Classe Processual: Apelação Assunto Principal: Cédula de Crédito Bancário Apelantes: Leandro Pazzetto Arruda Edmar de Souza Arruda Silvana Pazzetto Arruda Apelado: Itaú Unibanco S.A. Relator: Des. Hamilton Mussi Corrêa
Embargos do devedor. Cédula de crédito bancário na
modalidade empréstimo para pagamento em parcelas fixas. Título líquido, certo e exigível. Art. 28, da Lei nº 10.931/2004. Execução instruída com o título e demonstrativo da dívida. Documentos essenciais à propositura da execução presentes. Alegações genéricas de abuso no que tange aos contratos anteriores e à cédula executada. Ausência de declaração de excesso e memória de cálculo discriminado. Desatenção ao art. 917, §§ 3º e 4º, CPC/2015. Exigência legal não afastada pela aplicação do CDC e pedidos de inversão do ônus da prova, exibição de documentos ou realização de perícia. Cerceamento de defesa inexistente. Rejeição. Sentença mantida. Honorários advocatícios. Majoração. Art. 85, § 11º, do CPC/2015. Apelação conhecida e não provida.
I – Trata-se de apelação contra sentença que julgou
improcedentes os embargos do devedor opostos pelos apelantes à execução de cédula de crédito bancário movida pelo banco apelado, condenando os recorrentes a arcar com o ônus da sucumbência, fixada a verba honorária em 10% sobre o valor da causa (mov. 137.1). No apelo é alegado (mov. 143.1): Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 2 a) ocorrer cerceamento de defesa, pois os embargantes pediram a produção de prova pericial e o juiz determinou o julgamento antecipado da lide; b) nulidade da execução, na medida em que: (i) “o apelado deixou de juntar contratos de empréstimos anteriores, contendo a relação de operações renegociadas, sendo, portanto, impossível demonstrar o valor devido”; (ii) o demonstrativo de débito juntado pela entidade bancária na execução “não demonstra de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais devidos, a parcela de juros e os critérios de sua incidência”; (iii) o título executado não possui a assinatura de duas testemunhas, conforme exigido pelo art. 784, III, do CPC/2015; c) haver excesso de execução ante a capitalização mensal de juros e juros remuneratórios cobrados acima do percentual de 12% ao ano previsto em lei. O recurso foi contra-arrazoado (mov. 151.1). É a breve exposição. II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO: 1. Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibilidade exigidos pelos artigos 1.009 a 1.014 do CPC/2015, sendo tempestivo, inexistindo irregularidades quanto ao preparo e havendo regularidade na representação processual. 2. As preliminares suscitadas confundem-se com o mérito, razão pela qual serão analisadas em conjunto. A execução embargada tem por objeto cédula de crédito bancário, modalidade empréstimo – capital de giro, pela qual foi tomado R$480.000,00 para pagamento em 24 parcelas mensais fixas de R$ 24.082,70, com vencimento entre 06.12.2014 e 06.01.2016, tendo sido previsto vencimento antecipado em caso de inadimplemento. Na cédula, firmada em 04.12.2013, foram pactuados juros de 1,52% ao mês e 19,84% ao ano. Na petição inicial da execução foi indicado como devido a quantia Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 3 de R$ 248.186,69 e a peça foi instruída com o título executado e planilha de cálculo que demonstra a evolução dos débitos. Ao contrário do alegado no apelo, o demonstrativo que instrui a petição inicial da execução (mov. 1.7 dos autos 0010730- 76.2015.8.16.0017), acompanhado do título executado em que se podem verificar de modo claro os encargos pactuados, é suficiente para demonstrar a apuração do valor executado, possibilitando aos apelantes a elaboração de planilha para apuração de eventual excesso, em cumprimento ao artigo 917, §§ 3º e 4º, do CPC/2015, caso discordassem do montante cobrado. Ademais, no julgamento do REsp nº 1.291.575/PR, submetido ao rito previsto pelo artigo 543-C do CPC/1973, a Segunda Seção do STJ decidiu que “a Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta corrente, nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. O título de