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WBA0922_V1.

NEUROPSICOLOGIA DO
ADULTO E IDOSO
2

Leilane Henriette Barreto Chiappetta Santana


Melina Paula Sales

NEUROPSICOLOGIA DO ADULTO E IDOSO


1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Editorial
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Beatriz Meloni Montefusco
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________________
Santana, Leilane Henriette Barreto Chiappetta
S232n Neuropsicologia do adulto e idoso / Leilane Henriette
Barreto Chiappetta Santana, Melina Paula Sales. – São
Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
45 p.

ISBN 978-65-5356-095-6

1. Neuropsicologia. 2. Neuropsicologia do adulto.


3. Neuropsicologia do idoso. I. Sales, Melina Paula.
II. Título.

CDD 150
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB-8 010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
4

NEUROPSICOLOGIA DO ADULTO E IDOSO

SUMÁRIO

Envelhecimento normal e patológico__________________________ 05

Comprometimento cognitivo e lesões adquiridas_____________ 21

Epilepsias: conceito, classificação e implicações_______________ 38

Transtornos neurocognitivos leves e maiores_________________ 56


5

Envelhecimento normal
e patológico
Autoria: Leilane Henriette Barreto Chiappetta Santana
Leitura crítica: Jéssica Aires da Silva Oliveira

Objetivos
• Conceituar os principais determinantes no processo
de envelhecimento humano.

• Diferenciar quais são os comportamentos esperados


e patológicos do envelhecimento.

• Desenvolver o raciocínio clínico para o auxílio no


diagnóstico diferencial.
6

1. O envelhecimento: os limites entre o normal


e o patológico

1.1 Apresentação

Como parte do processo de desenvolvimento humano, o


envelhecimento tem gerado grandes transformações nas relações
familiares, sociais e na atenção à saúde dessa população (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). As transformações da sociedade e das políticas
públicas visam oferecer mecanismos de proteção para a garantia de
direitos, bem como cuidados de saúde especializados, com o objetivo
de proporcionar qualidade de vida e um melhor estado de saúde aos
idosos (OMS, 2005). Um dos desafios impostos tanto aos familiares
quanto aos profissionais de saúde está relacionado ao equilíbrio
entre autonomia, independência e múltiplas condições médicas, tais
como a presença de doenças crônicas não transmissíveis (diabetes,
hipertensão, etc.), transtornos mentais (depressão maior e síndrome do
pânico) e transtornos cognitivos leves (Parkinson e Alzheimer) (MALLOY-
DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013). Neste módulo, serão apresentados
conceitos fundamentais para compreender os principais determinantes
do processo de envelhecimento humano, com foco na diferenciação
entre os aspectos considerados normais daqueles que são sinais de um
envelhecimento patológico.

1.2 O envelhecimento na terceira idade

O envelhecimento, que sempre foi sinônimo de longevidade, hoje é


uma experiência comum para as pessoas em todo o mundo. Dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS) prospectam que o número
de pessoas com idade acima de 60 anos atingirá a marca de 2 bilhões
de pessoas até o ano de 2050. O Brasil segue a mesma tendência de
envelhecimento da população, conforme aponta no seu último relatório
7

do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da


Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características
dos Moradores e Domicílios, o qual estimou que cerca de 30,2 milhões
de brasileiros ultrapassaram a idade de 60 anos no ano de 2017
(PARADELLA, 2018).

O aumento progressivo do envelhecimento da população brasileira abre


o debate sobre o que é considerado a definição de envelhecimento bem-
sucedido na terceira idade. Importante destacar que o envelhecimento
ocorre em todas as etapas do desenvolvimento, contudo é a fase mais
próxima ao fim da vida que será o foco de estudo deste módulo. Nesta
fase da vida, Papalia e Feldman (2013) sugerem que as pessoas mais
velhas podem ser categorizadas em diferentes faixas etárias para
classificar os indivíduos idosos, a partir da preservação da capacidade
funcional para realização das atividades de vida diária. As três categorias
são: o “jovem idoso” (65 a 74 anos), o “idoso-idoso” (75 a 84 anos) e
o “idoso mais velho” (acima de 85 anos), sendo que, para esta última
categoria, espera-se que os idosos apresentem uma maior dificuldade
para desempenhar tarefas e atividades diárias.

A partir do pressuposto do avanço da idade cronológica e da pouca


preservação da capacidade funcional, os pesquisadores Birren
e Schroots (1996 apud PAPALIA; FELDMAN, 2013) definem que o
processo de envelhecimento pode ser dividido em três tipos, a partir
da perspectiva cronológica do avanço do tempo: o envelhecimento
primário, secundário e terciário.

1. O envelhecimento primário é considerado como incontrolável


devido ao carácter universal e inevitável do processo gradual e
progressivo de maturação, acumulando efeitos da deterioração
física ao longo da vida de um indivíduo, resultados da
predisposição genética.
8

2. O envelhecimento secundário, também considerado como


envelhecimento patológico, é resultado do processo de
adoecimento físico que não está relacionado ao envelhecimento
primário, o qual é resultado dos abusos cometidos no estilo de
vida e nos maus hábitos de autocuidado e saúde que, geralmente,
poderiam ser evitados pelo indivíduo.
3. O envelhecimento terciário, ou envelhecimento terminal, se
refere ao período da vida que é marcado por intensas perdas de
autonomia e independência do indivíduo devido ao avançado
estado de envelhecimento, no qual as perdas cognitivas e de
condição física são acentuadas.

Para além da perspectiva cronológica do envelhecimento, sabe-se que,


como parte natural do processo de desenvolvimento do ser humano, o
envelhecimento reflete as mudanças ocorridas em várias dimensões da
vida dos indivíduos como consequência direta da passagem do tempo
(OMS, 2005). De acordo com Papalia e Feldman (2013), essas mudanças
variam entre cada pessoa por envolverem aspectos subjetivos, de estilo
de vida, condições de saúde, além da influência do ambiente, os quais,
na terceira idade, resultarão em alterações em três dimensões do nível
de funcionamento:

1. O envelhecimento orgânico: caracterizado por um conjunto de


alterações de declínio da maturação biológica com potencial para
o acúmulo progressivo de disfunções do funcionamento fisiológico
e metabólico que podem favorecer o surgimento de doenças.
2. O envelhecimento psíquico: envolve aspectos relacionados às
alterações no funcionamento cognitivo, afetivo e comportamental
(abertos ou encobertos) em razão do declínio biológico, bem
como pela ocorrência de desadaptações às exigências da vida que
podem favorecer o surgimento de transtornos mentais.
3. O envelhecimento social: refere-se às mudanças nos papéis
sociais desempenhados tanto no âmbito familiar quanto no
âmbito social e do trabalho, os quais podem conduzir para o
9

aumento da percepção de redução da funcionalidade devido à


aposentadoria, à diminuição dos vínculos sociais e à perda da
identidade com o trabalho.

Neste sentido, a compreensão da terceira idade a partir da perspectiva


da idade funcional abarca especificidades próprias da história de vida de
cada indivíduo (OMS, 2005). Por exemplo, para indicar a sua capacidade
de agir de forma efetiva no meio em que vive, a classificação de “jovem
idoso” remete às pessoas cuja faixa etária está situada entre as idades
de 65 a 74 anos. No entanto, as pessoas nessa categoria supostamente
apresentariam maior nível de funcionalidade, desta forma, ainda
poderá ser utilizada para classificar pessoas com maior idade, como
o “idoso-idoso” (75 a 84 anos), desde que estejam com uma condição
de saúde e serem funcionalmente ativas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
O contrário também poderá ser realizado ao classificar uma pessoa
“jovem idoso” como “idoso-idoso” por sua capacidade funcional ser mais
comprometida devido aos aspectos próprios de cada pessoa (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Desta forma, um importante indicador da qualidade de
vida na terceira idade está na sua capacidade funcional.

Portanto, a avaliação da capacidade funcional do idoso deverá ser um


dos primeiros indicadores de saúde física e cognitiva avaliados pelos
profissionais de saúde. O seu objetivo é avaliar o nível de autonomia e
independência que o idoso possui para desempenhar as suas atividades
cotidianas. Essa avaliação é denominada de avaliação das atividades
diárias (AVD) e avaliação instrumental da vida diária (AIVD), que
possibilitará delimitar possíveis sintomas para estabelecimento de um
diagnóstico, bem como para conhecer quais áreas devem ser priorizadas
no planejamento de intervenções (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA,
2013). A incapacidade de manter as habilidades de autonomia e
independência, tais como preparar a própria alimentação, tomar banho
e administrar as próprias finanças, é um importante indicador para a
distinção entre o envelhecimento saudável ou patológico (OMS, 2005).
Além disso, o acompanhamento continuado com avaliações espaçadas
10

da capacidade funcional poderá indicar a qualidade e a efetividade das


intervenções propostas para a reabilitação cognitiva.

1.3 Envelhecimento bem-sucedido

Cada pessoa possui um processo único de envelhecimento. Todavia,


é apenas na fase final do ciclo vital que são apresentadas limitações
na capacidade funcional nas diferentes áreas da vida de uma pessoa,
como a condição física, psíquica e social (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Porém, ao contrário do que comumente se imagina, nem todas as
alterações físicas que os idosos apresentam são resultado de um
processo de adoecimento próprio do envelhecer, mas, na verdade, se
devem ao processo normal de envelhecer (OMS, 2005). Nesse sentido, o
envelhecimento bem-sucedido é um dos fenômenos mais complexos e
multifacetados, que sofre influências de diversos determinantes, dentre
os quais podemos citar: os aspectos que envolvem a cultura de uma
sociedade, o ambiente físico, o meio de interação sociofamiliar e os
aspectos pessoais, conforme é indicado pela Figura 1.

Figura 1 - Aspectos que influenciam o


envelhecimento bem-sucedido

Fonte: elaborada pela autora.


11

Um crescente corpo de pesquisas sugere que as variáveis sociais


​​ e
ambientais podem ter efeitos sobre vários aspectos do envelhecimento
bem-sucedido. O impacto desses fatores pode ter influência direta
em um bom processo de envelhecimento. Por exemplo, os arredores
ambientais podem influenciar a acessibilidade a áreas seguras para
atividades físicas. A falta de exercícios, por sua vez, pode predispor
os indivíduos à obesidade e a outros problemas de saúde. De acordo
com dados da OMS (2005), observou-se que a baixa atividade física e
a obesidade estão associadas a relatos reduzidos de envelhecimento
bem-sucedido. Ao lado disso, o acesso à educação auxilia a escolha
saudável pela alimentação, melhorando a qualidade da nutrição e,
consequentemente, a busca pelos serviços de saúde e o surgimento de
doenças crônicas.

Deste modo, o meio ambiente exerce efeitos diretos e indiretos sobre


vários componentes do envelhecimento bem-sucedido. Contudo, ainda
existe uma lacuna no conhecimento, pois, de modo geral, embora se
reconheça essa influência, ainda não existe um consenso da literatura
empírica sobre a quantificação do percentual de explicação único de
cada um desses determinantes para o envelhecimento bem-sucedido.
No entanto, existem evidências substanciais de interação positiva entre
todos esses aspectos como bons preditores de como os indivíduos
envelhecem (OMS, 2005). Dentre todos esses aspectos, o foco desta
disciplina será os aspectos pessoais, especialmente, saúde física e
mental, do ponto de vista da neuropsicologia.

Nessa perspectiva, o aumento dos anos de vida vem acompanhado de


um maior risco para o desenvolvimento de algum comprometimento
cognitivo, contudo, para algumas pessoas, esse risco não é tão agudo.
Parece, então, existir três subgrupos de desfechos para pessoas mais
idosas:

1. O grupo de pessoas com manutenção de longo prazo das funções


cognitivas na terceira idade.
12

2. O grupo de pessoas com declínios cognitivos leves semelhantes ao


envelhecimento normal que não progridem para demência.
3. O grupo de pessoas com declínios cognitivos que progridem para
o estabelecimento de quadro demencial.

