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Referência
Ministério da Saúde de Moçambique
para
Clínicos
Avaliação e Manejo dos Doentes
com HIV/SIDA
Fevereiro 2013
Este material foi desenvolvido pela UW I-TECH, com financiamento do Acordo de Cooperação U91H06801
do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, a Administração dos Recursos e Serviços de
Saúde (HRSA), no âmbito do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da SIDA
(PEPFAR). O seu conteúdo é da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não representa
necessariamente a opinião do CDC ou HRSA.
Agradecimentos
Este Programa de Tutoria Clínica é fruto da colaboração da I-TECH (International Training and Education
Center on Health) com o MISAU (Ministério de Saúde da Republica de Moçambique) e outras Instituições
e Organizações parceiras, para melhorar as capacidades clínicas dos clinicos especialmente relacionados
ao HIV/SIDA e doenças crônicas, e dessa maneira contribuir ao combate a pandemia do HIV/SIDA em
Moçambique.
A formação e todos os materiais foram financiados pelo President’s Emergency Plan For AIDS Relief
(PEPFAR).
I-TECH
A I-TECH (International Training & Education Center on Health), uma colaboração entre a Universidade
de Washington e a Universidade da Califórnia, trabalha em parceria com os Ministérios da Saúde,
universidades, organizações não governamentais (ONG), serviços de saúde e outras organizações, na
melhora das capacidades técnicas dos profissionais de saúde e no fortalecimento dos Sistemas Nacionais
de Saúde. As actividades da I-TECH são desenvolvidas nas seguintes áreas: Fortalecimento dos Sistemas
de Saúde, formação de pessoal de saúde, pesquisas operacionais e avaliações, prevenção, cuidado e
tratamento de doenças infecciosas.
A I-TECH foi formada em 2002 pela HRSA (Human Services Health Resources and Services Agency) em
colaboração com a CDC (Center for Disease Control)
1
Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique.
INSIDA 2009
Índice
• MÓDULO 1: INTRODUÇÃO AO HIV/SIDA
• UNIDADE 1.1: Introdução e Epidemiologia do HIV/SIDA.......................................................1
• UNIDADE 1.2: Virologia e Imunologia do HIV........................................................................9
• UNIDADE 1.3: Aconselhamento, Testagem e Adesão..........................................................21
• UNIDADE 1.4: Prevenção Positiva ………………………………………………………………………………….37
• MÓDULO 2: ABORDAGEM DO DOENTE HIV+
• UNIDADE 2.1: Abordagem Clínica do Doente HIV+: Anamnese e Exame Físico..................45
• UNIDADE 2.2: Interpretação de Testes Laboratoriais ……………………………………………….…… 70
• UNIDADE 2.3: Emergências: Doente HIV+ com Sinais de Perigo.........................................81
• UNIDADE 2.4: Estadiamento Clínico....................................................................................93
• MÓDULO 3: MALÁRIA NO DOENTE HIV+.....................................................................................112
• MÓDULO 4: PATOLOGIAS CONSTITUCIONAIS ASSOCIADAS AO HIV
• UNIDADE 4.1: Febre no Doente HIV+.................................................................................128
• UNIDADE 4.2: Perda de Peso, Emagrecimento e Malnutrição no Doente HIV+................141
• UNIDADE 4.3: Anemia no Doente HIV+..............................................................................156
• MÓDULO 5: DOENÇAS RESPIRATÓRIAS NO DOENTE HIV+..........................................................167
• MÓDULO 6: CO-INFECÇÃO HIV-TB..............................................................................................177
• MÓDULO 7: PATOLOGIA DA PELE, MUCOSAS E NÓDULOS LINFÁTICOS
NO PACIENTE HIV+
• UNIDADE 7.1: Doenças que Afectam a Boca e Esófago no Doente HIV+...........................186
• UNIDADE 7.2: Doenças Dermatológicas do Doente HIV/SIDA..........................................201
• UNIDADE 7.3: Linfadenopatias..........................................................................................212
• UNIDADE 7.4: Sarcoma de Kaposi......................................................................................218
• MÓDULO 8: PATOLOGIA DIGESTIVA ASSOCIADA AO HIV
• UNIDADE 8.1: Diarreia do Doente HIV+.............................................................................224
• UNIDADE 8.2: Dor Abdominal do Doente HIV+..................................................................237
• MÓDULO 9: MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NO DOENTE HIV+
• UNIDADE 9.1: Problemas do SNC e Cefaleia......................................................................243
• UNIDADE 9.2: Neuropatia Periférica no Doente HIV+.......................................................262
• MÓDULO 10: TRATAMENTO DO DOENTE HIV+
• UNIDADE 10.1: Prevenção das IOs e Profilaxia com Cotrimoxazol....................................269
• UNIDADE 10.2: Introdução ao Tratamento Anti-retroviral................................................282
• UNIDADE 10.3: Início do TARV...........................................................................................291
• UNIDADE 10.4: Seguimento do Doente em TARV e Falência Terapêutica........................304
• UNIDADE 10.5: Reacções Adversas à medicação...............................................................312
• UNIDADE 10.6: Síndrome de Imuno-restauração (SIR)......................................................329
• UNIDADE 10.7: Profilaxia Pós-Exposição............................................................................333
• MÓDULO 11: INFECÇÃO PELO HIV NA PACIENTE GRÁVIDA........................................................344
• REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................................354
Abreviaturas:
Introdução ao HIV/SIDA
Introdução ao Módulo 1
A infecção pelo HIV é um dos grandes constrangimentos enfrentados pelo continente africano. As
elevadas taxas de infecção e o seu contínuo crescimento fazem deste um verdadeiro problema de
saúde pública. Por isso, todos os profissionais de saúde devem conhecer bem as características da
infecção pelo HIV a todos os níveis.
Este módulo está dividido em quatro unidades que serão apresentadas a seguir:
Introdução
A infecção pelo HIV/SIDA é actualmente um dos constrangimentos que o continente africano enfrenta.
O primeiro caso foi identificado em 1981 e, desde então, o índice de prevalência tem estado a aumentar
em muitos países da região e, de entre eles, Moçambique.
Embora a maioria dos países africanos conte actualmente com a possibilidade de diagnosticar e de
tratar o HIV/SIDA, as elevadas taxas de infecção e o seu contínuo crescimento fazem deste um
verdadeiro problema de saúde pública.
Por estes motivos, todos os profissionais de saúde devem conhecer bem o comportamento da infecção
pelo HIV, tanto a nível individual (no doente ou pessoa infectada) como a nível da comunidade
(transmissão e disseminação da infecção).
O HIV/SIDA afectam muitas pessoas em todo mundo, contudo a situação é muito mais grave nos
países da África Sub-Sahariana, onde Moçambique faz parte.
Fonte: UNAIDS: Global Summary of the AIDS Epidemic, December 2007; http://www.unaids.org
Se estima que, em 2007, 1,9 milhões de pessoas foram infectadas com o HIV em África sub-sahariana,
o que elevou à 22 milhões o número de pessoas que vivem com o HIV. Dois terços (67%) do total
mundial de 32,9 milhões de pessoas infectadas com o HIV vivem nesta região e três quartos (75%) de
todas as mortes por SIDA tem acontecido nesta parte.
As epidemias, tanto na progressão como no alcance, variam de forma significativa de um país para
outro de África sub-sahariana. A prevalência nacional em adultos é inferior à 2% em vários países de
África ocidental e central, e também no Corno de África, mas no 2007 superou o 15% em sete países de
Manual de Referência do Clínico 4
Introdução ao HIV/SIDA
África meridional (Botswana, Lesotho, Namíbia, África do Sul, Swazilandia, Zâmbia y Zimbabwe) e o 5%
em outros sete países, a maioria de África central e meridional (Camerún, República Centro-africana,
Gabón, Malawi, Moçambique, Uganda e Tanzânia).
No gráfico a seguir podemos apreciar a prevalência mediana do HIV entre mulheres na idade
reprodutiva, dos 15 a 49 anos de idade, atendidas nas consultas pré-natais em países da África Sub-
Sahariana, a prevalência do HIV entre as mulheres da Suazilândia é superior à de outros países,
seguida pela das mulheres de Botswana, África do Sul, Lesotho, Zimbábue e Namíbia.
45
40
35 Bostwana
30
Lesotho
25
Namíbia
20
15 África do Sul
10 Suazilândia
5
Zimbábue
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Figura 2: Prevalência Mediana do HIV entre Mulheres (15-49 anos) Atendidas em Consultas Pré-natais em
Países da África Sub-Sahariana, 1998-2006
1
Fonte: Vários Inquéritos em Consultas Pré-natais
A maior parte dos países envolvidos neste estudo mostra que a prevalência mais elevada ocorre entre
os anos 2003-2004, chegando a ser superior a 40% em 2004 na Suazilândia e foi diminuindo nos anos
2005-2006 na Suazilândia, Botswana e Lesotho. A África do Sul mantém a mesma prevalência entre
2003 e 2006 apesar de ter apresentado uma diminuição em 2004. Zimbábue é o país que manteve um
decréscimo progressivo da prevalência desde 2000 a 2006, chegando a ter uma prevalência do HIV
mais baixa do que a da Namíbia. Entretanto, a Namíbia foi o país que registou a prevalência mais baixa
até 2004.
