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Reportagem
O que Alastair descobriu o espantou. Uma análise dos registros feitos no início dos anos 90 não
mostrava um padrão consistente. Mas, comparando datas de floração dos anos 90 com as das quatro
décadas anteriores, ele verificou que 385 plantas estavam florescendo 4,5 dias mais cedo na média.
Um subgrupo menor, 60 espécies ao todo, florescia na média duas semanas inteiras mais cedo, uma
mudança espantosa para uma única década. Isto mostra, pelo menos nas vizinhanças de Oxford,
Inglaterra, que “a mudança climática está acontecendo de forma abrupta”, diz Richard Fitter.
A pesquisa, que os Fitter publicaram conjuntamente na revista Science, em 2002, foi apenas um dos
mais surpreendentes entre os estudos que mostravam rápidas alterações nos padrões vitais de plantas
e animais no mundo. Também em 2002 o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC)
publicou uma resenha sobre esse tópico, com base em 2.500 trabalhos. Parte desses artigos referia-se
à relação entre espécies e temperatura durante os últimos 20 anos. Dentre os mais de 500 anfíbios,
aves, plantas e organismos estudados, 80% haviam mudado seu cronograma de reprodução ou
migração, a duração da estação de cultivo e o tamanho ou a distribuição da população em
conseqüência de temperaturas mais elevadas. Os autores concluíram que “houve um impacto
inequívoco de mudança climática regional, em particular de aumentos de temperatura, nos sistemas
biológicos no século 20”.
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O Pássaro e o Verme
Num pequeno escritório no Netherlands Institute of Ecology, perto de Amsterdã, Marcel Visser
engatinha debaixo de uma mesa. Visser é o chefe do departamento de biologia de população animal
do instituto. Nesse instante ele espreita um pássaro que entrou na sala por uma janela aberta. Mas,
antes que o cientista possa agarrar o pássaro ou tocá-lo para fora, a ave amedrontada voa e escapa.
Coincidentemente, o intruso era representante de um grupo de estudo a longo prazo que Visser dirige.
Quando os predecessores de Visser iniciaram a pesquisa, nos anos 50, visavam contribuir para a
compreensão geral das populações de aves. Sob a liderança de Visser, no entanto, a pesquisa
tornou-se uma das únicas no mundo a examinar os efeitos em cascata do aquecimento global sobre a
cadeia alimentar.
Essas aves do De Hoge Veluwe National Park, uma grande área florestal perto do escritório de Visser,
desempenham rituais anuais de acasalamento em abril e maio. Nessa mesma época, Visser executa
seus próprios rituais primaveris monitorando as aves. O cientista e sua equipe registra as atividades e
o estado de saúde de cada par reprodutor em cerca de 400 casinholas de madeira no parque. Numa
manhã, em meados de maio passado, levando uma curta escada de alumínio nos ombros, o ornitólogo
pedala pelas trilhas não pavimentadas do parque.
Depois de vários minutos, estaciona sua bicicleta junto a um ninho montado pouco mais de um metro
acima do nível dos olhos, num carvalho esguio. Utilizando a escada, ele escala a árvore, instala uma
armadilha de metal na caixa e aguarda a uma curta distância. Em instantes, a armadilha captura um
dos dois adultos que se aninham na caixa. Visser cuidadosamente abre a tampa e remove o pássaro.
Ele tem dorso cinzento, cabeça preta e branca e peito amarelo pálido, com uma faixa preta.
Suavemente, o pesquisador trava a cabeça do pássaro entre seu indicador e dedo médio, faz algumas
medições com uma régua e pesa o animal. Multiplicadas milhares de vezes a cada estação, estas
estatísticas são matéria-prima vital para pesquisa de Visser. Ele e seus colegas visitam cada caixa
semanalmente, exceto quando a chocagem (e, depois, a emplumação do filhote) aproxima-se. Então,
as verificações são diárias.
