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Determinantes da taxa de câmbio no longo prazo

Prof.a Dr.a Roseli Silva

Objetivos desta aula: Entender a teoria da Paridade do Poder de Compra, des-


tacando suas principais contribuições para a compreensão do comportamento do
câmbio no longo prazo, bem como suas insuficiências.

A partir dos anos setenta do século passado1 , a compreensão de quais são os determi-
nantes principais do comportamento do câmbio se torna cada vez mais relevante por conta da
flexibilidade dos regimes cambiais o que, obviamente, afeta a decisão dos agentes em geral.
Com o desenvolvimento da teoria macro e com os acontecimentos históricos principalmente
marcados pelo fim dos acordos de Bretton Woods, novas abordagens surgiram para a compre-
ensão dos determinantes de câmbio. Basicamente, o que observamos hoje na literatura é uma
separação inicial entre a busca da compreensão desses determinantes no longo prazo e no curto
prazo, conectados pelas expectativas dos agentes.
A perspectiva de longo prazo é pautada na teoria da Paridade do Poder de Compra
(PPC), que parte de um princípio muito antigo em teoria econômica, já presente nos clássicos
da economia, que é a Lei do Preço Único. Essa "lei"afirma o seguinte: se dois bens são iguais
(ou são homogêneos), não havendo nenhum tipo de barreira ou de custos de transação entre
mercados que transacionam esses dois bens, ao longo do tempo há uma tendência para que os
preços nesses dois mercados sejam iguais. Quando observamos um excesso de demanda em um
desses mercados é natural que a oferta que está sendo realizada no outro mercado se direcione
para o mercado em excesso de demanda, porque o mercado com excesso de demanda produz
um preço mais elevado. Essa é a relação entre esses dois mercados, sem barreira comerciais ou
custo de transação, que produz o resultado da lei do preço único.
Esse princípio bastante simples serviu de ponto de partida para a PPC: se os países
comercializam bens semelhantes ou cestas de bens parecidos e há pouquíssimas barreiras ou
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Se voltarmos na história do pensamento econômico, vamos observar que as questões de economia aberta
passaram a ser tratadas no contexto dos modelos macroeconômicos a partir dos anos 50, principalmente com
as contribuições de Meade, Mundell e Fleming e que fornecem um instrumental básico bastante utilizado ainda
hoje no ensino de graduação, conhecido como modelo IS-LM-BP

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nenhuma barreira ao comércio internacional, os custos de transação não são impeditivos, ha-
veria uma tendência para que seus preços se igualassem ao longo do tempo. Acontece que
quando falamos em preços relativos entre países distintos, estamos falando em preços cotados
em moedas distintas. Não podemos simplesmente comparar os preços nos Estados Unidos,
por exemplo, com os preços no Brasil porque os preços nos Estados Unidos estão cotados em
dólares e os preços no Brasil estão cotados em reais. Essa comparação não pode ser direta:
necessariamente temos de transformar o preço em dólar em preço em reais ou o preço em reais
no preço em dólar, e para isso utilizamos o preço relativo das moedas, ou seja, a taxa nominal
de câmbio (E).
Uma vez que haja essa tendência para que os preços domésticos (P) e internacionais

P se equiparem no longo prazo, é possível observar esta relação de preços medidos de em uma
mesma moeda como uma possível maneira de compreender a determinação da taxa nominal
de câmbio no futuro. Esta relação de preços, quando convertidos por uma mesma moeda se
torna, portanto, um preço relativo que denominamos na literatura de taxa de câmbio real (e).
Temos aqui uma diferença importante entre a taxa de câmbio nominal, que é o preço de um
ativo financeiro, e a taxa de câmbio real que, que mede a relação entre o nível geral de preços
de um país e o nível geral de preços de um outro país convertidos para uma mesma moeda por
meio da taxa de câmbio nominal.

