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CONTRATOS CIVIS

Aulas teórico-práticas do Dr. Pinto Monteiro

2ª frequência

GABRIELA SOUSA
2021/2022

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Gabriela Sousa 2021/2022

CAPÍTULO II
DOAÇÃO

1. Noção e aspetos gerais

Segundo o artigo 940.º/1 CC, doação é o “contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de
liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou
assume uma obrigação, em benefício do contraente”. O legislador de 1966 resolveu explicitamente
considerar a doação como sendo tendencialmente um contrato, o que resolveu qualquer
problema relativamente à sua qualificação.
Utilizamos o termo “tendencialmente” porque a doação não é sempre um contrato: no caso
das doações puras a incapazes, onde trata-se de um negócio unilateral, isto é, um negócio perfeito
independentemente de aceitação (como não tem encargos, o legislador entendeu que se prescindiria
da aceitação, nomeadamente no caso do donatário que não tem capacidade passiva).

Para que se possa afirmar que estamos perante um contrato de doação, há três elementos
constitutivos que têm de estar presentes:

Atribuição patrimonial
Diminuição do
geradora de Espírito de liberalidade
património do doador
enriquecimento

Quanto ao primeiro elemento, tem de estar em causa um ato de atribuição de uma vantagem
patrimonial que gera um enriquecimento do donatário, ou seja, tem de verificar-se uma valorização
do património do beneficiário por uma qualquer forma.
Esta vantagem patrimonial pode assumir mais do que uma forma: pode ser uma coisa que é
atribuída ao donatário, um direito transmitido ao donatário ou uma obrigação do donatário que o
doador assume (=tudo isto é enriquecimento/vantagem patrimonial geradora de enriquecimento
para o donatário).
Atenção que o “enriquecimento” não vem no sentido que usamos ao falar do enriquecimento
sem causa, porque este é mais amplo. O enriquecimento a que nos referimos e que é atribuído ao
donatário pode ser um aumento do ativo ou uma diminuição do passivo.

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Quanto à diminuição do património do doador, o enriquecimento tem de ser feito à custa


deste, como exige a expressão “à custa do seu património”, utilizada pelo legislador no artigo 940.º.
Ou seja, se o donatário ganha uma vantagem patrimonial, esta obtenção é à custa do património
do doador – se aumenta o património do donatário, diminui-se o património do doador.
O Dr. Menezes Leitão diz-nos que existe aqui uma diferença relativamente ao
enriquecimento sem causa, pois neste caso o património da pessoa à custa de quem se enriquece,
não tem de diminuir (como é o caso da poupança de despesas), mas na doação esta diminuição do
património do doador é sim necessária – nas doações é-se mais restrito, porque o património de
um cresce (=donatário) e o património do outro diminui (=doador).

O último requisito exige que, inerente à atribuição patrimonial, esteja um sentimento genuíno
de altruísmo, generosidade ou espontaneidade, ou seja, o doador deve ter uma intenção de
beneficiar o donatário, não podendo socorrer-se desta figura para o cumprimento de um dever, por
exemplo. É o espírito de liberalidade que justifica o enriquecimento do donatário.
É por este motivo que não há enriquecimento sem causa, nomeadamente porque esse
enriquecimento é querido pela pessoa à custa de quem ele teve lugar, isto é, o donatário enriquece
porque o doador quer que ele enriqueça – é a justificação para que alguém possa receber no seu
património uma vantagem patrimonial que o enriquece à custa do património de outra pessoa sem
nada ter de prestar em troca.
O espírito de liberalidade não pode ser deduzido pelo simples facto de se verificar a
gratuitidade do negócio, pelo que deve ser bem vincado para que se possa qualificar o negócio
como uma doação.

⚠ Situações em que há uma atribuição patrimonial feita gratuitamente, mas falta o espírito
de liberalidade, pelo que não se pode falar de doações (artigo 940.º/2 CC):

Não podem ser qualificados como doação os donativos que decorrem de meros usos
sociais. Imagine-se as gorjetas: ainda que possam parecer uma doação, não encontramos o espírito
de liberalidade. As pessoas não oferecem gorjetas num restaurante por terem uma genuína intenção
de beneficiar a pessoa que as está a atender, não o fazem por mera generosidade (fazem-no sim
porque é uma obrigação que decorre das regras do trato social, o que faz com que o seu ato
corresponda a um animus solvendi e não a um animus donandi) – é porque é socialmente exigível
que uma pessoa deixe uma gorjeta que esta gorjeta não considerar-se-á uma doação, pois, se o fosse,
a atribuição era feita por mero espírito de liberalidade e não por força do uso social enraizado.

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Há casos em que pode haver um uso social e um espírito de liberalidade, simultaneamente


(há doações que têm várias justificações). Segundo o Dr. Menezes Leitão, esses outros motivos não
afastam a qualificação destas atribuições patrimoniais como sendo uma doação, ou seja, o facto de
para além do espírito de liberalidade existir outros motivos que potencialmente o afastam não obsta
a que seja qualificado como doação – conta a vontade predominante com que a atribuição é feita.

Temos ainda os casos de renúncia ao direito próprio e o repúdio de herança (n.° 2), onde
não estamos perante uma doação.
® Quando uma pessoa renuncia a um direito próprio, a sua vontade não é atribuir
uma vantagem patrimonial em favor de outra pessoa com um espírito de liberalidade, mas é,
sim, renunciar a um direito seu. Excetuando-se os casos em que a pessoa renuncia a um
direito próprio para que com isso possa eliminar uma obrigação da esfera jurídica de outra
pessoa (p. ex., A, credor de B, perdoa-lhe a dívida – está a renunciar um direito próprio, mas
com um espírito de liberalidade, proporcionando um enriquecimento a B);
® Nos casos onde alguém repudia a herança, está a renunciar à constituição na sua
esfera jurídica de direitos e obrigações (não está a fazer uma doação), excetuando-se o caso
onde repudia-se a herança em favor dos demais herdeiros – isto só acontece nos casos em
que eu repudio a herança com o intuito (=espírito de liberalidade) de beneficiar outras
pessoas (p. ex., se eu repudio a herança porque quero que o meu irmão receba a minha parte,
neste caso, poder-se-á tratar de uma doação).

2. Características qualificativas do contrato de doação

Nominado e
típico

De execução
Primordialmente
instantânea ou
não formal
periódica

Não Primordialmente
sinalagmático consensual

Obrigacional e/ou
Gratuito real quanto aos
efeitos

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® A doação como contrato nominado e típico:


– Contrato nominado: tem um nome in iure, a lei prevê-o no artigo 940.º CC;
– Contrato típico: a lei estabelece-lhe um regime (artigos 940.º a 979.º CC);

® A doação como contrato primordialmente não formal: por norma, a doação é um


contrato formal. O artigo 947.º exige forma específica para a celebração do contrato de doação:
– Se o objeto da doação for uma coisa imóvel: a doação terá de ser feita por
escritura pública ou documento particular autenticado;
– Se o objeto da doação for uma coisa móvel: a doação está sujeita a forma escrita,
exceto se a doação for acompanhada de traditio da coisa doada, caso em que não se
exige qualquer forma;

Em suma, a doação de coisa móvel que não seja acompanhada de tradição, é um contrato
formal. O mesmo vale para a doação de coisa imóvel. No entanto, a doação de coisa móvel
acompanhada de tradição da coisa, não é um contrato formal. Em matéria de doação de coisa móvel
o legislador dá, portanto, duas opções: ou, no momento da doação, entrega-se a coisa doada, ou
reduz-se o contrato a escrito. Posto isto, vemos que há uma maior exigência de forma na doação
de coisas móveis do que aquilo que vimos para a compra e venda de coisas móveis.
O Dr. Menezes Leitão não diz bem o porquê de as coisas serem assim, mas essa exigência de
forma ou exigência de tradição para a doação de coisa móvel visa evitar doações precipitadas, isso
porque é muito fácil doar “de boca” e doar aquilo que não é meu (por isso proíbe-se a doação de
bens futuros).

® A doação como contrato primordialmente consensual: normalmente a doação não


é um negócio real quanto à constituição, bastando a exteriorização da declaração de vontade do
donatário para o contrato ser perfeito. O artigo 954.º, al. b) prevê como um dos efeitos essenciais
do contrato de doação a entrega da coisa, pelo que se conclui que a lei não associa a constituição
do contrato à entrega da coisa. Assim, normalmente, a doação será um negócio consensual, que
conclui-se na sua perfeição com a emissão das declarações de vontade. No entanto, há um caso em
que a doação é um negócio real quanto à constituição, designadamente na doação de coisa móvel
em que não há redução a escrito, onde o contrato é real quanto à sua constituição se a doação for
acompanhada de traditio. Se não for acompanhada da forma escrita, a perfeição da doação só se dá
se for acompanhada do ato de entrega (ato material que acresce às declarações de vontade e que
torna o contrato de doação num contrato real quanto à constituição) da coisa móvel doada.

® A doação tanto pode ser um contrato obrigacional como real quanto aos efeitos,
isolada ou conjuntamente:

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– A doação pode ser, simultaneamente, um contrato real e um contrato


obrigacional quanto aos seus efeitos (=situação mais comum). Transmite-se a
propriedade ou a titularidade da coisa doada e, simultaneamente, o doador fica vinculado
a uma obrigação de entrega ao donatário da coisa doada (artigo 954.º, als. a) e b) CC) –
p. ex., a doação de um imóvel que respeita a forma exigida;
– A doação pode ser um contrato estritamente obrigacional: é o que sucede nas
situações em que o doador assume uma obrigação em benefício do outro contraente, ou
seja, o enriquecimento do donatário consiste na assunção de uma obrigação do
donatário por parte do doador;
– A doação pode ser ainda um contrato estritamente real: é o que sucede na
doação de coisa móvel acompanhada de traditio ou da doação de coisa que já está na
detenção do donatário, onde o contrato de doação celebra-se sem que gere obrigações
para o doador – a obrigação seria a da entrega da coisa doada, mas esta entrega é já
requisito de validade da doação de coisa móvel (no 1° caso) pelo que não há nada a
entregar; ou então já não há nada a entregar pois o donatário já detém a coisa (2° caso).

® A doação como contrato gratuito: não existe qualquer contrapartida pecuniária para o
doador relativamente à transmissão dos bens doados.

Embora haja alguma divergência doutrinal neste âmbito, incluem-se aqui as chamadas
doações modais (quando há uma doação acompanhada de um encargo, ou seja, o donatário assume,
como encargo, o dever de realizar um determinado comportamento ao aceitar uma doação – é
aposta ao contrato uma cláusula acessória modal) – o encargo não se traduz numa contrapartida de
atribuição patrimonial feita pelo doador.
Esta qualificação do contrato de doação com cláusula acessória modal como contrato
gratuito funda-se do argumento de que o legislador limita o valor do objeto do encargo ao valor do
objeto da doação, ou seja, o objeto da doação não pode ter valor inferior ao valor do encargo, pois,
se assim fosse, não haveria benefício para o donatário (o património deste seria empobrecido). No
entanto, isto não justifica que o contrato seja gratuito, pois um contrato não é gratuito por uma das
partes receber mais do que a outra (no máximo será um contrato comutativo desequilibrado).

® A doação como contrato não sinalagmático: como negócio gratuito que é, só faz
surgir obrigações para uma das partes;

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® A doação como contrato que tanto pode ser de execução instantânea como
periódica: em regra, a doação é um contrato de execução instantânea, mas nada impede que seja
de execução periódica (o legislador admite esta hipótese no artigo 943.º).

3. Objeto da doação

O Dr. Menezes Leitão preocupa-se fundamentalmente com o que pode ou não ser objeto de
um contrato de doação.

A doação não pode abranger bens futuros (artigo 942.º/1 CC)

Subjacente a esta proibição está uma tentativa de proteger o doador de um ato precipitado –
não estando o bem ainda no património do doador, este pode não ter noção do impacto do negócio
que está a celebrar e vir a arrepender-se de o ter celebrado. Além disso, é mais fácil alguém abdicar
de um bem que ainda não entrou no seu património do que alguém abdicar de algo que já é seu.
Na compra e venda, por outro lado, é permitida a venda de bens futuros. Isso porque recebe-
se sempre algo em troca, enquanto na doação, não (o custo da precipitação de quem transmite é
muito maior na doação do que na compra e venda).

Note-se ainda que a doação de um bem futuro seria incompatível com a própria noção de
doação – esta implica que a atribuição do benefício ao donatário seja feita à custa do património
do devedor e, como se compreende, um bem futuro ainda não integra o património deste pelo que
não se verificaria o empobrecimento exigido.

⚠ Exceção – n.º 2 do artigo 942.º CC: caso em que a doação incide sobre uma universalidade
de facto que continue no uso e fruição do doador.

Exemplo: uma biblioteca. Se o doador transmite ao donatário uma biblioteca, está a transmitir
uma coisa que, apesar de compreender um conjunto de coisas singulares, é verdadeiramente uma
coisa composta.
Assim, se surgirem novas coisas singulares dentro da universalidade, estas são consideradas
como partes integrantes do objeto da doação – no nosso exemplo, se houver um novo livro que
tenha como destino a biblioteca, este considera-se como parte desta e, por isso, integrante da esfera
do donatário. A proibição da doação de coisas futuras não se põe nestes casos – o que foi doado
foi uma universalidade de facto e não as coisas singulares que a compõem.

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“A doação que tiver por objeto prestações periódicas extingue-se por morte do
doador” (artigo 943.º).

Por exemplo, se o doador se vinculou a entregar todos os meses um determinado montante


pecuniário, com a morte deste a obrigação extingue-se. No entanto, o Dr. Menezes Leitão levanta
a questão de saber se esta norma é supletiva ou imperativa (e, portanto, se pode ou não ser afastada
por vontade das partes).
O Dr. Antunes Varela diz que a norma é imperativa e, como tal, não pode ser afastada. Por
outro lado, o Dr. Menezes Leitão diz que a norma é supletiva e pode, sim, ser afastada. O Dr. Pinto
Monteiro partilha a posição de que isso está ligado aos encargos, ou seja, o legislador permite que
o doador possa doar a alguém um encargo para que esta pessoa pagasse a um terceiro, ou seja, se
A quisesse doar a B 100 mil euros por mês, mesmo para além da sua morte, poderia doar a C um
valor elevado com o encargo de ele pagar a B após a sua morte – neste caso, mesmo depois de A
morrer, por força do pagamento feito a C, B continuaria a receber.
Ora, se é permitido que um ónus continue a beneficiar um terceiro mesmo depois da morte
do doador, porque não há de ser permitido que doador e donatário expressamente convencionem
que estas prestações periódicas possam continuar a ser pagas para além da morte do doador? Este
argumento parece fazer sentido para o Dr. Pinto Monteiro.

O artigo 944.º vem regular a doação conjunta

“A doação feita a várias pessoas conjuntamente considera-se feita por partes iguais, sem que
haja direito de acrescer entre os donatários, salvo se o doador tiver declarado o contrário”. Isto
corresponde à hipótese em que o doador oferece a mesma coisa a várias pessoas, sem especificar
em que medida a coisa é doada a cada uma delas (leia-se sem especificar qual a quota de cada um).
Neste caso, a lei vem dizer que se presume que a coisa foi doada em partes iguais a cada uma delas
e ainda que, se uma delas recusar ou não puder aceitar a parte que lhe cabe, esta não vem a acrescer
às partes dos outros donatários – permanece na esfera jurídica do doador.

Temos duas alternativas possíveis: A doa uma quinta a B, C e D e, no entanto, B não aceita
– neste caso, a quota que B passaria a ter seria de 33%, mas como este recusou, esta quota não é
transmitida, caso em que continua a ser de A; outra alternativa é, perante a recusa por parte de B
da sua quota de 33%, esta acresce aos direitos dos restantes (caso o doador tenha se pronunciado
neste sentido), casos em que C e D não terão 33% cada um, mas mais do que isso, pois aos 33%
de cada acresce a parte de B que este recusou.

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O número seguinte (artigo 944.º/2) vem dizer que, no caso de usufruto constituído por
doação, há o direito de acrescer entre usufrutuários. O usufruto se estabelece conjuntamente a favor
de várias pessoas e só se consolida com a propriedade por morte do último sobrevivente (artigo
1442.º CC).

4. Forma do contrato de doação (artigo 947.º)

A doação é, por norma, um contrato sujeito a forma especial: se o contrato tiver por objeto
bens imóveis (n.° 1), tem de ser celebrado por escritura pública ou por documento particular
autenticado; se tiver por objeto bens móveis (n.° 2), tem de ser celebrado por forma escrita, exceto
quando a doação seja acompanhada da traditio da coisa e, neste caso, a traditio corresponde à
formalidade do contrato e, se não se verificar, a doação é inválida.

Estas formalidades justificam-se pela necessidade de assegurar que o doador está a tomar
uma decisão séria e consciente. Uma vez que este contrato implica um sacrifício patrimonial em
benefício de outrem, o legislador achou por bem assegurar por este meio que o doador não está a
fazer decisões precipitadas.

O contrato que não respeitar a forma exigida, é nulo (artigo 220.º CC).