O que Visser encontrou parece perfeitamente inocente: os pássaros botaram seus ovos quase na
mesma data do ano passado, como o fizeram também em 85. Mas, no decorrer desse mesmo
período, a temperatura de primavera subiu na área, especialmente em meados da estação (entre 16
de abril e 15 de maio), quando sofreu um aquecimento de 2° C. E, apesar de o cronograma dos
pardais não ter mudado com este aquecimento, o das mariposas de lagartas – com as quais essas
aves alimentam seus filhotes (junto com outras espécies menos abundantes) – mudou. O pico de
abundância das lagartas chega 15 dias mais cedo, em comparação a 85. Então, ocorria quase
precisamente quando os pardais chocavam. Agora, na época em que a maioria dos filhotes sai da
casca, a estação das lagartas está terminando e o alimento é mais escasso. Somente os primeiros
filhotes conseguem apanhar os vermes.
Nesta teia alimentar, não apenas os pássaros ou as lagartas estão fora de sincronia, ou
“desacoplados”, como Visser prefere dizer. O cientista também examina mais abaixo, na cadeia
alimentar, a relação entre a mariposa e seu alimento – folhas novas e tenras de carvalho. Para
sobreviver, a lagarta precisa sair do casulo quando eclodem os brotos, quando as folhas de carvalho se
abrem. Se o inseto nascer mais que cinco dias antes disso, morrerá de fome. Também morrerá se
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nascer mais de duas semanas depois, porque as folhas de carvalho tornam-se não comestíveis devido
à infusão de tanino. Visser descobriu que, no parque Hoge Veluwe, a brotação do carvalho ocorre
agora cerca de 10 dias antes que há 20 anos. As lagartas nascem 15 dias mais cedo,
supercompensando em cinco dias a mudança dos carvalhos. As lagartas já estavam eclodindo vários
dias antes da brotação em 85, portanto, hoje, devem esperar em média cerca de oito dias.
A pesquisa de Visser mostra que a população de mariposas de inverno em Hoge Veluwe está
declinando. Mas, como esse número flutua de ano para ano, ele diz que ainda é cedo para provar a
falta de sincronia. Pela mesma razão, a diferença entre a cronologia das mariposas e dos pássaros não
teve ainda efeitos visíveis sobre o número de aves. Novamente, isto acontece porque as flutuações
naturais de ano a ano, causadas por fatores diversos, são muito grandes. Entretanto, em um sistema
onde o “cronograma é tudo”, observa Visser, o desacoplamento entre os elos da cadeia alimentar não
pode continuar a crescer sem gerar conseqüências. “É apenas uma questão de tempo até vermos a
população decrescer”, diz ele sobre os pássaros.
Segundo Visser, o mais preocupante em sua pesquisa não é que os pássaros em Hoge Veluwe possam
estar no limiar do declínio, mas que esse declínio indique que muitas outras espécies estão em perigo.
Suas descobertas sugerem vulnerabilidade a mudanças climáticas que são universais para todos os
ecossistemas. Alguns cientistas dizem que estas debilidades são melhor entendidas usando-se um
vocabulário inventado na década de 60 pelo biólogo David Cushing, ex-vice-diretor do Fisheries
Laboratory, em Lowestoft, Inglaterra.
Ajuste e Desajuste
Ao tentar explicar variações de ano para ano nos estoques de bacalhau, Cushing pesquisou o
zooplâncton, a presa das larvas de bacalhau. Demonstrou que os anos produtivos das larvas ocorriam
quando os cronogramas do zooplâncton e seu alimento, o fitoplâncton, coincidiam. A este feliz estado
de coisas, que leva a números elevados de larvas, ele chamou de ajuste. Um desajuste, em contraste,
é quando o zooplâncton está fora de sincronia com seu alimento, levando a uma redução no número
de larvas de bacalhau.