EP ∗ eP
e= ⇒E= ∗
P P

Se tomarmos o logaritmo e a derivada em relação ao tempo, temos a equação abaixo


(o ponto sobre a variável indica sua variação em relação ao tempo) que indica que, se a infla-
ção doméstica é maior que a externa, a PPC prediz que a taxa nominal de câmbio sobe pela
diferencial (a moeda doméstica se depreciaria).:

!
Ė ė Ṗ P˙ ∗
= + − ∗
E e P P

A taxa de câmbio real, pela PPC, deveria ser relativamente estável ao longo do tempo
e ela tenderia para 1 se os países realmente transacionassem cestas de bens e serviços muito
parecidas. Obviamente, isso não acontece no mundo real: cestas de bens produzidos em paí-
ses diferentes são relativamente diferentes. Embora seja possível encontrar homogeneidade em
commodities internacionais, dificilmente encontraremos homogeneidade na gama de bens e ser-
viços que são comprados e vendidos entre os países, não atendendo ao princípio da lei do preço
único. A não existência dessa homogeneidade os bens que são comercializados já produz um
diferencial de preço e, portanto, dificilmente a taxa real de câmbio se estabiliza em torno de
1, mas ela se estabiliza em torno de um certo nível, ou seja, o resultado mais importante da
PPC, na verdade, é que a taxa real de câmbio se estabiliza ao longo do tempo certo em um
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nível que revela a competitividade relativa dos países, refletindo também o grau de barreiras
internacionais do comércio, sejam unilaterais ou não, e também os custos de transação desse
comércio internacional, assim como as preferências dos agentes. Basicamente, o elemento fun-
damental que queremos ressaltar é o significado da taxa real de câmbio enquanto uma medida
de competitividade entre países.

Figura 1 – Determinantes do câmbio

Quando olhamos para a nossa capacidade de ganhar ou perder fatias do comércio in-
ternacional, basicamente estamos buscando entender qual é a relação de competitividade dos
nossos produtos com os produtos internacionais e essa competitividade é produzida a partir da
nossa condição de produção de bens e serviços, ou seja: ela basicamente depende da produti-
vidade dos fatores de produção. Esse é um aspecto muito importante para discutir ganhos ou
perdas de fatias no comércio internacional no longo prazo, em 10, 15, 20, 30 anos.
É importante observar que no longo prazo, em termos de competitividade real, os
fatores mais relevantes estão associados ao processo de produção de um país: qual é o nível
tecnológico que ele utiliza no seu processo de produção, qual é a qualificação da mão-de-obra,
qual é a qualificação ou desenvolvimento tecnológico, ou seja, a produtividade marginal de
cada um dos fatores de produção, contribuindo para produzir produtos melhores, com mais
tecnologia e, portanto, com mais condições de competir com diversos produtos oferecidos pelos
outros países nos mercados internacionais.
Desse ponto de vista, se é plausível que a taxa real de câmbio seja relativamente estável
no longo prazo, podemos utilizar essa estabilidade como forma de entender o comportamento
da taxa nominal de câmbio. Essa compreensão é tanto melhor quanto mais se tratam de relações
comerciais entre países mais parecidos, países desenvolvidos, países que tenham um graus se-
melhantes de desenvolvimento tecnológico. E a literatura empírica tem mostrado isso, no caso
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de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento: parte dela que indica que a paridade do


poder de compra é uma boa indicação da nossa formação da taxa de câmbio no longo prazo,
porém considerando-se os diferenciais de tecnologia e uma boa parte da literatura aponta no
sentido contrário de que em geral a taxa de câmbio nominal no futuro não encontra na teoria da
PPC uma boa fonte de explicação.
Porém, no curto prazo a nossa compreensão é um tanto melhor sobre o comportamento
do câmbio nominal, principalmente a flutuação, a alta volatilidade que o câmbio apresenta no
curto prazo, entendendo que basicamente no curto prazo os principais determinantes da taxa no-
minal de câmbio são associados às decisões financeiras e não a decisões comerciais. Os fluxos
de capitais financeiros, em geral, representam uma proporção muito mais relevante na determi-
nação da demanda e da oferta de dólares no mercado cambial em relação aos fluxos comerciais,
que são mais estáveis e muito mais ligados ao comportamento da renda internacional e ao PIB
doméstico, que propriamente ao preço da moeda estrangeira. Entretanto, expectativas sobre o
comportamento do longo prazo podem afetar o comportamento do curto prazo, como vamos
ver em seguida, por meio da teoria da paridade de juros descoberta.

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