Você está na página 1de 12

Disciplina: Farmacologia

Cadeira: Farmacologia Geral


Curso: Licenciatura em Enfermagem
Tema I. Introdução à Farmacologia. Farmacocinética e Vias de administração dos medicamentos.

Conferência: Farmacocinética. Mecanismos para eliminação de fármacos.

Objetivo:
 Interpretar o grau de participação dos processos de eliminação na determinação da concentração de um fármaco em
seus sítios de ação, baseando-se nas características que definem cada um dos fatores a um nível de assimilação
produtivo.

Sumário:
• Metabolismo. Sítios de metabolismo. Fatores que o afetam.
• Excreção. Vias de excreção. Tempo de vida media de eliminação. Importância.

Bibliografia:
 Correia MA. Biotransformação de fármacos. Em: Farmacologia básica e clínica [recurso eletrônico] / Organizador,
Bertram G. Katzung; Organizador Associado, Anthony J. Trevor; [tradução: Ademar Valadares Fonseca... et al.; revisão
técnica: Almir Lourenço da Fonseca]. – 13. ed. – Porto Alegre: AMGH, 2017.
 Rang & Dale: farmacologia / H. P. Rang... [et. al.]; [Tradução Gea Consultoria Editorial].
- 8. ed. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. il.; 28 cm. Tradução de: Rang & Dale’s pharmacology

Metabolismo
Por que a biotransformação de fármacos é necessária?
Acredita-se que os sistemas de biotransformação de fármacos tenham evoluído a partir da necessidade de destoxificar e
eliminar bioprodutos e toxinas vegetais e bacterianas, o que mais tarde se estendeu a fármacos e outros xenobióticos
ambientais.

A excreção renal desempenha uma função central no fim da atividade biológica de alguns fármacos, sobretudo daqueles
que têm volumes moleculares pequenos ou que possuem características polares, como grupos funcionais
completamente ionizados em pH fisiológico. Contudo, muitos fármacos não possuem essas propriedades físico-químicas.
As moléculas orgânicas farmacologicamente ativas tendem a ser lipofílicas e permanecem não ionizadas, ou só
parcialmente ionizadas, em pH fisiológico; e são reabsorvidas de imediato do filtrado glomerular no néfron. Com
frequência, certos compostos lipofílicos são bastante ligados a proteínas plasmáticas e podem não ser prontamente
filtrados no glomérulo. Em consequência, a maioria dos fármacos teria uma duração de ação prolongada se o fim de sua
ação dependesse apenas da excreção renal.

Um processo alternativo que pode levar ao término ou à alteração da atividade biológica é o metabolismo. Em geral, os
xenobióticos lipofílicos são transformados em produtos mais polares e, portanto, excretados mais prontamente. A função
que o metabolismo desempenha na inativação de fármacos lipossolúveis pode ser determinante. Por exemplo,
barbitúricos lipofílicos, como tiopental e fenobarbital, teriam meias-vidas bastante longas, se não fosse por sua conversão
metabólica a compostos mais hidrossolúveis.

Os produtos metabólicos com frequência têm atividade farmacodinâmica menor do que o fármaco-mãe e, por vezes, são
até inativos. Entretanto, alguns produtos de biotransformação têm propriedades tóxicas ou atividade aumentadas. É
digno de nota que a síntese de substratos endógenos, como hormônios esteroides, colesterol, congêneres ativos da
vitamina De ácidos biliares, envolve muitas vias catalisadas por enzimas associadas ao metabolismo de xenobióticos.

1
Por fim, enzimas metabolizadoras de fármacos têm sido exploradas no desenho de profármacos farmacologicamente
inativos, convertidos em moléculas ativas no corpo.

Sítios de metabolismo
Diversos órgãos têm a capacidade de metabolizar em certo grau os fármacos através de reações enzimáticas. Assim, os
rins, o trato gastrintestinal, os pulmões, a pele e outros órgãos contribuem para o metabolismo sistêmico dos fármacos.
Entretanto, o fígado é que contém a maior diversidade e quantidade de enzimas metabólicas, de modo que a maior parte
do metabolismo dos fármacos ocorre nesse órgão. A capacidade do fígado de modificar os fármacos depende da
quantidade de fármaco que penetra nos hepatócitos. Em geral, os fármacos altamente lipofílicos podem penetrar mais
facilmente nas células (inclusive nos hepatócitos). Em conseqüência, o fígado metaboliza preferencialmente os fármacos
hidrofóbicos. Entretanto, o fígado também contém numerosos transportadores da superfamília do SNC, que também
permitem a entrada de alguns fármacos hidrofílicos nos hepatócitos. As enzimas hepáticas têm a propriedade de
modificar quimicamente uma variedade de substituintes nas moléculas dos fármacos, tornando os fármacos inativos ou
facilitando a sua eliminação. Essas modificações são designadas, em seu conjunto, como biotransformação. As reações
de biotransformação são classificadas em dois tipos: as reações de oxidação/redução e as reações de
conjugação/hidrólise.

Outros tecidos que exibem atividade considerável compreendem o trato gastrintestinal, os pulmões, a pele, os rins e o
cérebro. Depois da administração oral, muitos fármacos (p. ex., isoproterenol, petidina, pentazocina, morfina) são
absorvidos intactos no intestino delgado e transportados primeiramente pelo sistema porta ao fígado, onde passam por
metabolismo extenso. Esse processo é chamado de efeito de primeira passagem. Alguns fármacos administrados por via
oral (p. ex., clonazepam, clorpromazina, ciclosporina) são metabolizados de forma mais extensa no intestino que no
fígado, ao passo que outros (p. ex., midazolam) sofrem metabolismo intestinal significativo (cerca de 50%). Assim, o
metabolismo intestinal pode contribuir para
o efeito geral de primeira passagem, e os indivíduos com função hepática comprometida talvez dependam de forma
crescente desse metabolismo intestinal para eliminação de fármacos.