crédito deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente, trazendo o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei nº 10.931/2004) ”. Desse modo, a executividade dos títulos de crédito reconhecidos em legislação específica decorre do art. 784, XII, do CPC/2015, correspondente ao art. 585, VIII, do CPC/1973 e independe da assinatura de duas testemunhas, que é formalidade exigida apenas aos contratos particulares, nos termos do art. 784, III, do CPC/2015. Nesse sentido, é firme a jurisprudência do STJ: “Aos títulos de crédito, assim reconhecidos em lei, dispensa-se a formalidade exigida aos contratos particulares, de assinatura de duas testemunhas, para que adquiram executoriedade. (...)” (REsp 215.265/GO, Relator o Ministro Aldir Passarinho Júnior, QUARTA TURMA, DJ de 04/02/2002). Logo, os documentos que instruem a execução são suficientes a demonstrar a liquidez e exigibilidade da cédula de crédito bancário, que, nos termos do art. 28, da Lei 10.931/2004, “é título executivo Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 4 extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º". Na petição inicial dos embargos do devedor, alegaram os recorrentes a nulidade da execução ante ausência de demonstrativo de débito claro e falta da assinatura de duas testemunhas na cédula executada. Sustentaram que “o contrato executado foi realizado para liquidar juros relativos às cédulas de crédito anteriores e saldos devedores relativos à conta corrente”. Aduziram ser devida a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova, pois “há hipossuficiência dos embargantes, notadamente pelo fato de não ter o embargado apresentado os contratos anteriores ao que está sendo executado”. Por fim, pediram pelo afastamento da capitação de juros, juros remuneratórios abusivos, TAC e multa moratória. Entretanto, deixaram de declarar na petição inicial o valor do excesso que pretendiam ver reconhecido, limitando-se a formular alegações genéricas e hipotéticas acerca de abusividades que poderiam vir a ser reconhecidas após apresentação de contratos anteriores pelo banco e realização de prova pericial. A princípio, esclareço que embora aleguem que o contrato executado foi pactuado para renegociar empréstimos anteriores, os apelantes sequer indicam quais seriam os contratos que teriam dado origem ao título executado. A simples existência de dívida anterior assumida pelos mesmos devedores perante o mesmo credor não pode indicar renegociação, que pressupõe ajuste, combinação entre as partes, o que não foi minimamente demonstrado nos autos. Para que se afaste a presunção de autonomia do contrato de crédito em execução deve ser demonstrado que ele apenas serviu para maquiar renegociação de dívidas, o que não é o caso dos autos. Em tais condições, os embargos do devedor devem ser limitados à cédula de crédito bancário executada. Ocorre que ao embargar, os recorrentes limitaram-se a formular alegações genéricas acerca de abusividades, impugnando de forma genérica o demonstrativo de débito sem declaração de excesso apta a Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 5 amparar sua pretensão à revisão do valor executado fundada na aplicação do CDC e na ilegalidade da cobrança pretendida, por haver hipotéticas abusividades decorrentes da incidência de correção monetária, juros abusivos e capitalizados. Os embargos do devedor foram opostos na vigência do art. 917, § 3º e § 4º, do CPC/2015 (correspondente ao 739- A, § 5º, CPC/1973), que dispõe que “quando alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à do título, o embargante declarará na petição inicial o valor que entende correto, apresentando demonstrativo descriminado e atualizado do seu cálculo” e que quando “não apontado o valor correto ou não apresentado o demonstrativo, os embargos à execução: I – serão liminarmente rejeitados, sem resolução de mérito, se o excesso de execução for o seu único fundamento; II – serão processados, se houver outro fundamento, mas o juiz não examinará a alegação de excesso de execução”. Tal dispositivo visa garantir maior celeridade ao processo de