5. Formação do contrato de doação

5.1. Processo de formação

O processo de formação dos contratos de doação tem algumas especificidades que se


distinguem das regras que vigoram para um comum negócio jurídico:
• A doação pode ser celebrada entre presentes e ausentes;
• O recetor de uma proposta de doação não precisa de a aceitar imediatamente: com
efeito, pode fazê-lo num momento posterior (até decorridos anos da proposta ter sido feita).
Não obstante, enquanto a proposta não for aceite, o doador é livre de a revogar a qualquer
momento (artigo 969.º CC);
• O donatário pode proceder à aceitação da proposta de doação enquanto o doador
estiver vivo (artigo 945.º/1 CC) – ou seja, só pode aceitar a proposta até verificar-se um de
dois momentos: a morte do doador ou a revogação da proposta por parte deste;

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• A aceitação está sujeita à forma exigida para o contrato, nos termos do artigo 947.º
CC (artigo 945.º/3);
• Se o donatário proceder à aceitação, esta tem de ser devidamente comunicada ao
doador. Se não o for, não produz os seus efeitos (artigo 945.º/3): o contrato só se considera
concluído aquando da receção ou conhecimento da aceitação por parte do doador (artigo
224.º/1 CC) – enquanto isto não acontecer, qualquer das partes pode revogar a sua
declaração.
• A revogação da proposta de doação tem de ter em conta as mesmas formalidades
exigidas para a doação (artigo 969.º/1 CC): no entanto, parece que a revogação pode ser feita
tacitamente – p. ex., no caso de o doador voltar a dispor dos bens objeto da proposta de
doação;
• Em caso de morte de qualquer das partes, a proposta ou a aceitação da doação
caducam: a doação tem um forte cariz intuitu personae, pelo que os herdeiros do doados não
ficam vinculados pela proposta de doação feita por ele, nem os herdeiros do donatário
estariam em condições de aceitar a proposta de doação, uma vez que o espírito de liberalidade
não era dirigido a eles, mas à pessoa que morreu;
• A haver traditio de coisa móvel doada, a aceitação da coisa por parte do donatário
é entendida como aceitação da proposta de doação;
• Em caso de doação pura feita a incapaz (artigo 951.º/2) ou nascituro (artigo 952.º),
o contrato produz efeitos imediatamente, sendo dispensável a aceitação. Assim sendo,
compreende-se que, estando a doação concluída pela simples proposta, não será possível ao
doador revogar a proposta e esta não caduca com a sua eventual morte.

5.2. Capacidade ativa e passiva para o contrato de doação

Capacidade ativa (capacidade para doar)

Segundo o artigo 948.º/1, “têm capacidade para fazer doações todos os que podem contratar
e dispor dos seus bens”, ou seja, a lei equipara a capacidade contratual ativa nas doações à
capacidade contratual nos termos gerais (artigo 67.º CC) – em suma, têm capacidade de fazer
doações todos aqueles que tiverem capacidade de exercício (não basta a capacidade de gozo).

Nos termos gerais, apenas não têm capacidade contratual ativa os menores e os maiores
acompanhados em relação aos quais tenha sido estabelecida essa restrição (artigo 138.º e ss. CC).
No entanto, o n.º 2 do artigo 948.º vem estabelecer uma particularidade no âmbito da doação: nas

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doações, a incapacidade ativa não pode ser suprida pelo poder paternal ou pela tutela ou
representação legal dos maiores acompanhados (artigos 124.º e 125.º CC) – nem mesmo com a
autorização do Ministério Público.

Ora, porque os pais não podem, enquanto representantes legais do filho menor, doar algo
que pertença ao filho menor? Isto compreende-se facilmente atentando à natureza de liberalidade
que se exige que esteja inerente a uma doação – se não for realizada pelo próprio doador, não é
verdadeiramente uma doação uma vez que carece de um elemento essencial, a liberalidade (o
espírito de liberalidade é estritamente pessoal) – a própria epígrafe da norma o diz (“caráter pessoal
da doação”).
Situação diferente é a de o filho ter capacidade ativa e, através de um mandato, encarregar
outrem de fazer uma doação (embora o ato seja praticado por outrem, o espírito de liberalidade
pertence ao doador. Não obstante, mesmo nestes casos, ainda que o espírito de liberalidade seja
imputável ao doador, não pode ser este mandato um mandato qualquer: tem de ser um mandato
onde esteja indicado aquilo que se vai doar e a quem será doado – não se pode deixar na mão de
outra pessoa o que se vai doar e a quem se vai doar. Só assim é que ainda se pode aceitar que o
espírito de liberalidade é atribuível ao mandante, embora o ato seja praticado pelo mandatário.

⚠ O momento que releva para auferir a capacidade é o momento da declaração negocial


(artigo 948.º/2). Pode acontecer que, entre o momento da declaração negocial e o momento da
conclusão do negócio, a capacidade do doador se altere. No entanto, a lei não toma estas eventuais
alterações em consideração, o momento que se deve ter em conta e que revela para efeitos de
aferição da capacidade ativa do doador, é aquele em que ele efetivamente emitiu a declaração
negocial.

Capacidade ativa das pessoas coletivas

Em relação à capacidade das pessoas coletivas para efetuar doações, importa chamar à
colação o princípio da especialidade previsto no artigo 160.º CC. Este artigo vem dizer que, se
a realização de liberalidades se encontrar nos fins da pessoa coletiva, esta terá capacidade ativa para
efetuar doações.
Assim, se a pessoa coletiva for uma fundação constituída com um fim de beneficência,
compreende-se que terá capacidade ativa para efetuar doações. Se, pelo contrário, for uma pessoa
coletiva constituída com fins económicos e lucrativos, não terá capacidade ativa para efetuar
doações uma vez que esta seria contrária ao fim para que foi constituída.

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Em certa altura o órgão deliberativo de uma sociedade comercial decidiu atribuir a cada um
dos empregados um jipe no Natal. Suscitou-se a questão de saber se tal atribuição é válida: esta
doação é nula, porque a sociedade comercial não tem capacidade ativa, uma vez que tal liberalidade
não se inclui nos fins da mesma.

Não obstante, o n.º 2 do artigo 6.º CSC vem dizer que “as liberalidades que possam ser
consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade não
são havidas como contrárias aos fins desta”.
Neste caso, temos de nos perguntar se, à luz deste artigo, a atribuição referida acima será ou
não válida. Ora, tudo dependerá das circunstâncias da época e do que é doado em comparação com
o património da sociedade. Não obstante, o n.° 2 do artigo 940.º diz-nos que “não se consideram
doações os donativos que sejam feitos de acordo com os usos sociais”. Se aquela atribuição de um
veículo a cada um dos trabalhadores não considerar-se-á uma doação, será uma liberalidade.

Capacidade passiva para as doações (capacidade para receber doações)

Segundo o artigo 950.º/1, “podem receber doação todos os que não estão especialmente
inibidos de as aceitar por disposição da lei”. Há uma capacidade genérica de aceitação para
receber doações – isto compreende-se uma vez que da doação resulta sempre, por definição, um
enriquecimento do donatário.

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Uma vez que da doação resulta sempre um enriquecimento do donatário, o legislador afastou-
se também aqui do regime geral do suprimento da incapacidade negocial – quando estamos perante
doações puras feitas a incapazes (contrato de doação unilateral), o legislador vem estabelecer
que o negócio produz efeitos, sem que seja necessária uma declaração de aceitação, em tudo o que
aproveitar ao donatário – artigo 951.º/2 CC.

Ainda assim, uma vez realizada a doação, os bens doados passam a ser administrados pelo
representante legal do incapaz, a não ser que o negócio tenha sido realizado contra a sua vontade
ou que o doador determine a sua exclusão da administração dos bens – nestas situações, o doador
pode designar um administrador para administrar os bens do incapaz que lhe foram doados por si,
e só esses.
Note-se que se estiverem em causa doações com encargos mantém-se a necessidade de
aceitação (se o donatário tiver capacidade de exercício; se não a tiver, tem de ser o seu representante
a aceitar), pelo que, para que a doação se realize, é necessária a intervenção do representante legal
do incapaz de modo a suprir sua incapacidade negocial (n.° 1 do artigo 951.º) – e é ainda necessária
a autorização do Ministério Público para que a doação se realize por intermediário do representante
legal do incapaz.

Capacidade dos nascituros (concebidos ou não concebidos) para receber doações (artigo
952.º CC) – (matéria facultativa)

O legislador atribui capacidade para receber doações aos nascituros, desde que eles sejam
filhos de uma pessoa determinada e viva no momento da declaração de vontade do doador
(proposta de doação). No entanto, a lei não prevê nenhum regime a aplicar a estas doações.
® Tratando-se de uma doação pura, parece ser de aplicar o artigo 951.º/2 – não é
necessária a existência de uma aceitação para que a doação produza efeitos em tudo o que
aproveitar ao donatário.
® Tratando-se de uma doação com encargos – exige-se a aceitação por parte dos
pais dos nascituros enquanto representantes legais dos mesmos, e ainda a autorização do
Ministério Público.

Nos termos do n.º 2 do artigo 66.º CC, os direitos dos nascituros dependem do seu
nascimento, pelo que a aquisição do bem doado por parte do nascituro só se dá no momento em
que ele nasce. Se, por uma qualquer razão, não houver um nascimento, a doação caduca.

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Até ao momento do nascimento do donatário, a lei presume, no artigo 952.º/2, que o doador
reserva para si os bens doados. Mas esta presunção pode ser elidida (artigo 350.º/2 CC) – com
efeito, o doador pode permitir a administração dos bens doados ao nascituro pelos seus pais (artigo
1878.º/1 CC), designar uma outra pessoa para o fazer (artigo 1968.º CC) ou até mesmo permitir
que qualquer pessoa (incluindo os pais) usufrua dos bens doados (artigo 958.º CC).

5.3. Mandato para doar

A lei não admite que se realize um contrato de mandato mediante o qual o mandante atribua
ao mandatário a faculdade de escolher o donatário ou o objeto da doação – o que se compreende
facilmente tendo em conta o espírito de liberalidade que se exige numa doação.
No entanto, o legislador admite que se atribua, mediante mandato, a faculdade de escolher o
donatário ou de determinar o objeto da doação, desde que essa escolha seja feita de entre um grupo
determinado de possíveis beneficiários ou objetos indicados pelo doador.

5.4. O contrato-promessa de doação

A causa do contrato de doação é o espírito de liberalidade, ao passo que, quanto ao contrato-


promessa, o que é central é o contrato prometido ser uma coisa e o objeto do contrato-promessa
ser outra – uma coisa é o contrato-promessa de doação e outra coisa é o contrato de doação. O
contrato de doação e o contrato-promessa de doação não nos parece ser passíveis de misturar-se.
Das duas uma: ou um contrato-promessa é um contrato de doação (mas não pode ser, pois
são coisas diferentes) ou então não há espírito de liberalidade no contrato prometido. Ora, a
admissibilidade deste contrato tem sido alvo de várias discussões doutrinais:

Para alguns autores, este não é um negócio admissível:

Estes autores invocam que, ao admitirmos este negócio:


– Estamos a colocar em causa o requisito da espontaneidade;
– O negócio seria já ele mesmo uma verdadeira doação e não um contrato-promessa;
– Estaríamos a colocar em causa a proibição legal de doação de bens futuros.

A maioria da doutrina vem admitir este negócio:


– Desde já, o contrato-promessa de doação é um negócio que se encontra previsto
noutros ordenamentos jurídicos;

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– Estes autores entendem que o requisito da espontaneidade não é posto em causa pela
admissão deste contrato. Entendem que o contrato-promessa de doação é espontâneo;
– Vêm ainda dizer que o contrato não põe em causa a proibição legal de doação de bens
futuros uma vez que, através do contrato-promessa de doação, não se doa um bem
futuro (o contrato-promessa vem apenas constituir um direito de crédito à celebração
do contrato de doação.

⚠ No entanto, surgem algumas divergências doutrinais sobre o modo como se harmonizam


estes dois contratos:

Larez e, entre nós, Vaz Serra

Estes autores defendem que o contrato promessa de doação é já ele verdadeiramente uma
doação uma vez que o doador, ao atribuir de uma forma gratuita um crédito ao donatário, está já a
onerar o seu património em benefício de outrem – fazendo-o com espírito de liberalidade, estes
autores entendem que não há razão pela qual não se possa considerar o contrato promessa de
doação um verdadeiro negócio de doação.

Por outro lado, o contrato definitivo, aquele que corresponderia verdadeiramente à doação,
já não o é – com efeito, o doador, ao celebrar o contrato definitivo, fá-lo no cumprimento de um
crédito que assumiu pela celebração do contrato promessa. Sendo assim, estes autores entendem
que neste segundo contrato não se verifica o espírito de liberalidade essencial ao contrato de doação
uma vez que há um animus solvendi e não um animus donandi.

Antunes Varela

No entender do Dr. Antunes Varela, a doação está essencialmente no contrato promessa de


doação, mas entende que o segundo contrato (o definitivo) também não deixa de ser uma doação.
O autor considera que o espírito de liberalidade que determinou a celebração da promessa de
contratar ainda se encontra presente no segundo contrato.

Ana Prata

Esta autora vem dizer que dificilmente se pode considerar o contrato definitivo como doação
uma vez que existe um animus solvendi, mas entende que não deixa de haver um certo espaço de

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liberalidade na celebração do segundo contrato uma vez que a promessa de doação não é suscetível
de execução específica.

Conclusão do Dr. Luís Menezes Leitão

O Dr. Menezes Leitão conclui que não há dúvidas de que o contrato promessa de doação
deve ser entendido, ele próprio, como uma verdadeira doação. O autor vem ainda dizer que, ainda
que o animus solvendi e o animus donandi sejam tradicionalmente incompatíveis, no contrato
definitivo ainda se verifica um verdadeiro exercício da autonomia privada pelo que ele pode ser
também qualificado como doação. Com efeito, o espírito de liberalidade inerente à celebração do
primeiro contrato tem de ser renovado aquando da celebração do segundo.

Reconhecida a admissibilidade do contrato promessa de doação, qual a forma para ele


exigida?
• Se a promessa respeitar a um bem imóvel: nos termos do artigo 410.º/2, o contrato
promessa terá de ser celebrado por forma escrita;
• Se a promessa respeitar a outros direitos: o contrato promessa também terá de ser
celebrado por escrito uma vez que o n.° 2 do artigo 947.º o exige para todas as doações que
não sejam realizadas mediante traditio e o contrato promessa de doação corresponde a uma
doação obrigacional.

O Dr. Luís Menezes Leitão vem ainda dizer que, apesar do caráter vinculativo do contrato
promessa de doação, este não parece ser suscetível de execução específica (artigo 830.º/1 CC) uma
vez que isso seria incompatível com a sua natureza, com o caráter de liberalidade.

5.5. Invalidade e confirmação da doação

Se a doação não obedecer à forma legal que lhe é exigida no artigo 947.º CC ou se se verificar
uma situação de indisponibilidade relativa (artigo 953.º CC), a doação pode ser nula. No entanto, o
regime da nulidade que é estabelecido para a doação afasta-se do regime geral – com efeito, admite-
se a chamada “confirmação da doação nula” pelos herdeiros do doador.

Nos termos do artigo 968.º CC, “não pode prevalecer-se da nulidade da doação o herdeiro
do doador que a confirme depois da morte deste ou lhe dê voluntária execução, conhecendo o vício
e o direito à declaração de nulidade”.

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Daqui se infere que a confirmação pode ser expressa ou tácita nos termos gerais (artigo
227.º CC), conforme o herdeiro confirme a doação direta e expressamente ou lhe dê voluntária
execução.
Para que o herdeiro possa proceder à confirmação nestes termos, exige-se que ele tivesse
conhecimento do vício que funda a nulidade e do seu direito à declaração de nulidade. Imagine-se
que o herdeiro procede à confirmação da doação, expressa ou tacitamente, sem ter conhecimento
de que esta padecia de um vício ou do seu direito a invocar a nulidade – neste caso, o herdeiro não
fica impedido de invocar a nulidade a partir do momento em que teve conhecimento dela ou do
seu direito. No caso de o herdeiro confirmar a doação, mesmo sabendo que era nula, este perde o
direito de invocar a nulidade (isto cinge-se ao herdeiro do doador).

Entre nós, consideramos não estar perante um verdadeiro caso de confirmação, uma vez que
não se verifica uma sanação da invalidade do ato. Entendemos estar perante uma situação de
confirmação imprópria, onde o que se verifica é uma perda ou renúncia ao direito de invocar a
nulidade do negócio.

6. Cláusulas acessórias nas doações

O legislador vem prever, nos artigos 958.º e ss., algumas cláusulas acessórias que as partes
têm por uso incluir no contrato de doação.

6.1. Reserva de usufruto (artigo 958.º)

O doador pode instituir uma reserva de usufruto a seu favor ou a favor de um terceiro.
Em bom rigor, esta previsão não seria necessária uma vez que a lei não estabelece restrição
aos direitos que podem ser objeto da doação, e a denominada reserva de usufruto nada mais é do
que uma simples doação apenas da nua propriedade – quando é realizada a favor do doador – ou
uma doação simultânea da nua propriedade e do usufruto a pessoas diferentes – quando a reserva
é constituída a favor de terceiro.
A razão para esta previsão expressa resulta apenas do receio de que a sua admissibilidade
pudesse ser questionada com base na velha regra “donner et retenir ne vaut”.

