Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Diagnóstico, epidemiologia
e curso clínico dos
transtornos da alimentação
David B. Herzog, M.D.
Kamryn T. Eddy, M.A.
Anorexia nervosa
Diagnóstico
Critérios diagnósticos
Características clínicas
Apresentação física
É comum os pacientes adolescentes terem aparência mais jovem do
que sua idade cronológica, sendo que aqueles com anorexia nervosa
crônica podem aparentar mais idade. A caquexia e a atrofia torácica são
aparentes. De modo geral, a pele é seca e amarelada devido à carotene-
mia; os sinais físicos incluem bradicardia, hipotensão, lanugo, alopecia
e edema. A autoindução de vômitos ocasiona erosão dental e lesões na
superfície dorsal da mão.
As pessoas com esse transtorno podem se queixar de intolerân-
cia ao frio, tontura, constipação e desconforto abdominal. Apesar da
subnutrição, costumam ser hiperativas; a letargia pode indicar desequi-
líbrio de fluidos e eletrólitos, desidratação, comprometimento cardio-
vascular ou depressão grave.
Complicações clínicas
A anorexia nervosa está associada a inúmeras complicações clínicas
significativas secundárias à inanição. Nos pacientes com episódios de
compulsão alimentar periódica/purgativo, essas complicações também
podem ser secundárias aos sintomas bulímicos (ver Tabela 1.2).
As anormalidades eletrocardiográficas (p. ex., voltagem baixa,
bradicardia, inversões da onda-T, depressão do segmento ST e arrit-
mias) são comuns e, em geral, normalizam com a realimentação. Ou-
tros problemas cardíacos, como prolongamento dos intervalos QT, le-
sões do miocárdio e arritmias, secundários ao desequilíbrio eletrolítico,
podem ser fatais. As sequelas endócrinas incluem amenorreia secundá-
ria ao hipogonadismo induzido pela inanição, hipotireoidismo, redução
nos níveis dos hormônios do crescimento (fator de crescimento do tipo
insulina) e redução dos níveis séricos de leptina (ver, p. ex., Misra Mil-
ler et al., 2004), sendo que na maioria dos casos, os níveis hormonais
aumentam com a recuperação do peso. Os problemas esqueléticos estão
relacionados às complicações endócrinas; reduções na densidade mine-
ral óssea ocorrem em várias áreas esqueléticas na maioria das mulheres
com anorexia nervosa, levando a osteopenia e osteoporose (Grinspoon
et al., 2000). Embora a densidade óssea melhore com o ganho de peso,
é comum a persistência da osteopenia. Além disso, as mulheres com
esse transtorno podem apresentar infertilidade, partos prematuros e
outras complicações perinatais (Wolfe, 2005).
Manual clínico de transtornos da alimentação 23
Tabela 1.2
Complicações clínicas da anorexia nervosa
Cardíaca Voltagem baixa, bradicardia, inversões da onda-T, depressão
do segmento ST, arritmias
Intervalos QT prolongados, lesão do miocárdio, arritmias
Endócrina Amenorreia, hipotireoidismo
Redução na proteína ligadora do hormônio do crescimento,
no fator de crescimento insulina símile e nos níveis
séricos da leptina.
Esquelética Redução na densidade mineral óssea, resultando em
osteopenia ou osteoporose
Reprodutiva Infertilidade, partos prematuros, complicações perinatais
Gastrintestinal Motilidade gástrica reduzida, esvaziamento gástrico lento,
constipação
Renal Nitrogênio ureico sanguíneo elevado, poliúria, edema
periférico (durante a realimentação)
Neurológica Redução no volume de substância cinzenta, aumento do
fluido sulcal cerebrospinal
Hematológica Anemia, leucopenia, trombocitopenia
Apresentação psicológica
De forma prototípica, pacientes com anorexia nervosa apresentam
grave distorção da imagem corporal, distúrbios interoceptivos e disti-
mia. O afeto é restrito e os pacientes demonstram capacidade mínima
para insight, em geral secundária à preocupação com alimento, peso
e forma, induzida pela inanição. A comorbidade de Eixo I é comum
24 Yager e Powers
Diagnóstico diferencial
Os distúrbios físicos, incluindo diabete melito, colite, doença da ti-
reoide, doença inflamatória intestinal, doenças pépticas, doença de
Addison, distúrbios da motilidade intestinal, como acalasia, e tumo-
res cerebrais, todos podem causar sintomas clínicos comuns àqueles
da anorexia nervosa, por isso deverão ser avaliados e sua possibilidade
descartada. Além disso, os transtornos de conversão, esquizofrenia e
transtornos do humor estão entre aqueles que podem manifestar perda
de peso e compulsão alimentar ou purgativa.