Portanto, a preservação da cognição na terceira idade é considerada


outro importante indicador de saúde que é capaz de predizer os
desfechos positivos do envelhecimento bem-sucedido. Esse interesse
dos pesquisadores se deve ao fato de que existe uma forma de
envelhecimento em que há ausência de déficits cognitivos de
nível moderado a grave na idade avançada, o que contribui para o
envelhecimento promotor de autonomia, independência e, por fim, a
qualidade de vida (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013; PAPALIA;
FELDMAN, 2013).

É provável que essa relação reflita as habilidades cognitivas de ordem


superior necessárias que apoiam a execução de tarefas complexas de
funcionamento do dia a dia, como gerenciamento de medicamentos,
participação social e direção (LEZAK; HOWIESON; LORING, 2004;
MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013). Essas atividades, por sua vez,
contribuem para a melhoria da qualidade de vida relacionada à saúde
e ao funcionamento físico, ambos marcadores de envelhecimento bem-
sucedido. Ainda não está claro se domínios específicos da cognição são
diferencialmente importantes para o envelhecimento bem-sucedido.
Por exemplo, pode ser que o funcionamento executivo e a memória
preservados sejam mais salientes em termos de manutenção de uma
qualidade de vida robusta na terceira idade, enquanto os declínios na
velocidade de processamento ou no funcionamento motor podem ser
compensados, até certo ponto, e ter um menor efeito prejudicial nos
marcadores de envelhecimento bem-sucedido (LEZAK; HOWIESON;
LORING, 2004). Esta ainda é uma questão que recebeu pouca atenção de
pesquisas empíricas e merece uma análise mais detalhada.
13

Além da preservação dos componentes executivos, os fatores


psicológicos que integram a dimensão da saúde mental também são
importantes indicadores da adaptabilidade da pessoa idosa frente às
mudanças decorrentes do processo de envelhecimento (OMS, 2005;
PAPALIA; FELDMAN, 2013). A resiliência (isto é, a capacidade individual
de mobilizar recursos internos de autorregulação das emoções e do
comportamento para lidar com uma situação adversa sem que haja
repercussões negativas ou psicopatológicas de longo prazo) é um bom
indicador para analisar o sucesso do envelhecimento, bem como das
intervenções em reabilitação, devido ao efeito positivo que favorece
a adaptação às mudanças (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013;
OMS, 2005; PAPALIA; FELDMAN, 2013).

Além da resiliência, outros aspectos psicológicos são importantes


para que uma pessoa possa lidar com as mudanças de vida típicas do
envelhecimento, como a satisfação com a vida e o bem-estar subjetivo
com a disponibilidade de recursos pessoais (por exemplo, nível de
autonomia e independência), mesmo na presença de um estado de
saúde precário (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013; OMS, 2005;
PAPALIA; FELDMAN, 2013). Esse contraste foi denominado “o paradoxo
do envelhecimento”, o qual é descrito como a capacidade de manter
altos níveis de bem-estar e satisfação com a vida, apesar das perdas
relacionadas à idade no funcionamento físico e cognitivo (OMS, 2005).
Com base neste paradoxo, as teorias do envelhecimento se desviaram
dos modelos de declínio unidimensional para se concentrarem em
modelos de desenvolvimento ao longo da vida que consideram a noção
de envelhecimento bem-sucedido. Esses fatores positivos falam da
importância da perseverança, do envolvimento social e da sensação de
bem-estar de um indivíduo na promoção de estados de saúde positivos.

Nesse sentido, avaliações que incluem a mensuração de aspectos


positivos da personalidade, tais como resistência, habilidades de
enfrentamento, participação social ativa, número de amizades
e satisfação com a vida auxiliam na compreensão e predição do
14

comportamento do idoso nos casos de um adoecimento inesperado


(OMS, 2005; PAPALIA; FELDMAN, 2013). Conhecer essas capacidades
positivas é importante para a prevenção de sintomas depressivos,
afinal o papel da saúde mental positiva no envelhecimento com sucesso
também é de grande interesse, pois parece haver uma associação entre
a idade e os sintomas depressivos que são atenuados diante dessas
características (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

Portanto, a detecção e o manejo precoce da sintomatologia depressiva


são cruciais para a saúde geral em idosos e têm o potencial de reduzir a
morbidade e melhorar a probabilidade de envelhecimento com sucesso.

Claramente, a construção do envelhecimento bem-sucedido é


multidimensional e extremamente complexa, visto mais como o
desenvolvimento e a manutenção de seu funcionamento social,
cognitivo e emocional ao longo da vida do que a mera sobrevivência de
uma pessoa.

1.4 A avaliação neuropsicológica na terceira idade

A avaliação neuropsicológica do idoso tem a finalidade de desvendar


quais áreas cerebrais apresentam comprometimentos desadaptativos
para o funcionamento cognitivo e comportamental (MALLOY-DINIZ;
FUENTES; COSENZA, 2013). Esta modalidade de avaliação analisará
as relações entre atividades de determinadas áreas cerebrais
responsáveis pelo funcionamento da inteligência (fluida e cristalizada);
da linguagem (vocabulário, consciência fonológica, nomeação); da
memória (imediata, de curto e longo prazo, operacional); da atenção
(seletiva, concentrada, sustentada, alternada); da visuoconstrução; das
funções executivas (planejamento, controle inibitório, autorregulação)
e da psicomotricidade (LEZAK; HOWIESON; LORING, 2004) para
o mapeamento da compreensão multidimensional dos prejuízos
cognitivos. Além disso, a avaliação psicológica da personalidade auxiliará
na compreensão de quais características e capacidades do paciente
15

beneficiarão ou emperrarão o processo de intervenção ou reabilitação


cognitiva (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

Uma boa analogia para exemplificar o gerenciamento das funções


executivas para o comportamento adaptativo é comparar com o
sistema de controle do tráfego aéreo dos aeroportos. As autorizações
para a decolagem e aterrissagem de aviões requerem um complexo
sistema de monitoração de várias aeronaves em solo e no ar. Essa
atividade de monitoramento é totalmente dependente da atenção e da
autorregulação, para que o controlador de voo possa se manter focado
nesta atividade. De maneira semelhante, as funções executivas são
processos multidimensionais de controle cognitivo, que se caracterizam
por serem voluntários e exigirem um alto esforço. Nesta perspectiva,
a avaliação das funções executivas na terceira idade é imprescindível
para compreender a dimensão e a extensão dos prejuízos tipicamente
esperados nesta faixa etária.

Entre os tipos de instrumentos utilizados na avaliação psicológica, estão


as entrevistas clínicas e anamneses, a observação do comportamento
e a análise dos resultados dos testes psicológicos, que auxiliarão no
delineamento do diagnóstico (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA,
2013). Neste sentido, os instrumentos neuropsicológicos são excelentes
metodologias de coleta de informações devido à possibilidade de
quantificar o desempenho do paciente em dimensões de funcionamento
cognitivo que precisam de investigação. Desta forma, os instrumentos
de avaliação psicológica e neuropsicológica mais utilizados para avaliar
as funções cognitivas e a personalidade são apresentados na Tabela 1.
16

Tabela 1 - Instrumentos de avaliação neuropsicológica

Aspectos psicológicos Instrumentos de avaliação

Teste das Matrizes Progressivas de Raven; Escala de


Inteligência Inteligência Wechsler para Adultos III (WAIS-III); Teste de
Inteligência Geral Não Verbal (TIG-NV).

Teste de Fluência Verbal Fonêmica (FAS); Teste de


Linguagem Fluência Verbal Semântica; Subtestes Vocabulários e
Semelhanças da WAIS-III).

Escala de Memória de Wechsler III (WMS-III); Subtestes


Memória Dígitos da WAIS-III); Teste das Figuras Complexas de Rey;
Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M).

Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA);


Teste de Atenção Concentrada (AC); Testes de Atenção
Atenção
Concentrada (BGFM-2); Subtestes Códigos e Aritmética
da WAIS-III).

Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST); Trail


Making Test (TMT); Torre de Londres (TOL); Teste Stroop
Funções executivas
de Cores e Palavras; Five Digit Test (FDT); Teste GO-NO-
GO.

Visuoconstrução Teste das Figuras Complexas de Rey.

Observação do comportamento; Avaliação das Atividades


Psicomotricidade
de Vida Diárias.

Bateria Fatorial da Personalidade (BFP); Revised NEO


Personality Inventory (NEO PI-R); Teste de Zulliger; Teste
Personalidade das Pirâmides Coloridas de Pfister; Sistema de Avaliação
por Performance do Rorschach (R-PAS); Teste de
Apercepção Temática (TAT).

Fonte: elaborada pela autora.


17

Na prática clínica, em situações de testagem, as pessoas com


disfunções executivas costumam apresentar uma pobre iniciação
das atividades que são propostas em cada instrumento de avaliação;
dificuldades na organização da tarefa e no planejamento das etapas
para a sua resolução; problemas para modificar ou persistir na
estratégia de resolução de problemas; dificuldades na manipulação
de informações pela memória de trabalho e ocorrência frequente de
erros perseverativos serão indicadores para traçar o perfil cognitivo
do paciente, visando ao delineamento de programas de reabilitação
cognitiva e ao acompanhamento do tratamento farmacológico e
psicossocial (STRAUSS; SHERMAN; SPREEN, 2006).

1.5 A reabilitação cognitiva na terceira idade

É durante o desenvolvimento infantil que as crianças e os adolescentes


têm as oportunidades maximizadas pelo processo de escolarização
para o completo desenvolvimento das funções executivas (STRAUSS;
SHERMAN; SPREEN, 2006). A lapidação das funções executivas atinge o
seu potencial máximo no início da fase adulta, quando o cérebro atingiu
o final do processo de maturação, contudo espera-se que as conexões
de todas as funções cognitivas estejam fortemente estabelecidas. Na
terceira idade, devido à presença de disfunções executivas, muitos
idosos precisam que ações interventivas sejam realizadas para prevenir
possíveis agravos causados pelo envelhecimento (MALLOY-DINIZ;
FUENTES; COSENZA, 2013).

As intervenções, cujo foco é minimizar o efeito das disfunções


executivas, são denominadas reabilitação cognitiva. Diferentemente
da estimulação, a reabilitação cognitiva visa prevenir o agravo das
disfunções executivas, enquanto a estimulação é voltada a potencializar
o desenvolvimento dessas funções nos casos em que são identificados
atrasos das funções executivas (STRAUSS; SHERMAN; SPREEN, 2006).
18

A finalidade dos programas de intervenção é traçar estratégias


direcionadas para cada pessoa e ambiente de vida, envolvendo
práticas diversificadas de resolução de problemas nas atividades
diárias (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013). Por exemplo,
um idoso com início de um processo demencial requererá que suas
atividades sejam segmentadas em etapas, como escovar os dentes.
Todas as etapas para escovar os dentes precisarão ser fragmentadas
em pequenas ações, como: (1) separar um local para a pasta de dente
e escova; (2) pegar a escova e a pasta; (3) abrir a pasta de dentes; (4)
colocar uma pequena quantidade da pasta no meio das cerdas da
escoa; (5) escovar os dentes inferiores com movimentos circulares; (6)
escovar os dentes superiores com movimentos circulares; (7) cuspir
a espuma da pasta na pia; (8) lavar a boca e a escova de dentes; (9)
guardar a escova de dentes; (9) fechar e guardar a pasta de dentes; (10)
enxugar o rosto; (11) enxugar a pia. Assim, para habilitar as funções
executivas, é preciso trabalhar com um protocolo de intervenção
para treino cognitivo de habilidades que envolvem todas as funções
executivas (LEZAK; HOWIESON; LORING, 2004).