Situação do HIV/SIDA em Até o ano 2009, a prevalência do HIV foi estimada através do
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (RVE), um
Moçambique 2009 método que recolhe informação em mulheres grávidas de 15-
49 anos testadas em postos sentinelas no Sul, Centro e Norte
Prevalência em adultos (15-49 anos): 11,5%
do País; nesse ano um inquérito nacional (INSIDA) realizado
• Mulheres: 13,1% em aglomerados familiares de todo o País e com uma
• Homens: 9,2% metodologia diferente, revelou uma taxa de prevalência
Prevalência em crianças (0-11 anos): 1,4% inferior a aquelas dadas pelas RVE.
Prevalência em crianças (0-11 meses): 2,3%
1
Situação da Epidemiologia do SIDA na África Subsaariana. Resumo Regional. ONUSIDA-OMS 2007
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Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009
Manual de Referência do Clínico 5
Introdução ao HIV/SIDA
Figura 3: Estimativas de Prevalência Provincial de HIV nas Rondas de Vigilância Epidemiológica de 2002, 2004 e
3
2007
Estimativas de Prevalência do HIV: INSIDA – Rondas de Vigilância Epidemiológica:
A estimativa de prevalência encontrada no INSIDA (11,5%) é mais baixa relativamente à estimativa de
15% obtida através da Ronda de Vigilância Epidemiológica do HIV e Sífilis no ano anterior (RVE 2009).
A Prevalência estimada pelo INSIDA não significa uma redução na prevalência em Moçambique, mas
que a metodologia usada para estimar o número de pessoas infectadas pelo HIV melhorou. Isso resulta
numa estimativa mais fiel à realidade.
Os dados de prevalência do INSIDA serão usados para calibrar as estimativas de prevalência obtidas
através das Rondas de Vigilância. As RVE continuarão a servir para acompanhar as tendências da
epidemia a curto prazo, e estimar o impacto da epidemia sobre a população moçambicana.
Figura 4: Taxas Estimadas de Prevalência do HIV em Adultos por Província, Região e à Nível
Nacional: 4
Taxas Estimadas de Prevalência do HIV em Adultos (15-49 anos) por Província, Região e Nacional,
Moçambique, 2009
Taxa de Prevalência Taxa de Prevalência
Província Região
(mulheres-homens) (urbana-rural)
Maputo Cidade 16,8% (20,5% - 12,3%)
Maputo Província 19,8% (20,0% - 19,5%) Sul 17,8% (17,2% - 18,6,2%)
3
RELATÓRIO SOBRE A REVISÃO DOS DADOS DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DO HIV - RONDA 2007
Autor: GRUPO TÉCNICO MULTISECTORIAL DE APOIO À LUTA CONTRA O HIV/SIDA EM MOÇAMBIQUE
RONDA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DO HIV 2007
4
Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique.
INSIDA 2009
Determinadas profissões favorecem maior risco de infecção para as pessoas que as praticam,
tornando-as mais vulneráveis do que outras pessoas, por exemplo: os mineiros que trabalham na África
do Sul, os motoristas, as trabalhadoras do sexo, etc. No entanto, quando a epidemia do HIV atinge
proporções tão elevadas como em Moçambique, toda a população passa a estar em risco de se infectar
pelo HIV, independentemente da sua profissão ou sexo, bastando para isso manter relações sexuais
desprotegidas.
No gráfico a seguir, pode-se observar que a prevalência entre as mulheres é superior à dos homens em
todas as províncias. Estas diferenças variam de província a província; em Gaza e na Zambézia, a
prevalência entre mulheres é um 44% e um 40% respectivamente superior a prevalência entre os
homens, frente as províncias de Cabo Delgado e Maputo onde a prevalência entre mulheres e homens
é praticamente a mesma.
5
Figura 5: Distribuição da Prevalência do HIV/SIDA por Sexo, INSIDA 2009, Moçambique
5
Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009
Manual de Referência do Clínico 7
Introdução ao HIV/SIDA
Impacto do HIV em Moçambique
O número de pessoas que vivem com HIV/SIDA depende do número das novas infecções pelo HIV e do
tempo entre a infecção e a morte das pessoas infectadas. O impacto da infecção pelo HIV em
Moçambique pode ser estimado através dos seguintes indicadores:
• Diminuída sobrevivência infantil
• Diminuída sobrevivência geral
• Unidades Sanitárias sobrecarregadas (cerca de 370 mil pessoas necessitam de TARV)
• 382.000 órfãos maternos entre as idades de 0 a 17 anos devido ao SIDA
• 92.000 mortes por ano
• 160.000 novas infecções por ano
• Perda de trabalhadores (em geral) e especificamente de trabalhadores de saúde: 15% nos
últimos dez anos (estimativa)
• Estigma, discriminação
• Aumentos na prevalência/incidência de outras infecções ligadas ao HIV (tuberculose, malária)
Pontos-Chave
Introdução
Esta unidade abordará o comportamento da infecção pelo HIV, tanto a nível individual (no doente ou
pessoa infectada) como a nível da comunidade (transmissão e disseminação da infecção).
Definição do HIV
O HIV é o vírus que ataca o sistema imunológico e causa o SIDA. Numa pessoa infectada, o HIV pode
ser encontrado no sangue, no leite, no sémen, nos fluidos vaginais e outros.
O HIV é um retrovírus, ou vírus lento, que necessita de longos períodos de incubação e de uma célula
hospedeira para se replicar.
Existem dois tipos de HIV: HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 é o mais frequente em Moçambique. A Figura 1
abaixo demonstra o vírus em maior detalhe.
• H significa Humano, e quer dizer que este vírus só ataca os seres humanos;
• I significa Imunodeficiência, o que quer dizer que o sistema de defesa do organismo não está a
funcionar devidamente, está débil.
• V significa Vírus
1
Figura 1: Ilustração Esquemática do HIV
1
Fonte: Manual do Curso TARV para Técnicos de Medicina, Junho 2006
Manual de Referência do Clínico 9
Virologia e Imunologia do HIV/SIDA
Na Figura 1 na página anterior podemos observar que a estrutura do vírus tem três capas:
1. Capa interna ou nucleóide, que contém duas moléculas completas de Ácido Ribonucleico (ARN),
além do núcleo proteína e as enzimas virais.
As proteínas que cobrem o vírus são importantes porque permitem a fusão do vírus aos linfócitos T CD4
e a sua penetração nas células hospedeiras. O vírus vai incorporar uma série de materiais da célula
hospedeira (antígenos HLA, microglobulinas) que vão-lhe permitir aproximar-se dela através de zonas
de adesão, que posteriormente facilitarão a união da glicoproteína de superfície gp120 ao receptor CD4
e ao co-receptor da membrana celular.
As proteínas do HIV são de vários tipos, umas são estruturais, como as que aparecem no esquema
acima, nomeadamente as p10 (protease que processa proteínas), p17 (protease que favorece o
ligamento na membrana), p24 (uma proteína da capside), gp120 (glicoproteína de superfície) e gp41
(glicoproteína de transmembrana). Outras proteínas são enzimas, como a transcriptase reversa (p64)
que transforma o ARN do vírus em ADN proviral e a Integrase (p32) que actua para que o ADN viral
recém-formado se integre no ADN da célula hospedeira.
• Fusão
• Transcrição
• Integração dentro do núcleo da célula
• Tradução ou reprodução das componentes virais
• Formação de novos vírus
Sistema Imunológico
O corpo humano é formado por células de vários tipos. Um grupo de células, os glóbulos brancos ou
leucócitos, têm a função de defender o organismo de agentes patogénicos como o vírus, as bactérias,
os fungos e diferentes parasitas. Existem cinco tipos de glóbulos brancos: neutrófilos, linfócitos,
monócitos, basófilos e eosinófilos.
Quando somos atacados por agentes patogénicos, o sistema de defesa entra em acção para impedir
que esses agentes prejudiquem o organismo. As células CD4+ ou linfócitos CD4+ são um subtipo de
linfócitos considerados os “soldados” do nosso corpo e actuam na defesa contra as doenças. Além de
linfócitos CD4, existem outras células leucocitárias que participam da defesa contra o HIV, chamadas
linfócitos CD8 (que são células citotóxicas capazes de destruir células estranhas ou infectadas) e os
macrófagos (tipo de glóbulos brancos responsáveis pela fagocitose de substâncias ou partículas
estranhas).
Todas estas células estão inter-relacionadas e são imprescindíveis para o funcionamento do sistema
imunitário. A disfunção dos linfócitos CD4 enfraquece quase todo o sistema imunológico, porque a
produção de anticorpos pelos linfócitos B e células plasmáticas fica comprometida e o sistema imune
fica descontrolado. Desta forma, nem as imunoglobulinas funcionam porque não são bem orientadas e
os linfócitos CD8 não conseguem levar a cabo a sua missão citotóxica e os mecanismos de fagocitose
também não funcionam.