Epidemiologia
A pesquisa epidemiológica dos transtornos da alimentação é limitada,
em especial no que se refere à prevalência entre os adolescentes, nos
quais o transtorno é observado com frequência. Tomando-se como base
uma população de grande expressividade e dados de arquivos, a ocor-
rência da anorexia nervosa ao longo da vida é estimada em 1% (para re-
visão, ver Hoek, 2002). Dados de dois estudos recentes de uma popula-
ção significativa, um deles nos Estados Unidos e outro na Escandinávia,
revelaram taxas de prevalência ao longo da vida de 0,9 e de 1,2% para
Manual clínico de transtornos da alimentação 25
mulheres, e de 0,3 e de 0,29% para homens (Bulik et al., 2006; Hudson
et al., 2007). A pesquisa sugere que a ocorrência da anorexia nervosa
aumentou nos últimos anos (Keel e Klimp, 2003). Cerca de 90 a 95%
dos pacientes anoréxicos são mulheres; embora os homens apresentem
uma menor probabilidade de desenvolver esse transtorno, a apresenta-
ção dos sintomas é similar àquela das mulheres. O início da anorexia
nervosa varia desde a pré-adolescência até a fase adulta, com picos bi-
modais aos 13 a 14 e 17 a 18 anos. O surgimento da anorexia nervosa
na fase pré-puberdade pode estar associada a um perfil mais grave, e o
início do quadro na adolescência está associado a um prognóstico me-
lhor do que aqueles que iniciam na fase pré-puberdade e adulta.
Mesmo sendo mais predominante nas sociedades industrializadas,
em que o alimento é abundante e o perfil-padrão corporal é o esbelto,
estão faltando pesquisas sistemáticas da prevalência cultural cruzada
da anorexia nervosa. Algumas evidências sugerem que mulheres que
imigraram para países mais industrializados, oriundas de países em que
a ocorrência desse transtorno é baixa, podem ter maior risco à medida
que assimilam o padrão corporal esbelto. Dessa forma, alguns dados
sugerem que a apresentação dos sintomas pode diferir na cultura cru-
zada; por exemplo, o critério cognitivo (p. ex., fobia de ser gordo) não
parece estar presente em alguns países da Ásia (Hsu e Lee, 1993). As
questões da cultura cruzada e da etnia nos transtornos da alimentação
estão descritas em detalhes no Capítulo 15 (“Considerações culturais
nos transtornos da alimentação”) deste livro.
Nos Estados Unidos, a prevalência da anorexia nervosa varia de
acordo com a etnia e a situação socioeconômica, embora a minoria das
mulheres mais jovens, de maior peso, bem aculturadas, que se identi
ficam mais com os “valores da classe média branca”, possa apresentar
maior risco, quando comparada com outras minorias (Crago et al., 1996).
Mesmo considerando conflitantes os achados das pesquisas, de modo ge-
ral a anorexia nervosa tende a ser menos comum entre as mulheres afro-
americanas do que entre as brancas, hispânicas e sino-americanas.
Etiologia
Fatores biológicos
Fatores socioculturais
A anorexia nervosa é muito mais prevalente nas mulheres do que nos
homens e tende a surgir na época da maturação sexual, em torno da
primeira menstruação e da puberdade. Os pesquisadores atribuem essa
28 Yager e Powers
Curso e prognóstico
Recuperação e recaída
Mudança de diagnóstico
Mortalidade
BULIMIA NERVOSA
Diagnóstico
Critérios diagnósticos
É comum a bulimia nervosa iniciar no final da adolescência ou no início
da vida adulta em pessoas que estão com peso normal ou discretamente
elevado, podendo, também, iniciar após período de dieta. Esse transtor-
no é caracterizado pela compulsão alimentar periódica (i.e., ingestão
de grande quantidade de alimento e a sensação de perda do controle
sobre o comportamento alimentar), comportamentos compensatórios e
cognições relacionados. Os comportamentos compensatórios são usa-
dos para agir em oposição aos efeitos de uma compulsão alimentar
A recuperação total é obtida por < 50%, 33% melhoram e 20% permanecem
doentes crônicos conforme sugerido pela pesquisa longitudinal.