O treino de comportamentos voltados para a seleção e integração de


informações colabora para o desenvolvimento das ações independentes
e autônomas, devido à ocorrência da neuroplasticidade no cérebro
do idoso (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013). Outros recursos
que podem ser facilitadores eficazes para integrar grande parte das
funções cognitivas, bem como para o treino de capacidades deficitárias
ou para conduzir o desenvolvimento de outras habilidades, são os jogos
cognitivos. Os jogos cognitivos são uma fonte de divertimento e, com
o uso de estratégias para guiar e intervir esses instrumentos, podem
aprimorar o desempenho da pessoa idosa nas tarefas diárias. Dentre os
jogos recomendados, estão: jogo da memória, dominó, xadrez, sudoku
e tangram, que ajudam a identificar objetivos, planejar, monitorar
progresso e ajustar comportamento, que são habilidades importantes
a serem praticadas. Essas são atividades que requerem atenção e
19

habilidade para monitorar a si próprio, e as ações dos outros, assim


como tomar decisões rápidas e responder com flexibilidade (LEZAK;
HOWIESON; LORING, 2004).

1.6 Conclusão

O aumento da longevidade na população mundial tem contribuído


para o desenvolvimento de pesquisas e o direcionamento de políticas
públicas para a pessoa idosa. Ao longo da história, o envelhecimento
tem sido considerado um período de declínios físicos, cognitivos
e psicossociais progressivos, no entanto, mais recentemente, há
evidências crescentes que desafiam essa visão do envelhecimento
puramente impulsionada pelo déficit. Na verdade, vários estudos
documentaram melhorias no bem-estar psicológico ao longo da vida,
apesar dos declínios relacionados à idade no funcionamento físico
e cognitivo. Acredita-se que esse bem-estar subjetivo em face das
limitações físicas reflita um envelhecimento bem-sucedido.

Embora o envelhecimento bem-sucedido na terceira idade seja um


dos desfechos mais desejados na terceira idade, isso nem sempre
ocorre. Os comportamentos de uma pessoa são resultados do
acúmulo de experiências ao longo da vida, que são extrapolados
para o envelhecimento orgânico e cognitivo, os quais podem resultar
no surgimento de algum tipo de adoecimento. Da perspectiva da
neuropsicologia, as disfunções cognitivas apresentadas pelas pessoas
idosas requerem uma avaliação criteriosa, visando proporcionar
intervenções que produzam resultados eficazes para manter a
independência e a autonomia. Nesse sentido, o uso de instrumentos
de avaliação é essencial para auxiliar na identificação do processo
das disfunções cognitivas devido à sua capacidade de mensuração do
desempenho.
20

Referências
LEZAK, M. D.; HOWIESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological assessment.
New York, NY: Oxford University Press, 2004.
MALLOY-DINIZ, L. F.; FUENTES, D.; COSENZA, R. M. Neuropsicologia do
envelhecimento: uma abordagem multidimensional. Porto Alegre, RS: Artmed,
2013.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de
saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.
PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre, RS:
Artmed, 2013.
PARADELLA, R. Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões
em 2017. Agência IBGE, 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-
18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017. Acesso em: 5 jan. 2022.
STRAUSS, E.; SHERMAN, E. M. S.; SPREEN, O. A Compendium of
Neuropsychological Tests: administration, norms and commentary. New York:
Oxford University Press, 2006.
21

Comprometimento cognitivo
e lesões adquiridas
Autoria: Leilane Henriette Barreto Chiappetta Santana
Leitura crítica: Jéssica Aires da Silva Oliveira

Objetivos
• Conhecer os tipos de distúrbios neurocognitivos e
diferenciá-los de outras condições de saúde em que
pode ocorrer comprometimento cognitivo.

• Compreender o que são déficits cognitivos e


como avaliá-los dentro do campo de atuação da
neuropsicologia, bem como no manejo interventivo
e na orientação familiar.

• Desenvolver o raciocínio clínico para o auxílio no


diagnóstico diferencial entre diferentes quadros de
adoecimentos com comprometimento cognitivo.
22

1. A avaliação neuropsicológica dos distúrbios


neurocognitivos

Os distúrbios neurocognitivos são comumente entendidos como


sinônimos do diagnóstico de algum tipo de quadro demencial,
cujos sintomas principais estão relacionados à existência de
prejuízos associados ao declínio cognitivo (DALGALARRONDO, 2018),
especificamente nos domínios de funcionamento da memória e da
aprendizagem de novas habilidades. Cabe ressaltar que esses distúrbios
ocorrem mais comumente em idosos, mas também podem afetar
pessoas mais jovens, porém, nesta disciplina, o foco de estudo será nos
comprometimentos cognitivos na terceira idade.

É nesta fase do envelhecimento que as pessoas mais velhas estão


mais propensas para o desenvolvimento de distúrbios que podem ter
múltiplas etiologias, bem como diferentes sintomas clínicos (APA, 2014;
DALGALARRONDO, 2018). Nesse sentido, a avaliação neuropsicológica
se constitui como método de avaliação do desempenho cognitivo
bastante sensível para mensurar as disfunções cognitivas e associá-las
às lesões cerebrais ou aos comprometimentos cognitivos que envolvam
a presença de distúrbios neurocognitivos na terceira idade (MALLOY-
DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

Neste módulo, serão apresentadas quais são as mudanças


específicas do comportamento tipicamente associadas aos distúrbios
neurocognitivos em idosos. Além disso, será destacado como a avaliação
neuropsicológica poderá fornecer dados para o mapeamento detalhado
do perfil cognitivo e funcional do paciente, visando à elaboração de
um processo de intervenção que se concentre em áreas onde existam
dificuldades na adaptabilidade às atividades de vida (DALGALARRONDO,
2018; MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).
23

1.1 Distúrbios neurocognitivos e lesões cerebrais


adquiridas

A psiquiatria geriátrica, como subespecialidade psiquiátrica, se dedica


ao estudo e ao tratamento das alterações orgânicas e cognitivas
relacionadas ao envelhecimento bem-sucedido e patológico (FROTA
et al., 2016). Em consideração a este último, a quinta edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)
apresenta uma organização diagnóstica para diferentes tipos de
distúrbios neurocognitivos em três categorias: o Delirium, o Transtorno
Neurocognitivo (TNC) Maior e o TNC Leve (APA, 2014). A mudança para
o termo TNC foi aplicada para abranger uma maior condição de saúde
que afeta não exclusivamente idosos mas também pessoas mais jovens
que possuem algum nível de prejuízo cognitivo decorrente de uma lesão
cerebral adquirida ou devido a outras doenças orgânicas (APA, 2014).

O Delirium é caracterizado por um distúrbio agudo no funcionamento


da atenção, consciência e cognição (APA, 2014). Os comprometimentos
cognitivos decorrentes de lesões cerebrais podem se originar de
diversas causas e variar no nível de severidade, conforme indicado no
Quadro 1. Inicialmente, as avaliações se concentram na identificação
da severidade do prejuízo cognitivo por meio da entrevista clínica
em psiquiatria e na realização de exames clínicos de neuroimagem.
A partir dos resultados dos exames, o profissional médico poderá
avaliar a extensão e a localização da lesão, o que resultará em déficits
temporários ou permanentes de nível leve, moderado ou grave (FROTA
et al., 2016; MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).
24

Quadro 1 - Causas e condições de saúde que podem ser associadas


ao comprometimento cognitivo

Tipos de
Causas
comprometimento

• Hemorragia intracerebral (dentro do cérebro).


• Hemorragia subaracnoide (ao redor do cérebro).
Lesões causadas por
• Hematoma subdural ou epidural (coágulo sanguíneo
trauma
dentro do crânio, causando pressão no cérebro).
• Concussão cerebral.

• Hipóxia (baixo oxigênio no cérebro).


Condições respiratórias • Hipercapnia (elevado nível de dióxido de carbono no cé-
rebro).

• Demência vascular (decorrente de um infarto).


Transtornos cardiovas-
• Infecções cardíacas (endocardite, miocardite).
culares
• Ataque isquêmico transitório (TIA).

• Doença de Alzheimer.
• Doença de Creutzfeldt-Jakob.
• Doença difusa de corpos de Lewy.
Transtornos degenera-
• Doença de Huntington.
tivos
• Esclerose múltipla.
• Hidrocefalia de pressão normal.
• Doença de Parkinson.

• Doença renal.
• Doença hepática.
Demência por causas
• Doença da tireoide (hipertireoidismo ou hipotireoidis-
doenças metabólicas
mo).
• Deficiência de vitamina (B1, B12 ou folato).
25

• Estado de abstinência alcoólica.


Condições relacionadas
• Intoxicação pelo uso de drogas ou álcool.
ao abuso de drogas e
• Síndrome de Wernicke-Korsakoff (um efeito de longo
álcool
prazo da deficiência de vitamina B1).

• Qualquer infecção aguda ou crônica.


• Septicemia (envenenamento do sangue).
• Encefalite (infecção cerebral).
• Meningite (infecção do revestimento do cérebro e da
Infecções medula espinhal).
• Infecções por príons (por exemplo, doença da vaca lou-
ca).
• Sífilis em estágio avançado.
• AIDS.

Fonte: elaborado pela autora.

A classificação TNC Leve descreve distúrbios neuropsiquiátricos,


cujos sintomas transitam entre o funcionamento cognitivo normal e a
disfunção cognitiva. Pode-se dizer que é um estágio pré-demencial, o
qual pode progredir para um TNC Maior, conforme indicado na Figura
1. No TNC Maior, os sintomas de disfunção cognitiva apresentam
prejuízos substanciais que envolvem déficits atencionais e de memória
e alterações no funcionamento da linguagem, função perceptomotora,
entre outras. Além disso, podem ocorrer alterações na estruturação
da personalidade com a maior presença de sintomas de ansiedade,
depressão e impulsividade (SANTOS; ANDRADE; BUENO, 2015; FROTA et
al., 2016; MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).
26

Figura 1 - Progressão dos sintomas de prejuízos cognitivos dos


distúrbios neurocognitivos

Fonte: elaborada pela autora.

1.2 Domínios ou funções cognitivas prejudicados nos


distúrbios neurocognitivos e nas lesões cerebrais
adquiridas

De acordo com o DSM-5, a categoria dos transtornos neurocognitivos


agrupa as condições de saúde cuja etiologia é potencialmente
determinada por meio do uso de exames clínicos de neuroimagem
(por exemplo, tomografia computadorizada craniana, ressonância
magnética do cérebro, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e
eletroencefalograma (EEG)) (FROTA et al., 2016; MALLOY-DINIZ; FUENTES;
COSENZA, 2013). A partir desta prerrogativa, a realização de um exame
clínico de neuroimagem é uma das etapas da avaliação clínica em
saúde mental que confirmará a existência de alterações anatômicas ou,
ainda, a presença de lesões cerebrais mais significativas que podem
ser características de um distúrbio neurocognitivo específico (FROTA et
al., 2016). Contudo, sabe-se que, na prática clínica, a realização de um
27

exame de neuroimagem nem sempre é ponto inicial para a identificação


precoce de um distúrbio neurocognitivo.

Na prática clínica, em muitos dos casos, os resultados de um exame de


neuroimagem confirmarão as hipóteses diagnósticas do profissional
médico – seja psiquiatra, neurologista ou clínico geral. Isso ocorre
porque as disfunções cognitivas só são percebidas pelo próprio paciente
ou pelos seus familiares, quando causam prejuízos à autonomia e
independência do idoso (FUENTES et al., 2014).