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6.2. Reserva do direito a dispor de coisa determinada ou de certa quantia


sobre os bens doados (artigo 959.º)

O doador pode reservar-se a faculdade de dispor por ato inter vivos ou post mortem de
qualquer objeto compreendido na doação ou de qualquer quantia sobre os bens doados – ou seja,
de uma parte específica do complexo material que constitui o objeto da doação.
São as situações em que o doador reserva para si o direito de dispor de qualquer objeto
compreendido na doação, ou seja, pode fazer a doação de alguma ou algumas das coisas nela
compreendida. Parece que esta reserva só é permitida se tiver sido várias coisas doadas e se limitar
a alguma ou algumas delas (e não a todas).

A natureza desta cláusula varia consoante esteja em causa o direito de dispor de coisa
determinada ou o direito a quantia certa sobre os bens doados:
• Se estiver em causa o direito de dispor de coisa determinada: a cláusula acessória
assemelha-se a uma condição resolutiva potestativa. Ainda que o donatário não esteja impedido de
alienar a coisa, a cláusula institui uma propriedade resolúvel por arbítrio do doador.
• Se estiver em causa o direito de dispor de quantia certa: a cláusula faz surgir uma
obrigação para o donatário – a obrigação de pagar a respetiva quantia. Assim, neste caso, há a
instituição de um encargo sujeito à condição suspensiva potestativa de exercício da faculdade de
disposição. Daí que o donatário não seja obrigado a satisfazer o encargo senão nos limites do direito
doado.

O objeto da reserva de disposição deve ser determinado

Se a cláusula não individualizar devidamente a coisa ou limitar a quantia objeto da reserva de


disposição, será nula.
Esta faculdade termina com a morte do doador, não é transmissível aos herdeiros (n.º 2 do
artigo 959.º CC). Isto compreende-se na medida em que, nos negócios de liberalidade, deve atender-
se à vontade do autor e ainda na medida em que, sendo que a reserva de disposição institui uma
situação de incerteza sobre a titularidade dos bens doados, não convém que a prorroguemos
excessivamente.

Quando a reserva respeite a coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo, tem de ser registada
– artigo 94.º, al. b) CRPredial. Este direito pode ser oponível a terceiros e pode sê-lo em qualquer
caso se a coisa for móvel ou se tiver sido registada a cláusula acessória sempre que seja um imóvel
ou móvel sujeito a registo. Se não for registada, é ineficaz perante terceiros, não impedindo o seu

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exercício entre as partes. Não sendo o bem sujeito a registo, parece que o exercício da reserva pode
ser livremente oponível a terceiros uma vez que, caso contrário, a reserva perderia qualquer efeito
prático.

6.3. Cláusula de reversão (artigo 960.º)

Este artigo determina que o bem doado regressa à titularidade do doador em caso de pré-
decesso do donatário ou do donatário e seus descendentes, presumindo-se ser esta última a solução
aplicável, salvo estipulação em contrário (artigo 960.º/2 CC) – estas cláusulas servem para o doador
que queira beneficiar apenas o donatário ou este e seus descendentes.
Isto significa que o doador não deseja estender a sua generosidade a todos os herdeiros e
legatários do donatário, mas antes pretende limitá-la a este ou, como a lei presume supletivamente,
a ele e aos seus descendentes, visando-se assim que o bem doado permaneça sempre naquela estirpe
familiar.

Em suma, se o doador dá a um amigo seu, pode querer que só ele aproveite aquilo que foi
doado. Neste caso se eu, donatário, morrer antes do doador, a coisa reverte-se para a esfera jurídica
do doador. Também pode haver casos em que o doador queira atribuir o benefício ao donatário e
aos seus descendentes, onde é necessário que o doador sobreviva ao donatário e aos seus
descendentes (têm de morrer todos antes do doador para que a coisa volta para a esfera jurídica do
doador).

A cláusula de reversão afeta a doação de uma condição resolutiva (artigo 270.º CC). Esta
fica resolvida se a morte do donatário, ou dele e dos seus descendentes, se verificar antes da morte
do doador.
A sua verificação tem efeito retroativo (artigo 961.º CC): “os bens doados que pela cláusula
de reversão regressem ao património do doador passam livres dos encargos que lhes tenham sido
impostos enquanto estiverem em poder do donatário, ou de terceiros a quem hajam sido
transmitidos”.

Se tratando de uma coisa móvel, a reversão é eficaz perante terceiros. Tratando-se de uma
coisa imóvel, apenas é eficaz perante terceiros se houver sido registada.

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6.4. Doação sujeita a condição

O legislador admite ainda a possibilidade de apor ao contrato de doação uma condição,


sendo-lhe aplicável o regime geral da condição previsto no artigo 270.º e ss. CC. Assim:
– A condição pode ser resolutiva (quando se verificar o evento certo e futuro, o
contrato deixa de produzir efeitos) ou suspensiva (o contrato só começa a produzir
efeitos aquando da verificação do respetivo evento);
– A condição pode ser positiva ou negativa;
– A condição pode ser casual, potestativa ou mista;
– A verificação da condição tem eficácia retroativa (artigo 276.º CC);
– O negócio na pendência da condição é regulado pelos artigos 272.º e ss. CC.

Exceção à aplicação do regime geral da condição

Nos termos do artigo 967.º CC, as condições física ou legalmente impossíveis, contrários à
lei, à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes ficam sujeitos às regras estabelecidas em
matéria testamentária, determinando neste caso a aplicação à doação do regime do testamento em
substituição do regime geral da condição. Assim, não é aplicável, em sede de doação, o disposto no
artigo 271.º CC (aqui vigora o regime do art. 2230.º CC).
Note-se que, nos termos do artigo 968.º CC, mesmo nas doações nulas, admite-se a sua
confirmação pelos herdeiros do donatário.

Resulta ainda do artigo 2186.º que será nulo todo contrato de doação se da interpretação
resultar que foi essencialmente determinada a atribuição patrimonial por um fim contrário aos bons
costumes.

⚠ Condições proibidas (concretizações do que é contrário à lei para efeitos do 2230.º)

® As condições descritas no artigo 2232.º CC: o tipo de condições ali previstas


restringem consideravelmente a liberdade do donatário pelo que é compreensível que a lei venha a
excluir esse tipo de doações – o legislador considera-as não escritas, ainda que o doador tenha
declarado o contrário.
® A condição de casar ou não casar (artigo 2233.º/1 CC): a liberdade matrimonial
constitui um princípio fundamental do nosso Direito da Família pelo que ninguém pode ser
constrangido a celebrar ou não celebrar o casamento – o legislador considera qualquer condição
relativa a este facto nula.
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® A condição captatória (artigo 2231.º CC): esta condição consiste no facto de o


donatário ter de igualmente fazer uma disposição a favor do doador ou de outrem – por exemplo,
A doa uma casa a B mediante uma contrapartida por parte deste (destrói-se o espírito de
liberalidade). Com efeito, a doação tem de ser realizada com espírito de liberalidade, não fazendo
sentido que se mantenha quando é, ao invés, determinada pela intenção de obter uma outra
disposição – o legislador considera nula uma condição aposta nestes termos.

6.5. Doação modal (artigo 963.º)

O legislador admite ainda a possibilidade de as doações serem oneradas com encargos (este
encargo não é verdadeiramente um ónus mas sim um dever jurídico assumido pelo donatário) – o
modo ou encargo consiste numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga à
realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de terceiro ou do próprio
beneficiário.
A doação modal é fonte de uma obrigação (e não um mero ónus) a cargo do donatário, ou
seja, aquilo que ele assume ao aceitar a doação é o cumprimento de um dever jurídico (o ónus não
é exigível, mas é um comportamento que o onerado adota caso queira beneficiar de uma certa
vantagem).

Uma doação modal é uma doação feita sob restrição, aquilo que temos sempre de mencionar
é o facto de esta restrição corresponder à dissolução de um vínculo por parte do donatário, por
causa de uma prestação que poderá ter como beneficiário o doador, um terceiro ou o donatário.
Ou seja, é uma doação em que o donatário assume o dever de realizar uma prestação. Este
encargo, parece uma obrigação em sentido técnico porque, de facto, como Menezes Leitão refere,
este encargo corresponde a uma prestação, ou seja, o donatário ao aceitar a doação vincula-se à
realização de uma prestação.
Verdadeiramente, apesar de por vezes chamarmos a esta prestação um ónus, a realidade é
que parece que a prestação está sempre associada a um dever, é sempre o objeto de uma relação
creditória.

A finalidade é que é a de representar um ónus/encargo a assumir pelo donatário no caso de


ele, donatário, querer beneficiar de uma vantagem (atribuição patrimonial), mas verdadeiramente
esta prestação só é um ónus quanto ao seu fim, porque quanto a sua estrutura ela está associada a
um dever jurídico. Tanto assim que é o encargo pode ser assumido pelo devedor ou por outras
pessoas, coisa que não faria sentido se a prestação a que o donatário se vincula fosse um mero ónus

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em vez de se tratar de um dever jurídico, porque um ónus não pode ser exigido, mas um dever
pode. Este encargo é um verdadeiro dever jurídico porque o seu comportamento pode ser exigido.
O ónus no âmbito da doação modal pode ser exigido pelo devedor ou outras pessoas, há
uma legitimidade difusa para exigir o seu comportamento (artigo 817.º). Assim, esta doação modal
é fonte de uma obrigação a cargo do donatário, aquilo que ele assume ao aceitar a doação é o
cumprimento de um dever jurídico – por exemplo, A dá a B uma coleção de livros com o encargo
de ele a exibir mensalmente.
Esta obrigação está associada a um dever jurídico, que pode ser exigível por A ou pelas
pessoas que seriam beneficiários daquela exibição. Aquilo que o donatário assume é uma obrigação.
O facto de se dizer que é um ónus é enganador, porque quanto à estrutura é uma obrigação
precisamente porque pode ser exigida, e se fosse um ónus não seria sequer exigida, o ónus é um
comportamento que o onerado livremente adota caso queira beneficiar de uma certa vantagem.
Ora, aqui, para auferir da vantagem ele vinculou-se a um comportamento que lhe é exigível.

6.5.1. Regime

Artigo 963.º/2:

O encargo, a atribuição patrimonial assumida pelo donatário não pode ultrapassar em valor
a atribuição patrimonial que a seu favor foi feita pelo devedor. Ou seja, o ónus/encargo não pode
ter um valor superior aquela que foi feita pelo devedor. O encargo será sempre comprimido quanto
ao seu valor pelos limites formados pelo valor da coisa ou direito doado.
Em suma, uma vez que funciona como restrição à liberalidade e não como contraprestação,
o encargo fica limitado ao valor da própria liberalidade, estabelecendo por isso o artigo 963.º/2 que
o donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites da coisa ou do direito
doado. Assim, o encargo não pode superar o valor da doação, podendo inclusivamente, de acordo
com a regra do artigo 398.º/2 não ter valor patrimonial, bastando que corresponda a um interesse
digno de proteção legal, para o seu beneficiário ou mesmo para o próprio doador.

Artigo 965.º:

O cumprimento do encargo pode ser exigido tanto pelo doador, os seus herdeiros, ou
qualquer interessado. Estabelece-se assim uma legitimidade difusa para exigir o cumprimento da
obrigação, derrogando-se as regras gerais que apenas atribuem essa legitimidade ao credor (artigo
817.º). Na doação com encargos, independentemente de o doador, seus herdeiros, ou qualquer

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pessoa interessada no cumprimento, serem ou não credores do encargo, têm a possibilidade de


exigir do donatário o seu cumprimento. Isto mostra como o encargo é, na realidade um dever.

Exemplo: Se alguém fizer uma doação a determinada entidade, com a obrigação de esta
oferecer uma refeição aos pobres na noite de Natal ou doar um terreno com a obrigação de aí ser
instituído um jardim público, qualquer interessado poderá legitimamente reclamar o cumprimento
desse encargo.

Artigo 966.º: Quid iuris se o encargo cujo cumprimento não for exigido, não o for?

Pode ser proposta uma ação de cumprimento.


Mas também pode ser resolvido o próprio contrato de doação face a esse cumprimento,
porém, este direito de resolução é atribuído em termos mais restritos do que aquilo que o é,
geralmente no artigo 436.º, ou seja, normalmente, quando não se cumpre uma obrigação, o artigo
801.º/2 prevê que a outra parte resolva o contrato, ainda que o contrato não preveja o
incumprimento como fundamento resolutivo. O artigo 966.º é mais exigente, porque nos diz que
no âmbito da doação com encargo, o incumprimento do encargo só atribui ao devedor o direito de
resolução se esse direito tiver sido expressamente previsto no contrato de doação. Portanto, a
doação modal só pode ser resolvida com base no incumprimento do encargo, se esse direito de
resolução for atribuído pelo contrato, ao contrário do que acontece, em geral, nos termos do artigo
801.º/2, solução esta que não se estende ao contrato de doação modal, onde é necessário que a
resolução esteja prevista no contrato.

Em suma, tratando-se de uma doação modal, o doador e os seus herdeiros só poderão


resolver a doação, em caso de incumprimento, se esse direito de resolução constar do próprio
contrato. Portanto, face ao incumprimento do modo, pode-se recorrer à ação de cumprimento ou
resolução do contrato caso esta se encontre prevista no contrato.

E os beneficiários? Podem exigir judicialmente o cumprimento, mas não podem resolver


(apenas o doador e seus herdeiros).

E se o modo for ilícito/impossível? Por exemplo, A doa a B uma quinta, mas B vincula-
se a beber toda a água do oceano. Este encargo é impossível/ilícito.
Aplicamos ao modo ilícito e impossível as regras da condição ilícita e impossível, o artigo
967.º que fala das condições, se estende aos encargos – artigo 2230.º. Ou seja, se forem físicas ou
legalmente impossíveis, consideram-se não escritos e não prejudicam o donatário, salvo declaração

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em contrário. Se forem contrários à lei, à ordem pública ou ofensivos aos bons costumes,
consideram-se igualmente como não escritos, ainda que o testador tenha declarado o contrário,
salvo se se puder concluir que a doação foi essencialmente determinada por esse fim, caso em que
será integralmente nula (artigo 2186.º).

Caso prático n.° 1 (7 do livro)

Luís doou por escritura pública à sua sobrinha e afilhada, Maria Luísa, uma moradia com a
condição de ela ficar a viver para sempre na terra e de nunca vir a casar. Entretanto Luísa ganhou
uma bolsa de estudo para uma Escola de Arte e pretende mudar-se para Londres. Quid iuris?

· Conceito do contrato de doação


· Características
· Forma

Esta em causa uma doação sob condição – a questão aqui em causa é o facto de Luísa querer
saber se continuará a ser proprietária da moradia, mesmo mudando-se para Londres. Esta condição
resolutiva tem como consequência, ou efeito produzido por si, como alcance, o facto de sujeitar a
manutenção da produção dos efeitos da transmissão do direito de propriedade sobre a moradia, à
não verificação de determinados eventos. Ou seja, a doação produz efeitos se não se verificar
qualquer um destes eventos futuros e incertos quanto à sua verificação – de Luísa mudar de terra
ou de se casar – por que Luís lhe doa a terra com essas condições, o que significa que se ela deixar
de viver na terra ou se casar, a doação deixa de produzir os efeitos.

Regra geral, a doação sob condição é permitida, aplicando-se o regime geral, com um desvio
importante – as condições físicas ou legalmente impossíveis, ou ilícitas, ficam sujeitas às regras
testamentárias (artigo 2230.º). Ora, o artigo 2230.º/1 aplica-se as condições impossíveis e o artigo
2230.º/2 aplica-se às condições ilícitas. No caso em apreço, a condição é possível, porém é ilícita a
condição de casar ou não casar que circunscreve a liberdade de constituir família de uma pessoa. O
mesmo se diz, em termos de ilicitude, da condição de residir sempre no mesmo sítio. O legislador,
quanto à condição de casar ou não casar, diz-nos que ela é ilícita (artigo 2233.º), quanto à condição
de residir também é ilícita nos termos do artigo 2232.º. Por estes motivos, podemos concluir que
esta condição do contrato de doação é contrária à lei, pelo que se aplica o artigo 2230.º/2, que nos
diz que esta condição se tem por não escrita.

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Mesmo mudando-se para Londres, Luísa continua a ser proprietária da moradia, porque a
condição imposta é ilícita, pelo que a doação produz efeitos, mas a condição tem-se por não escrita.