• Diariamente, os linfócitos de uma pessoa que vive com HIV produzem bilhões de partículas
virais, chamada carga viral.
• Também, diariamente, milhões de linfócitos do corpo S = Síndrome
morrem. Depois de alguns anos, o número de linfócitos I = Imuno
CD4+ no sangue diminui e o sistema imunológico não
consegue proteger o corpo. D = Deficiência
A = Adquirida
Nos pacientes infectados pelo HIV, depois de algum tempo
(que é variável entre as pessoas infectadas), o sistema imune se debilita e não é capaz de enfrentar as
infecções comuns (aquelas que podem afectar a qualquer pessoa, não só os seropositivos) e as não
comuns (chamadas infecções oportunistas).
As infecções oportunistas são aquelas que, em condições normais, não conseguem afectar as
pessoas. Apenas em casos de fraqueza extrema do sistema imune é que estas infecções são capazes
de produzir doença na pessoa infectada. É o caso da pneumonia por Pneumocistis, da toxoplasmose
cerebral ou das infecções por micobactérias atípicas.
O SIDA é o nome que recebe o grupo de doenças que afectam as pessoas infectadas pelo HIV. São
doenças que aparecem ou se manifestam quando o organismo da pessoa infectada com o vírus do HIV
já não é capaz de se defender das infecções devido ao enfraquecimento do sistema imunológico.
A progressão da infecção pelo HIV para SIDA varia de 8 a 10 anos e consiste do tempo que passa
desde a infecção pelo vírus até ao momento em que a pessoa com o HIV desenvolve o SIDA.
A progressão da infecção pelo HIV até o SIDA ocorre segundo as fases apresentadas no esquema
abaixo, e a duração destas varia de pessoa para pessoa, dependendo das circunstâncias individuais e
do ambiente ou contexto em que a pessoa vive.
1. Fase Aguda
• Síndrome retroviral agudo (Infecção pelo HIV): Resulta da transmissão do HIV. Acontece
quando o HIV entra no organismo humano e começa a multiplicar-se e a disseminar-se.
• Período de Janela: É o período que transcorre desde a entrada do vírus no corpo até que
este desenvolve anticorpos para lutar contra o vírus. Esta fase tem uma duração variável,
mas geralmente não ultrapassa três meses. Durante esse período, chamado período janela,
os testes rápidos usados para o diagnóstico não reagem e portanto não diagnosticam a
infecção ainda que presente e darão falsos negativos.
• Sero-conversão: É o processo pelo qual o organismo da pessoa infectada desenvolve
anticorpos contra o vírus. A partir desse momento, os testes rápidos sorológicos para o
diagnóstico do HIV são positivos.
Actualmente, esta progressão pode ser modificada dependendo dos cuidados que os doentes recebem.
• Informação e apoio: O fornecimento de informação sobre a infecção, sua origem e seus efeitos
no corpo humano são necessários para as pessoas infectadas poderem enfrentar a situação.
O HIV pode transmitir-se durante as relações sexuais sem preservativo quando estas são mantidas
entre uma pessoa já infectada pelo HIV e uma pessoa ainda não infectada. Essa transmissão
acontece porque ocorre o contacto entre os fluidos contaminados (o sangue, o sémen, os fluidos
vaginais e cervicais) da pessoa infectada com os da pessoa não infectada. O HIV pode ser
transmitido sexualmente através do sexo com penetração vaginal, sexo anal e sexo oral. Cabe
salientar que a presença de uma Infecção de Transmissão Sexual (ITS) não tratada aumenta as
probabilidades da transmissão do HIV.
2. Transmissão Sanguínea: Ocorre quando o sangue infectado entra no organismo de uma pessoa
não infectada através da transfusão sanguínea, ou através de objectos cortantes tais como
seringas, lâminas ou máquinas de barbear, lâminas usadas nos salões de beleza, curandeiros, que
são compartilhadas entre uma pessoa infectada e uma pessoa não infectada, ou quando o sangue
contaminado pelo HIV entra no corpo de uma pessoa não infectada através de feridas abertas.
A probabilidade de uma mulher HIV+ transmitir o vírus para o filho diminui se forem tomadas
determinadas medidas preventivas, tais como tomar medicamentos anti-retrovirais durante a
gravidez e pós-parto, opção do aleitamento artificial através do leite de fórmula, ou aleitamento
materno exclusivo durante 6 meses seguido de desmame imediato após este período.
Como se pode constatar, o vírus do HIV requer um “meio de transporte” para entrar no organismo
humano. Os meios de transporte são os líquidos corporais:
• Sangue;
• Esperma;
• Fluido vaginal;
• Leite materno;
Os insectos que sugam o sangue (mosquitos, pulgas, percevejos, etc.) também não têm a capacidade
de transmitir o HIV, uma vez que o vírus não sobrevive nos seus organismos.
A vulnerabilidade consiste em situações que influem naquilo que somos e/ou fazemos e que pode ter
um impacto em relação ao risco de infecção pelo HIV.
Devido à vulnerabilidade, algumas pessoas podem ter limitações nas opções sobre aquilo que fazem ou
a maneira como o fazem, o que pode dificultar na observação de medidas que protegem contra a
infecção pelo HIV.
Exemplo: Um trabalhador migrante na África do Sul está longe da sua parceira e tem muitas
possibilidades de manter relações sexuais ocasionais com trabalhadoras de sexo ou outras, e assim
corre maior risco de infecção pelo HIV. Uma vez regressado à sua comunidade, pode transmitir o HIV
ao manter relações sexuais sem preservativo com a sua esposa. Portanto, a condição da mulher de
Manual de Referência do Clínico 15
Virologia e Imunologia do HIV/SIDA
trabalhador emigrante está associada ao risco de infecção pelo HIV e este representa um grupo
vulnerável para infecção pelo HIV.
1. Mobilidades Sociais:
• O HIV com frequência distribui-se seguindo as rotas de comércios, corredores de camionistas,
cruzamento de estradas importantes, etc.
• As populações que se movem frequentemente são propensas a mudar de parceiras/os sexuais,
o que as/os coloca em elevado risco de infecção pelo HIV.
2. Estigma e Negação:
• Devido ao estigma e a negação, as pessoas podem ser impedidas de fazer uso dos recursos e
meios disponíveis para a prevenção do HIV. Por exemplo, não fazer o teste, não aceitar a
condição de HIV+ e, em consequência disso, assumir um comportamento inadequado, que pode
implicar tanto a deterioração da saúde e até mesmo a propagação do HIV.
3. Factores Sócio-Culturais:
• A cultura que inclui as tradições, as crenças e as práticas influi na maneira como as pessoas
pensam e se comportam, e esse comportamento ou prática pode em alguns casos favorecer a
infecção pelo HIV.
• Práticas tradicionais tais como a herança das esposas de familiares falecidos, ritos de
purificação que envolvem relações sexuais, ou a poligamia podem aumentar o risco de infecção
pelo HIV.
• As concepções culturais podem favorecer ou reforçar o estigma e a negação do HIV.
4. Género:
• As iniquidades de género aumentam a vulnerabilidade das mulheres para infecção pelo HIV. A
habilidade da mulher negociar a segurança das relações sexuais (por exemplo, através do uso
do preservativo) pode ser limitada se existir algum factor de dependência, seja ela económica ou
social. Às vezes as mulheres são obrigadas a manter relações sexuais com homens muito mais
velhos por dinheiro.
5. Pobreza:
• A pobreza reduz a capacidade de as pessoas estarem devidamente informadas sobre o HIV e
sobre as formas de se protegerem.
• A pobreza pode levar as mulheres a praticarem relações sexuais em troca de dinheiro ou bens
materiais básicos.
• As pessoas que vivem em condições de pobreza extrema muitas vezes não têm acesso a
serviços de saúde.
Para além de compreender os mecanismos de transmissão do HIV e os factores que aumentam o risco
de transmissão, o Clínico deve conhecer e compreender os factores que condicionam as pessoas a
adoptar condutas de risco ou a não se protegerem contra o HIV na própria comunidade. Estes factores
são:
1. Conhecimentos: Nem todas as pessoas têm informação sobre o HIV. Há numerosos mitos que
circulam no seio das comunidades que não são correctos. Portanto, as pessoas não aprendem
sobre o HIV através de fontes correctas, mas sim a partir de diversas fontes de informação,
incluindo os mitos e os boatos.
2. Crenças sobre o próprio risco de infecção pelo HIV: Algumas pessoas pensam que o HIV afecta
apenas as prostitutas, os camionistas, os mineiros ou jovens. As pessoas não gostam de pensar
que elas mesmas e todos nós podemos estar infectados pelo HIV de nossos/as parceiros/as ou das
nossas esposas/os e ou namorados. As pessoas negam estarem em risco de se infectar pelo HIV
tanto seja porque a pessoas de quem gostam aparentam um perfeito estado de saúde ou porque
3. Algumas pessoas têm dificuldades para obter o preservativo, por um lado devido a factores
relacionados com crenças e hábitos sexuais e, por outro, devido a fraca condição sócio-económica,
fraco grau de escolaridade e conhecimento sobre o assunto.