A recaída ocorre em 33% daqueles que se recuperam.
O prognóstico é melhor para as pessoas tratadas na adolescência.
Indicadores da recuperação incluem maior peso corporal na ingestão, menor
duração do tempo da doença e características atípicas.
Aproximadamente 50% das pessoas com anorexia desenvolverão sintomas
bulímicos.
Taxa de mortalidade de 0,56% ao ano, e taxa-padrão de mortalidade de 12.
Causas comuns de óbito incluem suicídio e falha cardíaca.
Manual clínico de transtornos da alimentação 31
e podem incluir vômitos autoinduzidos; uso inadequado de laxantes,
diuréticos e enema; jejum e excesso de exercícios. Os critérios do DSM-
IV-TR para bulimia estão relacionados na Tabela 1.3.
O DSM-IV-TR faz distinção entre os dois tipos da bulimia nervosa
– purgativo e não purgativo – com base no comportamento compensa-
tório presente. A maioria dos pacientes apresenta o tipo purgativo (i.
e., comportamentos compensatórios, incluindo vômitos e uso de diuré-
ticos ou laxantes). Embora as pessoas com bulimia apresentem mais de
um tipo de comportamento compensatório, 80 a 90% praticam vômitos
autoinduzidos (American Psychiatric Association, 2000). Os pacientes
com bulimia do tipo purgativo tendem a ter mais comorbidade psiquiá-
trica e médica do que aqueles com o tipo não purgativo.
Tabela 1.3
Critérios diagnósticos DSM-IV-TR para a bulimia nervosa
A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar periódica caracterizados por:
1. alimentação em curtos períodos de tempo (p. ex., período de duas horas),
porção de alimento maior do que a maioria das pessoas comeria em um
período similar de tempo e sob circunstâncias similares
2. sensação de perda do controle da ingestão durante o episódio (p. ex.,
sensação de que não pode parar de comer ou de controlar o que ou o
quanto está comendo)
B. Comportamento compensatório recorrente inadequado para evitar o ganho
de peso, como vômitos autoinduzidos, uso incorreto de laxantes, diuréticos,
enema ou outros medicamentos; jejum ou excesso de exercícios.
C. Compulsão alimentar e comportamentos compensatórios ocorrem, em
média, pelo menos duas vezes por semana por três meses.
D. Autoavaliação é influenciada em excesso pela imagem corporal e pelo peso.
E. O transtorno não ocorre com exclusividade durante os episódios de
anorexia.
Tipo específico:
Tipo purgativo: durante o episódio recorrente de bulimia nervosa, a pessoa
está em constante envolvimento com a autoindução de vômitos ou o uso
inadequado de laxantes, diuréticos ou enema
Tipo não purgativo: durante o episódio recorrente de bulimia, a pessoa
apresenta outros comportamentos compensatórios inadequados, como
jejum ou excesso de exercícios, mas não está constantemente envolvida
na autoindução de vômitos ou uso inadequado de laxantes, diuréticos ou
enema
Características clínicas
Apresentação física
É comum que os pacientes com bulimia nervosa estejam dentro de uma
faixa de peso saudável, embora um subgrupo esteja acima do peso ou
obesos. Eles podem queixar-se de edema periférico, inchaço, fraqueza,
fadiga e problemas dentários. Edema facial e peliose, calosidade ou
escoriações na área dorsal das mãos desenvolvem-se secundariamente
à autoindução de vômitos.
Complicações clínicas
A bulimia nervosa está associada a uma série de complicações clínicas.
Essas complicações são, com frequência, secundárias à purgação, mas
também podem estar relacionadas à subnutrição e à compulsão alimen-
tar periódica (ver Tabela 1.4).
