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Alunas: Cryscella Abreu de Oliveira, Valéria Luiza Magro

Disciplina: Psicologia Hospitalar

1. EIXOS DIAGNÓSTICOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR


Os quatro eixos de diagnóstico em psicologia hospitalar são: Reacional, Médico,
Situacional e Transferencial. Estas são maneiras diferentes de abordar o adoecimento,
funcionam também para organizar o material clínico fornecido.
Segundo o Manual de psicologia hospital, Simonetti (2016), o eixo reacional é
referente ao modo como o indivíduo reage a situação da doença, autor explica afirmando que
é como “entrar em orbita”, tudo gira ao redor desse novo acontecimento. Essa órbita
apresenta quatro posições: negação, revolta, depressão e enfrentamento, a ordem não é fixa e
está sujeita à subjetividade do indivíduo, pode ser que o paciente se fixe em um dos pontos.
No filme analisado “Wit - Uma Lição de Vida” (2001), a personagem Vivian é
marcada por uma personalidade introspectiva e solitária, tem diversas falas em que trata da
morte como um elemento acadêmico a ser analisado, mas não relacionada com sua própria
vida, ela entende sua situação e aceita participar de tratamentos teste para contribuir com
pesquisas. Foca em realizar seu tratamento com a mesma disciplina e rigor teórico que
utilizava como professora, sua negação não se dá com a doença em si mas com o
adoecimento estar acontecendo com ela como pessoa e não como pesquisadora.
A racionalização é uma maneira culta e elaborada que geralmente eruditos usam
expondo informações para segurar a emoção diante da doença. A cada etapa Vivan reflete de
maneira poética sobre seu adoecimento:
“Os agentes quimioterápicos que erradicam meu câncer erradicam
meu sistema imunológico também . Em meu estado atual qualquer
organismo vivo é uma ameaça à saúde… Eu estou isolada por que me
submeti a um tratamento de câncer. Meu tratamento põe minha saúde está
em perigo. Aí está o paradoxo. John Donne teria se deleitado. Eu teria me
deleitado.”

A revolta não aparece explicitamente nas cenas narradas pelo longa metragem, há um
breve momento de confronto com a enfermeira Susie em que Vivian se recusa a fazer
exames, e afirma que não gostaria de fazer agora, é necessário que a enfermeira olhe de
maneira mais severa e autoritária. A cena é seguida por outra marcadamente depressiva, onde
a paciente se mostra mais desesperançosa, recita um poema de John Donne para dizer que a
morte está próxima, também afirma que o poema era muito mais interessante quando não
vivenciado por ela. Segundo a personagem não há mais alívio em sua vida, apenas “a
próxima coisa a ser feita”, Simonet afirma que a rotina do paciente na posição da depressão é
sem graça, sem cor, não há prazer, as coisas são feitas apenas por fazer.
A fase do enfrentamento trata-se do momento em que o paciente pode encarar sua
doença de uma maneira realista, é marcada pelo uso de luto e força entrelaçados. Em certo
ponto do tratamento Vivan começa a aceitar que está no posição de vítima admite que
gostaria de um contato mais humanizado, há uma conversa franca com Susie na qual a
paciente encara a morte e admite que no fundo já entendia que o tratamento não estava
funcionando, as duas trabalham em conjunto definindo quais são as vontades de Vivan
quando ocorrer a parada cardíaca. Essa atitude vai de encontro ao que Simonetti (2016)
considera vivenciar a fase do enfrentamento. “ Não estamos livre das contingências e
limitações da vida, mas somos livres para decidir o que vamos fazer a partir delas”.
O diagnóstico médico é mais direto e preciso, segue parâmetros da medicina e deve
conter: o nome da doença, sua condição aguda ou crônica, os sintomas principais, o
tratamento proposto, a medicação em uso, a aderência ao tratamento, o prognóstico, o risco
de contágio e o nível de proteção requerido, além das comorbidades.
Dra. Bearing tem câncer metastático avançado nos ovários, detectado no estágio 4, ele
era indetectável nas fases iniciais, o tratamento proposto contém 8 ciclos de quimioterapia,
utilizando as doses máximas de hexametofosfacil e Vinplatin, também seriam necessários
exames agressivos e que danificam suas células saudáveis, resultando em dores agudas,
tempo de isolamento, vômito, dificuldades digerir alimentos entre outas comorbidades.
Vivian aderiu ao tratamento de maneira responsiva. O filme dá a entender que o prognóstico
da doença não resultaria em cura da paciente, apenas em diminuição do tumor, o que seria
relevante para fins acadêmicos.
O diagnóstico situacional trata-se de uma visão holística do paciente, observando
áreas indiretamente relacionadas com a doença: vida psíquica, vida social, vida cultural, e
dimensão corporal. Esse diagnóstico aponta uma grande diferença entre a psicologia e a
medicina, visto que a medicina não se atém a esses aspectos. No filme não há interesse por
parte dos médicos, quem ocupa esse papel é a enfermeira Susie que abre espaço para
conversar e escutar Vivian, entretanto o apoio ainda é mínimo. Mas é possível perceber que
Vivian tem um ciclo social restrito, durante toda a hospitalização apenas uma pessoa a visita.
Já a vida cultural é movimentada, visto que ela é uma estudiosa de poesia do século
XV, não há muitos detalhes sobre a percepção física do corpo mas Vivian parece estar
satisfeita ou não dar muita importância para seu corpo, é uma pessoa discreta em seu jeito de
se portar e de vestir. Alguns traços que são possíveis de enxergar em sua personalidade é a
reflexão, introspecção, rigidez, organicidade, com o agravamento do adoecimento é possível
notar culpa e arrependimento por ter sido uma professora muito exigente que deixou a “parte
humana” de lado, e agora percebe como isso faz falta pois seu médico foi um de seus alunos.
No diagnóstico transferencial será buscado entender como a pessoa se relaciona com
o ambiente em que está adoecendo, considera-se a relação com a equipe, médico, instituição,
família e psicólogo. No caso de vida não existe psicólogo hospitalar e tampouco relação com
a família, mas relações com médicos e equipe são bem marcantes. Os médicos a veem de
maneira fragmentada, em uma de suas reflexões ela admite que não é sua pessoa que está
sendo tratada e estudada ali, são os seus ovários. A relação beneficia em que Vivian pode se
apoiar é com a enfermeira Susie que a encontra em momentos de solidão e se preocupa em
garantir as vontades dela sobre realizar o protocolo total.