4. Habilidades: algumas pessoas não sabem usar correctamente o preservativo, e têm dificuldades
para perguntar a outras para que as possam explicar. Algumas não são capazes de ser assertivas e
exigir do parceiro/a práticas sexuais seguras, outras têm o hábito de manter relações sexuais
principalmente depois de consumirem álcool e, consequentemente, não podem seguir as normas
básicas de prevenção contra o HIV.
5. Poder: Não são todas as pessoas que têm o controlo das situações em que se encontram
envolvidas. Algumas mulheres não têm o poder de exigir e insistir ao parceiro no uso do
preservativo, no caso de este recusar. As trabalhadoras de sexo podem ter dificuldades de exigir
que seus clientes usem o preservativo. As pessoas embriagadas e que gostam de manter relações
sexuais depois de terem consumido álcool podem ter maiores dificuldades de tomar decisões
adequadas que as protejam a si mesmas e aos seus parceiras/os sexuais.
Uma vez conhecidos os modos de transmissão do HIV, a seguir são apresentados os factores que
diminuem o risco de transmissão do HIV.
• Uso correcto e consistente dos preservativos masculino para os homens e feminino para as
mulheres.
• Abstinência sexual.
• Demora no início das relações sexuais nas populações jovens (adolescentes), uma vez que os
jovens podem não estar devidamente preparados para negociar e controlar as circunstâncias e a
maneira em que acontecem as relações sexuais.
• Relações sexuais que se mantêm num relacionamento com um único parceiro baseado na
fidelidade.
• Evitar ter parceiros sexuais múltiplos ou evitar relações sexuais ocasionais.
• Estar informado e ciente sobre o status do seu parceiro/a em relação ao HIV e tomar as
precauções necessárias.
• Relações sexuais não penetrativas que implicam intercâmbio de fluidos (masturbação mútua,
beijos etc.)
A Prevenção da Transmissão Vertical envolve diferentes métodos que contribuem para que uma mulher
grávida não transmita o HIV para o seu filho durante a gravidez, parto e aleitamento.
Planeamento Familiar:
• Encaminhar as doentes aos serviços onde elas podem ter acesso ao aconselhamento sobre
planeamento familiar;
• Encorajar os doentes/utentes a usar o preservativo para se protegerem das doenças de
transmissão sexual e do HIV, para evitar gravidez indesejada, e nas pessoas já infectadas, para
evitar as reinfecções;
• Fazer demonstrações sobre o uso do preservativo;
• Oferecer os preservativos;
• Recomendar outros métodos anticonceptivos para além do uso do preservativo.
• Os riscos de infecção do filho através do aleitamento (o vírus do HIV está presente no leite
materno de uma mulher infectada);
• A existência de diversas opções para a alimentação infantil (recomende que fale sobre o assunto
com enfermeira que lhe atende e analise as possibilidades económicas);
• A necessidade de continuar a usar o preservativo.
Redução de Prejuízos
A redução de prejuízos é um termo utilizado para descrever as actividades que têm por objectivo a
prevenção ou redução dos efeitos negativos para a saúde derivados de determinados comportamentos.
No entanto, o profissional de saúde deve saber que a redução de prejuízos não trata de apoiar ou opor-
se aos comportamentos que implicam maior risco, mas sim de encontrar a maneira de diminuir o risco
naquelas pessoas que, por determinadas razões, não têm muitas possibilidades de evitar
comportamentos de risco.
Esta estratégia usa-se para as trabalhadoras de sexo. Neste grupo, a redução de prejuízo pretende
explicar os mecanismos de transmissão e de disseminação do HIV.
No exercício das suas actividades, o trabalhador de saúde deve tomar sempre precauções que evite ter
contacto directo com o sangue e outros fluidos corporais. Deve manter os equipamentos médicos
limpos e esterilizados. As medidas de precauções não apenas evitam a infecção pelo HIV, mas também
são efectivas para outras doenças infecciosas:
• Não compartilhe agulhas, escovas de dentes, lâminas de afeitar ou quaisquer outros objectos
cortantes para uso pessoal;
• Cubra todas as feridas abertas que você tenha, ou que veja em todos os pacientes que atende;
• Limpe todo vestígio de sangue ou de outros fluidos biológicos usando um desinfectante suave;
• Use sempre luvas;
• Lave as roupas com manchas de sangue ou outros fluidos do corpo separadamente;
• Descarte os materiais usados ou lixo de maneira segura.
Profilaxia Pós-Exposição PPE: É realizada mediante o uso dos medicamentos anti-retrovirais que
devem ser tomados imediatamente após a exposição ao HIV através do sangue ou outros fluidos
biológicos procedentes de uma pessoa infectada. Os medicamentos devem ser tomados dentro de 72
horas após a exposição. Este conteúdo será explicado mais detalhadamente numa outra unidade do
manual.
Pontos-Chave
• Os profissionais de saúde devem ter claros os conceitos básicos sobre o vírus, sua progressão
para doença (SIDA) e sua transmissão.
• Os Clínico devem ser capazes de transmitir as informações de forma simples e clara sobre a
transmissão do HIV.
• Os Clínico devem conhecer e compreender os factores que levam as pessoas a adoptar
condutas de risco ou não se proteger contra o HIV na própria comunidade.
Introdução
Em Moçambique qualquer utente ou doente pode realizar o teste do HIV. O conhecimento do resultado
do teste é imprescindível para a tomada de decisões do utente ou doente, assim como para o
profissional de saúde.
Os profissionais de saúde, por estarem em maior contacto com o sistema de saúde e conhecerem a
magnitude desta epidemia, são na sua maioria os que melhor entendem a dificuldade que as pessoas
passam na hora de fazer o teste para HIV, devido a implicações pessoais, familiares e/ou profissionais
que o resultado pode acarretar.
O teste de HIV é precedido de uma sessão de aconselhamento por parte do pessoal da Unidade
Sanitária (conselheiro/psicólogo ou outra pessoa formada em aconselhamento).
O aconselhamento é uma estratégia de prevenção e controlo da infecção pelo HIV.
Diferentes estudos demonstram a eficiência do aconselhamento na qualidade de vida dos doentes, no
acesso à saúde e na adesão ao tratamento.
O aconselhamento é um diálogo confidencial que envolve uma relação entre pessoas ou grupos de
pessoas que buscam apoio e alguém que ajuda a resolver ou a encarar o problema.
É iniciado pelo provedor e realizado como parte de um pacote de cuidados dos serviços de saúde. O AT
é oferecido a todos os utentes ou doentes que procuram os serviços de saúde. Este tipo de teste
chama-se “teste rotineiro”, sendo assim o teste oferecido nas consultas pré-natais, PNCTL, etc.
Manual de Referência do Clínico 21
Aconselhamento, Testagem e Adesão
Teste diagnóstico ocorre quando solicitado pelo profissional de saúde como parte da avaliação
diagnóstica a doentes que apresentam sintomas ou sinais atribuíveis a doenças relacionadas com o
HIV. Na presença destes sintomas ou sinais, deve-se realizar o teste diagnóstico de HIV a fim de
prestar cuidados médicos apropriados. A principal finalidade da testagem diagnóstica é, portanto,
rastrear o HIV nos pacientes para que possam receber quanto antes os cuidados que sejam adequados
à sua situação de saúde. Os princípios da testagem diagnóstica do HIV devem ser aplicados também a
doentes internados com sinais ou sintomas relacionados com a infecção pelo HIV.
Nos serviços de testagem iniciados pelo provedor, o doente pode optar por não aceitar (Opt Out) e não
ser testado para o HIV.
Isto acontece quando o utente procura pelos serviços de aconselhamento e testagem onde pode ser
testado para o HIV. O teste realizado por iniciativa do utente chama-se Aconselhamento e Testagem
para a Saúde.
Os serviços de aconselhamento e testagem não devem ser restritos apenas ao HIV, já que em
Moçambique estes serviços estendem-se a todas as questões de saúde e, portanto, recebem o nome
de ATS (Aconselhamento e Testagem em Saúde) e os locais vocacionados para estes serviços são o
UATS (em substituição ao GATV).
Contudo, deve ter-se sempre em conta que todo aconselhamento e testagem para o HIV devem ser
desenvolvidos sob uma base voluntária ou pela escolha do utente que vai ser testado. O
aconselhamento e testagem para o HIV deveriam ser sempre além de voluntário, também confidencial,
o que quer dizer que os resultados derivados desse teste não devem ser compartilhados com ninguém
para além do próprio utente.
• No recinto das Unidades Sanitárias (Centros de Saúde, Posto de Saúde, Hospitais Rurais,
Hospitais Provinciais e Hospitais Centrais);
• Nas UATS (Unidades de Aconselhamento e Testagem em Saúde);
• Nas Unidades Móveis que se deslocam a centros periféricos como escolas, centros de
trabalhos, empresas ou directamente às comunidades.