A hipótese conceitualmente simples do ajuste-desajuste está sendo aplicada por alguns pesquisadores
para explicar o impacto do aquecimento global. A força dessa idéia vem em parte do fato de que um
ajuste pode referir-se a diferentes tipos de relações. Por exemplo, ela pode descrever relações
temporais entre predador e presa – como no caso dos pardais e lagartas – ou animal e planta, como
no caso das lagartas e carvalhos. Mas pode ser aplicada às relações temporais entre diferentes
plantas. Por exemplo, os Fitter descobriram que mudanças no tempo de floração das plantas não são
uniformes para todas as espécies.
Alastair Fitter diz que esta discrepância significa, entre outras coisas, que a competição pela luz solar,
nutrientes e água será alterada com “profundas conseqüências ecossistêmicas e evolucionárias”.
Finalmente, o conceito ajuste-desajuste pode ser aplicado à relação entre animais ou plantas e seu
ambiente físico.
Como os ajustes freqüentemente requerem sincronia entre espécies díspares, não chega a ser
surpresa que a mudança climática crie desajustes. Algumas espécies são influenciadas por
temperaturas médias, enquanto outras respondem apenas a extremos, como uma onda de frio.
Migradores que cobrem longas distâncias enfrentam desafios especiais. Eles podem precisar usar sinais
de um hábitat para determinar quando partir. No caso de aves migradoras, a chegada ao local de
reprodução no verão pode exigir um cronograma preciso de partida do local de invernagem. Mas os
sinais do local de invernagem não mudarão necessariamente em sincronia com as alterações nas
áreas de nidificação, especialmente se os locais de verão e inverno estiveram separados por milhares
de quilômetros, como é o caso de muitas aves. Uma razão é que o clima não está mudando
uniformemente em todo o globo. Comparados com as regiões temperadas, por exemplo, os trópicos
estão se aquecendopouco ou nada. Os efeitos variados do aquecimento do El Niño e outros fenômenos
climáticos do gênero confundem ainda mais o quadro. Além disso, como as temperaturas nos trópicos
não estão fortemente correlacionadas às das regiões temperadas, muitas aves não usam sinais
climáticos para decidir quando deixar os trópicos onde passam o inverno. Ao invés disso, regulam suas
viagens pela duração do dia. Naturalmente, o aquecimento global não tem influência sobre a duração
do dia. Portanto, essas aves correm perigo de chegar nas áreas temperadas de reprodução numa data
que não faz mais sentido.
Christiaan Both, da Groningen University, na Holanda, diz que o papa-moscas litrado (pied flycatcher),
que migra 5 mil km da África Ocidental tropical para Hoge Veluwe, parece estar sofrendo de um
desajuste deste tipo, entre condições nos locais de nidificação e invernação. Como os pardais grandes
(great tits), os papa-moscas alimentam seus filhotes com lagartas, que atingem pico de abundância 15
dias mais cedo que há 20 anos. Mas os papa-moscas estão chegando virtualmente na mesma data em
que chegavam em 80. Em um artigo na Nature, em 2001, Both e Marcel Visser observam que a
indicação dos papa-moscas para deixar a África é a duração do dia, o que explica porque seu tempo de
chegada não se alterou.
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A Península Antártica tem experimentado aquecimento maior que qualquer outro lugar na Terra. Nos
últimos 50 anos, as temperaturas de inverno nesta parte da Antártida subiram quase 60 C. Ao
contrário do esperado, o aquecimento tem aumentado a precipitação de neve. Isto acontece porque o
gelo marinho, que forma um manto impermeável sobre o oceano, está decrescendo com a elevação
da temperatura, permitindo que mais umidade escape para a atmosfera. Essa umidade cai na forma
de neve. Fraser diz que as colônias que sofrem as piores perdas estão localizadas nas encostas
voltadas para o sul das colinas, com áreas rochosas de nidificação. Ele descobriu que estas áreas
sofrem também o maior impacto devido ao excesso de neve que cai ao longo da península. As faces
voltadas para o Sul, abrigadas dos ventos prevalecentes nas tempestades de inverno desta região, são
as últimas a derreter na primavera, porque acumulam bancos de neve no inverno e recebem
relativamente pouco do calor solar (encostas Sul são mais ensolaradas no hemisfério norte; o oposto
vale no hemisfério austral). Mas, segundo explicou Fraser durante entrevista na estação Palmer, os
Adélias estão altamente condicionados “à ocorrência de circunstâncias dentro de uma cronologia
precisa” e a neve extra está alterando essa cronologia.
