Agora, o seu objetivo é ser mãe e dar todo o amor que tem
guardado para o seu filho. Apenas para o seu bebê.
Contudo, quando Fernanda encontra Benjamin Fulber, um
Neurocirurgião lindo, educado e atraente, surge uma atração irresistível
entre os dois. Ela repensa se realmente não existe a sua cara metade, o
homem perfeito tal qual as suas amigas já encontraram? Como poderia
ignorar o que o seu coração sente com a presença dele em sua vida? E
como poderia esconder um segredo tão sério dele? Seria o amor de
Benjamin capaz de perdoar as loucuras que levaram Fernanda até ele?
Quando pensava já ter respostas, as peripécias do destino irão
trazer Alex de volta para a sua vida.
O que Fernanda deve fazer? Olhar para o futuro e enxergar em
Benjamin tudo que ela precisa? Ou continuar acreditando que Alex é
tudo o que faltava para a sua felicidade?
MAIS UMA CHANCE
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SINOPSE

Isabela e André se amam desde a infância, mas uma decisão


muda o rumo de suas vidas, afastando-os. "Precisamos conversar..."
Apenas duas palavras, mas carregadas de significados que trouxeram
muita tristeza e um coração partido para Isabela. André, seu doce e
perfeito namorado de infância, que dizia amá-la acima de tudo, mostrou
o que era amor, mas também o que era ter um coração partido. Isabela
pensava que a vida não tinha mais sentido sem ele, que tudo estava
perdido, até encontrar o lindo e sedutor Matheus. Mas será que o amor
que sente por André poderia ser esquecido? Isabela vai ter que escolher
entre dois caminhos. Qual deles levará a felicidade? Agora com a sua
vida perfeita, com um futuro à sua frente, o passado volta trazendo
novamente as mesmas perguntas. André não quer fazer parte do seu
passado, ele quer ser o futuro. Será Isabela capaz de resistir ao homem
apaixonado e disposto a tudo para reaver o seu amor? O que fazer
quando a emoção não quer ouvir a razão?
Sinopse
Tudo o que Hannah é hoje, sequer cogitou ser um dia e odiava isso.
Ela era sonhadora, apaixonada, determinada. Ela seguiu por um
caminho que pensava ser o da felicidade, o do coração. Um caminho de dias
bonitos e noites quentes. Um amor avassalador que a deixou cega. Hannah
descobriu, depois de viver o ápice do que era uma vida de sonhos, que há um
preço a se pagar para viver uma vida perfeita.
Você faria as mesmas escolhas e seguiria pela mesma estrada?
Hannah sempre sonhou em ter um amor, em sentir na pele a excitação
nervosa de se apaixonar, o desejo de alguém se tornar parte do seu mundo. E
claro que nos seus sonhos era tudo perfeito. Ela queria paixão, um romance
de tirar o fôlego, um amor como o de contos de fadas onde o príncipe lhe
dava, não só seu coração, mas entregava o mundo aos seus pés.
Hannah foi incapaz de resistir a tudo que lhe foi dado, principalmente
ao charme do homem que lhe apresentou esse mundo. Há muitos segredos
por trás da fachada de homem perfeito que seu namorado representava.
Vicente é um homem lindo, misterioso e que sabe como tratar uma mulher.
Enquanto tenta descobrir quais eram os mistérios por trás do
empresário perfeito, ela vê sua vida se entrelaçar a uma rede de mentiras e
segredos. Ela descobre tarde demais que suas escolhas, além de perigosas,
podem trazer consequências irreversíveis.
Agora, ela precisa fazer uma escolha. O amor ou a razão?

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