Efeitos de primeira passagem podem limitar tanto a biodisponibilidade de fármacos administrados por via oral (p. ex.,
lidocaína) que vias de administração alternativas devem ser usadas para se conseguir níveis sanguíneos com efeitos
terapêuticos efetivos. Além disso, a parte inferior do intestino abriga microrganismos intestinais capazes de muitas
reações de biotransformação. Fármacos podem ser metabolizados pelo ácido gástrico (p. ex., penicilina), por enzimas
digestivas (p. ex., polipeptídeos como a insulina) ou por enzimas da parede do intestino (p. ex., catecolaminas
simpatomiméticas).

Embora a biotransformação de fármacos in vivo possa ocorrer por reações químicas espontâneas não catalisadas, a
maioria das transformações é catalisada por enzimas celulares específicas. No nível subcelular, essas enzimas
localizam-se no retículo endoplasmático (RE), nas mitocôndrias, no citosol, nos lisossomos, ou mesmo no envelope
nuclear ou na membrana plasmática.

Reações de Oxidação/Redução (Reações de fase I)


As reações de oxidação/redução modificam a estrutura química de um fármaco através de oxidação ou redução. O fígado
possui enzimas que facilitam cada uma dessas reações. A via mais comum, o sistema do citocromo P450 microssomal,
medeia um grande número de reações oxidativas. Uma reação oxidativa comum envolve a adição de um grupo hidroxila
ao fármaco.

Além disso, é preciso assinalar que alguns fármacos são administrados em sua forma inativa (pró-fármaco), de modo que
podem ser alterados metabolicamente à forma ativa (fármaco) por reações de oxidação/redução no fígado. Essa
estratégia de pró-fármaco pode ser utilizada para facilitar a biodisponibilidade oral, diminuir a toxicidade gastrintestinal
e/ou prolongar a meia-vida de eliminação de um fármaco.

2
As reações de fase I geralmente convertem o fármaco-mãe a um metabólito mais polar pela introdução ou pelo
desmascaramento de um grupo funcional (–OH, –NH 2 , –SH). Com frequência esses metabólitos são inativos, embora,
em alguns exemplos, a atividade seja apenas modificada ou até ampliada. Caso sejam polares o suficiente, os
metabólitos de fase I podem ser excretados de imediato. Entretanto, muitos produtos de fase I não são eliminados
rapidamente e sofrem uma reação subsequente na qual um substrato endógeno, como ácido glicurônico, ácido sulfúrico,
ácido acético ou um aminoácido, combina-se com o grupo funcional recém-incorporado para formar um conjugado
bastante polar. Essa conjugação ou reações sintéticas são os marcos do metabolismo de fase II.

Reações de Conjugação/Hidrólise (Fase II)


As reações de conjugação/hidrólise hidrolisam um fármaco ou conjugam o fármaco com uma molécula grande e polar
para inativar o fármaco ou, mais comumente, para aumentar a sua solubilidade e excreção na urina ou na bile. Em certas
ocasiões, a hidrólise ou a conjugação podem resultar em ativação metabólica de pró-fármacos. Os grupos mais
comumente adicionados incluem glicuronato, sulfato, glutationa e acetato.

Os efeitos das reações de oxidação/redução e de conjugação/hidrólise sobre determinado fármaco também dependem
da presença de outros fármacos tomados concomitantemente pelo paciente. Certas classes de fármacos, como os
barbitúricos, são poderosos indutores de enzimas que medeiam reações de oxidação/redução; outros fármacos são
capazes de inibir essas enzimas. A compreensão dessas interações medicamentosas constitui um pré-requisito essencial
para a dosagem apropriada de associações de fármacos.
Indução de enzimas
Alguns dos substratos de fármacos quimicamente dissimilares do citocromo P450, com a administração repetida,
induzem a expressão de P450 pelo aumento da velocidade de sua síntese ou pela redução de sua velocidade de
degradação.
A indução resulta em metabolismo de substrato acelerado e, em geral, em uma diminuição da ação farmacológica do
indutor e, também, de fármacos coadministrados. Contudo, no caso de fármacos transformados em metabólitos reativos,
a indução de enzimas pode exacerbar a toxicidade mediada por metabólitos.

Vários substratos induzem isoformas de P450. Produtos químicos e poluentes ambientais também são capazes de
induzir enzimas P450. A exposição a benzo[a]pireno e outros hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que estão
presentes na fumaça do tabaco, carne assada com carvão e outros produtos orgânicos de pirólise são conhecidos por
induzir enzimas CYP1A e alterar as velocidades de metabolismo de fármacos.

As enzimas P450 também podem ser induzidas por estabilização de substrato, por exemplo, degradação diminuída,
como é o caso da indução de enzimas CYP3A mediada por clotrimazol e a indução de CYP2E1 mediada por etanol.

Inibição de enzimas
Certos substratos de fármacos inibem a atividade enzimática do citocromo P450. Fármacos que contêm imidazol, como
cimetidina e cetoconazol, ligam-se fortemente ao ferro do heme P450 e reduzem com efetividade o metabolismo de
substratos endógenos (p. ex., testosterona) ou de outros fármacos coadministrados, por meio de inibição competitiva.
Antibióticos macrolídeos, como eritromicina e seus derivados, aparentam ser metabolizados por CYP3A a metabólitos
que fazem complexo com o heme do ferro do citocromo P450 e o tornam cataliticamente inativo.

Reações de fase II
Fármacos-mãe, ou seus metabólitos de fase I que contêm grupos químicos adequados, com frequência sofrem reações
de acoplamento ou conjugação com uma substância endógena para gerar conjugados de fármaco. Em geral, os
conjugados são moléculas polares excretadas de imediato e, com frequência, inativas. A formação de conjugados
envolve intermediários de alta energia e enzimas de transferência específicas. Essas enzimas (transferases) podem estar
localizadas em microssomos ou no citosol.