Nos contextos em que a prevalência do HIV é elevada como em Moçambique, é imprescindível que os
serviços de aconselhamento e testagem estejam disponíveis e acessíveis a todas as populações.
Os profissionais de saúde devem sempre encorajar os utentes a realizarem o teste para o HIV e outras
doenças, evocando os benefícios que derivam do conhecimento do seu estado serológico.
Para além da necessidade de tratamento e do manejo de sintomas da doença, as pessoas com HIV e
SIDA também têm necessidades de apoio psicológico e social. Se uma pessoa não se sente bem
nesses aspectos, ou se não tem habilidade para tomar decisões importantes sobre a sua própria saúde
Manual de Referência do Clínico 22
Aconselhamento, Testagem e Adesão
e a de outras pessoas, há escassas possibilidades de que ela procure os serviços de tratamento
(TARV) que poderá precisar.
Quando as pessoas têm problemas, elas geralmente falam para as pessoas próximas: amigos,
familiares, etc. O HIV e o SIDA criam um leque de problemas cuja complexidade faz com que as
soluções habituais não sejam efectivas: os amigos podem não ser capazes de prestar as informações
que as ajude a resolver ou a enfrentar o problema; às vezes o estigma e a discriminação podem
dificultar que as pessoas falem abertamente sobre os seus problemas. Essas são as razões que fazem
com que o aconselhamento seja muito importante.
c. Cultura
• Sobre a cultura, é necessário ter sempre em conta que ela é dinâmica, que os valores
culturais mudam ao longo do tempo. Algumas práticas que agora são vistas como
prejudiciais ou fora de moda, seguramente tiveram uma função no passado.
• Não compete ao conselheiro/profissional de saúde dizer ao utente as coisas erradas dentro
da sua cultura, mas sim ajudá-lo a compreender o papel que determinadas práticas culturais
podem ter no benefício ou prejuízo da sua saúde.
d. Religião
As crenças religiosas do conselheiro não devem interferir no aconselhamento do utente. É
importante lembrar e aceitar sempre que diferentes religiões têm diferentes visões sobre
questões tais como:
o A contracepção;
o Os matrimónios arranjados;
o O uso do preservativo;
o Os tratamentos médicos;
o A testagem para o HIV;
o O aborto;
o A circuncisão masculina, etc.
e. Género
O conselheiro/profissional de saúde deve ter em conta que o género do utente pode afectar o
acto do aconselhamento.
Homens e mulheres desempenham diferentes papéis nas comunidades, e isso pode ajudar ou
dificultar na discussão de certos temas com um determinado género. Por exemplo: A mulher
pode ter dificuldades para falar de aspectos ligados a abusos sexuais com homens. Se o
conselheiro/profissional de saúde percebe que a questão de género do utente afecta o
aconselhamento, recomenda-se que transfira o utente para outro conselheiro com o qual se
possa sentir mais à vontade.
Qualidades do Conselheiro:
Escuta activa Não interrompa o utente quando estiver a falar, permita que haja silêncio,
não fale antes de escutar, faça com que as pessoas tenham certeza de que
as escuta (apoiando a conversa, mantendo um contacto visual e, de vez em
quando, fazendo algumas perguntas).
Mostrar interesse Fazer perguntas abertas, o que significa não transformar a interação numa
interrogação. Escutar, lembrar-se de fazer comentários relevantes,
proporcionar informações fundamentais. Lembrar que entender é tão
importante quanto aconselhar.
Estar bem informado Ter boas informações, proporcionar informações correctas, fazer consultas
em caso de incerteza e transferir quando não saber dar respostas às
inquietações do utente.
Não julgar Não deve dar por assumido alguma coisa, não deve estabelecer categorias
de pessoas, não deve avaliar as pessoas, deve tratar todas as pessoas de
igual modo.
1. Sabendo o estado em relação ao HIV, as pessoas podem começar com o tratamento mais cedo,
em caso deste ser indicado.
Confidencialidade
A confidencialidade significa que nenhuma pessoa (para além do próprio doente e do profissional de
saúde) deve saber sobre o resultado do teste do HIV a não ser que haja um consentimento informado.
1. Testes Serológicos:
o Os Testes Rápidos são os mais usados devido à sua capacidade de dar o resultado
rapidamente (em poucos minutos) e de não precisar de equipamentos de laboratório
complexos.
o Os resultados dos Testes Rápidos de HIV, no geral, precisam de apenas entre 5 a 30
minutos para estarem prontos.
o Devido a essas características, os Testes Rápidos são considerados mais apropriados para
os serviços de aconselhamento e testagem de HIV. Quando os dois testes são positivos,
podemos falar de infecção por HIV confirmada.
o Existem outros testes serológicos, nomeadamente o teste de Elisa e o teste Western Blot.
Estes testes são mais complexos de realizar e só estão disponíveis nos grandes hospitais do
país.
Aconselhamento Pré-Teste
O Aconselhamento Pré-teste deve estar essencialmente focalizado nos seguintes aspectos:
• Explicações sobre o HIV e o SIDA: O profissional de saúde deve falar com o utente sobre o
que é o HIV, e sobre o significado do resultado do teste.
Aconselhamento Pós-Teste
Uma vez realizado o teste, o profissional de saúde deve conversar em privado com o utente sobre o
resultado do teste. Vai depender do utente se deseja ou não partilhar o resultado do teste com outras
pessoas ou com o profissional de saúde.
• Se o resultado for positivo e tiver sido confirmado, para estes casos, o conselheiro ou pessoal
de saúde deve:
o Explicar que o resultado positivo significa que a pessoa tem o vírus do HIV. Referir o
paciente para os serviços de cuidados e tratamento de HIV.
o Aconselhar sobre as relações sexuais seguras ou protegidas (com o uso do
preservativo), com a finalidade de não infectar a outras pessoas e não se reinfectar, bem
como evitar outras ITS.
o Em caso de necessidade, o paciente pode ser encaminhado aos serviços de apoio
(cuidados domiciliários, serviços de acção social, apoio nutricional, etc.).
• Se o resultado for negativo, para estes casos, o conselheiro ou pessoal de saúde deve:
o Compartilhar e falar sobre a sensação de alívio que o utente experimenta nesse
momento.
o Aconselhar o utente sobre a importância de se manter negativo para o teste de HIV e a
importância de relações sexuais seguras (protegidas com o uso do preservativo).
o Explicar o significado do Período de Janela, durante o qual os anticorpos do HIV ainda
não são detectados através dos testes mais comummente usados, e deve encorajar o
utente a repetir o teste um mês após a realização do teste e de novo, três meses após
achar ter se exposto ao HIV recentemente.
O Aconselhamento de seguimento está sempre disponível para as pessoas que vivem positivamente.
Desta maneira, as pessoas sabem que não estão sozinhas, e têm a oportunidade de compartilhar
ideias, dúvidas, incertezas e preocupações.
Apoio na Revelação
A revelação é o processo mediante o qual uma pessoa que vive com o HIV decide revelar a outras
pessoas sobre o seu estado. Esta revelação pode ser feita a pessoas próximas (parceiro/a, membro da
família, amigos, colegas e membros da comunidade). Após a realização do teste de HIV e o
conhecimento do resultado, o conselheiro/profissional de saúde deve falar com o utente sobre as
vantagens de revelar o seu estado com vista a prevenção do HIV ou adesão ao tratamento e apoio
psicossocial.
Se o utente/paciente não se sentir preparado para revelar o seu estado, o conselheiro deve garantir-lhe
que o seu resultado será confidencial.
Pares Discordantes
Pares discordantes é o termo usado para descrever a situação em que só um dos parceiros tem HIV.
Esta é uma situação que pode ser embaraçosa para qualquer par. O aconselhamento e testagem para
o HIV é extremamente importante nestes casos.
Recomenda-se que os parceiros realizem o teste de HIV juntos. Deste modo, cada membro vai
conhecer a condição do outro permitindo que certos aspectos importantes relacionados com a
prevenção e cuidados possam ser debatidos durante o aconselhamento.
A falta de adesão pode ser caracterizada como abandono ao TARV, nos casos em que o doente fica
sem levantar e/ou sem tomar os medicamentos por um período de dois ou mais meses. Durante este
período, o doente pode ser chamado por estar:
• Atrasado: Se, num período de duas semanas, o doente não levanta ou não toma os
medicamentos, nestes casos o clínico deve esperar;
• Faltoso: Se, num período de duas semanas a dois meses, o doente não toma ou não levanta os
medicamentos, nestes casos o clínico deve fazer a busca activa do doente.
Os doentes que vivem em condições difíceis, tais como crianças ou adolescentes com um escasso
entendimento sobre o HIV, pessoas que vivem longe das Unidades Sanitárias, pessoas que têm
problemas com o álcool, e outros problemas psicossociais podem se beneficiar grandemente do facto
de terem um confidente.