2. COMUNICAÇÃO NO CONTEXTO HOSPITALAR E DE MÁS NOTÍCIAS

A comunicação de qualidade é essencial para estabelecer e fortalecer a relação no que


chamamos de tríade da psicologia hospitalar: paciente, família e equipe. Quando acontece
uma comunicação sem ruídos, no contexto da saúde, há diversos benefícios, entre eles, uma
melhora na adesão ao tratamento por parte do paciente, assim como o desenvolvimento de
maior confiança nos profissionais que fazem parte da equipe e também redução do estresse e
ansiedade, fazendo com que a família e o paciente possam conviver melhor com a realidade
em que se encontram (Araujo, 2012).
No caso retratado no filme, houve diversos momentos em que essa comunicação
ocorreu de forma precária, ou nem mesmo ocorreu. Na cena em que Vivian é encaminhada
para fazer os exames iniciais com o Dr. Jason, ele repete procedimentos que já foram
realizados antes por outro médico, como a entrevista sobre o histórico. Além disso, ele
também informa que realizará um exame em Vivian, que, por sinal, é invasivo, entretanto, ele
não explica o que será realizado, nem mesmo qual é a finalidade do exame, manipulando o
corpo dela da forma que acha melhor, sem procurar saber se aquilo está desconfortável ou
não para ela ou o que ela está sentindo.
O primeiro ponto na cena, é a importância de existir a comunicação e troca de
informações entre os membros da equipe multiprofissional para que esse processo não se
torne ainda mais exaustivo e complexo para o paciente, precisando que ele repita diversas
vezes a mesma informação ou história, de forma a reviver o que o levou até aquele momento.
Em segundo, não informar ao paciente a finalidade do que está sendo feito, incluindo
exames, medicação ou procedimentos, vai totalmente contra o que é visto no conceito de
diagnóstico transferencial sobre a possibilidade da utilização de recursos na relação
profissional-paciente que reforcem o suporte no momento do adoecimento.
É nesse sentido que a comunicação de más-notícias está inserida. Gobbi (2020) afirma
que uma ferramenta utilizada como base para isso, é o protocolo SPIKES ou Protocolo
Paciente, que pode auxiliar o psicólogo ou os outros membros da equipe para uma tentativa
de diminuição de estresse e desgaste de ambas as partes, tanto para evitar adotar estratégias
para adiar as más notícias, como para o enfrentamento da realidade do adoecimento.
No filme, a enfermeira Susie atua demonstrando o uso de alguns aspectos desse
protocolo. Ao perceber a angústia de Vivian sobre as dúvidas em relação à doença, o
primeiro momento foi preparar o espaço para que Vivian se sentisse confortável, e tivessem
privacidade para conversar. Ela entregou um picolé à paciente, sentou-se próxima a ela sem
que barreiras físicas as separassem, e também utilizou do toque físico para estabelecer um
vínculo e sentimento de empatia. Em segundo, ela cuidadosamente anunciou que precisava
informar algo, avaliou o que Vivian já entendia, já sabia e o que buscava saber. Ao perceber
do que ela já entendia, ela explicou o nível e gravidade da situação, o convite a verdade (que
nesse caso não possuía nenhum membro da família ou acompanhante). Durante esse processo
todo e até o fim, a enfermeira Susie, acolheu as emoções de Vivian, validando seus medos e
angústias, fornecendo proteção e segurança a ela de que estaria ali quando precisasse. Ao
traçar uma estratégia para o problema enfrentado de que o câncer dela não haveria cura
apesar dos tratamentos mais fortes terem sido utilizados, e depois de ela ter certeza de que
aquela era realmente a decisão que Vivian queria, Susie estabeleceu um comprometimento da
paciente com ela e com a equipe, para que aquilo fosse cumprido segundo o desejo da
paciente. Cumprindo assim o Protocolo Paciente por completo, no qual foi possível visualizar
que não deve ser algo que deixe o profissional comunicar ou lidar com a situação de maneira
robotizada, mas sim, proporcionar um embasamento e segurança de que o profissional possa
exercer a ação da maneira mais humanizada possível.