Desta maneira, após a confirmação de uma hipótese diagnóstica, os


profissionais médicos costumam solicitar a realização de uma extensiva
avaliação neuropsicológica. Essa avaliação visa obter informações mais
precisas sobre o nível da severidade e da amplitude das disfunções
cognitivas do paciente, a fim de elaborar, em conjunto com outros
profissionais de saúde, uma intervenção com foco na reabilitação
cognitiva (FROTA et al., 2016; FUENTES et al., 2014; MALLOY-DINIZ;
FUENTES; COSENZA, 2013).

Além da criação de um protocolo de intervenção, a avaliação


neuropsicológica auxiliará na diferenciação dos sintomas de um
distúrbio neurocognitivo daqueles que são parte de um Transtorno
Mental do Eixo I (por exemplo, esquizofrenia e outros transtornos
psicóticos; transtornos bipolares; transtornos depressivos; entre outros)
(APA, 2014). A presença de sintomas de um Transtorno Mental do Eixo I
se configura um componente complicador para o profissional que realiza
a avaliação clínica. Isso ocorre devido à dificuldade de discernimento
de quais dos sintomas apresentados pelo paciente são do Transtorno
Mental do Eixo I ou da presença de um distúrbio neuropsiquiátrico. Em
muitos casos, os sintomas podem ser relatados pelo próprio paciente
ou por seus familiares, de tal maneira a se camuflar como sintoma de
outro diagnóstico, como a Depressão Maior, cujos sintomas agudos se
semelham a um quadro em que há um comprometimento cognitivo leve
28

(SANTOS; ANDRADE; BUENO, 2015; MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA,


2013).

Por exemplo, pacientes diagnosticados com Depressão Maior


costumam apresentar a avolia (capacidade reduzida para se manter
voltada para objetivos e metas) como um dos sintomas. Contudo, a
avolia, geralmente, é decorrente de uma redução das interconexões
neuronais, e não necessariamente de uma disfunção executiva. Por essa
razão, a avaliação neuropsicológica se torna necessária, pois auxiliará
no esclarecimento de todo o quadro de saúde mental do paciente –
considerando, ainda, que idosos têm mais chance de desenvolverem
Transtorno Mental do Eixo I concomitantemente ao surgimento de um
distúrbio neurocognitivo (APA, 2014; SANTOS; ANDRADE; BUENO, 2015).

Embora a origem dos distúrbios neurocognitivos tenha uma base


orgânica, é o campo da psiquiatria que se dedica ao estudo das
manifestações psíquicas e comportamentais decorrentes das alterações
cognitivas (DALGALARRONDO, 2018). Nesse sentido, mesmo que os
sintomas cognitivos e comportamentais possam ser temporários ou
permanentes – em casos de lesões adquiridas –, ainda assim envolvem
redução em nível disfuncional de diversos domínios cognitivos, dentre
os quais, cita-se: a Atenção; as Funções Executivas; a Memória e
Aprendizagem; a Linguagem; a Função Perceptomotora e a Cognição
Social (APA, 2014), conforme indicado na Figura 2. A mensuração das
habilidades em cada uma dessas funções fornece uma boa estimativa
do nível do perfil cognitivo do paciente.
29

Figura 2 - Domínios ou funções cognitivas com funcionamento


reduzido em quadros com comprometimento cognitivo

Fonte: elaborada pela autora.

1.2.1 Funções Executivas

Dentre todos os domínios cognitivos, as Funções Executivas são


consideradas as mais importantes, uma vez que gerenciam todo o
comportamento intencional humano. O lobo frontal, em especial, o lobo
pré-frontal, é a sede das funções relacionadas ao controle inibitório,
à resolução de problemas, à aplicação do raciocínio, à definição de
metas, à tomada de decisão, ao planejamento, à flexibilidade cognitiva,
à autorregulação, ao uso de feedbacks para corrigir uma ação e à
abstração mental (DALGALARRONDO, 2018; FROTA et al., 2016). Todas
as condições de saúde mental envolvem, em algum nível, disfunções
executivas. Nos distúrbios neuropsiquiátricos, as alterações nas funções
30

executivas são comuns nos quadros demenciais ou por uma lesão


adquirida, no qual são observadas desde alterações sutis até as mais
acentuadas, gerando dificuldades de adequação pessoal, acadêmica,
profissional e social (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

1.2.2 Atenção

A redução da capacidade atencional de foco da atenção nos idosos


torna-os vulneráveis a estímulos ambientais relevantes (SANTOS;
ANDRADE; BUENO, 2015; FROTA et al., 2016). Por exemplo, a dificuldade
em bloquear os “ruídos” que são irrelevantes no ambiente para focar a
atenção em apenas um estímulo sensorial específico pode prejudicar
a sua capacidade de interação social, tornando a simples tarefa de
acompanhar uma conversa algo muito cansativo. Nos distúrbios
neuropsiquiátricos, como Delirium, Doença de Alzheimer, Demência com
corpos de Lewy e Demência Vascular, o déficit atencional é relacionado
às disfunções nos lobos frontais, nos gânglios da base e na formação
reticular ascendente, que estão particularmente associados à falta de
atenção (FROTA et al., 2016).

1.2.3 Linguagem

O aspecto mais importante durante a avaliação neuropsicológica


da linguagem é a obtenção mais completa da história de vida na
entrevista clínica. Neste momento inicial de contato com o paciente, já
é possível realizar uma observação qualitativa de alguns componentes
da linguagem do paciente, como o uso coloquial da linguagem, com
atenção especial à fluência, à presença de erros parafásicos e à
dificuldade de encontrar palavras para a fluência verbal. Outro aspecto
de igual importância na avaliação é analisar a construção da linguagem
escrita para os pacientes que são alfabetizados, uma vez que também
envolve a produção de linguagem, sendo este um aspecto seguramente
31

esquecido das avaliações neuropsicológicas (SANTOS; ANDRADE;


BUENO, 2015; FROTA et al., 2016).

Inicialmente, a compreensão é um dos primeiros componentes


avaliados. Nos casos de suspeitas de um distútrbio neuropsiquiátrico
que envolvem defíctis de linguagem, a compreensão deve ser testada
começando com comandos simples, como apontar para objetos dentro
da sala, e progredir gradativamente para comandos mais complexos
(FROTA et al., 2016).

Em seguida, a nomeação costuma ser uma das principais tarefas


analisadas nas avaliações neuropsicológicas devido à integração de
três processos básicos, que costumam estar prejudicados em uma
quantidade considerável de distúrbios neuropsiquiátricos, a saber: a
análise visuoperceptual do estímulo, o conhecimento semântico do
objeto-alvo no estímulo e o acesso às palavras que o descreve. Lesões
nas áreas cerebrais visuoperceptivas produzirão erros de nomeação
a partir de erros da percepção visual, porém, se for utilizada outra via
sensorial, o paciente dará uma resposta de nomeação correta a partir do
conhecimento semântico do objeto. No entanto, prejuízos fonológicos
sempre produzirão erros fonológicos, independentemente do modo
de acesso da informação (FROTA et al., 2016; MALLOY-DINIZ; FUENTES;
COSENZA, 2013).

A leitura deve ser avaliada para compreender o nível de dificuldade em


decodificar o estímulo escrito para entender o significado das palavras
e frases, convertendo esse significado em sons ao acessar a memória
fonêmica e, assim, produzir a linguagem. Os prejuízos que podem
ser apresentados pelos pacientes variam desde a dificuldade para
entender o significado das palavras na forma escrita até a dificuldade
para ler o texto. E, por fim, a escrita é uma habilidade complexa que
exige múltiplos processos tanto de funcionamento linguístico quanto
de controle motor periférico, que costuma ser comprometido nos
32

distúrbios neuropsiquiátricos (FROTA et al., 2016; MALLOY-DINIZ;


FUENTES; COSENZA, 2013).

1.2.4 Memória e Aprendizagem

A memória é o principal domínio cognitivo, cujos pacientes e familiares


mais apresentam queixas nas avaliações clínicas. São bastante comuns
queixas do funcionamento da memória como um todo ou, ainda, de
algum componente específico (por exemplo, memória operacional,
memória episódica, memória autobiografia, entre outras). Desta
maneira, é importante destacar que erroneamente muitas pessoas
identificam os lapsos de funcionamento de memória, especialmente a
memória operacional, como um indício sutil de adoecimento, e no caso
do idoso, como um sintoma de uma demência (SANTOS; ANDRADE;
BUENO, 2015; FROTA et al., 2016).

No entanto, esses lapsos podem ser decorrentes de falhas no


funcionamento da atenção e que não são necessariamente uma falha
disfuncional da memória. Esquecer porque abriu a porta da geladeira,
porque entrou em algum cômodo da casa, o nome de uma pessoa, de
uma cidade ou de um local são exemplos de esquecimentos diários
considerados normais, os quais podem ser explicados a partir de
outro fenômeno psicológico. Dentre esses fenômenos, cita-se: estados
de estresse e ansiedade; sintomas de depressão; a presença de um
elemento que causa intensa preocupação e que pode afetar o modo
como uma pessoa dispende atenção em uma atividade. Embora tais
lapsos possam ocorrer de maneira comum com o avanço da idade, até
mesmo no envelhecimento bem-sucedido, deve-se considerar o nível de
prejuízo e a perda de funcionalidade associados a essas falhas (SANTOS;
ANDRADE; BUENO, 2015; FROTA et al., 2016).

Na sociedade atual, as pessoas são bombardeadas com uma imensa


quantidade de informações, as quais devem ser previamente filtradas e
33

selecionado um estímulo para que a atenção seja destinada. Após esse


rápido processo de seleção de um estímulo e com o auxílio de técnicas
específicas para potencializar a aquisição de novo conhecimento – o
qual não será abordado neste módulo –, o aprendizado de uma nova
informação ocorrerá. Desta maneira, a consolidação da informação
aprendida será retida e armazenada em diferentes componentes da
memória (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

A capacidade de manter ativa e manipular uma quantidade finita de


informação pelo cérebro por meio da memória operacional, como
decorar o número de um telefone ou resolver problemas aritméticos
mentalmente, encontra-se reduzida no idoso e, muitas vezes, associada
à desatenção. Além da memória operacional, outro componente da
memória que recebe uma associação semelhante é a redução da
capacidade de retenção para novos eventos de vida pela memória
episódica. A dificuldade para lembrar detalhes da conversa com um
familiar ou do que acontece em uma telenovela – mesmo com um bom
nível de funcionamento da atenção – é um dos principais sintomas das
doenças demenciais, dentre as quais destaca-se a Doença de Alzheimer.
No entanto, são os prejuízos de recuperação dos significados das
palavras e dos objetos pela memória semântica que costumam ser mais
associados à presença de um quadro demencial, pois a perda de fatos
históricos é a queixa comum em pacientes com demência (MALLOY-
DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

As estruturas cerebrais envolvidas no funcionamento destes


componentes da memória são os lobos frontais e as estruturas
dos gânglios para a memória operacional; o sistema límbico para a
memória episódica; as regiões laterais-inferiores dos lobos temporais
para a memória semântica (MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA,
2013; SANTOS; ANDRADE; BUENO, 2015). O envolvimento deficitário
de várias estruturas cerebrais aponta para o progressivo declínio das
interconexões neurais e de anatomia do cérebro que prejudicam o
funcionamento de várias funções cognitivas.
34

1.2.5 Função Perceptomotora

A Função Perceptomotora integra o funcionamento de outros


processos cognitivos, os quais estão incluídos na percepção visual,
na visuoconstrução e práxis e na gnosia (APA, 2014). A avaliação
dessa função deve investigar de que maneira o paciente interpreta as
informações obtidas por meio da percepção visual, bem como ocorre a
execução de comandos manuais para produzir um resultado específico
desejado (SANTOS; ANDRADE; BUENO, 2015).