A purgação por meio do vômito e o uso inadequado de laxantes
ou diuréticos resulta em complicações ácido-básicas e eletrólitos, in-
cluindo hipocalemia, arritmias, fragilidade muscular, tetania e alcalose
metabólica (Lasater e Mehler, 2001). O uso do xarope de ipeca para
induzir o vômito pode levar à miopatia musculoesquelética ou mesmo
à cardiomiopatia fatal. As taxas de prolapso da válvula mitral são ele-
vadas em pacientes com bulimia nervosa. Os problemas gastrintestinais
secundários à purgação também são comuns. A autoindução do vômito
Manual clínico de transtornos da alimentação 33
Tabela 1.4
Complicações clínicas da bulimia nervosa
Cardíaca Hipocalemia, arritmias, debilidade muscular, tetania e
alcalose metabólica (secundários à purgação por vômito/
laxantes)
Miopatia musculoesquelética e cardiomiopatia (secundários
ao uso do xarope de ipeca)
Gastrintestinal Esofagite, dor no peito, dispepsia, doença do refluxo
gastroesofágico, ruptura do esôfago, hérnias de hiato e
esôfago de Barrett (secundários aos vômitos)
Síndrome do intestino irritável, melanose coli e colo atônico
ou catártico (secundários ao uso abusivo de laxantes)
Oral/dental Erosão do esmalte dos dentes, retração de gengiva
Inchaço da glândula parótida, hipertrofia da glândula salivar,
elevação nos níveis séricos de amilase
Reprodutiva Infertilidade
Risco de aborto espontâneo, cesariana, nascituro abaixo do
peso e depressão pós-parto
Apresentação psicológica
As pessoas com bulimia nervosa preocupam-se com alimentação, peso
e forma e tendem a ter insatisfação acentuada com o corpo e humor
34 Yager e Powers
Diagnóstico diferencial
Epidemiologia
Etiologia
Fatores biológicos
Fatores psicológicos
Fatores socioculturais
bulimia (para revisão, ver Stice, 2002). Além disso, a pesquisa trans-
cultural reconhece que essa exposição aos padrões de beleza ocidental
influencia o desenvolvimento da patologia do transtorno da alimen-
tação. É provável que a confluência de múltiplos fatores psicológicos,
biológicos e socioculturais prognostique o desenvolvimento da bulimia.
Essas questões são abordadas em detalhes no Capítulo 15 deste livro.
Curso e prognóstico
Recuperação e recaída
Mortalidade
Em contraste às altas taxas de mortalidade nos pacientes com anore-
xia nervosa, a mortalidade parece não ser elevada entre aqueles com
bulimia nervosa (Nielsen et al., 1998). Uma revisão de 88 estudos de-
monstrou uma taxa de mortalidade bruta de 0,3% no acompanhamento
longitudinal, embora os autores tenham sido avisados de que essa des-
coberta pode estar subestimada em virtude do tempo de acompanha-
mento variável (seis meses a 10 anos) e do baixo índice de apuração do
acompanhamento cruzado (Keel e Mitchell, 1997).
Transtorno da alimentação
sem outra especificação
Características diagnósticas
Transtorno da compulsão
alimentar periódica (TCAP)
Critérios diagnósticos
Embora as descrições do fenômeno clínico da compulsão alimentar pe-
riódica na ausência de comportamentos compensatórios sejam de meio
século atrás, o TCAP não foi reconhecido de maneira regulamentada até
1994. O DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994) apresentou o
TCAP como um exemplo específico dentro da categoria heterogênea TA-
SOE. Como um diagnóstico provisório, o TCAP recebeu pesquisa e atenção
clínica significativas durante a última década e o DSM-IV-TR propõe os
critérios de pesquisa para a conclusão do diagnóstico (ver Tabela 1.6).
O TCAP é caracterizado pela compulsão alimentar periódica re-
corrente (i. e., ingestão de grande quantidade de alimentos com expe-
Manual clínico de transtornos da alimentação 41
Tabela 1.5
Critérios diagnósticos DSM-IV-TR para o transtorno da alimentação
sem outra especificação (TASOE)
A categoria TASOE destina-se aos transtornos da alimentação que não satisfazem
os critérios para qualquer transtorno específico da alimentação. São exemplos:
1. Mulheres com todos os critérios para anorexia nervosa satisfeitos, exceto
para aquelas com menstruação regular.
2. Todos com critérios para anorexia nervosa satisfeitos, exceto para aqueles
cujo peso atual está dentro da faixa normal, independentemente da perda
significativa de peso.
3. Todos com critérios para bulimia nervosa satisfeitos, exceto para aqueles
cuja compulsão alimentar periódica e mecanismos compensatórios
inadequados ocorram em uma frequência menor do que duas vezes por
semana ou para uma duração menor do que três meses.