3. REALIDADE INSTITUCIONAL, DESPERSONALIZAÇÃO, SETTING


Simonetti (2016) afirma que é preciso analisar a situação do paciente quanto às
questões institucionais, a realidade do hospital. No caso do filme trata-se de uma instituição
particular com oportunidades avançadas em pesquisas, como Vivian é uma pessoa bem
estabelecida financeiramente os gastos não são uma questão, ela consegue ficar em um quarto
privativo e não sofre com falta de recursos.
No decorrer dessa análise vários aspectos de despersonalização foram expostos,
entretanto vale adicionar mais alguns. A paciente não utiliza suas próprias roupas ou sapatos
e aponta que isso a faz sentir como se não fosse mais alguém de valor, também não há
qualquer recurso próprio da paciente como cosméticos, livros, objetos de decoração e é
notório que o período de internação não é breve. Vivian passa horas sozinha, sem nenhum
recurso ou companhia, a paciente afirma estar constantemente entediada. Ela é marcada por
seu diagnóstico de câncer e dentro da instituição pouca importa quem ela era, agora é uma
paciente com câncer, não há possibilidades para que ela se enxergue além da doença.
Além do leito do paciente, setting é o espaço existencial de encontro e ressignificação
do psicólogo-paciente, melhor representado na conversa com Susie já mencionada, entretanto
não há intervenções psicológicas visto que não existe psicólogo hospitalar no filme.

4. POSSIBILIDADES DE IDEIAS DE ATUAÇÃO E INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO


HOSPITALAR FRENTE AO CONTEXTO APRESENTADO NO FILME.

Simonetti (2016) aborda que as técnicas do psicólogo hospitalar não devem ser vistas
como receitas rígidas, mas sim, que devem adequar-se a cada situação. Alguns pontos
expostos pelo autor são, primeiramente, olhar para uma perspectiva de buscar identificar os
pensamentos e sentimentos do indivíduo que está hospitalizado, ou seja, exercer escuta ativa.
Como mencionado, não há um psicólogo hospitalar no caso de Vivian. Felizmente,
Susie desempenha um papel muito importante desenvolvendo a escuta e uma boa
comunicação juntamente dela. Nesse caso, se houvesse a presença do psicólogo, seria muito
benéfico para a possibilidade da paciente expressar seus pensamentos e emoções, assim como
na maior parte do tempo, ela fala para a câmera no filme. Além disso, o profissional poderia
repetir algumas informações ou finalidades de alguns procedimentos que os médicos traziam
com uma linguagem difícil e totalmente acadêmica.
Outra estratégia importante, é proporcionar um ambiente de acolhimento e afeto em
que o paciente possa ter a possibilidade de estar naquele local mantendo sua subjetividade,
tendo sempre como objetivo principal a minimização do sofrimento para aquele indivíduo.
No caso de Vivian, seria essencial que o profissional psicólogo procurasse contatar a
rede de apoio, e de certa forma, estabelecer uma relação de possibilitar uma roupa individual,
sapatos quando possível, conversas sobre auto-imagem e autoestima, proporcionar comidas
que a agradasse e deixar livros a disposição ou uma televisão. Entretanto, o principal ainda é
ter a presença de alguém que a proporcionasse apoio e a sensação de estar segura, onde ela
pudesse expressar seus medos e angústias.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Janete A; LEITÃO, Elizabeth Maria Pini. Mentira piedosa ou sinceridade


cuidadosa. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Rio de Janeiro, 2012.

SIMONETTI, Alfredo. Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença. 8. ed.- São


Paulo: Casa do Psicólogo, 2016.

GOBBI, Malena Batecini. Comunicação de Más-notícias: Um olhar da psicologia. Revista


da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul. Diaphora, v.9. Porto Alegre, 2020.

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