execução, bem como tornar mais clara para o juiz a questão processual que se discute, mediante a apresentação discriminada do excesso, por meio inclusive de memória de cálculos. A doutrina, ao tratar dos embargos à execução com fundamento em excesso de execução, estabelece que: “Coibindo a prática vetusta de o executado impugnar genericamente o crédito exequendo, a lei o obriga a apontar as ‘gorduras’ do débito apontado pelo credor. Assim é que, ‘quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento deste fundamento’. A regra decorre não só da experiência prática, mas também do fato de que a execução pode prosseguir somente pela parte remanescente incontroversa (art. 739-A, parágrafo 3°) ”. (in Fux, Luiz. O novo processo de execução: cumprimento da sentença e a execução extrajudicial, Rio de Janeiro: Forense, 2008. pg. 416). Mesmo o pedido de revisão contratual deduzido em sede de embargos do devedor não afasta a necessidade de indicação do valor devido e apresentação da respectiva memória do cálculo, como já decidiu o STJ em situação idêntica: Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 6 “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. ALEGAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE DECLARAÇÃO NA PETIÇÃO INICIAL DO VALOR QUE SE ENTENDE CORRETO E APRESENTAÇÃO DA CORRESPONDENTE MEMÓRIA DO CÁLCULO. ÔNUS LEGAL IMPOSTO AO DEVEDOR. ARTIGO ANALISADO: 739-A, § 5º, CPC. 1. Embargos do devedor opostos em 16/09/2011, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 20/02/2013. 2. Discute-se a dispensabilidade, em sede de embargos do devedor com pedido de revisão contratual, da indicação do valor devido e apresentação da respectiva memória do cálculo. 3. O pedido de revisão contratual, deduzido em sede de embargos do devedor, tem natureza mista de matéria ampla de defesa (art. 745, V, CPC) e de excesso de execução (at. 745, III, CPC), com preponderância, entretanto, desta última, dada sua inevitável repercussão no valor do débito. 4. Assim, incumbe ao devedor declarar na petição inicial o valor que entende correto e apresentar a respectiva memória de cálculo, por imposição do art. 739-A, § 5º, CPC. 5. Divisão de responsabilidades entre as partes, decorrente da tônica legislativa que pautou a reforma do processo de execução, segundo a qual, de forma paritária, equilibram-se e equanimemente distribuem-se os ônus processuais entre credor e devedor. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. ” (STJ, REsp 1365596/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 23/09/2013). Logo, como os embargos à execução fundam-se na existência de excesso de execução, cabia aos embargantes instruírem a petição inicial com memória do cálculo indicando o excesso em relação à dívida cobrada, o que deixaram de fazer, sem atentar para o fato de que a inobservância ao citado dispositivo tem como consequência legal expressa a rejeição dos embargos, que não é afastado pelo pedido de aplicação do CDC, inversão do ônus da prova e produção de perícia. Cumpre anotar, ademais, que a revisão pretendida nos embargos é possível aos apelantes em ação própria, na qual poderá se valer de prévia exibição de documentos, que sirva à elaboração objetiva de cálculos dos excessos e abusividades que pretendem afastar em toda a relação contratual. Apelação Cível nº 0021422-37.2015.8.16.0017 pf fl 7 Portanto, sendo descabido conhecer das alegações de excesso suscitadas sem indicação do valor tido por devido, a sentença que julgou improcedentes os embargos do devedor não merece reparos. Voto, pois, em conhecer e negar provimento ao apelo, elevando a verba honorária para 15% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85, § 11º, do CPC/2015. III - DECISÃO: Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao apelo, elevando a verba honorária para 15% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85, § 11º, do CPC/2015, de acordo com o voto do Relator. O julgamento foi presidido pelo Desembargador LUIZ CARLOS GABARDO, com voto, e dele participou, além deste Relator, o Desembargador HAYTON LEE SWAIN FILHO. Curitiba, 1º de agosto de 2018.