Em alguns casos, os pacientes podem apresentar dificuldades para


integrar e dar sentido a uma cena visual geral, apesar da incapacidade
de identificar elementos individuais (simultanagnosia), o que impede de
compreender o significado da imagem como um todo. Na apraxia ocular,
o paciente demonstra dificuldades em direcionar o olhar para um novo
estímulo visual, enquanto a ataxia óptica é a incapacidade de alcançar
com precisão um alvo guiado visualmente. Outra condição associada à
percepção visual é a prosopagnosia, na qual o idoso não consegue mais
reconhecer rostos anteriormente familiares, mas pode reconhecer suas
vozes e ter acesso ao conhecimento a partir de seus nomes (FROTA et al.,
2016; MALLOY-DINIZ; FUENTES; COSENZA, 2013).

Geralmente, as tarefas que dependem da função perceptomotora


solicitam que o paciente copie um desenho, monte uma réplica em
3D a partir de um desenho visto em 2D, ou, ainda, que imite uma
sequência de movimentos previamente demonstrados. Pacientes com
lesões no lobo parietal direito ou lesões bilaterais parietais costumam
ter dificuldades para realizar estas atividades, o que pode sugerir um
quadro de Demência com corpos de Lewy (FROTA et al., 2016), enquanto
na prosopagnosia também existe uma lesão no lobo occipito-temporal
inferior. Isso significa dizer que a capacidade de orientação visuoespacial
está comprometida, assim tropeções ao subir os degraus, esbarrar em
móveis e até mesmo se envolver em colisões de trânsitos são situações
35

comuns que um idoso pode apresentar (MALLOY-DINIZ; FUENTES;


COSENZA, 2013).

1.2.6 Cognição Social

O processamento cognitivo das emoções e o desempenho das


habilidades socioemocionais nas interações interpessoais foram
abarcados pelo campo de estudo da cognição social. Integrada à área da
psicopatologia, a cognição social é compreendida sob a perspectiva de
que as funções cognitivas fundamentam todo o comportamento social
humano. Deste modo, a interação social, a capacidade de reconhecer
as próprias emoções em si mesmo e nos outros e, ainda, a antecipação
tanto do estado quanto de uma possível resposta emocional em outra
pessoa são habilidades medidas pelos domínios cognitivos (APA, 2014;
DALGALARRONDO, 2018).

Considerando o fato de que os idosos que apresentam distúrbios


neuropsiquiátricos costumam apresentar alterações significativas
no funcionamento da personalidade e, consequentemente, no
comportamento socialmente desejado, isso prejudicará todo o
processo de expressão das emoções e a leitura adequada da realidade
no ambiente social, favorecendo para que o idoso não expresse
adequadamente o seu estado emocional ou desconsidere as pistas sutis
do ambiente à sua volta, dificultando o enfrentamento de situações
sociais complexas (APA, 2014; DALGALARRONDO, 2018).

1.3 Considerações finais

Este módulo apresentou uma visão geral dos processos de avaliação


para diferentes domínios cognitivos na pessoa idosa, com foco especial
na identificação de sintomas e comportamentos dos quadros de
saúde, que são categorizados como distúrbios neuropsiquiátricos. O
conhecimento do funcionamento reduzido destas funções cognitivas
36

possibilita o reconhecimento de situações em que uma doença ou


lesão tem o potencial de causar um impacto adverso no funcionamento
adaptativo em várias esferas da vida. Deve-se enfatizar, portanto, que a
avaliação não deve resultar em uma formulação diagnóstica plausível e
definitiva, mas que a elaboração de um plano de manejo prático tornará
o tratamento um processo contínuo de avaliações por uma equipe
multidisciplinar – sempre que possível.

Cabe destacar que nem todas as disfunções cognitivas são causadas por
distúrbios neuropsiquiátricos. O profissional de saúde deverá avaliar se
os prejuízos apresentados por meio dos sintomas e do comportamento
são mais bem explicados por Transtorno Mental do Eixo I e, em caso
afirmativo, se está diante de um caso que não se configura como um
dos distúrbios neuropsiquiátricos. Além disso, complicações de outros
tratamentos de saúde, como quimioterapia e radioterapia, também
favorecem o surgimento de sintomas de distúrbios neurocognitivos.
Em último caso, as sutis disfunções cognitivas podem ser associadas
ao envelhecimento bem-sucedido e, ainda, à personalidade, os quais
causam impacto de qualquer nível de funcionalidade da pessoa idosa.

Outras situações incluem doenças neurodegenerativas, lesões cerebrais


traumáticas que afetam diretamente o funcionamento cognitivo ou,
ainda, quando um tratamento de saúde em uma doença crônica não
transmissível causa reajuste funcional do idoso. Nesta perspectiva, os
distúrbios neuropsiquiátricos são condições de saúde mental complexas,
cujo potencial pode induzir mudanças no estado de humor do paciente
e, assim, causar impactos secundários no funcionamento cognitivo
global, funcional e adaptativo. Desta maneira, reitera-se a importância
de a avaliação neuropsicológica incluir a mensuração de traços da
personalidade e dos recursos psicológicos de enfrentamento pregresso
– se possível – e no decorrer do surgimento dos sintomas, a fim de
possibilitar estratégias mais adequadas à realidade de cada paciente.
37

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais.
Porto Alegre, RS: Artmed, 2018.
FROTA, N. A. F. et al. Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento: do
conhecimento básico à abordagem clínica. São Paulo, SP: OMNFARMA, 2016.
FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre, RS: Artmed, 2014.
MALLOY-DINIZ, L. F.; FUENTES, D.; COSENZA, R. M. Neuropsicologia do
envelhecimento: uma abordagem multidimensional. Porto Alegre, RS: Artmed,
2013.
SANTOS, F. H.; ANDRADE, V. M.; BUENO, O. F. A. Neuropsicologia hoje. Porto
Alegre, RS: Artmed, 2015.
38

Epilepsias: conceito, classificação


e implicações
Autoria: Melina Paula Sales
Leitura crítica: Jéssica Aires da Silva Oliveira

Objetivos
• Compreender o conceito de epilepsia.

• Identificar as áreas cerebrais acometidas.

• Classificar a epilepsia para elaboração do


diagnóstico.
39

1. Epilepsia

Nesta Leitura Digital, discorreremos sobre as bases históricas da


epilepsia, traçando uma linha do tempo para ilustrar a evolução do
conceito e suas implicações na atualidade.

A classificação e o conhecimento da dimensão anatomofuncional da


epilepsia nos levam à possibilidade de se diagnosticar de maneira
precisa, além de fornecer o norte para o desenvolvimento do plano de
ação e de uma consequente linha de tratamento.

1.1 Epilepsia: contextualização histórica

O percurso histórico da epilepsia nos leva a considerar que todo


conceito está intimamente ligado a épocas e costumes. Esta constatação
ilustra a evolução do conceito da epilepsia ao longo do tempo, sendo
necessário conhecer contextos históricos para se compreender como a
sociedade científica chegou ao conceito médico atual da epilepsia.

Na literatura médica, encontram-se os primeiros registros da epilepsia


na data de 2.000 a.C., traduzidos como ataques de cunho espiritual.
Posteriormente, na Grécia Antiga, já em 400 a.C., houve a substituição da
concepção de ataque espiritual para o conceito de distúrbio do cérebro,
de origem hereditária.

Inicia-se, então, a segmentação da epilepsia feita por Galeno, na data


de 175 a.C., em epilepsia de causa desconhecida e epilepsia enquanto
resultado de doenças adjacentes.

O século XIX trouxe impactos e progressos científicos ligados ao campo


da saúde, repercutindo na concepção da epilepsia. Moreira (2004),
enfatiza que Pinel (1975) associou a epilepsia à doença mental, cujo
estigma perdurou até os anos 1980. Nos anos 1980 e 1990, autores
40

fundamentais, como Gram e Dreifuss, assumiram a epilepsia como uma


síndrome observada por meio de sinais e sintomas e desencadeada
por descargas elétricas irregulares, capazes de alterar o funcionamento
normal do sistema nervoso e, por consequência, gerar as convulsões.

Para Moreira (2004), é necessário reforçar que não se pode classificar


toda convulsão como epilepsia, visto que as crises convulsivas podem
ser despertadas por uma variedade de causas.

No que tange à classificação e ao diagnóstico, no ano de 1993, o


surgimento do eletroencefalograma trouxe avanços, fomentando a
produção de pesquisas das áreas cerebrais acometidas, que passaram a
ser visualizadas nesta técnica de diagnóstico por imagem que registra a
atividade elétrica do cérebro.

Outras técnicas existentes também auxiliam no diagnóstico da epilepsia,


como o SPECT cerebral (Single Photon Emission Computed Tomography), o
PET (Positron Emission Tomography) e a Ressonância Magnética.

A partir dos anos 1990, estendendo-se para os dias atuais, as


técnicas diagnósticas passaram a ilustrar o avanço da neurociência.
A neurociência se apresenta como a área principal a nos fornecer
informações precisas sobre a classificação, as causas e as áreas
cerebrais acometidas, temas que serão apresentados nos tópicos
subsequentes.

1.2 Epilepsia: áreas cerebrais impactadas

De acordo com estudo realizado por Costa, Brandão e Marinho Segundo


(2020), no Brasil, anualmente, são diagnosticados 340 mil novos casos de
epilepsia, representando 1,8 milhão de pacientes com epilepsia ativa.

As crises de epilepsia podem ocorrer em algumas situações, como:


derivação de distúrbios metabólicos, sintomas (febre, por exemplo),
41

associada a distúrbio neurológico, traumatismo, anoxia ou de forma


espontânea.

Fuentes et al. (2013) destacam que a predisposição cerebral somada a


questões cognitivas, psicossociais e neurobiológicas é o que caracteriza a
epilepsia, sendo que, para ser considerado um diagnóstico de epilepsia,
é necessário que o paciente tenha apresentado pelo menos uma crise,
salvo condições toxicometabólicas.

A epilepsia está classificada em generalizada ou focal, e sua etiologia


norteia as subdivisões genética, estrutural metabólica e de causa
desconhecida. No lobo frontal, as regiões córtex motor, córtex motor
suplementar e córtex pré-frontal são diretamente afetadas, e os
sintomas se apresentam de forma distinta, de acordo com cada região,
como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1 - Desenho da anatomia do cérebro – lobo frontal, temporal,


parietal e occipital

Frontal Parietal

Occipital

Temporal

Fonte: Fuentes (2004, p. 29).


42

Na epilepsia generalizada, encontramos uma disfunção envolvendo os


dois hemisférios cerebrais, ou seja, a descarga se espalha por todo o
cérebro, tendo comprometimento de todo o córtex cerebral, enquanto
na epilepsia focal, identifica a origem nas redes em um dos hemisférios,
mais especificamente nas estruturas subcorticais. A epilepsia
generalizada apresenta os subtipos tônico-clônico, mioclônico,
ausência e parcial (simples ou complexo), sendo necessário classificar
corretamente qual destas o sujeito apresenta.

O subtipo da crise generalizada, denominado crises tônico-clônicas, é


a chamada convulsão, podendo iniciar com a perda da consciência e
resultar em quedas. Posteriormente, iniciam-se os sintomas de rigidez e
espasmo muscular, os quais perduram por curto período e, em seguida,
observa-se o relaxamento, a expulsão de saliva e, vagarosamente, há
a retomada da consciência. Já no subtipo mioclônico, os impactos são
em diversos agrupamentos musculares, sentidos como choques. As
crises de ausência acometem principalmente a faixa etária infantil e se
caracterizam como uma repentina descontinuação da consciência, que é
retomada em seguida.

Como já referido, as crises parciais acometem uma determinada parte


do cérebro, ou seja, os sintomas são externalizados de acordo com a
parte impactada. Este é um aspecto relevante no diagnóstico, pois é a
partir do sintoma relatado pelo paciente que se faz a identificação da
área cerebral onde a crise se originou.