3
As reações de fase II são relativamente mais rápidas do que as reações catalisadas por P450, assim acelerando com
efetividade a biotransformação de fármacos.
Acreditava-se que as conjugações de fármacos representassem eventos terminais de inativação e, como tal, eram vistas
como reações de “destoxificação verdadeira”. Entretanto, esse conceito precisa ser modificado, pois já se sabe que
certas reações de conjugação (acil glicuronidação de fármacos anti-inflamatórios não esteroides e N-acetilação de
isoniazida) podem levar à formação de espécies reativas responsáveis pela toxicidade dos fármacos. Além disso, sabe-
se que a sulfatação ativa o profármaco minoxidil oralmente ativo em um vasodilatador muito eficaz, e o glicuronato-6-
morfina é mais potente do que a própria morfina.

Metabolismo de fármacos em Produtos tóxicos


O metabolismo de fármacos e outros produtos químicos estranhos pode nem sempre ser um evento bioquímico inócuo,
levando à destoxificação e eliminação do composto. De fato, como observado, tem sido mostrado que vários compostos
são transformados de forma metabólica em intermediários reativos, tóxicos para vários órgãos. Essas reações tóxicas
talvez não sejam aparentes em níveis baixos de exposição aos compostos-mãe, quando mecanismos de destoxificação
alternativos ainda não foram sobrepujados ou comprometidos, e quando a disponibilidade de cossubstratos endógenos
de destoxificação (GSH, ácido glicurônico, sulfato) não é limitada. Entretanto, quando esses recursos são exauridos, a via
tóxica pode prevalecer, resultando em toxicidade orgânica franca ou carcinogênese.

O número de exemplos específicos dessa toxicidade induzida por fármacos está se expandindo com rapidez. Um
exemplo é a hepatotoxicidade induzida por paracetamol. O paracetamol é um fármaco antipirético analgésico, bastante
seguro em doses terapêuticas (1,2 g/dia para um adulto). Normalmente sofre glicuronidação e sulfatação aos conjugados
correspondentes, que juntos compõem 95% do total de meta-
bólitos excretados. A via de conjugação alternativa GSH dependente de P450 dá conta dos 5% restantes. Quando a
ingestão de paracetamol excede as doses terapêuticas, as vias de glicuronidação e sulfatação ficam saturadas, e a via
dependente de P450 se torna muito importante. Pouca ou nenhuma hepatotoxicidade resulta, contanto que a GSH
hepática esteja disponível para conjugação. Contudo, com o tempo, a GSH hepática é gasta mais rápido do que pode ser
regenerada, e um metabólito tóxico, reativo, se acumula. Na ausência de nucleófilos intracelulares como GSH, esse
metabólito reativo (N-acetilbenzoiminoquinona) não só reage com grupos nucleofílicos de proteínas celulares, resultando
em lesão hepatocelular direta, mas também participa na ciclagem redox, gerando assim espécies de O2 reativas (ROS) e
consequente estresse oxidativo, que aumenta muito a hepatotoxicidade induzida por paracetamol.

A caracterização química e toxicológica da natureza eletrofílica do metabólito reativo do paracetamol levou ao


desenvolvimento de antídotos efetivos – cisteamina e N-acetilcisteína. Tem sido demonstrado que a administração de N-
acetilcisteína (o mais seguro dos dois) em 8 a 16 horas após superdosagem de paracetamol protege as vítimas da
hepatotoxicidade fulminante e morte. A administração de GSH não é efetiva, porque o medicamento não atravessa de
imediato as membranas celulares.

Relevância clínica do metabolismo de fármacos


A dose e frequência de administração necessária para atingir níveis terapêuticos sanguíneos e teciduais efetivos variam
em diferentes pacientes, por causa de diferenças individuais na distribuição do fármaco e em suas velocidades de
metabolismo e eliminação. Essas diferenças são determinadas por fatores genéticos, bem como variáveis não genéticas,
como microbiota intestinal comensal, idade, sexo, tamanho do fígado, função hepática, ritmo circadiano, temperatura
corporal, fatores nutricionais e ambientais, como exposição concomitante a indutores ou inibidores do metabolismo de
fármacos. A discussão que se segue resume as mais importantes dessas variáveis.

Diferenças individuais
As diferenças individuais na taxa metabólica dependem da natureza do próprio fármaco. Assim, dentro da mesma
população, níveis plasmáticos em equilíbrio podem refletir uma variação de 30 vezes no metabolismo de um fármaco e
de apenas duas vezes no de outro.

4
Fatores genéticos
Fatores genéticos que influenciam níveis de enzimas são responsáveis por algumas dessas diferenças, dando origem a
“polimorfismos genéticos” no metabolismo de fármacos. Os primeiros exemplos de fármacos encontrados sujeitos a
polimorfismos genéticos foram o relaxante muscular suxametônio, o fármaco antituberculose isoniazida e o
anticoagulante varfarina. Existem polimorfismos genéticos bem-definidos e clinicamente relevantes em enzimas
metabolizadoras de fármacos tanto da fase I como da fase II, que resultam em alteração da eficácia da terapia
medicamentosa ou em reações adversas a fármacos (RAF). As últimas, com frequência, necessitam de ajustes de dose,
consideração muito importante para fármacos com índices terapêuticos baixos.

A. Polimorfismos de enzimas de fase I


Defeitos geneticamente determinados no metabolismo oxidante de fase I de vários fármacos têm sido relatados. Esses
defeitos com frequência são transmitidos como traços autossômicos recessivos e podem ser expressos em qualquer uma
das múltiplas transformações metabólicas que um produto químico pode sofrer.
Então, polimorfismos genéticos das enzimas, por influenciarem de forma significativa o metabolismo de fármacos de fase
I, podem alterar sua farmacocinética e a magnitude ou a duração da resposta ao fármaco e eventos associados.