A parte final do artigo 2230.º/2, remete para o artigo 2186.º, em que pode haver casos em
que a condição é ilícita e todo o contrato de doação não produz efeitos. Este artigo não tornaria o
contrato nulo, se olhássemos para o fim da doação sem considerar o fim da condição. Se
considerássemos o fim da doação de forma autónoma, própria, atribuindo uma relevância
autónoma, temos de o considerar sem olhar para a licitude ou ilicitude da condição. Vamos olhar
para o fim da doação em si, sem ser condicionado, porque sendo a condição necessariamente ilícita,
então o fim será ele próprio sempre ilícito. Se olharmos com esta condição ilícita para o seu fim,
diríamos sempre que o fim da doação seria ilícito. Mas este fim é o fim da condição, estamos a fazer
coincidir o fim da doação com o fim da condição, que é sempre ilícito. Assim, para que o artigo
2186.º faça sentido, é necessário que não considerarmos a condição. O fim deste artigo é o fim da
doação sem considerar a condição. Se ignorarmos a condição do contrato, se a tivermos como não
escrita, e perguntarmos qual é o fim da doação entre Luís e Luísa, não há nada de ilícito – Luís quis
dar uma moradia a Luísa, o que nada tem de ilícito. Aquilo que é ilícito é a condição e não o fim da
doação em sim mesmo. Torna-se desprovido de sentido que o artigo 2230.º estabeleça uma sanção
e o art.2186 estabeleça outra.

Em suma:
· Doação sob condição;
· Condições proibidas;
· Consideram-se não escritas;
· Artigo 2230.º/1 (impossível) ou artigo 2230.º/2 (ilícita);
· Artigo 2186.º – a doação pode ser nula, se o fim da atribuição patrimonial em si mesmo,
for ele próprio impossível ou ilícito.

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Caso prático n.° 2

Alberto doou ao seu filho Jorge, com reserva de usufruto, a sua casa de habitação com a
obrigação de este “o acompanhar na saúde e tratar na doença”. Desde o natal do ano passado, as
relações entre ambos deterioraram-se e Jorge nunca mais falou com o pai, recusa-se a acompanhá-
lo ao médico e ao hospital e nunca mais lhe fez as compras no supermercado. Alberto sente-se
amargurado com a situação, depende da ajuda da sua sobrinha e vizinha Margarida e pretende
extinguir a doação. Quid iuris?

Trata-se de uma reserva de usufruto, o problema que está aqui em causa não é atinente a esta
cláusula acessória. Este contrato tem uma cláusula de usufruto e o modo.
O modo é que Jorge, a quem foi doada a propriedade da casa, acompanhasse o pai na saúde
e na doença, o sentido atribuído a este modo, encargo era que Jorge o acompanhasse ao médico e
ao supermercado.
Jorge deixou de cumprir o modo, que é um dever. Portanto, assumiu o encargo ao assumir a
obrigação e deixou de o fazer, não porque o encargo se tivesse tornado tao valioso quanto a coisa
doada ou direito transmitido gratuitamente, mas porque resolveu deixar de o fazer.
Alberto pretende extinguir a doação, para que o possa fazer com base no incumprimento de
Jorge, isto é, com base de o donatário ter deixado de realizar a prestação, seria necessário que esse
direito de resolver o contrato, tivesse sido atribuído ao devedor e seus herdeiros pelo próprio
contrato. Ou seja, seria necessário que o contrato de doação previsse a atribuição ao doador Alberto
a possibilidade de resolver o contrato por incumprimento do ónus.

In casu, nada nos é dito. Se o contrato previsse o direito de o doador resolver o contrato em
caso de incumprimento, então Alberto poderia resolver a doação (artigo 967.º). Mas se o contrato
não previsse esse direito de resolução não o poderia fazer. Margarida nunca poderia resolver o
contrato, porque nos termos do artigo 966.º esse direito é atribuído ao doador ou seus herdeiros,
sendo Margarida apenas sobrinha, não sabemos se ela é herdeiro ou não. Portanto, Margarida teria
de ser herdeira, e a hipótese de resolução teria de estar consagrado no contrato.
Não podendo resolver o contrato, o artigo 965.º atribui ao doador e aos próprios
beneficiários de exigirem judicialmente o cumprimento do modo. Portanto, se Alberto não pudesse
resolver o contrato, poderia exigir judicialmente o cumprimento do modo, a que o donatário se
vinculou.

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7. Proibições de doação

A lei enumera várias situações em que que a celebração do contrato de doação está vedada.
O nosso Código Civil pretendeu equiparar as indisponibilidades relativas nas doações às vigentes
em sede de sucessão testamentária. Assim, o artigo 953.º CC vem estabelecer que é aplicável às
doações, devidamente adaptado, o disposto no artigos 2192.º a 2198.º CC – esta remissão justifica-
se por haver um paralelismo entre o espírito de liberalidade do contrato de doação e as disposições
testamentárias.

7.1. Doações a favor de tutor, administrador legal de bens, ou protutor que


substitua o tutor ou acompanhante

Esta proibição vem abranger as doações efetuadas pelo incapaz a favor dos pais, do tutor,
curador ou administrador legal de bens, bem como a favor do protutor, se ele tiver alguma vez
exercido as funções de tutor, ou ao seu acompanhante no caso dos maiores acompanhados.

Se a doação fosse feita durante o período de incapacidade, nem seria necessário estabelecer
esta situação de indisponibilidade relativa uma vez que o incapaz não tem capacidade ativa para
celebrar uma doação e esta não pode ser suprida (artigo 948.º/1 CC). No entanto, a lei vem
consagrar genericamente esta indisponibilidade relativa de modo a abranger as doações feitas a estas
pessoas mesmo após a cessação da incapacidade do doador e de modo a que as doações celebradas
neste âmbito sejam sancionadas com a nulidade e não apenas com a mera anulabilidade.

• Maiores acompanhados

O artigo 2192.º CC, por remissão do artigo 953.º CC, vem dizer que estão proibidas as
doações por parte de maiores acompanhados em benefício do seu acompanhante ou administrador
legal de bens, ainda que estejam aprovadas as respetivas contas – a doação feita em desrespeito por
esta proibição, é nula.
No entanto, uma vez cessada a incapacidade, a doação é válida se for feita a favor de
descendentes, ascendentes, colaterais até ao terceiro grau, cônjuge do doador ou pessoa com quem
este vivia em união de facto – n.º 2 do artigo 2192.º CC.

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• Menores

Em relação aos menores, parece que a celebração de um contrato de doação só será permitida
a favor do seu tutor, curador, administrador legal de bens ou protutor uma vez atingida a maioridade
e aprovadas as respetivas contas.
No entanto, ainda que não estejam aprovadas as contas, parece que a doação não será nula
se for efetuada a favor dos familiares referidos no n.º 2 do artigo 2192.º CC.

7.2. Doações a favor de médicos, enfermeiros ou sacerdotes

Por remissão do artigo 953.º CC, o disposto no artigo 2194.º é aplicável, com as devidas
adaptações, à doação. Ora, este artigo vem dizer que “é nula a disposição a favor do médico ou
enfermeiro que tratar o doador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual, se a doação
for feita durante a doença e o seu autor vier a falecer dela”.
Isto compreende-se uma vez que o autor da liberalidade está numa posição vulnerável
perante estas pessoas, o que justifica que a lei o venha proteger e remeta a celebração do contrato
para um momento posterior em que o autor esteja munido da sua normal força e discernimento.

No que toca às disposições testamentárias, a lei exige dois requisitos para que a doação seja
considerada nula: o testador (doador) estar doente e o testador (doador) vir a falecer da doença.

No âmbito das disposições testamentárias, isto compreende-se uma vez que o testador, se
não vier a falecer da doença e ficar curado, pode revogar livremente o testamento a qualquer
momento até à sua morte uma vez que o testamento só produz efeitos a partir desse momento. Se
não o fizer, certamente foi porque decidiu manter a liberalidade feita a favor do médico, enfermeiro
ou sacerdote que dele tratou.
No entanto, a doação não é suscetível de revogação a partir do momento em que é aceite
pelo donatário – ora, isto justifica que, no âmbito da doação, nos bastemos com o primeiro
requisito. Com efeito, se o doador, findo o período em que estava vulnerável e à mercê daquelas
pessoas, quisesse revogar a doação, já não o poderia fazer se ela tivesse sido aceite pelo donatário.

Assim, todas as doações efetuadas a favor destas pessoas durante o período de doença do
doador, deverão ser consideradas nulas – independentemente de o doador vir a falecer da doença
ou não.

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Exemplo
A tem um cancro e vai ser operada, faz na véspera um testamento onde inclui o médico que
a está a tratar. A faz a operação, esta corre perfeitamente e A volta para casa saudável. Entretanto,
decide retirar o médico do testamento - A pode livremente fazê-lo, pois o testamento é revogável
a todo o tempo.
Imagine-se agora a mesma situação, mas o negócio que A celebrou a favor do médico foi
uma doação. Se A mudar de ideias, não pode revogar a doação, e, se aplicarmos o segundo requisito
do artigo 2194.º CC dá-se a dação. A continua a não estar protegida. Portanto, não faz sentido
aplicar este segundo requisito à doação, aplicamos só o primeiro requisito.

7.3. Doação a favor de notário, intérprete ou testemunhas que tenham


intervenção no ato

O artigo 2197.º CC, por remissão do artigo 953.º CC, vem ainda proibir a doação a favor de
notário, interprete ou testemunhas que tenham tido intervenção no ato – a doação feita em
desrespeito desta proibição é nula.
Isto compreende-se pelo facto de estas pessoas, pelo conhecimento especializado que
conseguem obter do doador, poderem influenciá-lo de modo a que este realize uma liberalidade em
seu benefício, o que faria com que esta doação não fosse um ato livre.

7.4. Doação a favor do cúmplice do doador adúltero

O artigo 2196.º CC por remissão do artigo 953.º CC, vem proibir as doações feitas pelo
cônjuge adúltero ao seu cúmplice. Isto assim o é por motivos de tutela da instituição familiar de
modo a proteger os interesses do outro cônjuge.

A doação celebrada em desrespeito por esta proibição será nula. No entanto, a lei vem
consagrar duas exceções a esta proibição – a doação não será nula se:
– O casamento já se encontrava dissolvido, os cônjuges separados judicialmente de
pessoas e bens ou separados de facto há mais de 6 anos;
– A doação limitou-se a assegurar alimentos ao beneficiário.

⚠ Nota (artigo 2198.º): as proibições de doação referidas nos números anteriores também
são nulas se celebradas através de interposta pessoa (artigo 579.º/2).

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7.5. Doação entre cônjuges sujeitos ao regime imperativo de separação de


bens

Existe ainda uma outra indisponibilidade relativa em relação à doação entre casados, dado
que o artigo 1762.º determina que é nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre
os cônjuges o regime da separação de bens. Esta situação é aquela que ocorre se o casamento for
celebrado sem precedência do processo de publicações ou por quem tenha completado sessenta
anos (artigo 1720.º/1). Esta proibição compreende-se uma vez que, nas doações, entre casados,
quando admitidas, os bens adquiridos tornam-se incomunicáveis, ou seja, são considerados bens
próprios do donatário, seja qual for o regime de bens (artigo 1757.º). Assim, se fosse admitida a
doação entre casados no âmbito do regime imperativo da separação de bens, estar-se-ia a desfrutar
o espírito da instituição deste regime, permitindo-se a livre passagem dos bens de um dos cônjuges
para outro. Ora, se a lei impõe imperativamente o regime da separação de bens nesta situação, é
por recear que a intenção de um dos cônjuges tenha sido enriquecer á custa do outro, não fazendo
sentido admitir que esta regra pudesse ser torneada mediante a celebração de doações. Daí a
proibição que se encontra instituída.
No entanto, o artigo 1720.º/2, vem estabelecer que esta proibição não impede que os outros
nubentes, ou seja, os noivos façam entre si doações. Assim, esta indisponibilidade relativa só se
verifica com a instituição do vínculo matrimonial, não proibindo a realização de doações entre esses
momentos.

7.6. Doações a favor de partidos políticos e de estruturas de representação


de trabalhadores e empregadores

Uma outra proibição de doações respeita à situação dos partidos políticos, cujo
financiamento é regulado pela Lei n.° 19/2003, de 20 de Junho. No intuito de estimular a sua
independência, a lei proíbe a realização de qualquer donativos anónimos, bem como de donativos
de natureza pecuniária ou em espécie a partidos políticos por parte de pessoas coletivas nacionais
ou estrangeiras (artigo 8.º/1), sendo que essa proibição abrange mesmo as aquisições de bens e
serviços por valor inferior ao de mercado, a receção de pagamento por preço manifestamente
superior ao valor de mercado e o pagamento de despesas por terceiro (artigo 8.º/3).

Apenas sendo estas admitidas quando provêm de pessoas singulares identificadas. Mas
mesmo neste caso, a doação pecuniária está sujeita ao limite anual de 25 vezes o indexante de apoios
sociais por doador, criado pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, impondo-se que sejam
obrigatoriamente titulados por cheque ou por transferência bancária (artigo 7/1) e depositados em

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contas bancárias exclusivamente destinadas a esse efeito e nas quais só podem ser efetuados
depósitos que tenham essa origem.

Quanto às doações anónimas, passando a consagrar uma exceção para os montantes de valor
inferior a 25% do indexante de apoios sociais desde que, no período de um ano, não ultrapassem
50 vezes o valor desse indexante.

Também em relação às estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e às


associações de empregadores existe, para assegurar o pleno exercício da sua liberdade, uma
proibição de receber doações por parte de entidades a elas estranhas. Será, assim, proibida a doação
realizada a favor destas entidades.

Caso prático n.° 3


Fátima, doente do serviço de oncologia, enquanto estava internada à espera de ser novamente
operada, doou à sua médica, Leonor, um valioso conjunto de joias, composto por gargantilha,
brincos e pulseira. Só alguns dias depois de Fátima ter regressado a casa, já plenamente recuperada
é que a sua sobrinha Sónia soube da doação e, espantada, já que sabia do apreço da tia pelas referidas
joias, pretende reagir. Quid iuris?

Resposta:
• Proibições da doação;
• Está em causa a norma do artigo 2194.º, porque está em causa uma doação que uma
doente fez ao médico durante a doença;
• Fátima está plenamente recuperada, não morreu da doença;
• Tanto a própria doadora como a sobrinha (interesse em reagir), podem fazê-lo se
considerarmos a doação nula;
• O artigo 2194.º diz-nos que a pessoa que faz a disposição gratuita deve morrer da
doença. A questão coloca-se para saber se este último requisito apenas se aplica ao
testamento ou se também se aplica à doação. Se entendermos que este requisito se
aplica, então a disposição seria nula, Fátima não morreu da doença. Se entendermos
que esta parte não se estende à doação porque a razão de ser deste requisito se cinge
necessariamente ao testamento como negócio revogável que é, então concluímos que
se deve restringir a sua aplicação ao testamento e já não se deve aplicar à doação que
não é revogável livremente. Pelo que a doação feita por Fátima é nula. O segundo
requisito apenas faz sentido para negócios livremente revogáveis e não quanto a
negócios que não são livremente revogáveis. Assim, responderíamos que Fátima

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pode pedir a declaração de nulidade desta doação, e Leonor também, porque é nula
por ter sido feita a um médico na pendência da doença. Isto não significa que Fátima,
já recuperada, não quisesse fazer a doação à enfermeira, caso em que este artigo já
não se aplica, porque Fátima já não está numa situação de fragilidade.

8. O regime das perturbações da prestação no contrato de doação

Por norma, os contratos gratuitos conduzem a uma moderação no regime de


responsabilidade do doador em caso de perturbações na prestação – esta moderação justifica-se
pela ausência de uma garantia específica em relação à coisa, que nos contratos de doação é prestada
tal como é. Essa moderação resulta da ausência de uma garantia específica em relação à coisa, que
nos contratos gratuitos é prestada tal como é o que conduz a que a responsabilidade do doador
seja, em regra, limitada ao dolo, a menos que ele tenha expressamente assumido outro tipo de
responsabilidade.

8.1. Doação de bens alheios

Esta é a mais grave perturbação do contrato de doação uma vez que, da própria natureza do
contrato e do espírito de liberalidade que lhe é inerente, o doador só pode doar coisas próprias –
se o objeto do contrato de doação for um bem alheio, este é nulo.

Uma das características dos contratos gratuitos é a moderação da responsabilidade do doador


pelos danos causados ao donatário em virtude da prestação – assim, vem o n.º 2 do artigo 956.º CC
estabelecer que o doador não é responsável pelos prejuízos causados ao donatário.
Não recebendo o doador qualquer contrapartida pelo bem doado, não deve ser sujeito à
sanção da obrigação de indemnização e, por outro lado, apesar de o donatário poder perder o bem,
não vem a sofrer um dano efetivo na medida em que o seu património não diminui, apenas não se
concretiza o incremento patrimonial que lhe tinha sido prometido.

No entanto, o doador será responsável se o donatário estiver de boa fé e ser se verificar


alguma das seguintes situações:

® O doador assumiu expressamente a obrigação de indemnizar:


Aqui não basta que o doador pratique factos de onde se possa inferir a assunção desta
obrigação – exige-se que o doador declare expressamente esta intenção.

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® O doador ter agido com dolo:


O dolo deve ser aqui entendido nos termos do artigo 483.º CC, abrangendo os casos em que
o doador visou intencionalmente com o seu comportamento causar ao donatário o prejuízo da
evicção da coisa doada, os casos em que o doador tinha conhecimento de estar a doar uma coisa
alheia e ainda aqueles casos em que, após a doação e antes do registo por parte do donatário, ele
tornou a dispor o bem.