Os subtipos das crises parciais são: simples, quando a consciência não


é alterada; a complexa, quando há redução qualitativa relevante na
consciência, sendo frequente a crise motora em certo agrupamento
muscular, sendo unilateral. Existem outros tipos frequentes de crise,
como a versiva, em que a cabeça do paciente faz um giro involuntário,
e a afasia epiléptica, em que o impacto se origina na área motora da
linguagem, resultando na incapacidade da comunicação verbal.
43

É importe ressaltar que a origem da crise epiléptica refletirá nos tipos de


sintomas apresentados pelos pacientes. Quando há comprometimento
do lobo parietal, os sintomas sensoriais estão presentes (formigamento,
dormência); quando está incluída a área do córtex visual primário, os
sintomas visuais, como luzes brilhantes, imagens e alucinações, são
observados; quando a crise se origina da parte interna do lobo temporal,
os sintomas se estendem ao olfato, e os pacientes relatam sentir um
odor ruim ou agradável. Outros sintomas também relevantes são os
automatismos, caracterizados como movimentos repetitivos.

Para se obter o diagnóstico de qualquer tipo de epilepsia, é necessário


seguir o protocolo: avaliação do histórico do paciente através de
entrevistas e anamnese, a partir das quais se identifica as informações
sobre o tipo da crise, os sintomas, o histórico familiar; exames de
imagem, como o eletroencefalograma, a tomografia de crânio e a
ressonância magnética do cérebro.

Em adultos, a epilepsia mais identificada é a de lobo temporal e, apesar


de se originar devido a inúmeros fatores, a esclerose mesial temporal
(EMT) é a causa mais comum da provocação da epilepsia nesta faixa
etária. De acordo com Fuentes et al. (2013), é possível diagnosticar a EMT
por meio da ressonância magnética.

Por meio dos exames de imagem, pode-se obter ainda um mapeamento


do funcionamento cognitivo e de quais funções foram atingidas. As
disfunções executivas são consequências observadas na epilepsia, e não
somente esta disfunção, mas todas as funções cognitivas prejudicadas
são devidamente avaliadas através da bateria de testes que compõe
a avaliação neuropsicológica. Identifica-se, geralmente, alterações na
atenção, na praxia, na linguagem e nas funções executivas, além de
mudanças comportamentais e labilidade de humor.

Fuentes et al. (2013) destacam o papel do neuropsicólogo no estudo


aprofundado dos reflexos cognitivos da epilepsia, visto que, por se tratar
44

de um distúrbio do sistema nervoso central, acomete diretamente a


cognição.

1.3 Epilepsia: avaliação neuropsicológica

Mäder (2012) destaca que, historicamente, a neuropsicologia e a


epilepsia sempre estiveram intimamente ligadas, uma vez que esta
foi alvo de extensas testagens neuropsicológicas, o que culminou em
grande conhecimento científico na trajetória da ciência neuropsicológica.

A avaliação neuropsicológica enquanto finalidade busca investigar,


mensurar e relatar o desempenho cognitivo por meio de uma bateria
de testes selecionados e analisados de acordo com a demanda
apresentada.

Capovilla (2007) enfatiza que a avaliação neuropsicológica é um método


capaz de examinar o encéfalo, sendo uma metodologia intensiva
de investigação do comportamento através de entrevistas, testes e
questionários.

No que tange à epilepsia, a avaliação neuropsicológica ganhou destaque,


uma vez que as cirurgias realizadas nos pacientes com epilepsia
requerem criteriosa avaliação de uma equipe multidisciplinar.

A avaliação neuropsicológica é um exame que tem como objetivo


mensurar e descrever o perfil de desempenho cognitivo, avaliando
suspeitas de alterações cognitivas que podem ser decorrentes de
desordens neurológicas e outros transtornos.

O cenário pré-operatório dos pacientes que possuem epilepsia, para


Mäder (2012), exige quatro objetivos da avaliação neuropsicológica:
determinação do nível de funcionamento; sugestão da localização
e lateralização da disfunção; possível indicação de prognósticos de
controle de crises após a cirurgia; prognóstico em relação à memória. O
45

profissional da neuropsicologia tem a responsabilidade de, inicialmente,


cuidar do controle dos efeitos da cirurgia diante das funções
neuropsicológicas do paciente.

Os profissionais da neuropsicologia, enquanto especialistas e


conhecedores das funções cognitivas e das técnicas de avaliação,
possuem a autonomia de elaborar a sua bateria de testes para compor a
avaliação neuropsicológica.

Sabe-se que o início da avaliação neuropsicológica consiste na aplicação


de anamnese completa e detalhada sobre as fases do desenvolvimento
do paciente e como este indivíduo se estruturou comparado aos
parâmetros estabelecidos pela psicologia do desenvolvimento.

No diagnóstico da epilepsia, faz-se necessário utilizar-se de uma bateria


completa, com a combinação de diferentes instrumentos que consigam
avaliar todas as funções cognitivas impactadas. O Quadro 1 apresenta
um exemplo de bateria de avaliação neuropsicológica em adultos com
epilepsia.

Quadro 1 - Bateria de avaliação neuropsicológica


em adultos com epilepsia

Atenção

- Repetição de dígitos.

- Controle Mental.

__________________________________

Processamento e atenção visual

- Toulouse Piéron.
46

- Stroop Colour – Word Test.

- Trail Making Test.

___________________________________

Alternância de tarefas

- Sequências grafomotoras.

- Wisconsin Card Sorting Test.

____________________________________

Linguagem

- Nomeação oral semântica.

- Token test modificado.

- Nomeação de objetos.

- Fluência verbal escrita.

- Leitura de texto.

____________________________________

Capacidades espaciais

- Orientação de linhas.

- Cópia de um cubo.

____________________________________
47

Memória e Aprendizagem Verbal

- Memória lógica.

- Aprendizagem associativa.

- California Verbal Learning Test.

Aprendizagem imediata.

Aprendizagem após curto tempo de intervalo sem e com ajuda


semântica.

Aprendizagem após longo tempo de latência sem e com ajuda.

Reconhecimento.

___________________________________

Memória visual

- Teste de memória visual.

___________________________________

Raciocínio não verbal

-Matrizes de Raven, forma abreviada para adultos.

___________________________________

Testes de lateralidade

- Finger tapping.

- Grooved pegboard.
48

- Força de preensão.

- Teste ABC visual.

Fonte: Baeta (2002, p. 83).

A autora selecionou estes testes neuropsicológicos para compor a sua


bateria de avaliação observando especificamente as funções cognitivas
comumente atingidas na epilepsia. Os testes escolhidos fornecem
capacidade de mensuração de sistemas cerebrais regionais e avaliam as
funções memória e aprendizagem (verbal e visual), linguagem (recepção
e expressão), atenção, raciocínio não verbal, processamento cognitivo
visual espacial e verbal.

A utilização dos testes psicométricos na avaliação de pacientes que


farão a cirurgia de epilepsia tem se mostrado relevante, uma vez que se
caracterizam como indicadores do funcionamento intelectual e servem
como base para a análise neuropsicológica.

Para Mäder (2012), o fundamento da abordagem neuropsicológica dos


testes neuropsicológicos está na correlação entre o cérebro e a sua
função, e esta relação é identificada por meio da observação da prática
clínica ou no desenvolvimento de pesquisas na área de neuropsicologia.

Ao profissional neuropsicólogo, faz-se mandatório conhecer de maneira


criteriosa as ferramentas e os materiais que poderá utilizar em seus
pacientes com epilepsia que passarão pelo processo de cirurgia.

Os neuropsicólogos que trabalham com avaliações em cirurgia


de epilepsia tendem a priorizar a seleção de testes que forneçam
indicadores da lateralização das funções das memórias verbal e visual e
métodos que consigam diferenciar as funções executivas associadas às
disfunções frontais.
49

Os testes psicológicos são uma excelente ferramenta de mapeamento e


avaliação. Existem inúmeros tipos direcionados à avaliação das funções
cognitivas que são utilizados pelos profissionais da neuropsicologia.

O teste psicométrico Escalas Wechsler de Inteligência – WISC-IV aplicado


em público infantil, e WAIS, em público adulto – é comumente utilizado
nas avaliações neuropsicológicas. Ambas as escalas são consideradas
padrão-ouro de avaliação neuropsicológica, pois permitem avaliar
componentes cognitivos específicos, como: funções executivas,
linguagem e memória, as quais são mandatórias nas avaliações em
cirurgia de epilepsia.

O teste WAIS é composto por escalas que formam um instrumento


clínico capaz de mensurar as capacidades do paciente. Os subtestes dele
englobam raciocínio abstrato, aptidões perceptivas, verbais e velocidade
de processamento de informações, indicando as forças e fraquezas do
funcionamento intelectual.

No manual técnico do teste WAIS, encontram-se alguns dados


importantes sobre as pesquisas aplicadas em pacientes com epilepsia.

Sendo a cirurgia nos focos epileptogênicos um método utilizado no


tratamento das crises convulsivas, foram realizadas pesquisas de
aplicação do Teste WAIS III em pacientes pré-cirúrgicos e pós-cirúrgicos,
identificando-se que os pacientes do pós-cirúrgico obtiveram melhor
desempenho. Concluiu-se que o desempenho dos pacientes no subteste
memória lógica se mostrou mais elevado em pessoas com a epilepsia
do lobo temporal esquerdo, quando comparado com pessoas com a
epilepsia do lobo temporal direito.

Outro achado relevante das pesquisas citadas no manual técnico


do teste WAIS III diz respeito aos déficits intelectuais. Constatou-se
que estes déficits estavam associados ao local do cérebro onde foi
realizada a cirurgia, sendo que, no grupo de pacientes que fizeram a
50

lobectomia temporal esquerda, as habilidades de compreensão verbal


se mostraram diminuídas. Os subtestes comumente aplicados para
avaliação de pacientes pós-cirúrgicos são: vocabulário, semelhanças,
dígitos, sequências de números e letras, códigos, cubos e raciocínio
matricial. Estes subtestes são, geralmente, selecionados devido à relação
existente entre os processos cognitivos que eles avaliam e as funções
cognitivas afetadas na epilepsia.

O subteste vocabulário do Teste WAIS III avalia a memória semântica,


enquanto o subteste semelhanças fornece indícios das funções de
análise e raciocínio associadas a conceitos verbais. Já o subteste
execução avalia um conjunto de processos cognitivos, como:
organização visuoespacial, praxias construtivas e planejamento. O
subteste dígitos indica itens relacionados à memória de curto prazo
verbal (ordem direta) e à memória operacional (ordem indireta).

Existe a versão WAIS IV, publicada no Brasil em 2013, em que foram


incluídos novos escores que servem de indicadores nos processos
cognitivos implicados. As alterações são aplicadas aos subtestes cubos,
dígitos e sequência de números e letras.

Essas alterações melhoram a prática clínica, pois aproxima a avaliação


cognitiva das teorias psicométricas atuais, o que contribui para o
desenvolvimento da avaliação neuropsicológica. No entanto, encontra-se
na literatura maior quantidade de publicações utilizando a versão WAIS
III, sugerindo que a escolha da versão está relacionada ao critério do
profissional, uma vez que ambas são validadas pelo Conselho Federal de
Psicologia.

Na neuropsicologia, um teste difundido e muito aplicado é o Teste


da Figura Complexa de Rey. Os autores, Loring, Lee e Meador,
desenvolveram um método qualitativo de correção, especificamente
para investigação pré-operatória em epilepsia (CAPOVILLA, 2007).
51

O Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey é um instrumento


que orienta uma tarefa de aprendizagem, contendo uma lista de 15
palavras, em que é requisitado que o paciente a evoque de maneira
repetida durante cinco vezes. Em seguida, é disponibilizada uma nova
lista de 15 palavras, e o paciente precisa evocar somente uma vez e na
sequência, assim como evocar novamente a lista inicial apresentada.
Esta ferramenta expressa informações sobre a memorização.