4. Uso regular de comportamento compensatório inadequado pela pessoa de
peso corporal normal depois de comer pequenas porções de alimentos (p.
ex., vômitos autoinduzidos depois do consumo de dois biscoitos).
5. Mastigação e ato de cuspir repetidos, exceto o de engolir grandes porções
de alimentos.
6. Transtorno da compulsão alimentar periódica: episódios recorrentes
de compulsão alimentar periódica na ausência do uso regular de
comportamentos compensatórios inadequados, característicos da bulimia
(ver Tabela 1.6 para critérios da pesquisa sugeridos).
Tabela 1.6
Critérios diagnósticos DSM-IV-TR de pesquisa para o transtorno da
compulsão alimentar periódica (TCAP)
A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar periódica caracterizados por:
1. alimentação em curtos períodos de tempo (p. ex., período de duas horas),
porção de alimento maior do que a maioria das pessoas comeria em um
período similar de tempo e sob circunstâncias similares
2. sensação de perda do controle da alimentação durante o episódio (p. ex.,
sensação de que não pode parar de comer ou de controlar o que ou o
quanto está comendo)
B. Os episódios de compulsão alimentar periódica estão associados a três (ou
mais) dos seguintes fatores:
1. comer muito mais rápido do que o normal
2. comer até a sensação desconfortável de satisfação total
3. comer grandes porções de alimentos quando não está faminto
4. comer sozinho por se sentir constrangido pelo quanto está comendo
5. sentir-se insatisfeito consigo, deprimido ou muito culpado depois de uma
superalimentação
C. Angústia acentuada em relação à compulsão alimentar periódica
D. A compulsão alimentar periódica ocorre, em média, pelo menos, dois dias na
semana por seis meses
Nota: O método para determinar a frequência difere daquele usado para a
bulimia nervosa; pesquisas futuras devem orientar se o método preferido
para estabelecer o limiar da frequência é o de computar o número de dias
em que a compulsão ocorre ou o de computar o número de episódios de
compulsão alimentar.
E. A compulsão alimentar periódica não está associada ao uso regular de
comportamentos compensatórios inadequados (p. ex., purgação, jejum,
exercícios em excesso) e não ocorre com exclusividade durante o curso da
anorexia nervosa ou da bulimia nervosa.
Características clínicas
Apresentação clínica
Em geral, quem apresenta TCAP está acima do peso ou obeso; embora
o transtorno possa ocorrer nas pessoas com peso normal, ele é mais ob-
servado nas que estão acima do peso/obesas. É comum as pessoas que
apresentam quadros clínicos terem um histórico de flutuações de peso
acentuados e repetidos esforços infrutíferos no controle do peso.
Manual clínico de transtornos da alimentação 43
Complicações clínicas
O TCAP está associado ao sobrepeso e à obesidade, e ambos estão re-
lacionados a uma série de problemas ligados à saúde, bem como ao
aumento da mortalidade. As complicações clínicas do sobrepeso e da
obesidade incluem hipertensão, dislipidemia, diabete do tipo 2, doença
cardíaca coronariana, acidente vascular cerebral, doença da vesícula
biliar, osteoartrite, apneia do sono, problemas respiratórios e câncer
(p. ex., endometrial, mama, colo). Além disso, o TCAP vem sendo asso-
ciado ao aumento do risco de saúde, independentemente do índice de
massa corporal (p. ex., Bulik et al., 2003a). Em um grande estudo de
base populacional com gêmeos, obesos com TCAP tenderam a ter au-
mento nos problemas de saúde e, de forma significativa, demonstraram
insatisfação com sua saúde (Bulik et al., 2003b).