B. Polimorfismos de enzimas de fase II


O suxametônio é metabolizado com apenas metade da rapidez em pessoas com deficiência de pseudocolinesterase
(agora designada genericamente como butirilcolinesterase [BCHE]) do que em pessoas cuja enzima tem funcionamento
normal. Mutações diferentes, herdadas como traços autossômicos recessivos,
são responsáveis pela deficiência da enzima. Indivíduos deficientes tratados com suxametônio como relaxante muscular
cirúrgico podem se tornar suscetíveis a paralisia respiratória prolongada (apneia do suxametônio).

Diferenças farmacogenéticas semelhantes são vistas na acetilação da isoniazida. O defeito em acetiladores lentos (de
isoniazida e aminas similares) parece ser causado pela síntese de menor quantidade da enzima NAT2, em vez de uma
forma anormal dela. Herdado como um traço autossômico recessivo, o fenótipo acetilador lento ocorre em cerca de 50%
de negros e brancos nos EUA, com mais frequência em europeus que vivem em altas latitudes setentrionais e com bem
menos casos em asiáticos e esquimós. O fenótipo acetilador lento também está associado a uma incidência mais alta de
neurite periférica induzida por isoniazida, distúrbios autoimunes induzidos por fármacos e câncer de bexiga induzido por
aminas aromáticas bicíclicas.

Microbiota intestinal comensal


É reconhecido, de modo crescente, que o microbioma intestinal humano também pode influenciar nas respostas a
fármacos. Dessa forma, isso serve como mais uma fonte relevante de infortúnios terapêuticos e interações adversas
fármaco-fármaco.
Mais de 1.000 espécies de microrganismos intestinais já foram identificadas, inclusive bactérias anaeróbias obrigatórias e
várias leveduras que coexistem em um equilíbrio ecológico dinâmico, frequentemente simbiótico. Seu repertório de
biotransformação é não oxidante, apesar de muito versátil, estendendo-se desde reações predominantemente redutivas e
hidrolíticas até descarboxilação, desidroxilação, desalquilação, desalogenização e desaminação. De modo notável, essa
redução mediada por bactérias do fármaco cardíaco digoxina contribui para seu metabolismo e eliminação. O tratamento
concomitante com antibióticos como eritromicina ou tetraciclina eleva em duas vezes os níveis séricos de digoxina,
aumentando o risco de cardiotoxicidade. De modo semelhante, fármacos que são glicuronizados primariamente no fígado
são excretados para dentro do intestino através da bile e, em seguida, são sujeitos a desglicuronização por β-
glicuronidases (hidrolases) microbianas intestinais. O fármaco-mãe aglicona farmacologicamente ativo é reabsorvido em
seguida para a circulação portal, com extensão consequente de sua ação farmacológica, e reconjugação hepática de
fase II e reciclagem entero-hepática subsequente.

5
Fatores dietéticos e ambientais
Fatores dietéticos e ambientais contribuem para variações individuais no metabolismo de fármacos. Sabe-se que
alimentos grelhados com carvão e hortaliças crucíferas induzem enzimas CYP1A, ao passo que suco de pomelo
(também chamado de toranja [grapefruit]) inibe o metabolismo de CYP3A de substratos de fármacos administrados de
modo concomitante. Os fumantes metabolizam alguns fármacos mais rápido do que os não fumantes, por causa de
indução enzimática. Operários industriais expostos a alguns pesticidas metabolizam certos fármacos com mais rapidez
do que indivíduos não expostos. Essas diferenças tornam difícil determinar as doses efetivas e seguras de fármacos que
têm índices terapêuticos estreitos.

Idade e sexo
Tem sido relatada suscetibilidade aumentada à atividade farmacológica ou tóxica de fármacos em pacientes muito jovens
ou muito velhos, em comparação com adultos jovens. Embora isso possa refletir diferenças de absorção, distribuição e
eliminação, diferenças no metabolismo de fármacos também contribuem para isso. O metabolismo mais lento talvez se
deva à atividade reduzida de enzimas metabólicas ou à disponibilidade reduzida de cofatores endógenos essenciais.

Variações dependentes de sexo no metabolismo de fármacos têm sido bem documentadas em ratos, mas não em outros
roedores. Ratos adultos jovens do sexo masculino metabolizam fármacos muito mais rápido do que ratas maduras ou
ratos masculinos pré-púberes. Essas diferenças em metabolismo de fármacos têm sido associadas a hormônios
androgênicos. Relatos clínicos sugerem que diferenças semelhantes dependentes de sexo no metabolismo de fármacos
também existem em seres humanos quanto a etanol, propranolol, alguns benzodiazepínicos, estrogênios e salicilatos.

Interações fármaco-fármaco durante o metabolismo


Muitos substratos, em virtude de sua lipofilia consideravelmente alta, não apenas ficam retidos no sítio ativo da enzima,
mas também permanecem ligados de maneira inespecífica à membrana lipídica do retículo endoplasmático. Nesse
estado, são capazes de induzir enzimas microssômicas, particularmente depois de uso repetido. De forma aguda,
conforme os níveis residuais de fármaco no sítio ativo, também podem inibir de modo competitivo o metabolismo de um
fármaco administrado ao mesmo tempo.

Os fármacos indutores de enzimas incluem vários sedativos hipnóticos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, o fármaco
antituberculose rifampicina e inseticidas. Pacientes que rotineiramente ingerem barbitúricos, outros sedativos-hipnóticos
ou certos fármacos antipsicóticos podem precisar de doses consideradas mais altas de varfarina para que se mantenha
um efeito terapêutico. Além disso, a interrupção do sedativo indutor pode resultar em metabolismo reduzido do
anticoagulante e sangramento – um efeito tóxico do aumento subsequente dos níveis plasmáticos do anticoagulante.
Interações similares têm sido observadas em indivíduos que recebem várias combinações de esquemas de fármacos,
como rifampicina, antipsicóticos, ou sedativos com agentes contraceptivos, sedativos com fármacos anticonvulsivantes e
mesmo álcool com fármacos hipoglicemiantes (tolbutamida).