Logo depois de chegarem a estas ilhas para a reprodução, em outubro, as aves precisam de solo nu
para construir seus ninhos de pedregulhos. Se a neve não derrete a tempo, eles tentam nidificar sobre
ela, mas isto não funciona. Quando a neve finalmente derrete, os ovos se encharcam de água, e
“goram”. A precipitação real varia de ano para ano, mas no decorrer do tempo o aumento de neve
tem gradualmente reduzido o número de novos membros acrescentados às colônias, que estão
morrendo por desgaste. Fraser chama o dilema dos pingüins de “desajuste entre física e biologia”. Ele
prediz que, à medida que continua o processo, uma parte maior de cada ilha será afetada, extirpando
os Adélias da região em 15 anos. Diz ele que os Adélias são “indicadores extremamente sensíveis das
perturbações induzidas pelo clima”, sugerindo que importantes mudanças podem estar à espreita
noutras partes. Eles são “uma peça a mais da evidência de que o planeta está mudando”.
Os pesquisadores dizem que, em muitos Galen Rowell/Corbis
casos, plantas e animais serão capazes de
se adaptar à alteração das condições,
evitando o destino dos pingüins de Adélia de
Fraser. Em pelo menos alguns casos, no
entanto, é pouco provável que um
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Muitas espécies, como certos pássaros e insetos, já estão reagindo – e provavelmente continuarão a
reagir – ao aquecimento global, deslocando-se mais para o norte ou para maiores elevações. Espécies
menos ágeis, como árvores, serão deixadas para trás. Terry Root, biólogo do Center for
Environmental Science Policy, da Stanford University, adverte que as respostas diferenciadas causarão
a ruptura dos presentes ecossistemas, deixando em seu lugar outros alterados e mais empobrecidos.
O problema se torna mais complicado pelo uso que os homens fazem da terra, como cidades, fazendas
e rodovias, que fragmentam a paisagem. Root publicou um trabalho na Nature, no ano passado, com
evidência de “impressões digitais” do aquecimento global em animais e plantas silvestres. De acordo
com ela, estudos sobre pólen do final da última era glacial sugerem o que poderia acontecer. Essas
pesquisas mostram que, conforme o manto de gelo que cobria a maior parte da América do Norte
regredia para o norte, as florestas não vinham muito atrás. Mas comunidades completas não se
mudavam simplesmente mais para o norte em sincronia com as temperaturas ascendentes. Em vez
disso, a mescla de plantas e animais mudava à medida que as florestas se moviam. Root teme que o
aquecimento global possa produzir resultados semelhantes, criando ecossistemas hoje desconhecidos e
descartando espécies que não se adaptam mais.
Há muito mais pesquisas a serem feitas para determinar a gravidade e amplitude do problema. Certos
enigmas deverão ser resolvidos. Por exemplo, por que os pardais do parque Hoge Veluwe não
conseguem se manter em sincronia com as mariposas das lagartas de inverno, enquanto pássaros da
mesma espécie pesquisados em um local perto de Cambridge, na Inglaterra, a apenas 300 km,
alteraram ciclos de vida em compasso com os mesmos insetos? Uma coisa está clara, diz Alastair
Fitter: “O mundo natural está atento ao que acontece com o clima”. E adverte: “Vai piorar”.
Daniel Grossman jornalista, cobre tópicos ambientais há 17 anos. Seu enfoque recente é o
aquecimento global e seu impacto nos ecossistemas.
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