3. Relação com o provedor de cuidados e acesso aos cuidados de saúde: A relação entre o doente
e o profissional de saúde e com outras pessoas que constituem bases de apoio podem afectar a
adesão. Alguns dos factores que determinam a adesão ao tratamento são:
• O acolhimento ou carácter amigável do provedor (pessoal da saúde);
• A habilidade do doente para marcar consultas em dias que lhe convém ou tem maior
possibilidade de comparecer;
• A distância até a Unidade Sanitária;
• A confidencialidade: Ter garantias de que nenhuma informação sobre a sua saúde será
conhecida por pessoas que ela não deseja revelar.
4. Experiência com o HIV: O número de doenças oportunistas e a sua severidade motivam o doente
para a adesão aos anti-retrovirais.
5. Presença de Infecções Oportunistas: Se o paciente está tendo doenças oportunistas tem maior
probabilidade em tomar os medicamentos com o rigor necessário.
Portanto, é preciso garantir que o doente entenda efectivamente como deve tomar os medicamentos.
3. Atitudes e Crenças: As atitudes e as crenças pessoais sobre a doença, ou sobre o uso dos
anti-retrovirais podem influenciar grandemente a adesão ao tratamento.
• Percepções individuais sobre a doença: uma pessoa que não tem experiência de Infecções
Oportunistas recentes pode pensar que ela não vai ficar doente caso não tome os
medicamentos.
• Acreditar nos benefícios das recomendações que lhe são dadas sobre os medicamentos.
• Reconhecer as barreiras que as pessoas enfrentam em relação à observância da adesão ao
tratamento.
4. Falta de Apoio Social: Se o doente não sente que os outros entendem a situação que enfrenta
e sente-se socialmente isolado, pode estar pouco motivado a tomar os medicamentos anti-
retrovirais. O apoio social pode vir de diversos lugares:
• Grupos de apoio: formados por pessoas que vivem com o HIV e SIDA e no seio dos quais as
pessoas podem discutir e compartilhar de maneira fraterna as preocupações e os desafios
que implicam viver com o HIV e SIDA;
• Aconselhamento para as pessoas que vivem com o HIV e o SIDA: pessoas em que os
doentes podem confiar e revelar a sua condição e preocupações;
• Amigos, familiares, e grupos de pares: estes grupos providenciam ajudas às pessoas que
vivem com o HIV e o SIDA;
• Envolvimento comunitário nas actividades: envolvimento de grupos religiosos, clubes, e
outros interesses que não estejam ligadas ao HIV e o SIDA, nas quais as pessoas se sentem
aceitas sem importar a sua condição de HIV+.
• Falta de recursos económicos financeiros: Pessoas sem trabalho ou uma fonte de recurso
financeiro podem ter dificuldades em seguir o tratamento devido a dificuldades em obter
produtos básicos de alimentação.
• Falta de alimentos: Quando as pessoas enfrentam problemas de alimentação podem ter
dificuldades para seguir o tratamento.
“Eu sei que você já recebeu informação sobre o HIV e o SIDA e sobre o tratamento anti-retroviral.
Permita-me fazer-lhe algumas perguntas para saber se não tem dúvidas ou algo que não tenha
compreendido com clareza.”
Passo 1: Rever cuidadosamente todos os aspectos sobre a primeira linha de tratamento. Esclareça
aspectos ligados aos medicamentos, aos formulários e ao cartão do doente.
Passo 2: Lembrar ao paciente que os ARVs são medicamentos que salvam a vida mas que, uma vez
iniciado o tratamento, esses devem ser tomados ao longo de toda a vida, todos os dias e nos
horários certos.
As informações mais importantes que o clínico deve rever com o doente são:
• Os ARVs devem ser tomados todos os dias e na hora certa ao longo de toda a vida (o horário
estabelecido pelo doente segundo o seu estilo de vida e em conjunto com o clínico);
• O horário para a toma dos medicamentos é estabelecido de modo a garantir as doses
adequadas no sangue (plasma), por isso há necessidade de manter muito rigor na observância
dos horários.
O CLÍNICO deve explicar ao doente que a primeira linha de TARV pode ser tomada com as refeições
sem problemas.
Exemplo: O Efavirenz tem efeitos neurológicos que podem induzir ao sono ou tontura ou vertigem e
que a sua combinação com o álcool pode incrementar estes efeitos.
A Nevirapina e o Efavirenz são tóxicos para o fígado. O álcool também é tóxico para o fígado. Portanto,
qualquer um destes medicamentos tomados junto com o álcool pode causar lesões hepáticas. É muito
importante reduzir os níveis de consumo do álcool enquanto estiver a tomar estes ou outros
medicamentos. O doente que consome o álcool em excesso pode esquecer a hora de tomar os
medicamentos.
Lembrar aos doentes que se eles manifestarem alguns sinais ou sintomas adversos com os quais não
estão familiarizados devem dirigir-se à Unidade Sanitária.
O CLINICO deve conseguir que o doente tenha informações claras de acordo com o nível de instrução
para entender a importância da adesão. Só se o próprio doente participa no plano de tratamento e
aceita os medicamentos podemos ter garantia da sua adesão.
A melhor maneira de ajudar o doente é primeiro saber como está a tomar os medicamentos e saber
qual é o regime de tratamento do doente (revisão regular do processo individual do doente).
O regime de tratamento consiste na descrição do tratamento do doente que consta do seu cartão.
• Cotrimoxazol: Alguns doentes podem ter necessidade de fazer tratamento com Cotrimoxazol
durante longos períodos como medida para a prevenção de infecções oportunistas;
• ARVs (anti-retrovirais): Informações sobre o regime dos anti-retrovirais, e a data de início do
tratamento constam no cartão do doente. Há muitas alternativas de regimes de tratamento e
essas mudanças também constam no cartão do doente. Em cada visita que o paciente realiza
ao Centro de Saúde, deve-se anotar a informação sobre os medicamentos prescritos no cartão
do doente;
• Outros medicamentos: Os doentes podem receber outros tratamentos para além dos ARVs,
por exemplo para a malária e/ou febre, para lesões que tenham aparecido na boca, para
doenças da pele, para a tuberculose ou para a diarreia. Estes deverão ser descritos como
“outros medicamentos”.
Avaliação da Adesão
A avaliação da adesão implica saber se o doente tem ou não tomado os medicamentos da maneira
como eles são prescritos pelo clínico.
Muitos doentes com HIV e SIDA têm vários medicamentos para tomar cada dia e ao longo de toda a
vida. Deste modo, às vezes é muito difícil lembrarem-se de tomar os medicamentos de acordo com o
horário, o lugar e o tipo. Desta forma, o clínico poderá dirigir-se ao doente do seguinte modo:
“Para mim (como clínico) é importante entender se você tem tido algum tipo de dificuldade com
a toma dos medicamentos. Não se preocupe se tem que me dizer que às vezes não pode tomar
alguns medicamentos, quero apenas saber, como realmente você enfrenta essa situação”.
• Saber se o doente toma os ARVs e/ou outros medicamentos nas doses certas e nos horários
estabelecidos;
• Verificar assiduidade às consultas agendadas;
• Verificar se cumpre com as recomendações clínicas (redução do álcool, drogas, etc.).
Não existe uma forma absolutamente correcta para avaliar a adesão aos medicamentos. Uma das
razões para a necessidade de se desenvolver um bom plano de tratamento é precisamente para
garantir não apenas o seguimento correcto do tratamento, mas também a sua monitorização.
Método 1: Auto-Relato
Pode ser feito no estilo de um diário em que o doente vai registando cada vez que toma os
medicamentos. O doente vai dizer se está tomando os medicamentos correctamente ou não.
Vantagens:
Desvantagens:
As pessoas podem sobrestimar o seu grau de adesão por temor a represálias do clínico quando este
aperceber-se que o doente não cumpre com o tratamento. Nestes casos, é necessário que o doente
seja encorajado a prestar as informações correctas, por exemplo, discutir com o doente de uma maneira
amigável (sem nunca o repreender ou julgar); aproveitando as dificuldades que ele apresenta para
manter a adesão e como uma oportunidade para apoiar o doente no seu tratamento.
Implica a contagem do número de comprimidos que restam da última vez que o doente os levantou. Se
o número de comprimidos for maior ou menor do que deveria, indica que há erros no modo de os tomar.
Vantagens:
• As pessoas implicadas no plano de tratamento do doente são também responsáveis por ajudá-lo
a cumprir correctamente com o tratamento.
Desvantagens:
• O doente pode calcular o número de comprimidos e deitar aqueles que indicam que tomou;
• Pode dar a impressão de que o profissional de saúde actua como um polícia que o controla,
mais do que alguém que apoia o doente;
• Não permite saber se o doente partilha os medicamentos com algum outro membro de família ou
amigo;
• Não permite saber se os medicamentos são tomados nos horários e nas combinações
adequadas;
• Falta de tempo para o profissional de saúde.
Devido ao facto do farmacêutico saber quando o doente deve comparecer para levantar mais
medicamentos, o seu registo vai permitir fazer um seguimento ao doente.