Um indutor digno de nota é a erva-de-são-joão, um medicamento fitoterápico popular de venda sem prescrição, ingerido
como tratamento para depressão leve a grave. Por causa de sua indução marcante de CYP3A4 hepática e, em grau
menor, CYP2C9 e CYP2C19, a erva-de-são-joão tem sido associada a um grande número de interações fármaco-
fármaco. A maior parte dessas interações fármaco-fármaco se origina da indução de P450 pela erva-de-são-joão, e
envolve metabolismo acelerado dependente de P450 do fármaco coingerido (p. ex., alprazolam, estrogênios
contraceptivos, varfarina, lovastatina, delavirdina, ritonavir). Em contrapartida, a indução de CYP2C19 mediada por erva-
de-são-joão pode aumentar a ativação do profármaco antiplaquetário
clopidrogel por aceleração de sua conversão ao metabólito ativo.

Finalmente, algumas interações fármaco-fármaco provocadas por erva-de-são-joão podem envolver diminuição do
metabolismo dependente de P450 devido à inibição competitiva e, consequentemente, aumento dos níveis plasmáticos e
do efeito clínico (p. ex., petidina, hidrocodona, morfina, oxicodona). Outras interações fármaco-fármaco envolvem

6
aumentos sinérgicos em níveis de serotonina (devido à inibição da MAO), e aumento correspondente do tônus
serotonérgico e de efeitos adversos (p. ex., paroxetina, sertralina, fluoxetina, fenfluramina).

Deve-se observar que um indutor pode aumentar não apenas o metabolismo de outros fármacos, mas também seu
próprio metabolismo. Assim, é possível que o uso contínuo de alguns fármacos resulte em um tipo farmacocinético de
tolerância – efetividade terapêutica progressivamente reduzida devido a aumento de seu próprio metabolismo.

De modo inverso, a administração simultânea de dois ou mais fármacos pode resultar em prejuízo da eliminação do
fármaco metabolizado mais lentamente e prolongamento ou potencialização de seus efeitos farmacológicos. Tanto a
inibição competitiva de substrato como a inativação irreversível da enzima mediada por substrato aumentam os níveis
plasmáticos do fármaco e levam a efeitos tóxicos de fármacos com índices terapêuticos estreitos. De fato, essas
interações agudas da terfenadina (um anti-histamínico de segunda geração) com um inibidor de substrato
CYP3A4 (cetoconazol, eritromicina, ou suco de pomelo) resultaram em arritmias cardíacas fatais (torsades de pointes),
requerendo sua retirada do mercado. Interações medicamentosas semelhantes com inibidores de substrato CYP3A4
(como os antibióticos eritromicina e claritromicina, os antifúngicos itraconazol e cetoconazol, e os inibidores da protease
de HIV indinavir e ritonavir), e sua consequente cardiotoxicidade, levaram à retirada ou uso restrito do agonista 5-HT 4 ,
cisaprida.
Tem sido demonstrado que a cimetidina, fármaco usado no tratamento da úlcera péptica, potencializa as ações
farmacológicas de anticoagulantes e sedativos. Foi mostrado, ainda, que o metabolismo do sedativo clordiazepóxido foi
inibido em 63%, depois de uma dose única de cimetidina; esses efeitos são revertidos em até 48 horas após a suspensão
da cimetidina.

Metabolismo deficiente também pode ocorrer se um fármaco administrado simultaneamente inativar de modo irreversível
uma enzima metabolizadora comum. Esses inibidores, no curso de seu metabolismo pelo citocromo P450, inativam a
enzima e resultam em prejuízo de seu próprio metabolismo e de outros cossubstratos. Como o caso das furanocumarinas
no suco de pomelo, p. ex., 6ʹ,7ʹ-di-hidroxibergamotina e bergamotina, que inativam CYP3A4 na mucosa intestinal e,
consequentemente, aumentam sua degradação proteolítica. Esse prejuízo do metabolismo da primeira passagem
intestinal dependente de CYP3A4 aumenta a biodisponibilidade de fármacos como ergotamina, nifedipino, terfenadina,
verapamil, etinilestradiol, lovastatina, saquinavir e ciclosporina A, e está associado com interações fármaco-fármaco e
interações alimento-fármaco clinicamente relevantes. A lista de fármacos sujeitos a interações fármaco-fármaco
envolvendo suco de pomelo é extensa, e inclui muitos fármacos com um índice terapêutico muito estreito e um alto
potencial para reações adversas letais.

Lista de fármacos que aumentam o metabolismo de medicamentos em seres humanos


Indutor Fármacos cujo metabolismo é aumentado
Benzo(a)pireno Teofilina
Carbamazepina Carbamazepina, clonazepam, itraconazol
Fenobarbital e outros barbitúricos Barbitúricos, cloranfenicol, cloropromazina, cortisol, anticoagulantes
cumarínicos, itraconazol, fenitoína, testosterona.
Fenitoína Cortisol, Dexametasona, itraconazol, teofilina
Rifampicina Anticoagulantes cumarínicos, glicocorticoides, itraconazol, metoprolol,
contraceptivos orais, prednisona, propranolol.

Erva-de-são-joão Alprazolam, ciclosporina, digoxina, contraceptivos orais, sinvastatina, varfarina.