Apresentação psicológica
Assim como as pessoas com anorexia e bulimia nervosa, aquelas com
TCAP preocupam-se com peso e forma relacionados e supervalorizam
estes na autovaloração. Os pacientes com TCAP, em geral, apresentam
autoaversão, insatisfação com o peso e forma corporal, frustração em
relação a sua incapacidade de controlar a ingestão, afeto disfórico, pre-
ocupações somáticas e sensitividade interpessoal (American Psychia-
tric Association, 2000). Tanto a qualidade de vida psicossocial quanto
física estão comprometidas nas pessoas com TCAP; entretanto, ainda
não está claro o quanto a qualidade de vida é insatisfatória por causa
do TCAP, além do sobrepeso associado. Para alguns pacientes, a com-
pulsão alimentar periódica é disparada pelo humor disfórico e ocasiona
alívio da tensão; outros descrevem uma experiência de dissociação e
“dormência” enquanto comem compulsivamente. É comum a comorbi-
dade de Eixo I incluir transtorno depressivo e de ansiedade. Os padrões
de personalidade não estão bem-delineados, mas há sugestões de que
pacientes com TCAP exibem traços de impulsividade e transtornos do
Grupo B e do Grupo C de Eixo II elevados (p. ex., Marcus et al., 1996).
Embora a apresentação do transtorno da alimentação seja similar
em homens e em mulheres, eles estão mais propensos a terem trans-
tornos de Eixo I (em particular um histórico de vida de dependência de
substância), quando comparados com as mulheres, e estas estão mais
propensas do que aqueles de apresentar compulsão alimentar periódica
em resposta aos disparadores emocionais (Tanofsky et al., 1997).
44 Yager e Powers
Diagnóstico diferencial
Epidemiologia
Etiologia
Curso e prognóstico
Recuperação e recaída
No momento, as pesquisas longitudinais sobre o curso e o resultado do
TCAP são limitadas, mas sugere que o diagnóstico é frágil. Os achados
de um estudo prospectivo de mulheres de uma comunidade com essa
doença sugeriram que em cinco anos de acompanhamento, menos de
um quinto da amostra ainda apresentava sintomas do transtorno da
alimentação clinicamente significativos (Fairburn et al., 2000). É notó-
rio que a taxa de obesidade paralela na amostra aumentou durante o
período de acompanhamento (de 21 para 39%); por isso, a obesidade
paralela pode ser um resultado de saúde importante a ser avaliado além
do TCAP. Além disso, um estudo prospectivo de seis meses da comuni-
dade deste demonstrou que nesses meses de acompanhamento metade
dos pacientes que permaneceu no estudo ainda satisfazia os critérios
para TCAP; entretanto, um terço da amostra inicial saiu do estudo, e
por isso a validade externa foi limitada (Cachelin et al., 1999). Todos
esses achados sugerem que esse transtorno pode não ser um diagnós-
tico seguro.
Pesquisa sobre pessoas com TCAP, que receberam tratamento,
também demonstrou bons resultados na maioria dos casos e que a reca-
ída é menos provável do que na anorexia e na bulimia nervosas.
Conclusão
Referências
Fairburn CG, Welch SL, Doll HA, et al: Risk factors for bulimia nervosa: a
community-based case-control study. Arch Gen Psychiatry 54:509-517, 1997
Fairburn CG, Cooper Z, Doll HA, et al: Risk factors for anorexia nervosa: three
integrated case-control comparisons. Arch Gen Psychiatry 56:468-476, 1999
Fairburn CG, Cooper Z, Doll HA, et al: The natural course of bulimia nervosa and
binge eating disorder in young women. Arch Gen Psychiatry 57:659-665, 2000
Frank GK, Bailer UF, Henry S, et al: Neuroimaging studies in eating disorders.
CNS Spectr 9:539-548, 2004
Franko DL, Blais MA, Becker AE, et al: Pregnancy complications and neonatal
outcomes in women with eating disorders. Am J Psychiatry 158:1461-1466,
2001
Franko DL, Keel PK, Dorer DJ, et al: What predicts suicide attempts in women
with eating disorders? Psychol Med 34:843-853, 2004
Golden NH, Katzman DK, Kreipe RE, et al: Eating disorders in adolescents.