Tendo o doador causado intencionalmente prejuízos ao donatário, compreende-se que


responda por eles.
Nos termos do artigo 487.º CC, cabe ao donatário fazer prova de que o doador atuou com
dolo.

® A doação ter caráter remuneratório:


Neste caso, não se justifica que o donatário seja privado do valor do bem doado uma vez
que, assim sendo, estaríamos a colocar em causa o fundamento moral da doação remuneratória – a
gratidão do doador em relação ao donatário, que justifica uma maior definitividade e certeza na
atribuição patrimonial.

® A doação ser onerosa ou modal, ficando neste caso a responsabilidade do


donatário limitada ao valor dos encargos
Nesta situação, a responsabilidade do doador é limitada ao valor dos encargos. Esta solução
compreende-se uma vez que não seria justo que, ainda que não exista correspetividade de
prestações, em consequência da evicção, o donatário fosse forçado a suportar os encargos através
dos seus próprios bens e não por via da aquisição da coisa doada.
Na indemnização que eventualmente caberá ao doador, incluem-se apenas os danos
emergentes (n.º 3 do artigo 956.º CC) – sendo o mais importante deles a evicção da coisa doada.
No entanto, há outros prejuízos que ainda se podem incluir – por exemplo, o facto de o donatário
ter tido de pagar ao proprietário uma quantia para conservar a coisa, ter suportado despesas judiciais
em consequência do litígio, etc.

Artigo 956.º/4 CC
Não havendo lugar a indemnização, o donatário fica sub-rogado nos direitos que possam
competir ao doador relativamente à coisa ou direito doado – por exemplo, se o doador fez
benfeitorias na coisa doada enquanto esta esteve na sua posse, o direito ao reembolso é transferido
para o donatário em consequência da doação.

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8.2. Doação de bens onerados e coisas defeituosas

Nos termos do artigo 957.º CC, o doador não responde pelos ónus, limitações ou vícios de
que a coisa doada possa padecer – na gíria popular, “a cavalo dado não se olha o dente”.
Apesar de haver uma redução do valor do bem doado, esta redução não se reflete no
património do donatário pelo que não se justifica que o doador responda por isso – com efeito,
não deixa de haver verdadeiramente um aumento do património do donatário.

No entanto, há duas exceções a esta regra:

• O facto de o doador ter assumido essa responsabilidade: a assunção desta obrigação


tem de ser realizada de forma expressa. Não haverá responsabilidade do doador se ela apenas se
puder deduzir de factos concludentes, exigindo-se antes uma declaração expressa no sentido da
responsabilização. Neste caso, no âmbito da generosidade do doador encontrar-se-á ainda a
indemnização por eventuais danos da coisa – pelo que poderá reclamá-la, caso esses defeitos se
verifiquem.

• O facto de o doador ter atuado com dolo: entre nós, na esteira de Pires de Lima e
Antunes Varela, o dolo deve ser entendido aqui como uma ocultação intencional dos vícios, com a
intenção de enganar e efetivamente prejudicar o donatário.

9. Extinção das doações

Artigo 970.º – enquanto não for aceite a doação, esta pode ser revogável. Uma vez aceite,
pode ser revogada por ingratidão do donatário. Ingratidão não tem um significado comum, significa
aquilo que está no artigo 974.º, quando o donatário se torne incapaz por indignidade do doador,
ou alguma das ocorrências que justificam. Os casos de indignidade estão previstos no artigo 2034.º
ou as ocorrências do artigo 2166.º.
A doação não é livremente revogável.

9.1. A revogação por ingratidão do donatário

Até ao momento em que a proposta de doação é aceite, o doador pode revogá-la a qualquer
momento (artigo 969.º CC). No entanto, estando esta já aceite e o contrato celebrado, são raríssimas
as situações em que o legislador permite a extinção da doação – uma delas é a revogação da doação
por ingratidão do donatário (artigo 970.º CC).

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Conceito jurídico de ingratidão

Este conceito diverge muito do seu correspondente em linguagem corrente, é muito menos
amplo. Com efeito, o artigo 974.º CC vem dizer que “a doação pode ser revogada por ingratidão,
quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique
algumas das ocorrências que justificam a deserdação”.
Assim, apenas se admite a revogação por ingratidão se ocorrer, relativamente ao donatário,
uma situação que, caso se verificasse em relação a um herdeiro, pudesse ser qualificada como
justificativa de indignidade (art. 2034.o do CC) ou de deserdação (art. 2166.o do CC).

Situações de indignidade

– O donatário ter sido condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda
que não consumado, contra o doador ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante
ou adotado;
– Ter o donatário sido condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as
mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos,
qualquer que seja a sua natureza;
– Ter o donatário, por meio de dolo ou coação, induzido o doador a fazer, revogar ou
modificar o testamento, ou disso o impedir;
– Ter o donatário culposamente subtraído, ocultado, inutilizado, falsificado ou suprimido
o testamento, antes ou depois da morte do doador, ou se ter aproveitado de algum desses factos.

Situações de deserdação

– Ter sido o donatário condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa,
bens ou honra do doador, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou
adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão;
– Ter sido o donatário condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as
mesmas pessoas;
– Ter o donatário, sem justa causa, recusado ao doador ou ao seu cônjuge os devidos
alimentos.

São estes os casos de revogação de doação por ingratidão taxativamente previstos na lei. Fora
destes casos não há possibilidade de revogação da doação pelo que, por muito que o doador se

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arrependa da liberalidade que fez, após a aceitação da mesma por parte do donatário, já não pode
voltar atrás.

Impossibilidade de revogação por ingratidão do donatário

O artigo 975.º vem, no entanto, estabelecer determinadas situações em que, mesmo havendo
ingratidão por parte do donatário, não é possível ao doador revogar a doação feita.

• Doações para casamento (artigos 1753.º e ss. CC): são aquelas doações feitas a
um dos esposados ou a ambos em vista do seu casamento;
• Doações remuneratórias: estas doações não são suscetíveis de revogação por
ingratidão do donatário. Com efeito, tendo presidido à doação não o simples espírito de
liberalidade, mas ainda a intenção de remunerar os serviços recebidos pelo doador que não
tenham a natureza de dívida exigível (artigo 941.º CC), justificava-se excluir a possibilidade
de revogação por ingratidão do donatário;
• Caso de perdão do doador ao donatário: seria um verdadeiro venire contra
factum proprium admitir que, após ter declarado perdoar o donatário, o doador viesse
revogar a doação. O perdão tem um efeito de renúncia ao direito de revogar a doação.

Prazos
A ação de revogação da doação por ingratidão está sujeita a prazos específicos, referidos no
artigo 976.º CC:
® Não pode ser proposta, nem depois da morte do donatário, nem pelos herdeiros do
doador - salvo o caso previsto no n.o3;
® Caduca ao cabo de 1 ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o
doador teve conhecimento desse facto.

Caso prático n.° 4


Carlos doou à sua sobrinha Daniela um automóvel. Desde essa altura, Daniela deixou de
visitar o tio e raramente lhe telefona. Carlos considera que a sobrinha é uma ingrata e pretende o
automóvel de volta. Quid iuris?

Resposta:
Daniela não é uma ingrata no sentido do artigo 974.º. Carlos fez uma doação a Daniela já
que, por espírito de liberalidade, e à custa do seu património, dispôs gratuitamente de um automóvel

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a favor de Daniela. Este contrato de doação deve ser celebrado por escrito; ou, tratando-se de uma
doação verbal, a tradição da coisa é condição formal do contrato (artigo 947.º/2), tomando-se a
doação um contrato real quoad constituttonem. A tradição para o donatário da coisa móvel doada
é ainda havida como aceitação, nos termos do artigo 945.º/2.
O artigo 974.º estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário
se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das
ocorrências que justificam a deserdação. Fora destes casos, a doação não pode ser revogada por
ingratidão do donatário,
As causas de ingratidão do donatário constam do artigo 2034.º, que estabelece que carecem
de incapacidade sucessória por motivo de indignidade: o condenado como autor ou cúmplice de
homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge,
descendente, ascendente, adotante ou adaptado; o condenado por denúncia caluniosa ou falso
testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão
superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza; o que por meio de dolo ou coação induziu
o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu; o que
dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu O testamento, antes ou depois da
morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

As causas de deserdação dos herdeiros legitimários estão indicadas no artigo 2166.º: ter sido
o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor
da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotando ou adotado, desde
que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; ter sido o sucessível condenado
por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; ter o sucessível, sem justa
causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os alimentos devidos.
Como o comportamento de Daniela não se subsume a nenhuma das hipóteses enunciadas,
Carlos não pode revogar a doação por ingratidão de Daniela, nem reaver o automóvel.

Caso prático n.° 5


Carlos doou à sua sobrinha Daniela um automóvel, em Janeiro de 2007, Desde essa altura,
Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona. Carlos considera que a sobrinha é uma
ingrata e pretende O automóvel de volta. Quid iuris?

Resposta:
Carlos fez uma doação a Daniela já que, por espírito de liberalidade, e à custa do seu
património, dispôs gratuitamente de um automóvel a favor de Daniela, Este contrato de doação
deve ser celebrado por escrito; ou, tratando-se de uma doação verbal, a tradição da coisa é condição

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formal do contrato (artigo 947.º2), tomando-se a doação um contrato real quoad constituttonem.
A tradição para o donatário da coisa móvel doada é ainda havida como aceitação, nos termos do
artigo 945.º/2.

O artigo 974.º estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário
se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das
ocorrências que justificam a deserdação, Fora destes casos, a doação não pode ser revogada por
ingratidão do donatário,
As causas de ingratidão do donatário constam do artigo 2034.º, que estabelece que carecem
de incapacidade sucessória por motivo de indignidade: o condenado como autor ou cúmplice de
homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge,
descendente, ascendente, adotante ou adaptado; o condenado por denúncia caluniosa ou falso
testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão
superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza; o que por meio de dolo ou coação induziu
o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu; o que
dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu O testamento, antes ou depois da
morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

As causas de deserdação dos herdeiros legitimários estão indicadas no artigo 2166.º: ter sido
o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor
da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adaptado, desde
que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; ter sido o sucessível conde- nado
por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; ter o sucessível, sem justa
causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os alimentos devidos.
Como o comportamento de Daniela não se subsume a nenhuma das hipóteses enunciadas,
Carlos não pode revogar a doação por ingratidão de Daniela, nem reaver o automóvel.

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CAPÍTULO III
LOCAÇÃO

1. Noção e aspetos gerais

A definição de locação consta do artigo 1022.º que dispõe o seguinte: “Locação é o contrato
pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa,
mediante retribuição” – infere-se desta definição legal que a locação é um ato jurídico de natureza
negocial, bilateral, com três elementos específicos, condições necessárias da existência do próprio
pacto locativo como tal.

Há uma função económica tanto na perspetiva do locador, como na perspetiva do locatário


e ainda numa perspetiva genérica: em geral, a locação é economicamente vantajosa, porque permite
o aproveitamento de bens escassos que de outro modo ficariam por aproveitar (em termos
genéricos é desvantajoso termos bens escassos por aproveitar).

Se virmos de uma perspetiva mais próxima das partes do contrato e olharmos para as
vantagens que a locação pode trazer para locador e locatário, vemos que a locação é vantajosa para
o locatário, porque uma pessoa que está de férias, por exemplo, pode querer utilizar um automóvel
sem necessariamente o comprar (e é através da locação que poderá fazer isso). A locação permite
que certas pessoas que não querem adquirir o direito de propriedade sobre uma coisa possam, ainda
assim, usar dela. Estas vantagens da locação para o locatário são evidentes.
A locação também é vantajosa para o locador: o locador tem o poder de aproveitamento de
uma determinada coisa. No entanto, pode não estar a exercer esse poder de aproveitamento, ou
seja, pode não estar a gozar de uma coisa que é sua. E uma forma de a rentabilizar é a locação.

Há casos em que há uma relação locatícia que não se funda num contrato (é o tribunal que,
através de uma sentença judicial, impõe uma relação de arrendamento) – são os casos em que há
divórcio ou uma separação judicial de pessoas e bens (artigos 1793.º e 1794.º CC).

Nos termos do artigo 1023.º, é possível distinguir entre duas modalidades de locação: o
aluguer e o arrendamento.
® Aluguer: sempre que a coisa locada é uma coisa móvel;
® Arrendamento: sempre que a coisa locada é uma coisa imóvel.

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– Urbano: se for arrendado um prédio urbano, tratar-se-á de arrendamento


urbano;
– Arrendamento urbano com fins habitacionais;
– Arrendamento urbano com fins não habitacionais;
– Comércio ou indústria;
– Exercício de profissões liberais.
– Rústico: se for arrendado um prédio rústico, tratar-se-á de arrendamento
rústico.
– Fim rural associado a atividades agrícolas, florestais ou pecuniárias;
– Outros fins.

2. Elementos constitutivos do contrato de locação

2.1. Generalidades

Os elementos constitutivos não são controvertidos e são fáceis de os descortinar através da


definição do artigo 2022.º:
• Obrigação de uma parte (=locador) de proporcionar a outrem (=locatário) o gozo de
uma coisa;
• Caráter temporário;
• Retribuição: há uma obrigação de pagamento de remuneração a cargo do locatário (o
credor é o locador).

2.2. Obrigação de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa

A obrigação de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa constitui a prestação


característica do contrato de locação, sendo referida no artigo 1031.º, al. b) como uma obrigação
de conteúdo positivo – “assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que esta se destina”;

É à propósito desta obrigação que se levanta a questão de saber qual é a natureza do direito
do locatário – porque esta é uma obrigação do locador (proporcionar o gozo) que tem como credor
o locatário, que tem o direito de exigir que o locador lhe proporcione o gozo daquilo que foi locado.
Associado a esta obrigação levanta-se a questão de saber qual a natureza do direito do locatário a
este gozo.

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Efetivamente, tem sido controvertida na doutrina a configuração da locação como


instituindo uma efetiva obrigação de o locador assegurar ao locatário o gozo da coisa.
Alguns autores, propugnando a natureza real do direito do locatário, contestaram que o gozo da
coisa conferido pelo contrato resultasse de uma obrigação do locador, entendendo existir antes um
direito do gozo do locatário inerente à coisa e dotado de sequela, que por isso se poderia considerar
como real. Outros, defendendo que não faria sentido considerar o locador vinculado positivamente
a assegurar o gozo da coisa ao locatário, vieram sustentar que a sua obrigação teria antes conteúdo
negativo, podendo ser considerada ou como uma prestação de pati (tolerar o gozo da coisa pelo
locatário) ou non facere (não perturbar esse gozo).

A maioria esmagadora da doutrina (tese personalista) tem-se inclinado para a natureza


obrigacional ou pessoal do direito do locatário – o locatário tem o gozo da coisa locada como
produto de uma prestação positiva do locador, a prestação de fazer gozar. Existem fortes razões
gerais favoráveis a esse tipo de opção:
• O contrato de locação figura no livro II do Código Civil dedicado ao direito das
obrigações;
• A lei fala sempre em “obrigações do locador e do locatário”, apresentando-as como
contrapartida umas das outras e não parecendo qualquer elemento, extravasar do
esquema clássico do vínculo creditício;
• Existe sólida jurisprudência constante no sentido da pessoalidade da locação.

A tese realista, por sua vez, propugnava a ideia segundo a qual o locatário seria o titular de
um autêntico direito real sobre a coisa locada, com todas as consequências daí advenientes – esta
tese é defendida por Oliveira Ascensão, mas o Dr. Menezes Leitão não lhe dá razão. Esta tese
assentava na ideia de que o direito do locatário tinha natureza real porque ao locatário é atribuída
tutela possessória do seu direito contra terceiros (artigo 1037.º/2 CC) – o locatário é tratado como
possuidor e, se assim o é e se a posse, em regra, é restrita aos direitos reais, então o direito do
locatário tem de ser real.
Em suma, a tese realista defende que o contrato de doação produz um efeito real e que o
direito do locatário trata-se de um direito real, isso porque é lhe atribuída tutela possessória e a
posse é atribuída ao titular de um direito real. Não obstante, isto não é bem verdade.

Quanto muito, se olharmos para aquilo que o legislador nos indicia, só podemos concluir que
o direito do locatário não tem natureza real, mas sim meramente obrigacional, porque, desde logo
no artigo 1022.º, ao direito do locatário está contraposto aquilo que é a prestação do locador, pelo

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que só pode ser um direito de natureza obrigacional (porque nos é dito que se trata de uma
obrigação do locador).

O legislador, no artigo 1682.º-A/1, diz-nos que o direito do locatário não tem natureza real,
porque nos é dito que o arrendamento, à semelhança dos outros direitos citados, se trata de um
direito pessoal de gozo.