7
Lista de fármacos que inibem o metabolismo de medicamentos em seres humanos
Inibidor Fármacos cujo metabolismo é inibido
Alopurinol, cloranfenicol, isoniazida Tolbutamida
Clorpromazina Propranolol
Cimetidina Clordiazepóxido, diazepam, varfarina
Etanol Clordiazepóxido, diazepam, metanol
Suco de pomelo Alprazolam, atorvastatina, ciclosporina, midazolam
Itraconazol Alprazolam, atorvastatina, cisaprida, ciclosporina, diazepam, digoxina
Fenilbutazona Fenitoína, tolbutamida
Espironolactona Digoxina

Doenças que afetam o metabolismo de fármacos


Doenças agudas ou crônicas que afetam a arquitetura ou função do fígado afetam o metabolismo hepático de alguns
fármacos.
Essas condições incluem hepatite alcoólica, cirrose alcoólica ativa ou inativa, hemocromatose, hepatite crônica ativa,
cirrose biliar e hepatite aguda viral ou induzida por fármacos. De acordo com sua gravidade, essas condições podem
prejudicar significativamente as enzimas hepáticas metabolizadoras de fármacos, sobretudo as oxidases microssômicas
e, assim, afetar bastante a eliminação de fármacos. Por exemplo, as meias-vidas de clordiazepóxido e diazepam em
pacientes com cirrose hepática ou hepatite viral aguda são muito elevadas, com aumento correspondente em seus
efeitos. Em consequência, esses fármacos podem causar coma em pacientes com doença do fígado, quando
administrados em doses ordinárias.

Alguns fármacos são metabolizados tão prontamente, que mesmo uma redução acentuada da função hepática não
prolonga sua ação de modo significativo. Contudo, a doença cardíaca, por limitar o fluxo sanguíneo para o fígado, pode
prejudicar a disposição daqueles fármacos cujo metabolismo é limitado por fluxo. Esses fármacos são metabolizados de
imediato pelo fígado, a ponto de a depuração hepática ser essencialmente igual ao fluxo sanguíneo hepático.

A doença pulmonar também pode afetar o metabolismo de fármacos, como indicado pela dificuldade de hidrólise de
procainamida e procaína em pacientes com insuficiência respiratória crônica, e pela meia-vida aumentada de antipirina
(uma sonda funcional de P450) em pacientes com câncer de pulmão.

Embora os efeitos da disfunção endócrina sobre o metabolismo de fármacos tenham sido bem explorados em
experimentos com animais, os dados correspondentes para seres humanos com distúrbios endócrinos são escassos. A
disfunção tireoidiana tem sido associada a metabolismo alterado de certos fármacos e também de alguns compostos
endógenos. O hipotireoidismo aumenta a meia-vida de antipirina, digoxina, metimazol e alguns β-bloqueadores, ao passo
que o hipertireoidismo tem o efeito oposto. Alguns estudos clínicos em pacientes diabéticos não indicam prejuízo
aparente do metabolismo de fármacos, embora tenha sido notada deficiência em ratos diabéticos.

O mau funcionamento da hipófise, do córtex suprarrenal e das gônadas reduz bastante o metabolismo hepático de
fármacos em ratos. Com base nesses achados, supõe-se que esses distúrbios poderiam afetar de forma significativa o
metabolismo de fármacos em seres humanos. Entretanto, até que sejam obtidas evidências suficientes a partir de
estudos clínicos em pacientes, essas extrapolações devem ser consideradas tentativas.
Por fim, sabe-se que a liberação de mediadores inflamatórios, citocinas e óxido nítrico, associada a infecções bacterianas
ou virais, câncer ou inflamação, dificulta o metabolismo de fármacos pela inativação de P450 e pelo aumento de sua
degradação.

8
Efeito da idade no metabolismo de fármacos
Várias enzimas importantes, incluindo a oxidase microssomal hepática, a glicuroniltransferase, a acetiltransferase e as
esterases plasmáticas, têm baixa atividade em recém-nascidos, especialmente se prematuros. Essas enzimas requerem
8 ou mais semanas para alcançarem o nível de atividade adulto. A relativa falta de atividade de conjugação no recém-
nascido pode ter sérias consequências, como o kernicterus causado pelo deslocamento farmacológico da bilirrubina de
seus pontos de ligação na albumina e na síndrome de “bebê cinzento”, causada pelo antibiótico cloranfenicol. Esta
condição, por vezes fatal, primeiramente considerada uma sensibilidade bioquímica específica ao fármaco em bebês
jovens, resulta, na verdade, do simples acúmulo de concentrações teciduais muito elevadas de cloranfenicol devido à
baixa conjugação hepática. O cloranfenicol não é mais tóxico para os bebês do que para os adultos, desde que a dose
seja reduzida em conformidade com isso. A baixa conjugação é também uma razão pela qual a morfina (que é excretada
principalmente como um glicuronídeo não é usada como analgésico nas dores do parto, uma vez que o fármaco
transferido pela placenta tem meia-vida longa no recém-nascido e pode causar depressão respiratória prolongada.

A atividade das enzimas microssômicas hepáticas declina lentamente (e de forma muito variável) com a idade, e o
volume de distribuição dos fármacos lipossolúveis aumenta, porque a proporção de gordura corporal passa a ser maior
com o avançar da idade. O aumento da meia-vida do fármaco ansiolítico diazepam com o passar da idade é uma
consequência disso. Alguns outros benzodiazepínicos e seus metabólitos ativos mostram aumentos ainda maiores na
meia-vida relacionados com a idade.

Eliminação de fármacos e seus metabólitos


Eliminação biliar e circulação êntero-hepática
As células hepáticas transferem diversas substâncias, inclusive fármacos, do plasma para a bile por meio de sistemas de
transporte semelhantes aos do túbulo renal, incluindo transportadores de cátions (OCTs) e de ânions orgânicos (OATs) e
glicoproteínas P (P-gp). Alguns compostos de fármacos hidrofílicos (principalmente glicuronídeos) ficam concentrados na
bile e são enviados para o intestino, em que o glicuronídeo pode ser hidrolizado, regenerando o fármaco ativo; o fármaco
pode então ser reabsorvido e o ciclo repete-se, em um processo denominado circulação êntero-hepática. O resultado é
um “reservatório” de fármaco recirculante que pode representar até cerca de 20% do total de fármaco presente no
organismo, prolongando sua ação. Exemplos em que isso é importante incluem morfina e etinilestradiol. Diversos
fármacos são eliminados pela bile em quantidades consideráveis. O vecurônio (um relaxante muscular não
despolarizante) é um exemplo de fármaco que é eliminado inalterado na bile. A rifampicina é absorvida no intestino e
desacetilada lentamente, retendo sua atividade biológica. As duas formas são secretadas na bile, mas a forma
desacetilada não é reabsorvida e, assim, com o passar do tempo, a maior parte do fármaco abandona o organismo nessa
forma por meio das fezes.