O Teste de Aprendizagem Visual de Desenhos foi elaborado por Rey no


ano de 1964 e, nesta avaliação, o paciente precisa fazer a memorização
de 15 pequenos desenhos e, em seguida, reproduzi-los. Esta sequência
tem a repetição de cinco vezes.

Como em toda patologia, a sequência de protocolo de avaliação,


diagnóstico e tratamento também é aplicada no caso da epilepsia.

1.4 Epilepsia: tratamento

O tratamento da epilepsia é composto por intervenção medicamentosa.


O objetivo dos fármacos é evitar as descargas elétricas cerebrais
anormais, uma vez que estas originam a crise epiléptica.

Como todo medicamento, os de epilepsia precisam de um período de


adaptação para agirem no organismo, implicando longo período de
manipulação para se obter êxito no controle das crises.

O acompanhamento médico é mandatório para a visualização dos


possíveis efeitos colaterais das medicações.

Costa, Brandão e Marinho Segundo (2020) destacam que, após o


diagnóstico, o tratamento farmacológico tem a finalidade de estabilizar
as crises, entretanto cerca de 30% dos pacientes não conseguem
obter este controle por meio deste tipo de terapia. Comumente, a
52

monoterapia é indicada inicialmente, mas, com a persistência das crises,


a politerapia é uma alternativa, assim como a cirurgia.

Os medicamentos antiepilépticos têm se mostrado eficazes na redução


da constância das crises epilépticas, sendo que os medicamentos
fenobarbital, fenitoína, carbamazepina, valproato e benzodiazepínicos
estão entre os mais utilizados.

Existem tratamentos alternativos não invasivos, como a estimulação


do nervo vago, em que o paciente recebe um gerador, que é alocado
no pulso de maneira subcutânea e programado por computador. Os
pacientes que fazem uso desta tratativa apresentam diminuição na
ocorrência de crises e aumento da atividade cognitiva.

As pessoas que possuem o diagnóstico de epilepsia precisam aderir


ao tratamento para que consigam adquirir qualidade de vida. Estes
pacientes precisam realizar as atividades, se relacionar e continuar
exercendo as suas atividades laborais.

Em relação à rotina laboral, é necessário desenvolver algumas


precauções nos pacientes que possuem epilepsia não controlada. Os
pacientes que não estão em tratamento e que possuem epilepsia não
controlada devem evitar trabalhar com maquinário pesado e realizar
trabalhos em altura. É importante também que evitem praticar algumas
atividades sozinhos, como cozinhar em fogo aberto e nadar.

O cuidado com a saúde é essencial para todo ser humano e no caso


dos pacientes que possuem o diagnóstico de epilepsia, isto torna-se
imprescindível, devendo-se evitar o abuso do uso de álcool, controle
adequado do sono, manter a alimentação saudável e praticar atividade
física.

Em todo diagnóstico, é necessário realizar a educação do paciente e do


familiar, para que se consiga lidar de maneira apropriada e com menor
nível de impacto possível, pensando no bem-estar social.
53

Sabemos que o diagnóstico de epilepsia é permeado por preconceitos


e visões muitas vezes estereotipadas em nossa sociedade, sendo
importante que as pessoas do convívio do paciente estejam cientes do
conceito correto desta patologia.

Neste contexto familiar e social, deve-se destacar que a crise epiléptica


não tem origem espiritual, não é algo contagioso, e sim uma descarga
no cérebro, caracterizada como uma doença que pode ser tratada e
prevenida.

Este diagnóstico pode causar sofrimento psíquico ao paciente e à


sua família, ilustrando a importância de se buscar conhecimento
das áreas da saúde, em especial, a neuropsicologia, para que se
esclareça cientificamente as implicações da doença e se possa oferecer
tratamento adequado.

Observa-se que os pacientes que possuem o diagnóstico de


epilepsia apresentam algumas características de perfil que merecem
atenção e olhar clínico sob a ótica da psicologia. O isolamento
social é refletido em dificuldades nos relacionamentos, sejam estes
estabelecidos no ambiente de trabalho ou escolar.

Como na maioria dos diagnósticos que apresentam sintomas


neurológicos, a epilepsia pode afetar o bem-estar biopsicossocial, sendo
indicado que o paciente e seus familiares procurem ajuda profissional
para adquirirem recursos de enfrentamento diante deste quadro.

Os grupos de psicoeducação em epilepsia se configuram como uma


alternativa eficaz na disseminação de conteúdo científico e contribuem
para a desmistificação do tema, preparando a sociedade para se
comportar de maneira mais ética e inclusiva.

O trabalho em grupo é um espaço onde o paciente tem a liberdade de


expor suas angústias, preocupações e demais desconfortos relacionados
54

ao diagnóstico. Esta ferramenta possibilita a troca de experiências por


meio da interação entre pacientes e profissionais.

Nesta Leitura Digital, a epilepsia foi o destaque, assim como as suas


implicações neurológicas, sociais e emocionais no cotidiano dos
pacientes. O conceito da epilepsia se alterou ao longo da história e,
hoje, sabe-se que ela é uma doença neurológica do sistema nervoso,
que se caracteriza como atividade cerebral anormal, ocasionando
desordem nos movimentos, nos comportamentos e nas sensações.
Para se diagnosticar esta condição, é necessário identificar a tipologia,
observar o histórico e o relato dos sintomas, assim como realizar
avaliação neuropsicológica e exames de imagem. Existem diversos testes
aplicados pelos profissionais da neuropsicologia para identificar as
alterações causadas pela epilepsia que nortearão o plano de tratamento,
o qual sempre será composto por um conjunto de intervenções, dentre
elas, a primordial: a terapia medicamentosa.

Referências
BAETA, É. Bateria para avaliação neuropsicológica de adultos com
epilepsia. Psicologia, v. 16, n. 1, p. 79-96, 2002.
BITTENCOURT, P. C. T. Reconhecendo as crises de epilepsia. Neurologia
UFSC, 2001. Disponível em: http://www.neurologia.ufsc.br/artigos-cientificos/
reconhecendo-crises-de-epilepsia/. Acesso em: 5 jan. 2022.
CAPOVILLA, A. G. S. Contribuições da neuropsicologia cognitiva e da avaliação
neuropsicológica à compreensão do funcionamento cognitivo humano. Cad.
psicopedag., São Paulo, v. 6, n. 11, 2007.
COSTA, L. L. de O.; BRANDÃO, E. C.; MARINHO SEGUNDO, L. M. de B. Atualização em
epilepsia: revisão de literatura. Revista de Medicina, v. 99, n. 2, p. 170-181, 2020.
FUENTES, D. et al. Avaliação neuropsicológica aplicada às epilepsias. In: FUENTES, D.
et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre, RS: Artmed, 2013.
FUENTES, D., MALLOY-DINIZ, L.F, CAMARGO, C.H.P., COSENZA, R.M.
Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
SANTOS, F. H.; ANDRADE, V. M.; BUENO, O. F. A. (Orgs.). Neuropsicologia Hoje. 2.
ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2015.
55

MÄDER, M. J. Avaliação neuropsicológica nas epilepsias : importância para o


conhecimento do cérebro. Psicologia: Ciência e Profissão, São Paulo, v. 21, n. 1, p.
54-67, set. 2012.
MOREIRA, S. R. G. Epilepsia: concepção histórica, aspectos conceituais, diagnóstico e
tratamento. Mental, Barbacena, v. 2, n. 3, p. 107-122, nov. 2004.
56

Transtornos neurocognitivos
leves e maiores
Autoria: Melina Paula Sales
Leitura crítica: Jéssica Aires da Silva Oliveira

Objetivos
• Compreender o conceito de cognição.

• Compreender o que são os transtornos


neurocognitivos leves e maiores.

• Identificar os principais aspectos da avaliação


neuropsicológica em idosos.
57

1. Transtornos neurocognitivos leves e maiores

Nesta Leitura Digital, discorreremos sobre a natureza e a caraterização


dos transtornos neurocognitivos leves e maiores. Para que se obtenha
melhor compreensão dos transtornos, é necessário entender o que é a
função psicológica cognição e seu reflexo no processo de percepção e
aprendizagem.

A classificação dos transtornos neurocognitivos nos levará ao conceito


e à aplicação da avaliação neuropsicológica em idosos, tema que
encerraremos este material.

1.1 Transtornos cognitivos leves e maiores: cognição


e suas implicações no processo de percepção e
aprendizagem

A cognição é uma função psicológica implicada na aquisição do


conhecimento, a qual utilizamos para reconhecer, organizar e
compreender as informações que recebemos do meio externo. A forma
como o nosso cérebro aprende se origina por meio dos cinco sentidos e
perpassa pela cognição.

A cognição é um processo necessário à nossa sobrevivência, uma


vez que a adaptação depende das nossas funções cognitivas, como:
memória, linguagem, atenção, entre outras.

Quando estudamos a cognição, é preciso retomar o desenvolvimento


do conceito de inteligência, uma vez que é considerada sob a ótica de
diferentes processos psicológicos.

A definição das capacidades intelectuais foi abordada inicialmente por


Cattell (1971). Este autor dividiu o fator geral da inteligência por meio do
modelo hierárquico da Teoria Gf-Gc, apresentando dois componentes:
58

a inteligência fluida (Gf), em que o raciocínio geral é base potencial da


aprendizagem, e a inteligência cristalizada (Gc), que resulta do investimento
de Gf em experiências de aprendizagem cristalizadas, expressas na forma
do conhecimento e que se transformam em potencial para aprendizagens
mais complexas.

Já Horn (1991) incrementou o modelo proposto por Cattell abordando


subfatores, denominado Teoria dos Três Estratos. Este modelo faz menção
a três níveis: o primeiro abrange 65 fatores específicos; o segundo diz
respeito aos domínios mais amplos do conhecimento; o terceiro trata-se de
um fator geral.

A teoria Cattell-Horn-Carroll de Inteligência (CHC) é a reunião de ambos


os modelos e, em 2009, foi reconhecida como um sistema taxonômico
por McGrew (2009). Esta teoria sugere uma percepção hierárquica
multidimensional das habilidades cognitivas, caracterizando-se como uma
descrição completa da inteligência.

Para Neves (2006), este modelo é integrado pelos pesquisadores para


se compreender o constructo da inteligência, considerando todo o
funcionamento cognitivo. Nesta proposta, inclui-se: o funcionamento
cognitivo (inteligência fluida, memória operacional, armazenamento e
recuperação da memória de longo prazo, velocidade de processamento
e rapidez de decisão); conteúdo relacionado ao processamento cognitivo
(processamento visual, auditivo e motor); domínios de conhecimento
(conhecimento quantitativo, inteligência cristalizada, leitura e escrita e
conhecimento específico).

A partir da compreensão dos elementos que envolvem o complexo


processo da cognição, pode-se iniciar o entendimento dos transtornos
neurocognitivos e de como as alterações cognitivas afetam a adaptação do
ser humano nos inúmeros âmbitos de sua vida.
59

1.2 Transtornos neurocognitivos leves e maiores: conceito


e classificação

O funcionamento cognitivo passa por alterações ao longo da vida de


todo ser humano, e o processo do envelhecimento poderá acarretar o
desenvolvimento de declínio cognitivo, que pode ser visto da ótica da perda
neuronal que envolve o envelhecimento ou do ponto de vista das doenças
degenerativas, que resultam em comprometimento cognitivo.

Para se compreender os transtornos neurocognitivos, é necessário retomar


o entendimento do comprometimento cognitivo leve primordialmente.

Inicialmente, o conceito de comprometimento cognitivo leve (CCL) dizia


respeito à tentativa de classificação de pessoas que estavam entre os
estados de cognição normal e demência, como a Doença de Alzheimer.
Os critérios diagnósticos davam atenção ao déficit de memória,
considerando-o um risco de tornar-se a Doença de Alzheimer.