O artigo 1057.º estabelece uma regra e diz-nos que “o adquirente do direito com base no qual
foi celebrado o contrato, sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do
registo”. Isso significa que, se o locador vender o prédio urbano que é arrendado, o terceiro que
compre esse prédio urbano sucede ao locador nos seus direitos e obrigações, ou seja, passa a ser
ele próprio o senhorio, nos termos do contrato que o anterior senhorio tinha celebrado com o
arrendatário.
Este artigo 1057.º apoia a tese realista, porque entende que é uma manifestação daquilo
que é o direito de sequela e que é característica dos direitos reais. Tal artigo permite ao locatário
impor o seu direito a um terceiro (terceiro em relação ao contrato de locação que havia sido
celebrado com o vendedor), porque ele está a impor o seu contrato a um terceiro – o terceiro está
vinculado a obrigações de um contrato que ele não celebrou. Alguns autores dizem que isso
corresponde a um direito de sequela e defende o direito do locatário como um direito real, pois o
locatário pode impor o seu direito a um terceiro, passando a ser o seu senhorio pelo mero facto de
ter adquirido a coisa locada.

O Dr. Menezes Leitão diz-nos que este argumento também não colhe. O artigo 1057.º nada
mais é do que uma transmissão legal da obrigação do locador, sendo que o direito do locatário
continua a filiar-se no contrato que ele anteriormente celebrara, e que agora a lei impõe que se
transmita a um outro proprietário.

Se o direito do locatário é um direito pessoal de gozo, como qualificamos a obrigação do


locador de, como diz o artigo 1022.º, “proporcionar o gozo ao locatário da coisa locada”? É uma
prestação de facto positivo ou negativo? O Dr. Menezes Leitão considera que o Código Civil
inovou dizendo que se trata de uma prestação de facto positiva, porque não basta o não fazer,
sendo ainda necessário que o locador, ativamente, proporcione o gozo (se é só um “permitir o
gozo”, mas sim um “proporcionar”).
Outros autores defendem que se trata de uma prestação de facto negativo (prestações de pati
ou de non facere): Pinto Monteiro defende que se trata de uma prestação de pati.

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A posição que temos vimos a defender passa pela adesão à tese personalista, não nos
parecendo aceitáveis os argumentos invocados pelas posições realistas. Efetivamente, o facto de a
lei conceder as ações possessórias ao locatário nada demonstra, uma vez que essas ações têm sido
concedidas noutras situações em que nunca se considerou existir um direito real, como ela relação
ao parceiro pensador (artigo 1125.º/2 ao comodatário (artigo 113.º/2) e ao depositário (artigo
1188.º/2).

2.3. Retribuição

O último elemento essencial do contrato de locação é a retribuição. Efetivamente, a locação


é um contrato essencialmente oneroso, surgindo como contrapartida das prestações do locador
uma contraprestação do locatário, de pagar a renda ou aluguer (artigo 1038.º, al. a) CC).

2.4. Caráter temporário

Outro dos elementos essenciais do contrato de locação é o caráter temporário do gozo


proporcionado ao locatário. Esta situação resulta logo da definição do artigo 1022.º e encontra-se
expressamente determinada no artigo 1025.º a proibição de a locação se celebrar por mais de trinta
anos, sendo reduzida a esse limite, quando celebrada por tempo superior ou como contrato
perpétuo. Repare-se que este limite se cinge ao prazo inicial da locação – no arrendamento operam
renovações automáticas, se não houver oposição por parte do senhorio e do locatário, e nada obsta
a que o contrato de arrendamento tenha uma duração máxima superior a trinta anos.

Não obstante, o NRAU permite a celebração do contrato de arrendamento por tempo


indeterminado, mas isso não significa necessariamente que se esteja a impor às partes uma duração
superior a 30 anos, porque sendo o contrato de arrendamento celebrado por tempo indeterminado,
pode-lhe ser imposto o termo por qualquer uma das várias formas que veremos adiante, que
limitarão a duração do contrato a muito menos que 30 anos – além de o arrendamento se poder
sempre extinguir por denúncia (artigos 1100.º e ss. e 1110.º), são limitadas as possibilidades de este
se transmitir por morte (artigos 1106.º e 1113.º).

Em alguns países ainda não existe um limite (ou há um limite extremamente amplo) e, no
arrendamento rural, há uma desvio onde o limite é mais amplo (70 anos).

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3. Características qualificativas do contrato de locação

Nominado e
típico

De execução Formal ou não


duradoura formal, consoante os
casos

Comutativo Consensual

Sinalagmático Obrigacional

Oneroso

O contrato de locação como contrato nominado e típico

A locação é, em primeiro lugar, um contrato nominado, uma vez que a lei o reconhece como
categoria jurídica, e típico porque estabelece para ele um regime, quer no âmbito do código civil
(artigos 1022.º e ss.), quer em diversos diplomas especiais relativos às diversas modalidades de
arrendamento.

É um contrato consensual

A locação deve ser entendida como um contrato consensual (por oposição a real quoad
constitutionem). Efetivamente, a noção legal de locação do artigo 1022.º não inclui a entrega como
elemento necessário à constituição do contrato e o artigo 1031.º, al. a) CC faz referência expressa
à obrigação do locador de entregar ao locatário a coisa locada. Isso só por si demonstra que a
locação se constitui antes da entrega da coisa locada, ao contrário do que se exige nos contratos
reais quoad constitutionem.

A locação como um contrato não formal ou formal, consoante os casos

Consoante estejamos a falar de aluguer ou arrendamento, a locação será não formal ou


formal. Hoje, o arrendamento é um contrato necessariamente formal (exige-se a forma escrita para

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os contratos de arrendamento urbano – artigo 1069.º CC – e para o arrendamento rural – artigo


6.º/1 RAR). Já o aluguer é sujeito à regra geral da consensualidade (artigo 219.º). Em certos casos,
no entanto, exige-se a forma escrita, como sucede com o aluguer de veículos sem condutor.

Em suma, se corresponder a um aluguer, será não formal, ao passo que, se corresponder a


um arrendamento, formal.

A locação como contrato obrigacional

Uma das grandes controvérsias no âmbito do contrato de locação diz respeito à sua
qualificação ou não como contrato real quanto aos efeitos. Esta discussão prende-se com a
controvérsia já referida em torno da natureza jurídica do direito do locatário. Efetivamente,
enquanto que para a posição clássica, sufragada entre nós por Galvão Teles, Pires de Lima e
Antunes Varela, o locatário é meramente titular de um direito pessoal de gozo, não produzindo
consequentemente o contrato de locação quaisquer efeitos reais, outra posição, defendida entre nós
por Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro numa primeira fase do seu pensamento, sustentou a
natureza real do direito do locatário.

A locação como contrato oneroso

A locação constitui um contrato oneroso, uma vez que implica sacrifícios económicos para
ambas as partes. Efetivamente, enquanto que o locador abdica do gozo da coisa o locatário abdica
do correspondente preço locativo, assumindo assim ambas as partes sacrifícios económicos
equivalentes.

A locação como contrato sinalagmático

Gera obrigações para ambas as partes – se tem umas às outras como correspetivas.

A locação consiste num contrato sinalagmático, uma vez que a obrigação do locador de
proporcionar ao locatário o gozo da coisa (artigo 1031.º, al. b) CC) tem como correspetivo a
obrigação de pagar a renda ou aluguer (artigo 1038, al. a) CC), ficando assim ambos os contraentes
sujeitos a obrigações recíprocas.

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A locação como contrato comutativo

A locação constitui um contrato comutativo, uma vez que as atribuições patrimoniais de


ambas as partes – concessão de gozo da coisa e pagamento do preço locativo – se apresentam como
certas e não como aleatórias.

A locação como contrato de execução duradoura

A locação constitui um contrato de execução duradoura, uma vez que as prestações de


qualquer das partes aparecem relacionadas com um cerro período de tempo que delimita o seu
conteúdo e extensão. A prestação do locador de proporcionar o gozo da coisa ao locatário (artigo
1031.º, al. a) CC) constitui uma prestação contínua, uma vez que não sofre qualquer interrupção,
mas antes se exerce por forma continuada. Já a prestação do locatário de pagar a renda ou aluguer
(artigo 1038.º, al. a) CC) constitui uma prestação de natureza periódica, uma vez que não é
executada ininterruptamente, mas antes se renova em sucessivos períodos de tempo.

4. Objeto da locação

Nos termos do artigo 1023.º, podem ser objeto de locação tanto as coisas imóveis como as
móveis, denominando-se a locação de arrendamento no primeiro caso e de aluguer no segundo –
a classificação entre coisas móveis e imóveis é, porém, uma classificação que se restringe às coisas
corpóreas, sendo certo que a locação não se restringe a estas categorias de coisas. Efetivamente,
podem ser objeto de locação coisas incorpóreas como o trespasse ou a locação de estabelecimento
comercial (artigo 1109.º CC).

A locação pode abranger tanto a totalidade como parte de uma coisa. Assim, nos prédios
urbanos podem ser arrendados separadamente partes do prédio, ou até apenas muros e terraços
(para publicidade) ou janelas (para assistir a um cortejo). Nos prédios rústicos podem ser
arrendados separadamente a várias pessoas as diversas culturas existentes no prédio.

5. Forma do contrato de locação

Ponto 3 sobre o contrato ser formal ou não formal.

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6. Formação do contrato de locação

Capacidade para a celebração do contrato de locação

O locador discrimina as locações de prazo inferior a 6 anos e as de prazo superior a 6 anos


(artigo 1024.º CC): a locação constitui para o locador um ato de administração ordinária, sempre
que for celebrada por prazo inferior a seis anos. Consequentemente, têm capacidade para celebrar
contratos de locação até esse prazo todos os que podem contratar e administrar os seus bens, o que
ocorre genericamente em relação às pessoas singulares (artigo 67.º).

⚠ Apenas os incapazes de contratar, como os menores (artigos 122.º e ss.) ou os maiores


acompanhados (artigos 138.º e ss.) estarão impedidos de celebrar contratos de locação. Nestes
casos, será o representante legal (pais, tutor, administrador de bens ou acompanhante) que poderá
celebrar os respetivos contratos – o contrato de locação caducará com a cessação dos poderes legais
de administração (artigo 1051.º/1, al. c) CC).

Em relação às pessoas coletivas, refere o artigo 160.º que a sua capacidade “abrange todos os
direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins”, apenas dela se
excetuando “os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade
singular”. Não há, assim, em princípio, obstáculos para que a pessoa coletiva celebre contratos de
locação, quer como locadora, quer como locatária.

Legitimidade para a celebração do contrato de locação

Pessoas que tenham capacidade para celebrar o contrato de locação podem, em certas
situações, não ter legitimidade para tal: há algumas situações de pluralidade de titulares do imóvel
em que a lei exige o consentimento de todos eles para se poder celebrar um contrato de
arrendamento. Vejamos.

O artigo 1024.º fala-nos do prédio indiviso que seja objeto de arrendamento, que só é válido
quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito, o seu consentimento (embora
tenham, em geral, capacidade para locar, não tem legitimidade para locar o prédio indiviso, porque
está a transmitir poderes de que não só ele mas também outras pessoas são titulares, e necessitam
de dar o seu consentimento).

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Segundo o artigo 1682.º-A, um dos cônjuges não pode arrendar ou constituir outros direitos
de gozo sobre imóveis sem o consentimento do outro cônjuge, salvo se entre eles vigorar o regime
da separação de bens, o arrendamento de imóveis próprios ou comuns, sendo sempre exigido esse
consentimento, se o arrendamento incidir sobre a casa de morada da família.

O contrato-promessa de locação

Também a locação pode ser objeto de contrato-promessa nos termos gerais (artigo 410.º
CC). O contrato-promessa de locação é, em princípio, consensual, só tendo que ser celebrado por
documento escrito, assinado pela parte que se vincula, no caso em que para o contrato definitivo
seja exigida forma especial (n.° 2 do artigo 410.º) – não é, porém, aplicável à promessa de
arrendamento o n.° 3 do artigo 410.º, uma vez que o arrendamento não constitui um direito real.

Em caso de não cumprimento da promessa de locação, deve entender-se que a mesma estará
normalmente sujeita à execução específica (artigo 830.º), uma vez que a natureza da obrigação
assumida não é incompatível com essa figura. Uma vez que não estamos perante uma das promessas
a que se refere o artigo 410.º/3, a execução específica pode ser afastada pelas partes, o que se
presumirá se tiver sido estipulado sinal ou fixada uma pena para o não cumprimento da promessa.

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SÍNTESE
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DOAÇÃO
Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um
direito, ou assume uma obrigação em benefício do contraente” (artigo 940.º/1). Tendencialmente, a doação é um contrato/negócio jurídico bilateral, que
pressupõe duas vontades negociais, designadamente a proposta de doação e a aceitação, caducando a primeira se a segunda não ocorrer em vida do doador.
Por força do princípio invito beneficium non datur

Porque “tendencialmente”? Utilizamos o termo tendencialmente porque ⚠ a doação não é sempre um contrato! → no caso das doações puras a
incapazes (artigo 251.º/2), não estamos perante um contrato, mas sim perante um negócio unilateral, que torna-se perfeito independentemente de aceitação
(a doação conclui-se com a simples proposta, não sendo possível ao doador revogar a proposta e esta não caduca com a sua eventual morte) – a razão de ser desta norma reside

no facto de que, uma vez que na doação não existem encargos, o legislador entendeu que se poderia prescindir de aceitação. Em caso de doação com encargos,
passa a ser necessária a aceitação por parte do representante legal e autorização do Ministério Público para que a doação se realize por intermédio do respetivo
representante.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA DOAÇÃO


ATRIBUIÇÃO PATRIMONIAL GERADORA DE DIMINUIÇÃO DO PATRIMÓNIO DO DOADOR ESPÍRITO DE LIBERALIDADE
ENRIQUECIMENTO
• Tem de verificar-se uma valorização do património do • O enriquecimento tem de ser feito à custa do • Inerente à atribuição patrimonial tem de estar um
beneficiário por uma qualquer forma; património do doador (aumenta-se o património do sentimento genuíno de altruísmo, generosidade ou
• ⚠ O enriquecimento a que nos referimos e que é espontaneidade (=elemento subjetivo), pelo que o doador
donatário, porque diminui-se o património do doador); deve ter uma intenção de beneficiar o donatário
atribuído ao donatário pode ser um aumento do ativo
ou uma diminuição do passivo; • O enriquecimento a que nos referimos na doação (=elemento objetivo);
• Uma vez que tem de estar presente um espírito de
• Esta vantagem patrimonial pode assumir mais do que é diferente relativamente ao instituto do
liberalidade, o doador não pode socorrer-se desta figura
uma forma: enriquecimento sem causa, pois neste último o para o cumprimento de um dever;
• Pode ser uma coisa que é atribuída ao
património da pessoa à custa de quem se enriquece não • É devido ao espírito de liberalidade que não
donatário;
podemos considerar que haja enriquecimento sem causa,
• Pode ser um direito transmitido ao donatário; tem obrigatoriamente de diminuir (como é o caso da
porque, neste caso, o donatário enriquece porque o doador
• Pode ser uma obrigação do donatário que o poupança de despesas). quer que ele enriqueça.
doador assume.

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CASOS EM QUE NÃO PODEMOS FALAR DE DOAÇÕES, POIS EMBORA HAJA UMA ATRIBUIÇÃO PATRIMONIAL FEITA
GRATUITAMENTE, FALTA O ESPÍRITO DE LIBERALIDADE (artigo 940.º/2)

DONATIVOS QUE
RENÚNCIA AO REPÚDIO DA
DECORREM DE
DIREITO PRÓPRIO HERANÇA
MEROS USOS SOCIAIS
Quando uma pessoa renuncia a um direito
É o caso das gorjetas: as pessoas não oferecem próprio, a sua vontade não é atribuir uma
Quando alguém repudia à sua herança, está a
gorjetas por terem genuína intenção de beneficiar vantagem patrimonial em favor de outra pessoa
renunciar à constituição na sua esfera jurídica de
a pessoa que as está a atender, mas sim porque é com um espírito de liberalidade, mas sim
direitos e obrigações – excetuam-se o caso onde
uma obrigação que decorre das regras do trato renunciar a um direito seu – excetuam-se os casos
repudia-se a herança em favor dos demais
social, o que faz com que o seu ato corresponda a em que a pessoa renuncia a um direito próprio
herdeiros.
um animus solvendi e não a um animus donandi. para que, com isso, possa eliminar uma obrigação
da esfera jurídica de outra pessoa.

FORMA DO CONTRATO DE DOAÇÃO

Quando o contrato tiver por objeto bens móveis,


Quando o contrato tiver por objeto bens imóveis, tem de ser celebrado por forma escrita, exceto quando
tem de ser celebrado por escritura pública ou por a doação seja acompanhada de traditio da coisa doada
documento particular autenticado. (=a traditio corresponde à formalidade do contrato,
pelo que se não se verificar, a doação é inválida).

⚠ O contrato que não respeitar a forma exigida, é NULO (artigo 220.º).