Eliminação renal de fármacos e seus metabólitos


Depuração (clearance) renal
A eliminação de fármacos pelos rins é mais bem quantificada pela depuração (ou clearance) renal (CL ren), definida
como o volume de plasma que contém a quantidade da substância removida pelos rins na unidade de tempo.
Existe muita diferença na velocidade com que os fármacos são eliminados pelos rins, variando desde a penicilina,
retirada quase completamente do sangue em uma única passagem pelos rins, até a amiodarona que é depurada de
modo extremamente lento. A maioria dos fármacos encontra-se entre esses dois extremos.

Três processos fundamentais são responsáveis pela eliminação renal dos fármacos:
1. Filtração glomerular.
2. Secreção tubular ativa.
3. Reabsorção passiva (difusão pelo fluido tubular concentrado e reabsorção pelo epitélio tubular).

9
Filtração glomerular
Os capilares glomerulares possibilitam que moléculas de fármacos com peso molecular abaixo de 20 kDa se difundam
para o filtrado glomerular. Esses capilares são quase completamente impermeáveis à albumina plasmática (peso
molecular de aproximadamente 68 kDa), mas a maioria dos fármacos – com exceção de macromoléculas como a
heparina ou produtos biológicos – cruza a barreira livremente. Se um fármaco se liga à albumina plasmática, apenas o
fármaco livre é filtrado. Se cerca de 98% de um fármaco, como a varfarina, estiver ligado à albumina, a concentração no
filtrado é de apenas 2% daquela do plasma e, consequentemente, a eliminação por filtração estará correspondentemente
diminuída.

Secreção tubular
Até 20% do fluxo plasmático renal é filtrado pelo glomérulo, deixando pelo menos 80% do fármaco que chega ao rim
passar para os capilares peritubulares do túbulo proximal. Aqui, as moléculas dos fármacos são transferidas para o
lúmen tubular por dois sistemas de transportadores independentes e relativamente não seletivos. Diferentemente da
filtração glomerular, a transferência mediada por transportadores pode efetuar a depuração máxima de um fármaco,
mesmo quando a maior parte dele está ligada a proteínas plasmáticas. Apesar de cerca de 80% da penicilina, por
exemplo, estar ligada a proteínas plasmáticas e, portanto, só ser depurada lentamente pela filtração, o fármaco é
removido quase completamente pela secreção tubular proximal e sua velocidade global de eliminação é bastante alta.

Muitos fármacos competem pelo mesmo sistema de transporte, levando a interações medicamentosas. Como exemplo, a
probenecida foi desenvolvida originariamente para prolongar a ação da penicilina, por retardo de sua secreção tubular.

Difusão através do túbulo renal


A água é reabsorvida conforme o líquido atravessa o túbulo e, por isso, o volume de urina produzida é de
aproximadamente 1% do volume do filtrado glomerular. Se o túbulo for livremente permeável às moléculas do fármaco,
aproximadamente 99% do fármaco filtrado será reabsorvido passivamente a favor do gradiente de concentração
resultante.
Consequentemente, a eliminação dos fármacos lipossolúveis é mínima, enquanto fármacos polares, cuja permeabilidade
tubular é baixa, permanecem na luz do túbulo, tornando-se progressivamente mais concentrados à medida que a água é
reabsorvida.
Fármacos polares tratados dessa forma incluem a digoxina e antibióticos aminoglicosídeos, constituindo um grupo
relativamente pequeno, mas importante de fármacos, que não são inativados pelo metabolismo, e a velocidade de
eliminação renal é o principal fator determinante da duração de sua ação. Esses fármacos devem ser empregados com
especial cautela em indivíduos cuja função renal esteja diminuída, incluindo idosos e pacientes com doença renal ou
qualquer doença aguda grave.

Exemplos de fármacos que são eliminados praticamente inalterados na urina


Porcentagem Fármacos eliminados
100-75 Furosemida, gentamicina, metotrexato, atenolol, digoxina
75-50 Benzilpenicilina, cimetidina, oxitetraciclina, neostigmina
~50 Propantelina, tubocurarina

O nível de ionização de muitos fármacos – ácidos ou bases fracas – é pH-dependente e isso afeta profundamente sua
eliminação renal. O efeito de aprisionamento iônico significa que uma base é excretada mais rapidamente em urina ácida,
que favorece a forma carregada e inibe, assim, a reabsorção. Por outro lado, ácidos são eliminados mais rapidamente se
a urina estiver alcalina.

Interações medicamentosas por alteração da excreção dos fármacos


Os principais mecanismos pelos quais um fármaco pode afetar a taxa de excreção renal de outro fármaco são:
• Alteração da ligação às proteínas e, consequentemente, da filtração.
• Inibição da secreção tubular.
10
• Alteração do fluxo e/ou pH urinário.

Inibição da secreção tubular


A probenecida foi desenvolvida para inibir a secreção da penicilina e assim prolongar a sua ação. Também inibe a
excreção de outros fármacos, incluindo a zidovudina. Outros fármacos apresentam um efeito acidental semelhante à
probenecida e podem reforçar as ações de susbtâncias que dependem da secreção tubular para a sua eliminação. Uma
vez que os diuréticos atuam a partir do lúmen tubular, os fármacos que inibem a secreção no fluido tubular desses
diuréticos reduzem o seu efeito, como é o caso dos fármacos antiinflamatórios não esteroidais.

