Eriksen e Nielsen apresentam uma breve biografia de Radcliffe-Brown, a sua
origem, na classe operária, seu percurso acadêmico (inicialmente estudante de medicina) até ingressar na antropologia, bem como a disposição teórica adotada pelo antropólogo em seu estágio inicial (o difusionismo), até chegar, através do seu contato com Durkheim, mais precisamente com a obra “As formas elementares da vida religiosa”, ao desenvolvimento do estrutural funcionalismo. E nesse ponto, ao tratar das contribuições teóricas de Radcliffe-Brown, apresentam sinteticamente as principais noções teóricas (antropológicas) por ele estabelecidas e suas características gerais. Interessante perceber o persistente paralelo que os autores fazem entre Radcliffe-Brown e Malinowski, tratando quase que por contraste as duas figuras e correntes antropológicas que eles representam, algo que aparece de forma muito clara e sintética no seguinte trecho:
"Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo
principalmente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radcliffe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e mecanismos de integração social." (ERIKSEN E NIELSEN, 2007, p. 59)
Ou seja, na abordagem funcionalista de Malinowski os antropólogos preconizam o
indivíduo e as motivações mesmas de suas ações, reconhecendo como imprescindível para efetivação do conhecimento e compreensão da cultura esse procedimento, de compreensão dessas motivações humanas, algo que se exemplifica muito bem no trecho que segue, presente na obra “Crime e castigo na sociedade selvagem”, de Malinowski:
“[...] O verdadeiro problema não é estudar como a vida humana se submete
às regras - ela simplesmente não se submete -, o verdadeiro problema é saber como as regras se adaptaram à vida.” (MALINOWSKI, 2003, p.95) Com isso, Malinowsky não nega o caráter coercitivo que tem as instituições sociais, mas reafirma o caráter intercambiável que tende a estabelecer entre a fisiologia e a cultura, uma vez que, conforme seu “individualismo metodológico”, Eriksen e Nielsen determinam:
“[...] As instituições existiam para as pessoas, não o contrário, e eram as
necessidades das pessoas, em última análise suas necessidades biológicas, que constituíam o motor primeiro da estabilidade social e da mudança [...]” (ERIKSEN E NIELSEN, 2007, p. 57 a 58)
Sendo assim, enquanto Malinowski afirma, da vida humana, que ela
simplesmente não se submete às regras, mas as regras se adaptam a ela, para Radcliffe-Brown, são as estruturas sociais, instituições, normas de comportamento, "representações coletivas", em suma as redes de relações, gerais e coercitivas, encaradas mesmo em sua externalidade e coercitividade sob o individuo que devem ser estudadas e, portanto, ocupam esse protagonismo epistemológico, como Eriksen e Nielsen explicam:
“[...] Na obra de Radcliffe-Brown a estrutura social existe
independentemente dos atores individuais que a reproduzem. As pessoas reais e suas relações são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antropólogo é descobrir sob o verniz situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura [...]” (ERIKSEN E NIELSEN, 2007, p. 60)
Importa ressaltar, sobre o contraste entre esses dois antropólogos o que afirmam Eriksen e Nielsen, que:
“[...] Embora o contraste seja frequentemente exagerado nos relatos
históricos, às vezes o resultado foram estilos de pesquisa consideravelmente diferentes." (ERIKSEN E NIELSEN, 200, p.59)
Afirmação que não exclui, de certo, convergências entre o funcionalismo de
Malinowski e o estrutural funcionalismo de Radcliffe-Brown, primeiro ambas correntes adotam uma abordagem sincrônica e empirista em suas pesquisas, desconsiderando a necessidade de realizar reconstruções históricas das culturas estudadas e reconhecendo a necessidade da realização do trabalho de campo, através de “observação participante” e ambos concebem a sociedade como um organismo composto de diversas partes inter relacionadas, mas, enquanto para Malinowski, o organismo social se revela através da análise etnográfica da relação entre indivíduo e grupo, para Radcliffe-Brown importa mais compreender e demonstrar as forças estruturais que integram os indivíduos à sociedade, as estruturas sociais, bem como o papel que desempenham, a determinação sobre o indivíduo, ou seja, a função produtora que as estruturas, instituições sociais, desempenham na determinação da vida social, do homem como ser social (socializado), mas de modo comparativo, ou seja, etnológico, num estudo comparativo entre diferentes etnografias, indo, como diz o próprio Radcliffe-Brown (1978) em sua obra "O método comparativo em antropologia social", do particular ao geral, do geral para o mais geral, para, assim, chegar-se a uma compreensão das estruturas universais, comum à todas as culturas humanas.
Referências bibliográficas:
Eriksen; Finn Sivert Nielsen; História da antropologia; tradução de Euclides Luiz
Calloni; revisão técnica de Emerson Sena da Silveira. Petrópolis, RJ :'Vozes, 2007.p.58/62 MALINOWSKI,Bronislaw; Crime e costume na sociedade selvagem; tradução de Maria Clara Corrêa Dias; revisão técnica de Beatriz Sidou. - Brasília Brasília:Imprensa Oficial do Estado, 2003.100p. O método comparativo em Antropologia Social". In MELATTI, Julio Cezar (org.): Radcliffe-Brown: Antropologia, pp. 43-58. (Grandes Cientistas Sociais, 3) São Paulo: Ática.