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CARACTERÍSTICAS QUALIFICATIVAS DO CONTRATO DE DOAÇÃO

OBRIGACIONAL
E/OU REAL
QUANTO AOS
PRIMORDIALMENTE EFEITOS
CONSENSUAL GRATUITO

PRIMORDIALMENTE NÃO
FORMAL SINALAGMÁTICO

DE EXECUÇÃO
NOMINADO E CARACTERÍSTICAS
INSTANTÂNEA OU
TÍPICO QUALIFICATIVAS
PERIÓDICA

A doação é um contrato nominado e típico, uma vez que a lei o prevê e estabelece-lhe um regime nos artigos 940.º a 979.º. Trata-se de um contrato, por
norma, formal, pois o artigo 947.º exige forma específica para a celebração do contrato de doação quando o objeto seja uma coisa imóvel (situação em que a
doação terá de ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado) ou quando o objeto seja uma coisa móvel (onde terá de celebrar-se por
forma escrita). Não obstante, ⚠ quando haja traditio da coisa doada, não se exige qualquer forma.

Em suma:
• A doação de coisa móvel que não seja acompanhada de traditio ou a doação de coisa imóvel = contrato formal;
• Doação de coisa móvel acompanhada de traditio = contrato não formal (no momento da doação de coisa móvel, das duas uma: ou entrega-se a
coisa doada ou reduz-se o contrato a escrito) – visa-se evitar doações precipitadas.

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A doação é também um contrato primordialmente consensual e não real quanto à constituição, uma vez que a lei prevê expressamente a existência de
uma obrigação de entrega por parte do doador (artigo 954.º, al. b)), o que significa que não associa a constituição do contrato à entrega da coisa, admitindo a
sua vigência antes de a coisa ser entregue. No entanto, existe uma exceção: na doação de coisa móvel em que não há redução a escrito, a doação torna-se um
negócio real quanto à sua constituição, pois a validade do contrato depende da ocorrência concomitante da tradição da coisa doada.

A doação tanto pode ser um contrato obrigacional, como real quanto aos efeitos, isolada ou conjuntamente:

Transmite-se a propriedade ou a
Contrato Itularidade da coisa doada e,
Contrato obrigacional simultaneamente, o doador fica
real quanto aos vinculado a uma obrigação de
entrega ao donatário da coisa
efeitos doada (ar#go 954.º, als. a) e b));

São as situações em que o doador


Contrato assume uma obrigação em
estritamente beneOcio do outro contraente (o
obrigacional enriquecimento do donatário
quanto aos consiste na assunção de uma
obrigação do donatário por parte
efeitos do doador (ar#go 954.º, al. c));

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É o caso da doação de coisa


Contrato móvel acompanhada de traditio
ou da doação de coisa que já está
estritamente na detenção do donatário, onde
real o contrato celebra-se sem que se
gere obrigações para o doador.

• A obrigação seria a de entrega da coisa doada, mas esta


entrega é já requisito de validade da doação de coisa móvel (1°
caso);
• A obrigação seria a de entrega da coisa doada, mas não
há nada a entregar, uma vez que o donatário já detém a coisa
(2° caso).

A doação é, ainda, um contrato gratuito, pois não existe qualquer contrapartida pecuniária para o doador relativamente à transmissão dos bens doados
(apenas importa sacrifícios económicos para o doador). 💡 Embora haja alguma divergência doutrinal acerca das doações modais, não consideramos que o
encargo que o donatário assume se traduza numa contrapartida à atribuição patrimonial feita pelo doador.
A doação é também um contrato não sinalagmático pois, como negócio gratuito que é, só faz surgir obrigações para uma das partes. E, por último, em
regra, a doação é um contrato de execução instantânea, mas nada impede que seja de execução periódica (o legislador admite esta hipótese no artigo 943.º).

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OBJETO DA DOAÇÃO

A DOAÇÃO QUE TIVER POR


NÃO PODE ABRANGER OBJETO PRESTAÇÕES
DOAÇÃO CONJUNTA
BENS FUTUROS PERIÓDICAS, EXTINGUE-SE
POR MORTE DO DOADOR

Subjacente a esta proibição está Se o doador se vinculou a entregar,


uma tentativa de proteger o doador de todos os meses, um determinado
um ato precipitado (=tutela do doador). montante pecuniário, com a morte deste
Na compra e venda é permitida a a obrigação se extingue (artigo 943.º). Quando o doador oferece a mesma
doação de bens futuros, mas isso coisa a diversas pessoas, sem
porque recebe-se sempre algo em O Dr. Antunes Varela defende que especificar qual a quota de cada um,
troca, pelo que o custo da precipitação esta norma é imperativa, ao passo que o presume-se que a coisa foi doada em
de quem transmite é muito maior na Dr. Menezes Leitão considera a norma partes iguais, sendo que se uma delas
doação). supletiva – o doador pode estabelecer recusar à sua quota, esta não vem a
que a prestação periódica se mantenha acrescer às partes dos outros
A doação de um bem futuro para além da sua morte, desde que donatários (permanece na esfera
contende com a própria noção de observe as formalidades do testamento jurídica do doador), salvo convenção em
doação, pois como um bem futuro não (artigos 946.º/2 e 2273.º). contrário.
integra o património do doador, não se
verificaria o empobrecimento exigido. O Dr. Pinto Monteiro defende que a
norma deverá ter-se como supletiva, pois
se é permitido que o doador possa doar
⚠ Exceção: o n.° 2 do artigo 942.º a alguém um encargo para que esta
excetua a situação em que a doação pessoa pague a um terceiro, mesmo para
incide sobre uma universalidade de além da sua morte, não faria sentido
facto, pelo que se surgirem coisas novas doador e donatário não poderem
dentro da universalidade, estas convencionar que as prestações
considerar-se-ão partes integrantes do continuem para além da morte do
objeto da doação. doador.

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FORMAÇÃO DO CONTRATO DE DOAÇÃO

A doação pode ser celebrada entre presentes e


O recetor de uma proposta de doação não precisa
ausentes: o donatário pode proceder à aceitação Em caso de morte de qualquer uma das partes, a
de a aceitar imediatamente, podendo fazê-lo até
da proposta de doação enquanto o doador estiver proposta ou a aceitação caducam.
decorridos anos da proposta ter sido feita. No
vivo (artigo 945.º/1), ou seja, a proposta só pode
entanto, enquanto a proposta não for aceite, o
ser aceite até se verificar um de dois momentos: ⚠ A aceitação por parte do donatário da coisa
doador é livre de a revogar a qualquer momento
a morte do doador ou a revogação da proposta. doada é entendida como aceitação da proposta
(artigo 969.º) – a aceitação está sujeita à forma
A aceitação da proposta tem de ser devidamente de doação.
exigida para o contrato.
comunicada ao doador.

CAPACIDADE ATIVA E PASSIVA PARA O CONTRATO DE DOAÇÃO

CAPACIDADE ATIVA DAS PESSOAS


CAPACIDADE ATIVA (ar=go 67.º) COLETIVAS CAPACIDADE PASSIVA:
Todos aqueles que \verem Por força do princípio da Segundo o ar=go 950.º/1, há uma
capacidade de exercício (excetuam- especialidade, se a realização de capacidade genérica de aceitação
se os menores e os maiores liberalidades se encontrar nos fins para receber doações.
acompanhados, por força dos da pessoa cole\va, esta terá
No caso das doações puras feitas a
ar=gos 138.º e ss.). capacidade a\va para efetuar
incapazes, embora não seja
doações.
A incapacidade a\va não pode ser necessária a aceitação por parte do
suprida pelo poder paternal ou ⚠ Ter em atenção o ar=go 6.º/2 donatário, os bens doados passam
pela tutela/representação legal dos CSC e o ar=go 940.º/2 CC. a ser administrados pelo
maiores acompanhados (ar=gos representante legal do incapaz,
124.º e 125.º), porque se não for exceto se o negócio \ver sido
realizada pelo próprio doador, não As sociedades, em princípio, não têm realizado contra a sua vontade ou
capacidade para fazer doações, pois
considerar-se-á uma doação, uma estão limitadas pelo princípio da se o doador determinar a sua
vez que um dos elementos especialidade do objeto (ar#go 170.º exclusão da administração dos
essenciais (=liberalidade) é CSC). Já uma fundação que tenha bens (ar=gos 1888.º/1, als. b) e c);
estritamente pessoal finalidades beneficentes, terá esta 1935.º/1; e 1971.º/1).
capacidade.

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MANDATO PARA DOAR

É possível que, através de um mandato, alguém com capacidade ativa encarregue outrem de fazer uma doação em seu nome (embora o ato seja praticado
por outrem, o espírito de liberalidade pertence ao doador). Não obstante, não poderá ser um mandato qualquer: tem de ser um mandato onde esteja
especificamente indicado aquilo que se vai doar e a quem será doado.

💡 Embora seja dúbio, há quem defenda que se possa atribuir, mediante mandato, a faculdade de escolher o donatário ou de determinar o objeto da
doação, desde que esta escolha seja feita dentre um grupo determinado de possíveis beneficiários ou objetos indicados pelo doador.

O CONTRATO-PROMESSA DE DOAÇÃO

💡 A admissibilidade deste contrato tem sido alvo de várias discussões doutrinais: por um lado, temos autores que defendem a inadmissibilidade do
contrato em causa, ao passo que, por outro lado, a maioria da doutrina admite tal negócio. Antunes Varela considera que a doação está essencialmente no
contrato-promessa de doação, mas entende que o segundo contrato (o definitivo) também não deixa de ser uma doação. O autor considera que o espírito de
liberalidade que determinou a celebração da promessa de contratar ainda se encontra presente no segundo contrato.
O Dr. Menezes Leitão conclui que não há dúvidas de que o contrato-promessa de doação deve ser entendido, ele próprio, como uma verdadeira doação,
uma vez que o contrato prometido não se confunde com a própria doação, por não pressupor a imediata entrega do bem ao donatário. Com efeito, o espírito
de liberalidade inerente à celebração do primeiro contrato tem de ser renovado aquando da celebração do segundo.

Qual a forma exigida para o contrato-promessa de doação? Se respeitar a um bem imóvel, terá de ser celebrado por forma escrita (artigo 410.º/2); se
respeitar a outros direitos, o contrato também terá de ser celebrado por escrito, uma vez que o artigo 947.º/2 o exige para todas as doações que não sejam
realizadas mediante traditio.

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INVALIDADE E CONFIRMAÇÃO DA DOAÇÃO

A doação pode ser NULA, seja porque não obedeceu a forma legal que lhe é exigida no artigo 947.º ou porque se verificou uma situação de
indisponibilidade relativa (artigo 953.º). No entanto, o regime da nulidade na doação admite a chamada “confirmação da doação nula” por parte dos herdeiros
do doador: a confirmação pode ser expressa ou tácita, conforme o herdeiro confirme a doação direta e expressamente (=confirmação expressa) ou lhe dê
voluntária execução (=confirmação tácita).
A confirmação pressupõe, em qualquer caso, o conhecimento do vício e do direito à declaração de nulidade (no caso de o herdeiro confirmar a doação,
mesmo sabendo que era nula, este perde o direito de, posteriormente, invocar a nulidade). Assim, se o herdeiro manifestar concordância com a doação, ou
proceder voluntariamente à execução desta, sem saber da existência do vício ou do seu direito à invocação da nulidade, não ficará por isso impedido de a
invocar a partir do momento em que dela tomou conhecimento.

Entre nós, consideramos não estar perante um verdadeiro caso de confirmação, uma vez que não se verifica uma sanação da invalidade do ato.
Entendemos estar perante uma situação de confirmação imprópria, onde o que se verifica é uma perda ou renúncia ao direito de invocar a nulidade do negócio.

O herdeiro que
Quem pode invocar a desconhecesse a existência
invalidade da doação? do vício e do seu direito à
invocação da nulidade.
Em suma...

O herdeiro que confirme a


Quem não pode invocar a
doação, mesmo sabendo
invalidade da doação?
que esta era nula.

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CLÁUSULAS ACESSÓRIAS

RESERVA DO DIREITO A
DISPOR DE COISA DOAÇÃO COM ENCARGOS
RESERVA DE USUFRUTO CLÁUSULA DE REVERSÃO DOAÇÃO SUJEITA À
DETERMINADA OU DE CERTA (=doação modal)
(ar#go 958.º) (ar#go 960.º) CONDIÇÃO
QUANTIA SOBRE OS BENS artigo 963.º
DOADOS (ar#go 959.º)

1. RESERVA DE USUFRUTO

O doador pode instituir uma reserva de usufruto a seu favor ou a favor de terceiro. A reserva de usufruto nada mais é do que um documento que visa
proteger uma pessoa que pretende transferir a propriedade de um bem que é seu para outra pessoa, mas que deseja continuar a usufruir do mesmo enquanto
for viva – imagine a situação em que os pais decidem doar uma casa a um filho, mas queiram continuar a residir na mesma até morrerem: neste caso, o
proprietário da habitação passaria a ser o filho, mas os pais reservar-se-iam o direito de habitar a casa e desta disporem enquanto fossem vivos.

A reserva de usufruto nada mais é do que uma simples doação da nua propriedade (quando constituída a favor do doador) ou uma doação simultânea
da nua propriedade e do usufruto a pessoas diferentes (quando constituída a favor de terceiros).

Em caso de falecimento do usufrutuário, os herdeiros deste não têm quaisquer direitos sobre a casa, pois o usufrutuário renunciou à sua propriedade ao
doar o imóvel (pelo que não é possível herdar o usufruto).

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2. RESERVA DO DIREITO A DISPOR DE COISA DETERMINADA OU DE CERTA QUANTIA SOBRE OS BENS DOADOS

O doador pode reservar-se a faculdade de dispor por ato inter vivos ou post mortem de:
® Qualquer objeto compreendido na doação (pode fazer a doação de alguma ou algumas coisas nela compreendida): no caso de estar em causa
o direito de dispor de coisa determinada, a cláusula acessória assemelha-se a uma condição resolutiva potestativa (a cláusula institui uma
propriedade resolúvel por arbítrio do doador).
® Qualquer quantia sobre os bens doados: a cláusula faz surgir para o donatário a obrigação de pagar a respetiva quantia. Neste caso, há a
instituição de um encargo sujeito à condição suspensiva potestativa de exercício da faculdade de disposição.

O objeto da reserva de disposição deve ser determinado, pelo que, se a cláusula não individualizar devidamente a coisa ou limitar a quantia objeto da
reserva de disposição, será NULA. Esta faculdade termina com a morte do doador, não sendo transmissível aos herdeiros (artigo 959.º /2).

Quando a reserva respeite a coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo, tem de ser registada (artigo 94.º, al. b) CRPredial) – se não for registada nestes
casos, é ineficaz perante terceiros.

3. CLÁUSULA DE REVERSÃO

O doador que não deseje estender a sua generosidade a todos os herdeiros e legatários do donatário, pode apor ao contrato de doação uma cláusula de
reversão. O artigo 960.º diz-nos que o bem doado volta para a titularidade do doador em caso de pré-decesso do donatário ou do donatário e seus
descendentes – para que a coisa doada volte à sua titularidade, é necessário que o doador sobreviva ao donatário e/ou aos seus descendentes).

A cláusula subordina a doação a uma condição resolutiva (artigo 270.º) e deve estar expressa na escritura pública ou instrumento particular de doação.
A sua verificação tem efeito retroativo (artigo 961.º).

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Se tratando de uma coisa móvel, a reversão é eficaz perante terceiros. Tratando-se de coisa imóvel, apenas é eficaz perante terceiros se houver sido
registada.

4. DOAÇÃO SUJEITA A CONDIÇÃO

O legislador admite a possibilidade de apor ao contrato de doação uma condição (evento futuro e incerto). A condição pode ser resolutiva (o contrato
deixa de produzir efeitos quando se verificar o evento futuro e certo) ou suspensiva (o contrato apenas começa a produzir efeitos aquando da verificação do
evento futuro e certo). A condição pode ser ainda positiva ou negativa, causal (não depende da vontade humana), potestativa (depende da manifestação de
vontade de uma das partes e se sujeita à ocorrência de evento posterior) ou mista (depende da vontade de uma das partes e do acaso ou vontade de terceiro).

A verificação da condição tem eficácia retroativa (artigo 276.º).

⚠ Exceção à aplicação do regime geral da condição: nos termos do artigo 967.º, aplicamos o regime apresentado em matéria testamentária (artigo
2230.º) e, sempre que a condição seja física ou legalmente impossível, contrária à lei ou à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, considera-se não
escrita

É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja São contrárias à lei as condições descritas no artigo
física ou legalmente impossível, ou 2232.º, pois restringem consideravelmente a liberdade Resulta do artigo 2186.º que será NULO
contrário à lei (artigo 280.º/1). Só é do donatário, pelo que o legislador considera-as como todo contrato de doação, se da sua
legalmente impossível o objeto de um não escritas. interpretação resultar que foi
negócio, quando a lei ergue a esse objeto É contrária à lei a condição de casar ou não casar (artigo essencialmente determinada a atribuição
um obstáculo tão insuperável como o que 2233.º/1), pelo que o legislador considera-a nula. patrimonial por um fim contrário aos bons
as leis da natureza põem aos fenómenos É contrária à lei a condição captatória (artigo 2231.º), costumes.
fisicamente impossíveis. pois destrói-se o espírito de liberalidade.

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5. DOAÇÃO MODAL → Continua a ser um contrato gratuito e não sinalagmático (daí que o encargo tenha de ser
muito menos oneroso do que o benefício recebido, sob pena de descaracterizar a doação).