Alteração do fluxo urinário e do pH


Os diuréticos tendem a aumentar a excreção urinária de outros fármacos e respectivos metabólitos, mas isso raramente
é clinicamente importante de imediato. Em contrapartida, os diuréticos de alça e as tiazidas aumentam, de forma indireta,
a reabsorção tubular proximal do lítio (que é tratado da mesma forma que o Na+); isso pode provocar toxicidade pelo lítio
nos pacientes tratados com carbonato de lítio no caso de perturbações mentais. O efeito do pH urinário na excreção de
ácidos e bases fracos é útil no tratamento da intoxicação por salicilatos, mas não é razão para interações acidentais.

Efeito da idade na excreção renal de fármacos


A taxa de filtração glomerular no recém-nascido, normalizada para a área de superfície corporal, representa somente
cerca de 20% do valor do adulto. Em consonância, as meias-vidas de eliminação plasmática dos fármacos eliminados em
nível renal são mais longas em recém-nascidos que em adultos. Em bebês a termo, a função renal aumenta para valores
semelhantes aos do jovem adulto em menos de uma semana, e continua a aumentar para um máximo de
aproximadamente o dobro do valor adulto aos 6 meses de idade. A melhora da função renal ocorre mais lentamente em
bebês prematuros. A imaturidade renal em crianças prematuras pode ter efeito substancial na eliminação de fármacos.
Por exemplo, em recém-nascidos prematuros, o antibiótico gentamicina tem uma meia-vida plasmática ≥ 18 horas,
comparada com 1 a 4 horas para adultos e aproximadamente 10 horas para bebês a termo. É, portanto, necessário
reduzir e/ou espaçar as doses para evitar toxicidade em bebês prematuros.

A taxa de filtração glomerular declina lentamente a partir dos 20 anos de idade (em média), decrescendo em torno de
25% aos 50 anos e 50% aos 75 anos. A depuração renal da digoxina em indivíduos jovens e idosos se correlaciona
intimamente com a depuração da creatinina. Consequentemente, a administração crônica, ao longo dos anos, da mesma
11
dose diária de digoxina ao indivíduo, à medida que ele ou ela envelhece, leva a um progressivo aumento da
concentração plasmática, o que constitui uma causa comum de toxicidade por glicosídeos em pessoas idosas.

RESUMO Eliminação de fármacos pelo rim


• A maioria dos fármacos atravessa livremente o filtro glomerular, a não ser que apresentem uma extensa ligação com
proteínas plasmáticas.
• Muitos fármacos, especialmente ácidos e bases fracas, são secretados ativamente para o interior do túbulo renal, sendo
eliminados mais rapidamente.
• Fármacos lipossolúveis são reabsorvidos passivamente por difusão no túbulo, não sendo eficientemente eliminados na
urina.
• Devido à partição pelo pH, ácidos fracos são eliminados mais rapidamente em urina alcalina e vice-versa.
• Diversos fármacos importantes são removidos predominantemente por eliminação renal, podendo causar toxicidade em
idosos e pacientes com doença renal.

Excreçaõ por otras vias


A saliva, o suor e as lágrimas carecem de importância desde o ponto de vista quantitativo, como vias de eliminação. Isto
também é aplicável à excreção através do leite materno; porém, sua importância reside em que podem produzir-se
efeitos farmacológicos indesejáveis na criança quando os fármacos se excretam por esta via.

Aplicações da farmacocinética
O conhecimento do comportamento farmacocinético dos fármacos nos animais e nos seres humanos é crucial para o
desenvolvimento de fármacos, não só para compreender os dados pré-clínicos farmacológicos e toxicológicos, como
também para decidir o regime de administração nos estudos clínicos de eficácia. As entidades reguladoras dos fármacos
necessitam de informação farmacocinética detalhada pelos mesmos motivos e desenvolveram conceitos como
biodisponibilidade e bioequivalência para auxiliarem as decisões de licenciamento de versões genéricas de fármacos, à
medida que termina o período de proteção das patentes. A compreensão dos princípios gerais da farmacocinética é
importante para os clínicos quando estabelecem as recomendações de dosagem no folheto informativo que acompanha
os fármacos licenciados. Os clínicos também necessitam compreender os princípios da farmacocinética para identificar e
avaliar possíveis interações medicamentosas, para interpretar as concentrações dos fármacos de acordo com a
monitoração terapêutica do fármaco e para ajustar racionalmente os regimes de administração.

Em particular, os especialistas em cuidados intensivos e os anestesistas, que lidam com pacientes gravemente doentes,
necessitam frequentemente individualizar o regime de administração caso pretendam alcançar, com urgência, uma
concentração plasmática terapêutica e se o comportamento farmacocinético do fármaco for passível de ser alterado pela
condição do paciente.

Efeitos de administrações repetidas


Os fármacos são geralmente administrados em doses repetidas, em vez de injeções únicas ou infusão constante.
Injeções repetidas constituem um padrão mais complicado que a elevação exponencial suave observada durante uma
infusão intravenosa, mas o princípio é o mesmo. A concentração aumentará até chegar a uma concentração de estado
de equilíbrio média com evolução temporal aproximadamente exponencial, mas irá oscilar. Quanto menores e mais
frequentes forem as doses, mais essa situação se aproximará da observada com uma infusão contínua, e menores serão
as oscilações na concentração. Contudo, o esquema posológico exato não afeta a concentração de estado de equilíbrio
média, ou a velocidade na qual ela é alcançada. Na prática, um estado de equilíbrio é alcançado após três a cinco meias-
vidas. O estado de equilíbrio pode ser alcançado mais rapidamente iniciando-se com uma dose maior, como citado
anteriormente. Essa dose de ataque é eventualmente utilizada no início do tratamento com um fármaco que apresenta
uma meia-vida longa em face da urgência da condição clínica, como pode ser o caso ao tratar arritmias cardíacas com
fármacos como amiodarona ou digoxina ou iniciar uma anticoagulação com heparina.

12

Você também pode gostar