Posteriormente, o CCL foi identificado como aspecto heterogêneo,


passando ser necessário considerar a sua relação com a maneira clínica
que se apresentava, a etiologia e o prognóstico. É importante ressaltar que
a partir desta classificação elaborou-se uma divisão do CCL em subtipos,
conforme ilustrado na Tabela 1.

Tabela 1 - Subtipos do comprometimento cognitivo leve

Subtipo do comprometimento cognitivo leve (CCL)

Amnéstico único domínio

Amnéstico múltiplos domínios


Não amnéstico único domínio
Não amnéstico múltiplos domínios

Fonte: elaborada pela autora.


60

Para Bueno (2015), existem critérios diagnósticos para a constatação do


CCL: queixa de memória (relatada pelo paciente ou pelos familiares);
comprometimento da memória comprovado por meio dos testes;
função cognitiva global preservada; atividades da vida diária intactas;
não apresentação de demência. Pesquisadores entendem que o CCL é
uma condição de alta chance para ocorrência da Doença de Alzheimer, e
este achado é comprovado pela estatística de que grande porcentagem
de pacientes com CCL evolui para a Doença de Alzheimer, cerca de 10 a
15% (BUENO, 2015).

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais, o DSM-5 (APA, 2013), o transtorno neurocognitivo leve é
segmentado em dois tipos: transtorno cognitivo maior (substituído pelo
termo demência) e transtorno cognitivo menor.

No transtorno cognitivo menor, estão incluídas as pessoas que


apresentam discreto declínio cognitivo nas funções de atenção, função
executiva, aprendizado e memória, linguagem, função motora e
perceptiva ou cognição social.

Para se diagnosticar o transtorno cognitivo menor, três pilares devem


ser considerados: queixa do indivíduo, do informante ou do clínico,
sugerindo um declínio leve da função cognitiva; comprometimento
discreto no desempenho cognitivo, preferencialmente, documentado
por testes neuropsicológicos padronizados; na ausência destes, por
avaliação clínica quantificável (BUENO, 2015).

Para se classificar adequadamente, é necessário fazer a especificação


da origem do declínio cognitivo, considerando se é devido a uma
determinada patologia degenerativa, doença com corpos de Lewy,
doença vascular, traumatismo craniano, uso de substância ou
medicamento psicoativo, infecção por HIV, doença priônica, doença de
Parkinson, doença de Huntington, e verificar se é acompanhado ou não
de alteração comportamental.
61

O termo demência foi substituído por transtorno cognitivo maior,


cujo significado é atribuído a uma síndrome caracterizada pelo
comprometimento da cognição ou de comportamentos que refletem em
dificuldades funcionais, expressas nas atividades sociais, domésticas ou
de autocuidado.

Segundo o DSM-V (APA, 2013), o transtorno cognitivo maior é composto


por uma série de critérios que devem ser observados. São eles:
evidência de declínio cognitivo importante; preocupação do indivíduo ou
informante; prejuízo substancial no desempenho cognitivo; interferência
na independência cotidiana; os déficits não ocorrem apenas no
contexto de delirium; os déficits não são mais bem explicados por outro
transtorno mental.

Nas demências ou no transtorno cognitivo maior, o paciente deve


apresentar comprometimento em pelo menos dois domínios
cognitivos (ou alterações na personalidade, no comportamento e no
temperamento para o diagnóstico), enquanto no transtorno cognitivo
leve, basta o comprometimento de um domínio cognitivo para ser
caracterizado.

Para se classificar e diagnosticar, seja o transtorno cognitivo maior


ou transtorno cognitivo menor, é mandatório que as queixas
sejam avaliadas e mensuradas observando os parâmetros que são
encontrados na entrevista clínica e nos instrumentos de rastreio
cognitivo que compõem a avaliação neuropsicológica, tema que será
explicitado no tópico a seguir.

1.3 Avaliação neuropsicológica em idosos

Como já mencionado, o processo de envelhecimento cognitivo normal


produz alterações nos domínios cognitivos, que refletem nas funções
executivas, na memória episódica e na velocidade de processamento.
62

Portanto, as queixas relacionadas a estas funções são comumente


relatadas nesta fase da vida de todo ser humano.

Para diagnosticar se realmente o paciente apresenta algum transtorno


cognitivo, é necessário entender se os sintomas estão exponencialmente
expressos, resultando em prejuízos na vida cotidiana.

Para Fuentes (2013), o comprometimento cognitivo leve e as demências


são síndromes que possuem diferentes etiologias e que sofrem
relevantes mudanças cognitivas e funcionais. Em ambos os casos,
o exame neuropsicológico tem o objetivo de se apropriar de fatos
retrospectivos do exame, observando a história clínica e o estado atual.
Faz parte também da finalidade do exame neuropsicológico atentar-
se aos aspectos prospectivos, para que se estabeleça o prognóstico e,
assim, seja possível indicar o tratamento.

A avaliação neuropsicológica é considerada uma excelente estratégia


para se obter o diagnóstico nos casos de transtorno cognitivo maior e
menor. Fuentes (2013) afirma que a avaliação neuropsicológica isolada é
a mais precisa para classificar corretamente idosos em envelhecimento
normal, CCL e demência.

A avalição neuropsicológica é indicada por possuir o foco nos aspectos


cognitivos, que são aspectos-chave para o exame neuropsicológico de
idosos com suspeita de CCL ou demências. Existem seis aspectos da
cognição que devem ser incluídos na avaliação do idoso: inteligência/
cognição geral, raciocínio/funções executivas, aprendizagem/memória
episódica, linguagem/memória semântica, habilidades visuoespaciais/
gnosia e velocidade de processamento/atenção.

Para se realizar a avaliação neuropsicológica, é necessário seguir um


protocolo de sequência de ações, que será explicitado na Tabela 2.
63

Tabela 2 - Protocolo da aplicação da avaliação


neuropsicológica em idosos

Etapas Observações/Foco

Progressão dos sintomas e sua relação com


Anamnese/história clínica
a saúde.

Baseadas no modelo cognitivo-


neuropsicológico que estabelece conexões
Hipóteses
mentais e neurobiológicas ligadas aos
aspectos cognitivos avaliados.

Escolha dos testes neuropsicológicos


Seleção da metodologia de
que contemplem o modelo cognitivo-
avaliação
neuropsicológico elegido.

Aspectos quantitativos e qualitativos


considerando parâmetros das categorias
Interpretação de resultados
diagnósticas presentes nos manuais e
materiais especializados e neuropsicologia.

Fonte: elaborada pela autora.

A maioria dos testes é elaborada dentro de um modelo cognitivo


específico, e alguns dados ganham atenção na seleção dos instrumentos
de testagem: fidedignidade (precisão e estabilidade da medida); validade
(adequação ao construto-alvo e capacidade discriminativa); bons dados
normativos (estratificados por idade e/ou escolaridade, se necessário).

Não existe um único entendimento sobre os testes exatos a serem


aplicados para avaliar o desempenho cognitivo do paciente, mas
64

encontramos na literatura alguns artigos com testes recomendados


para cada patologia específica. Exemplificando, Litvan e colaboradores
(2012) fizeram recomendações para o diagnóstico do CCL na Doença
de Parkinson, em que cada domínio cognitivo deverá ser avaliado
por dois testes independentes de uma mesma função. Indicaram
também o evitamento de sobreposição de paradigmas, ou seja, ao
escolher um paradigma de aprendizagem de palavras, como o Teste
de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey, deve-se evitar outro teste
semelhante.

Fuentes (2013) menciona alguns instrumentos e testes da


neuropsicologia que estão disponíveis no Brasil e são comumente
utilizados para mensurar as capacidades cognitivas específicas. Para
melhor visualização, serão indicados na Tabela 3.

Tabela 3 - Instrumentos utilizados no Brasil para avaliação


das capacidades cognitivas

Capacidade cognitiva Teste utilizado

Miniexame do Estado Mental.

Bateria Neuropsicológica CERAD.


Baterias cognitivas
estruturadas
Escala Mattis para Avaliação de Demências.

Addenbrooke Cognitive Examination – Revised.


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Bateria de Avaliação Frontal.

Cubos de Corsi.

Bateria de Avaliação da Memória de Trabalho.

Teste de Stroop.

Funções executivas/raciocínio Teste dos Cinco Dígitos.

Teste das Trilhas Parte B.

Torre de Londres.

Fluência Verbal Semântica.

Fluência Verbal Fonêmica.

Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de


Rey.

Aprendizagem Verbal da Bateria CERAD.


Memória episódica/
aprendizagem Brief Cognitive Screening Test.

Memória Lógica Adaptada.

Teste das Três Palavras Três Figuras.


66

Fluência Verbal.

Prancha do Roubo dos Biscoitos.

Token Test.
Linguagem/memória
semântica Teste de Nomeação de Boston.

Teste de Nomeação do Laboratório de


Investigações Neuropsicológicas – TN –LIN.

Bateria Boston para o Diagnóstico de Afasias.

Teste de Construção com Palitos. Teste das


Três Palavras Três Figuras.
Habilidades visuoespaciais/
gnosia: Desenho do Relógio.

Teste de Reprodução Visual.

Teste dos Cinco Dígitos Leitura e Contagem.

Teste de Stroop.
Atenção e velocidade de
processamento
Teste das Trilhas Parte A.

PASAT e Nine Hole-Peg Test.

Fonte: elaborada pela autora.


67

Como visto, existem inúmeros instrumentos capazes de mensurar as


diferentes capacidades cognitivas. A somatória da experiência clínica
alinhada à visitação constante da literatura e à atualização profissional
norteará a seleção da testagem a ser aplicada.

Em suma, para realizarmos a avaliação neuropsicológica em idosos


com suspeita de CCL ou demência, é necessário que a testagem seja
equilibrada, observando os domínios cognitivos importantes, as
capacidades do paciente, assim como as suas características individuais.

Esta Leitura Digital teve como finalidade compreender os transtornos


neurocognitivos leves e maiores, considerando a relevância da
função da cognição na vida do ser humano. Para que se consiga
aprimorar a capacidade de elaboração da avaliação neuropsicológica,
especificamente em adultos e idosos, foi necessário desenvolver o
raciocínio global diante dos elementos que permeiam os processos
cognitivos, que são particulares em cada faixa etária.

Referências
BUENO, O. F. A. Neuropsicologia Hoje. Porto Alegre, RS: Artmed, 2015.
CATTEL, R. B. (1971). Abilities: their structure, growth and action. Boston: Houghton
Mifflin. American Psychiatric Association (APA) (2013). Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders: DSM-5 (5th ed.). Washington: American Psychiatric
Association, 2013.
FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre, RS: Artmed, 2013.
HORN, J. H. Measurement of intellectual capabilities: A review of theory. In K. S.
McGrew, J. K. Werder, & R. W. Woodcock (Eds.), WJ-R technical manual. Allen: DLM,
1991.
LITVAN I, Goldman JG, Tröster AI, et al. Critérios diagnósticos para
comprometimento cognitivo leve na doença de Parkinson: diretrizes da Força-Tarefa
da Sociedade de Distúrbios do Movimento. Mov Disord . 2012;27(3):349-356.
MCGREW, K. S. CHC theory and the human cognitive abilities project: standing
on the shoulders of the giants of psychometric intelligence research. Intelligence,
37(1), 1-10, 2009.
68

NEVES, D. A. Ciência da informação e cognição humana: uma abordagem do


processamento da informação. Ci. Inf., v. 1, n. 35, p. 1-7, abr. 2006.
PEREIRA, A. P. A.; HAMDAN, A. C. Neuropsicologia do traumatismo cranioencefálico
e do acidente vascular cerebral. In: FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e
prática. Porto Alegre, RS: Artmed, 2013.
69

BONS ESTUDOS!

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