Vantagens:
• Precisa de um sistema de registo que seja correcto, rigoroso e efectivo sobre os dias de
levantamento;
• Monitora apenas o levantamento dos medicamentos portanto, não permite saber se de facto são
tomados e como são tomados.
• Exige que o paciente continue a receber cuidados na mesma Unidade Sanitária, e em caso de
necessidade de transferência, o processo pode se complicar ou correr risco de se perder.
• Disponibilidade do tempo para o farmacêutico.
Consiste em que a equipa da Unidade Sanitária que presta cuidados aos doentes realize, em conjunto,
uma avaliação da adesão do doente tendo em conta as observações de cada um dos membros que o
atende: clínico, apoio psicossocial, farmacêutico, etc.
Vantagens: O doente sente-se apoiado na medida em que toda a equipa manifesta interesse pela
maneira como decorre o seu tratamento.
Pontos-Chave
Introdução
Os profissionais de saúde, por estarem em maior contacto com o sistema de saúde e conhecerem a
magnitude da epidemia, desempenham um papel importante no apoio às Pessoas Vivendo com HIV
(PVHIV) para a prevenção de novas infecções pelo HIV, melhorar a saúde e a qualidade de vida das
pessoas vivendo com HIV (PVHIV) e promover uma atitude de respeito por elas nas Unidades
Sanitárias e na comunidade
Conjunto de acções integradas que visam melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas que
sabem que estão infectadas pelo HIV; prevenir novas infecções pelo HIV e promover uma atitude de
respeito pelas PVHIV nas Unidades Sanitárias e na comunidade.
Uma pessoa em TARV tem muito menos probabilidade de transmitir o HIV (devido à redução na carga
viral), portanto, o tratamento antiretroviral é também prevenção da doença já que o início precoce do
TARV contribui para a redução da transmissão do HIV em 96%, de acordo com um estudo conduzido
pela Rede de Ensaios para a Prevenção do HIV.
O maior acesso ao teste de HIV permite que as pessoas positivas e os casais serodiscordantes sejam
identificados e recebam apoio necessário.
Os serviços de cuidados em relação ao HIV apresentam uma oportunidade para prestar apoio de
prevenção às PVHIV. Todos os provedores de saúde que prestam cuidados e tratamento às PVHIV
(Clínicos e de Apoio Psicossocial) devem fazer intervenções de PP e referir sempre que necessário.
1. Comportamento Sexual:
Esta componente de PP consiste em fornecer serviços e mensagens relevantes sobre riscos que
advém do comportamento sexual e oferecer preservativos;
Os parceiros sexuais das PVHIV que praticam sexo sem protecção, têm riscos de infecção ou
reinfecção pelo HIV, de ITS, de gravidez indesejada e os filhos de transmissão sexual do HIV. Por
isso, é importante dar a conhecer os factores que influenciam a transmissão do HIV como é o caso
de:
Note que a maioria dos comportamentos para prevenir a transmissão e aquisição (ou infecção) são os
mesmos.
As principais mensagens que o pessoal de saúde deve transmitir à PVHIV para a redução do
risco de transmissão sexual do HIV são:
• Usar preservativos em todas as relações sexuais;
• Fazer o tratamento antiretroviral de acordo com as recomendações da US;
• Tratar as ITS;
• Reduzir o número de parceiros sexuais;
• Praticar tipos de relações sexuais mais seguros.
O primeiro passo para a revelação do seroestado é a aceitação do resultado pelo utente. O provedor
deve apoiar o utente a aceitar o seu seroestado da seguinte forma:
• Ajude-o a encarar o futuro com esperança
• Encoraje-o a viver positivamente
• Reforce o seu conhecimento sobre HIV/SIDA e como combater as crenças negativas
• Ajude-o a encontrar apoio adicional (parceiro, família, Unidade Sanitária e comunidade)
3. Adesão ao TARV:
• Alguns utentes, em particular os adolescentes, podem sofrer muita pressão social para consumir
álcool e drogas.
Comunicação Interpessoal
É a troca de informações ou sentimentos, de forma verbal ou não verbal, cara a cara, entre duas ou
mais pessoas. É sempre um processo de duplo sentido, ou seja, um diálogo participativo usado para
criar mútuo entendimento.
Para que esta comunicação tenha lugar é necessário que existam determinadas habilidades básicas da
comunicação consistentes em:
• Saber escutar;
• Saber perguntar;
• Saber informar;
• Saber responder às necessidades do utente;
• Saber estimar a participação do utente;
• Saber expressar emoções positivas.
Para estas situações delicadas de comunicação com as PVHIV é fundamental que exista a empatia ou
sentimento de respeito e de consideração pelo outro e pela situação em que este se encontra, fazendo
com que a pessoa se coloque no lugar do outro e o compreenda;
Para alcançar este objectivo:
• Mostre respeito pelo utente, pelas suas decisões e opiniões;
• Observe o tom de voz, os gestos e expressões faciais;
• Coloque-se no lugar do utente;
• Escute com atenção;
• Use palavras simples e comuns;
A VBG é muitas vezes conhecida como violência contra a mulher porque, em parte, decorre da situação
subordinada da mulher na sociedade. As mulheres são as principais vítimas da VBG.
• A Prevenção Positiva (PP) visa aumentar a auto-estima, confiança e capacidade das pessoas
que vivem com HIV e que conhecem o seu seroestado, para protegerem a sua saúde e evitarem
a transmissão de HIV para outras pessoas.
• As sete componentes de PP são: comportamento sexual, Revelação do seroestado e testagem
do parceiro, Adesão ao TARV, ITS, Planeamento Familiar e PTV, Consumo do álcool e outras
drogas e Referência aos serviços de apoio comunitário.
• Para o sucesso das intervenções de PP o provedor de saúde deverá fazer uso das habilidades
de comunicação interpessoal e demosntrar empatia para com a situação do utente.
Uma boa avaliação clínica (anamnese e exploração física) do doente, assim como o registo correcto
dos dados nos respectivos formulários, vai permitir a tomada de decisões clínicas correctas e fazer um
bom seguimento do doente, evitando erros clínicos. Como complemento da anamnese e da exploração
física estão os testes de laboratório.
O cumprimento do calendário estabelecido pelo MISAU para o seguimento de rotina do doente HIV+ vai
permitir uma avaliação mais adequada do doente por parte do clínico e vai apoiar nas decisões clínicas
para o início do TARV e a eleição da linha de tratamento para cada caso.
É muito importante o estadiamento clínico correcto para os doentes HIV+ conforme a classificação
estabelecida pela OMS, pois muitas decisões sobre o início do TARV e de Cotrimoxazol estão
baseadas no estadio do doente e, quando este não é bem feito, pode causar erros na decisão de
prescrever ou não estes tratamentos.
O primeiro passo a ser realizado para a avaliação do doente é a identificação das emergências ou
sinais de perigo.
Este módulo está dividido em quatro unidades que serão apresentadas a seguir:
• 2.1 Abordagem Clínica do Doente HIV+: Anamnese e Exame Físico
• 2.2 Interpretação de Testes Laboratoriais
• 2.3 Emergências no Doente HIV+
• 2.4 Estadiamento Clínico
Introdução
Esta unidade aborda a avaliação do doente seropositivo desde a sua primeira consulta na Unidade
Sanitária. A tomada de decisões clínicas correctas só é possível quando o doente é bem avaliado. Se o
doente for mal avaliado, ou os dados forem incorrectamente registados, ocorrerão muitos erros clínicos.
Nesta formação, os participantes irão aprender os passos necessários para atender a primeira consulta
do doente HIV + e fazer o respectivo seguimento.
Alguns dos tópicos serão apenas introduzidos nesta unidade e abordados mais profundamente em
outras unidades desta formação.
A semiologia é um tópico muito importante que será tratado nesta unidade, que consiste na obtenção
dos dados relevantes da evolução temporal das queixas, obtidos através da anamnese e do exame
físico. Este conteúdo é a base para a compreensão do estado de saúde do doente, o seu domínio é
muito complexo e necessita de manejo de várias componentes, nomeadamente:
• Conhecimento da fisiologia normal e dos múltiplos mecanismos da doença;
• Conhecimento dos métodos e técnicas de recolha de dados, sejam eles a história clínica, a
observação psicológica ou o exame físico;
• Capacidade de interpretação dos dados recolhidos.
A aplicação correcta da semiologia médica vai ser muito importante para um bom diagnóstico e ajudará
os clínico na toma de decisões sobre o doente.
Na primeira consulta do doente HIV+ é muito importante para fazer uma avaliação completa e, com
base nisso, ser capaz de fazer decisões clínicas correctas.
É importante conhecer o sistema de seguimento do doente quando ele chega à Unidade Sanitária, já
que os cuidados para uma pessoa seropositiva não são feitos apenas por um profissional, é um trabalho
de equipa. Esta formação está focalizada nas responsabilidades clínicas do profissional de saude mas
compreende-se que a qualidade do seu desempenho depende também da organização dos serviços de
TARV em geral.