Position paper of the Society for Adolescent Medicine. J Adolesc Health 33:496-
503, 2003
Grice DE, Halmi KA, Fichter MM, et al: Evidence for a susceptibility gene for
anorexia nervosa on chromosome 1. Am J Hum Genet 70:787-792, 2002
Grinspoon S, Thomas E, Pitrs S, et al: Prevalence and predictive factors for
regional osteopenia in women with anorexia nervosa. Ann Intern Med 133:790-
794, 2000
Herzog DB, Keller MB, Lavori PW: Outcome in anorexia nervosa and bulimia
nervosa: a review of the literature. J Nerv Ment Dis 176:131-143, 1988
Herzog DB, Dorer DJ, Keel PK, et al: Recovery and relapse in anorexia and
bulimia nervosa: a 7.5 year follow-up study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry
38:829-837, 1999
Hoek HW: Distribution of eating disorders, in Eating Disorders and Obesity:
A Comprehensive Handbook. Edited by Fairburn CG, Brownell KD. New York,
Guilford, 2002, pp 233-237
Hsu LK, Lee S: Is weight phobia always necessary for a diagnosis of anorexia
nervosa? Am J Psychiatry 150:1466-1471, 1993
Hudson JI, Hiripi E, Pope HG Jr, et al: The prevalence and correlates of eating
disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Biol Psychiatry
61:348-358, 2007
Keel PK, Klump KL: Are eating disorders culture-bound syndromes? Implications
for conceptualizing their etiology. Psychol Bull 129:747-769, 2003
Keel PK, Mitchell JE: Outcome in bulimia nervosa. Am J Psychiatry 154:313-321,
1997
Keel PK, Dorer DJ, Eddy KT, et al: Predictors of mortality in eating disorders.
Arch Gen Psychiatry 60: 179-183, 2003
Keel PK, Heatherton TF, Dorer DJ, et al: Point prevalence of bulimia nervosa in
1982, 1992, and 2002. Psychol Med 3:119-127, 2006
Manual clínico de transtornos da alimentação 49
Lasater LM, Mehler PS: Medical complications of bulimia nervosa. Eat Behav
2:279-292, 2001
Marcus MD, Wing RR, Ewing L, et al: Psychiatric disorders among obese binge
eaters. Int J Eat Disord 9:69-77, 1996
Minuchin S, Rosman BL, Baker L: Psychosomatic Families: Anorexia Nervosa in
Context. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1978
Misra Miller KK, Almazan C, et al: Hormonal and body composition predictors
of soluble leptin receptor, leptin, and free leptin index in adolescent girls with
anorexia nervosa and controls and relation to insulin sensitivity. J Clin Endocrinol
Metab 89:3486-3495, 2004
Nielsen S, Moller-Madsen S, Isager T, et al: Standardized mortality in eating
disorders a quantitative summary of previously published and new evidence. J
Psychosom Res 44:413-434,1998
Polivy J, Herman CP: Etiology of binge eating: psychological mechanisms, in
Binge Eating. Edited by Fairburn CG, Wilson GT. New York, Guilford, 1993, pp
173-205
Russell G: Bulimia nervosa: an ominous variant of anorexia nervosa. Psychol
Med 9:429-448, 1979
Spitzer RL, Devlin MJ, Walsh BT, et al: Binge eating disorder: a multisite field
trial of the diagnostic criteria. Int J Eat Disord 11:191-203, 1992
Spitzer RL, Yanovski SZ, Wadden T, et al: Binge eating disorder: its further
validation in a multisite study. IntJ Eat Disord 13:137-153, 1993
Steinhausen HC: The outcome of anorexia nervosa in the 20th century. Am J
Psychiatry 159: 1284-1293,2002
Stice E: Risk and maintenance factors for eating pathology: a meta-analytic
review. Psychol Bull 128:825-848, 2002
Striegel-Moore RH, Franko DL: Epidemiology ofbinge eating disorder. Int J Eat
Disord 34(suppl):Sl9-S29,2003
Striegel-Moore RH, Dohm FA, Kraemer HC, et al: Eating disorders in white and
black women. Am J Psychiatry 160:1326-1331, 2003
Striegel-Moore RH, Fairburn CG, Wilfley DE, et al: Toward an understanding of
risk factors for binge-eating disorder in black and white women: a communiry-
based case-control study. Psychol Med 35:907-917, 2005
Strober M: Managing the chronic, treatment-resistant patient with anorexia
nervosa. Int J Eat Disord 36:245-255, 2004
Strober M, Bulik CM: Genetic epidemiology of eating disorders, in Eating
Disorders and Obesity: A Comprehensive Handbook. Edited by Fairburn CG,
Brownell KD. New York, Guilford, 2002, pp 238-242
Strober M, Freeman R, Morrell W: The long-term course of severe anorexia
nervosa in adolescents: survival analysis of recovery, relapse, and outcome
predictors over 10-15 years in a prospective study. Int J Eat Disord 22:339-360,
1997
50 Yager e Powers