O artigo 963.º dispõe que “as doações podem ser oneradas com encargos”, o que significa que na doação, tal como noutros negócios jurídicos que
constituem liberalidades, as partes podem apor uma cláusula modal – ou modo ou encargo – constituindo uma cláusula acessória típica dos negócios que
envolvam liberalidades, em que o doador/disponente impõe ao donatário/beneficiário da liberalidade a obrigação de adotar um certo comportamento no
interesse do doador, de terceiro ou do próprio donatário. Não obstante, o encargo fica limitado ao valor da própria liberalidade (artigo 963.º/2).
Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação em sentido técnico que fica a cargo do
donatário (e que não tem, necessariamente, natureza patrimonial). Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples
dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito sobre a prestação.

A doação modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações (enquanto nas outras
espécies de doações o beneficiário se limita a receber, na doação modal ele fica vinculado ao cumprimento de um DEVER). Ora, a doação modal é uma doação
feita SOB RESTRIÇÃO, e esta restrição corresponde à dissolução de um vínculo por parte do donatário, por causa de uma prestação que poderá ter como
beneficiário o doador, um terceiro ou o donatário – ⚠ é uma doação em que o donatário assume o dever de realizar uma prestação (=o encargo é um
verdadeiro dever jurídico, porque o seu comportamento pode ser exigido).

Há uma legitimidade difusa para exigir o respetivo comportamento intentando uma ação de cumprimento (artigo 965.º): o cumprimento do encargo
pode ser exigido tanto pelo doador, como pelos seus herdeiros ou qualquer interessado. Em caso de incumprimento do encargo, o contrato também poderá
ser resolvido, porém, este direito de resolução só é atribuído ao doador e aos seus herdeiros, e se tiver sido expressamente previsto no contrato de doação
(artigo 966.º). Em suma:
• Em caso de incumprimento, o doador e os seus herdeiros podem:
• Resolver a doação, se esse direito constar do contrato;
• Intentar ação de cumprimento (doador, seus herdeiros ou qualquer interessado).

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PROIBIÇÕES DE DOAÇÃO

DOAÇÕES A FAVOR DE TUTOR, DOAÇÕES A FAVOR DE


DOAÇÕES A FAVOR DOAÇÃO A FAVOR DE DOAÇÃO ENTRE
ADMINISTRADOR LEGAL DE DOAÇÃO A FAVOR PARTIDOS POLÍTICOS E
DE MÉDICOS, NOTÁRIO, INTÉRPRETE CÔNJUGES SUJEITOS
DE ESTRUTURAS DE
BENS OU PROTUTOR QUE OU TESTEMUNHAS DO CÚMPLICE DO AO REGIME
REPRESENTAÇÃO DE
SUBSTITUA O TUTOR OU ENFERMEIROS OU QUE TENHAM DOADOR ADÚLTERO IMPERATIVO DE
SACERDOTES TRABALHADORES E
ACOMPANHANTE INTERVENÇÃO NO ATO SEPARAÇÃO DE BENS
EMPREGADORES

® DOAÇÕES A FAVOR DE TUTOR, ADMINISTRADOR LEGAL DE BENS OU PROTUTOR QUE SUBSTITUA O TUTOR OU ACOMPANHANTE: esta proibição
bem abranger as doações feitas por incapaz a favor dos pais, tutor, curador ou administrador legal de bens após a cessação da incapacidade do doador e de
modo a que as doações celebradas neste âmbito sejam sancionadas com a NULIDADE (artigo 2192.º, por remissão do artigo 953.º). Não obstante, uma vez
cessada a incapacidade, a doação é válida se for feita a favor de descendentes, ascendentes, colaterais até ao 3° grau, cônjuge do doador ou pessoa com quem
este viva em união de facto (n.° 2 do artigo 2192.º);

® DOAÇÕES A FAVOR DE MÉDICOS, ENFERMEIROS OU SACERDOTES: o disposto no artigo 2194.º é aplicável às doações com as respetivas
adaptações. Para que o testamento/a doação seja considerado nulo, (i) o testador/doador tem de estar doente e (ii) vir a falecer da doença. No entanto, na
doação, independentemente de o doador vir ou não a falecer da doença, todas as doações efetuadas a favor destas pessoas durante o período da doença
deverão ser consideradas NULAS (o 2° requisito não se aplica à doação) – após a cura, poderá doar livremente;

® DOAÇÃO A FAVOR DE NOTÁRIO, INTÉRPRETE OU TESTEMUNHAS QUE TENHAM INTERVENÇÃO NO ATO: a doação feita em desrespeito da
proibição constante do artigo 2197.º é NULA;

® DOAÇÃO A FAVOR DO CÚMPLICE DO DOADOR ADÚLTERO: por motivos de tutela da instituição familiar, de modo a proteger os interesses do outro
cônjuge, o artigo 2196.º vem estatuir esta proibição, sob pena de NULIDADE. Não obstante, a doação já não será nula se o casamento já se encontrava
dissolvido, se os cônjuges já estavam separados judicialmente de pessoas e bens ou separados de facto há mais de 6 anos e ainda se a doação limitou-se a
assegurar alimentos ao beneficiário;

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® DOAÇÃO ENTRE CÔNJUGES SUJEITOS AO REGIME IMPERATIVO DE SEPARAÇÃO DE BENS: o artigo 1762.º determina que é NULA a doação entre
casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens. Esta proibição compreende-se uma vez que nas doações entre casados,
quando admitidas, os bens adquiridos tornam-se incomunicáveis, seja qual for o regime de bens (artigo 1757.º) – receia-se que a intenção de um dos cônjuges
tenha sido enriquecer à custa do outro. ⚠ Nada obsta a que hajam doações entre os nubentes/noivos (artigo 1720.º/2);

® DOAÇÕES A FAVOR DE PARTIDOS POLÍTICOS E DE ESTRUTURAS DE REPRESENTAÇÃO: a lei proíbe a realização de qualquer donativo anónimo, bem
como de donativos de natureza pecuniária ou em espécie a partidos políticos por parte de pessoas coletivas nacionais ou estrangeiras (artigo 8.º da Lei n.°
19/2003). Apenas admite-se tais doações quando provêm de pessoas singulares identificadas.

PERTURBAÇÕES DA PRESTAÇÃO NO CONTRATO DE DOAÇÃO

DOAÇÃO DE BENS ONERADOS


DOAÇÃO DE BENS ALHEIOS
E COISAS DEFEITUOSAS
❌ NULO!

Se o objeto do contrato de doação for um bem alheio, o contrato será NULO (o doador não pode apor a nulidade ao donatário de boa fé). Não obstante,
uma das características dos contratos gratuitos é a moderação da responsabilidade do doador pelos danos causados ao donatário em virtude da prestação
(artigo 956.º/2): ⚠ o doador não é responsável pelos prejuízos causados ao donatário. 📌 Exceção: o doador será responsável quando:

O doador assumir A doação ser


A doação ter caráter
O donatário eshver expressamente a O doador hver onerosa/modal
remuneratório
de boa fé obrigação de atuado com dolo
(ar=go 941.º) (ar,go 956.º/3)
indemnizar
Danos emergentes!

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💡 Nos casos em que o doador tiver atuado com dolo (artigo 483.º), o dolo deve ser entendido como a consciência de estar a doar uma coisa alheia,
consequentemente causando prejuízos ao donatário e engloba ainda as situações em que após a doação, mas antes do registo por parte do donatário, ele
tornou a dispor do bem. Neste caso, cabe ao donatário fazer prova de que o doador atuou com dolo (artigo 487.º).

Nos termos do artigo 957.º, o doador não responde pelos ónus, limitações ou vícios de que a coisa doada padeça (“a cavalo dado não se olha o dente”),
pois não deixa de haver verdadeiramente um aumento do património do donatário. 📌 Exceção:

O doador assumiu esta O doador atuou com


responsabilidade dolo (ocultação
expressamente intencional do vício)

EXTINÇÃO DAS DOAÇÕES

Enquanto não for aceite a doação, esta pode ser revogável (artigo 969.º). Uma vez aceite, apenas pode ser revogada por ingratidão do donatário (artigos
970.º e 974.º) – “a doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se
Artigo 2034.º
verifique alguma das ocorrências que justificam, a deserdação”.
Artigo 2166.º

⚠ Fora destes casos de revogação de doação por ingratidão taxativamente previstos na lei, não há possibilidade de revogação da doação.

❌ Impossibilidade de revogação por ingratidão do donatário: artigo 975.º.


📆 Prazos para propor a ação de revogação da doação por ingratidão: artigos 976.º e 978.º.

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LOCAÇÃO (artigo 1022.º)

Locação é o negócio jurídico bilateral celebrado entre locador e locatário, em que aquele se obriga a ceder uma coisa (móvel ou imóvel) à outra, enquanto
essa se obriga a realizar o pagamento de uma prestação em virtude de possuir a coisa.

Em geral, a locação é economicamente vantajosa, porque permite o APROVEITAMENTO DE BENS ESCASSOS que, de outro modo, ficariam por aproveitar:
por um lado, a locação é vantajosa para o locatário, pois pode querer possuir a coisa sem necessariamente adquirir o direito de propriedade sobre ela e, por
outro lado, também é vantajosa para o locador, pois este pode não estar a exercer o seu poder de aproveitamento/gozo sobre a coisa e, assim sendo, por meio
da locação pode rentabilizar a coisa que é sua, mas que não lhe dá uso.

Nos casos de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, a locação não se funda num contrato, mas é sim o tribunal que, através de uma sentença
judicial, impõe uma relação de arrendamento (artigos 1793.º e 1794.º).

Com fins habitacionais


ALUGUER
URBANO
(coisa móvel)
LOCAÇÃO Com fins não habitacionais
ARRENDAMENTO
(coisa imóvel) Fim rural associado a
a@vidades agrícolas,
florestais ou pecuniárias
RÚSTICO
Outros fins

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Obrigação do locador
de proporcionar ao Caráter temporário
Retribuição
locatário o gozo de uma (ar,go 1025.º) Contrato oneroso (artigo 1038.º, al. c)
coisa (1031.º, al. b))

Relativamente à OBRIGAÇÃO DE PROPORCIONAR A OUTREM O GOZO DE UMA COISA, levanta-se a questão de saber ❓ qual é a natureza do direito do
locatário: a maioria esmagadora da doutrina propugna a tese personalista, inclinando-se para a natureza obrigacional ou pessoal do direito do locatário. Esta
teoria fundamenta-se em fortes razões: o contrato de locação figura no livro II do Código, dedicado ao direito das obrigações; a lei fala sempre em “obrigações
do locador” e “obrigações do locatário”, apresentando-as como contrapartida uma da outra; existe ainda sólida jurisprudência constante no sentido da
pessoalidade da locação.

A tese realista, por sua vez, propugna a ideia de que o locatário é titular de um autêntico direito real sobre a coisa locada. Esta tese assenta no facto de
que, ao locatário, é atribuída tutela possessória do seu direito contra terceiros (artigo 1037.º/2), sendo o locatário tratado como possuidor (e a posse é restrita
aos direitos reais). O artigo 1057.º apoia esta tese, porque permite ao locatário impor o seu direito a um terceiro (o terceiro está vinculado a obrigações de um
contrato que não celebrou) – entende-se que se trata de uma manifestação do direito de sequela (e que é característico dos direitos reais).
O Dr. Menezes Leitão diz-nos que este argumento não colhe, pois o artigo 1057.º nada mais é do que uma transmissão legal da obrigação do locador.

💡 Nós aderimos à tese personalista, pois o facto de a lei conceder ações possessórias ao locatário nada demonstra, uma vez que estas ações têm sido
concedidas noutras situações em que nunca se considerou existir um direito real. Além disso, no artigo 1022.º, ao direito do locatário está contraposto aquilo
que é a prestação do locador, pelo que só poderá ser um direito de natureza obrigacional – o próprio artigo 1682.º-A/1 diz-nos que o direito do locatário não
tem natureza real, pois no arrendamento, tal como nos outros direitos citados, se trata de um DIREITO PESSOAL DE GOZO.

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SE O DIREITO DO LOCATÁRIO É UM DIREITO PESSOAL DE GOZO, COMO QUALIFICAMOS A OBRIGAÇÃO DO LOCADOR DE “PROPORCIONAR O GOZO AO
LOCATÁRIO DA COISA LOCADA”? O Dr. Menezes Leitão considera que tratar-se-á de uma prestação de facto positiva, porque não basta o “não fazer”, sendo
ainda necessário que o locador, ativamente, proporcione o gozo. O Dr. Pinto Monteiro defende que se trata de uma prestação de facto negativo, na modalidade
de obrigação de tolerância ou de deixar fazer (obrigação de pati).

Quando ao CARÁTER TEMPORÁRIO da locação, o artigo 1025.º proíbe que se celebre um contrato de locação por tempo superior a 30 ANOS. Não
obstante, no arrendamento operam renovações automáticas, se não houver oposição por parte do senhorio e do locatário, e nada obsta nestes casos a que o
contrato de arrendamento tenha uma duração máxima superior a 30 anos (o limite de prazo cinge-se ao prazo inicial da locação).
O NRAU permite ainda a celebração do contrato de arrendamento por tempo indeterminado, mas isto não significa que se esteja a impor às partes uma
duração superior a 30 anos, porque sendo o contrato celebrado por tempo indeterminado, este cessará por denúncia de qualquer das partes nos termos do
artigo 1100.º.

CARACTERÍSTICAS QUALIFICATIVAS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

OBRIGACIONAL ONEROSO

CONSENSUAL
SINALAGMÁTICO

FORMAL OU NÃO
FORMAL, CONSOANTE DE EXECUÇÃO
OS CASOS DURADOURA

NOMINADO E CARACTERÍSTICAS
TÍPICO QUALIFICATIVAS COMUTATIVO

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A locação é um contrato consensual (por oposição a real quoad constitutionem), uma vez que a noção legal não inclui a entrega como elemento necessário
à constituição do contrato (a locação se constitui antes da entrega da coisa locada). É um contrato formal ou não formal, consoante estejamos a falar de
aluguer (não formal = consensualidade) ou arrendamento (formal = forma escrita) – não obstante, exige-se a forma escrita para o aluguer de veículos sem
condutor.
Trata-se de um contrato oneroso, uma vez que implica sacrifícios económicos para ambas as partes (enquanto o locador abdica do gozo da coisa, o
locatário abdica do correspondente preço locativo) e sinalagmático, pois a obrigação do locador de proporcionar ao locatário o gozo da coisa tem como
correspetivo a obrigação do locatário de pagar a renda ou aluguer. E é ainda um contrato de execução duradoura, uma vez que ambas as prestações aparecem
relacionadas com um certo período de tempo que delimita o seu conteúdo e extensão – a prestação do locador de proporcionar o gozo da coisa constitui uma
prestação contínua, ao passo que a prestação do locatário de pagar a renda ou aluguer constitui uma prestação de natureza periódica.

OBJETO DA LOCAÇÃO

COISAS MÓVEIS COISAS IMÓVEIS


(aluguer) (arrendamento)

Podem ser objeto de locação tanto as coisas corpóreas como as coisas incorpóreas, como é o caso do trespasse (artigo 1118.º) ou a locação de
estabelecimento comercial (artigo 1109.º). A locação tanto pode abranger a totalidade de uma coisa, como apenas parte dela (podem ser arrendados partes
do prédio, ou até apenas muros e terraços ou janelas).

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FORMAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

CAPACIDADE LEGITIMIDADE

A locação constitui para o locador um ato de administração ordinária sempre que seja celebrada por prazo inferior a 6 anos (artigo 1024.º). Até este
prazo, têm capacidade para celebrar contratos de locação todos os que podem contratar e administrar os seus bens (artigo 67.º). Apenas os menores (artigos
122.º e ss.) ou os maiores acompanhados (artigos 138.º e ss.) estão impedidos de celebrar contratos de locação (terá de ser o representante legal) – artigo
1051.º/1, al. c).
Quanto à legitimidade, temos de ter atenção aos casos em que pessoas que, embora tenham capacidade para celebrar o contrato de locação, não o
poderão fazer por falta de legitimidade: é o caso da pluralidade de titulares do imóvel ou dos cônjuges quando não vigore entre eles o regime de separação de
bens, onde exige-se o consentimento de todos (artigos 1024.º e 1682.º-A, respetivamente).

CONTRATO-PROMESSA DE LOCAÇÃO

A locação pode ser objeto de contrato-promessa nos termos gerais (artigo 410.º). O contrato-promessa de locação é, em princípio, consensual, só tendo
que ser celebrado por documento escrito e assinado pela parte que se vincula no caso em que seja exigida forma especial para o contrato definitivo (n.° 2 do
artigo 410.º).Não é aplicável à promessa de arrendamento o n.° 3 do artigo 410.º, uma vez que o arrendamento não constitui um direito real.

Em caso de não cumprimento da promessa de locação, deve entender-se que a mesma estará normalmente sujeita à execução específica (artigo 830.º),
uma vez que a natureza da obrigação assumida não é incompatível com essa figura. Não estando perante uma das promessas a que se refere o n.° 3 do artigo
410.º, a execução específica poderá ser afastada pelas partes.

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