O fluxograma abaixo representa um modelo de seguimento dos doentes HIV+. O fluxograma varia um
pouco de uma Unidade Sanitária para outra. Essa variação ocorre porque a equipa nas diferentes
Unidades Sanitárias não é sempre a mesma, apesar das responsabilidades serem parecidas em todas
as Unidades que fazem o acompanhamento dos doentes em TARV.
Qualidade
Clínica
Comité TARV
Adjunto Responsável do Funcionamento
Serviço TARV Gestão Planificação
Informação
Prestação de contas
Responsável Responsável de
Responsável de
da farmácia aconselhamento
enfermagem
Aconselhamento Clínica
Aconselhamento Preparação TARV Triagem
Acons. TARV
Planificação Consulta
Aviamento Grupos Enfermagem
Controle de enfermagem
IEC
stocks, etc. Enfermaria de dia
Gestão Apresentação início TARV
Informação Adesão Biossegurança
Liderar planos reforço Gestão med/mat
Adesão Recolha e registo Conselheiros Adesão
Gestão Referência
dos dados Materiais
Referência EC Informação Pessoal
Gestão Estrutura/Material
Comité Comité TARV Apresentação início
Informação
TARV Cotas TARV
Qualidade uso
Referências para: Apresentação
medicamentos Apoio Social •Assistência social Comité TARV problemas6
•Cuidados aderência
domiciliários
Fonte: “Organização do Serviço TARV e Fluxograma” [mudança das siglas HDD por Serviço de TARV]), Abril
2005)
Todos os passos importantes a dar na primeira consulta e nas consultas seguintes do doente HIV+
serão introduzidos nesta unidade, mas nem todos
serão estudados detalhadamente. Alguns dos tópicos
serão apresentados de forma mais detalhada em
outras unidades deste manual. É importante Passos Importantes da Consulta:
compreender que todos os passos devem ser 1.- Recepção
realizados, mas não necessariamente na ordem
apresentada. Alguns destes passos são Preenchimento do Cartão de
administrativos e outros clínicos. identificação do paciente
Preenchimento do livro de registo na
1. Recepção recepção
2. Aconselhamento
b) Identificação de Sinais de
Perigo e/o seu Manejo
Avaliar se o doente apresenta Decisões: Internar ou Referir Imediatamente
algum problema que põe em risco • Prioridade I: Paciente que apresenta uma situação que
a sua vida, e iniciar o tratamento, ameaça a vida se não receber atenção médica imediata;
se necessário (por exemplo, também se inclui nesta categoria o paciente com dor
insuficiência respiratória). Um extrema. Internar;
clínico deve saber dar prioridade ao • Prioridade II: Paciente com problemas ventilatórios,
estado crítico de um doente antes hemodinâmicos, neurológicos, ou de qualquer outro tipo
de ser avaliado como qualquer
que não ameace a vida. Internar ou encaminhar.
outro utente.
(Depende do contexto);
O problema que o doente • Prioridade III: Paciente sem risco evidente de
apresenta pode ou não estar instabilidade ou complicação. Continuar a avaliação sem
relacionado com o HIV e, referência ou encaminhar. (Depende do contexto).
inclusivamente, é comum que os
doentes com SIDA apresentem
vários problemas ao mesmo tempo.
O clínico deve saber priorizar os problemas.
As emergências e a abordagem do doente severamente doente serão ensinadas em outra unidade
específica.
d) Reforço do Aconselhamento
O técnico deve perguntar ao doente o que é que ele/ela compreende sobre o significado de ser
seropositivo e em seguida fazer o aconselhamento inicial.
Por vezes, a Unidade Sanitária poderá ter um conselheiro que pode ajudar o clínico nesta tarefa, outras
vezes não. Todo o clínico deve ser capaz de fazer um aconselhamento de boa qualidade; e onde há
conselheiro, o técnico deve certificar-se que o doente já foi aconselhado e que compreendeu a sua
situação.
Se o doente não compreende bem a sua situação, é pouco provável que entenda o motivo de dever
voltar para as consultas de seguimento, ou a razão pela qual é importante usar o preservativo, ou
porque deverá tomar os medicamentos todos os dias.
e) Anamnese
Definição: Parte da história clínica em que se reúnem os dados pessoais e familiares do doente
anteriores à doença actual e os motivos da consulta. 1
É importante compreender a necessidade de se fazer uma anamnese completa, pois cada sinal ou
sintoma do doente HIV+ pode ter mais de uma causa (não se pode assumir que a febre é sempre
causada por malária, ou que a tosse é sempre causada por pneumonia). O diagnóstico diferencial do
11
Adaptado do Dicionário de Termos Médicos. Manuel Freitas e Costa, p. 57
Manual de Referência do Clínico
Abordagem do Doente HIV(+) 50
doente HIV+ é muito mais complicado que o de doentes seronegativos, especialmente se o doente
estiver em tratamento de tuberculose ou em TARV.
Veja na Tabela 1 abaixo as perguntas que devem ser feitas numa anamnese completa:
(Quando não é possível fazer as perguntas ao doente, terão que ser feitas ao acompanhante)
Pergunte ao doente pelo seus antecedentes: Pergunte ao doente pelos sinais e sintomas,
motivo de consulta hoje:
No caso de ser mulher, antecedentes
ginecológicos e obstétricos; está grávida Perda de peso?
neste momento? Tosse (com sangue?)
Uso de medicamentos (nos últimos três Dispneia (piora com exercício?)
meses)? Suores (nocturnos?)
Alergia a medicamentos (pergunte Tem prurido no corpo (comichão) ou erupções
especificamente sobre alergia a cutâneas ou orais?
Cotrimoxazol, Fansidar e anti-retrovirais) Dificuldade para engolir?
Antecedentes de internamento: Já foi Dor abdominal?
internado com alguma IO ou com alguma Náuseas, vômitos?
doença que poderia ter sido IO? Diarreia (com sangue)?
Ontem à noite usou rede mosquiteira? Sintomas genitais ou genitourinais?
Tem família que lhe ajuda? Tem cefaleia (dor de cabeça) constante?
Alguma vez teve TB? Convulsões?
Alguma vez teve Herpes Zóster (lume da Tem dor ou dormência, formigueiro ou fraqueza
noite)? nos pés ou nas pernas?
Alguma vez teve candidíase oral (pracas Dificuldade para pensar ou dormir?
brancas na boca que podem produzir dor)? Mudanças de comportamento (pergunte à
Alguma vez teve candidíase esofágica família)?
(Alguma vez teve dificuldade e dor para Pode trabalhar? Está acamado?
passar alimentos)? Tem apetite? Consegue beber? Consegue
Alguma vez teve sarcoma de Kaposi comer?
(manchas vermelhas na boca ou na pele)?
ITS (Alguma vez teve feridas no sexo ou
corrimento)?
Diarreia crónica (diária por mais de um
mês?)
Perda de peso mais do 10% (perguntar se
sabe quantos quilogramas perdeu ou se a
perda de peso foi grande)?
Febre prolongada (diária por mais de 3
semanas)?
Determinados sinais e sintomas têm um significado e relação importante com distintos aspecto clínicos
do doente com HIV, assim:
Inspecção Geral
f) Exame Físico
Na Inspecção geral é importante verificar se o doente apresenta: O Clínico sempre deve
fazer uma avaliação
Dificuldade para respirar completa dos doentes e,
Dificuldades para falar (se fala normalmente, se responde em particular, dos
normalmente às perguntas seropositivos. Nesta
Dificuldade para caminhar normalmente (ou se pode camninhar sem unidade vamos
ajuda descrever as
Fraqueza visível (localizada ou generalizada) componentes chaves do
exame físico do doente
Icterícia ou palidez
HIV+. O exame físico
Erupção cutânea generalizada deve ser direccionado
Caquexia especificamente para
detectar sinais de IOs,
Fazer medição de: reacções a
medicamentos e outras
Temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca, frequência complicações de HIV. O
respiratória, peso, altura. Clinico deverá procurar
Compare o peso actual ao peso anterior, se for por estes sinais
possível; calcule o Índice de Massa Corporal (IMC) activamente em cada
(Veja a tabela da OMS do peso e altura pax X) consulta através do
exame físico. Veja na
tabela abaixo como se faz um exame físico completo.
Inspecção geral
Na inspecção geral é importante verificar se o doente apresenta:
Dificuldade para respirar;
Dificuldade para falar (se fala normalmente, se responde normalmente às perguntas);
Dificuldade para caminhar normalmente (ou se pode caminhar sem ajuda);
Fraqueza visível (localizada ou generalizada);
Icterícia ou palidez;
Erupção cutânea generalizada;
Caquexia.
Qualquer anormalidade que sugira uma IO ou outra doença necessita de outras avaliações, e pode
influenciar no estadiamento e nas decisões para iniciar ou não o TARV, profilaxia com Cotrimoxazol,
profilaxia com Isoniazida ou tratamento para infecções oportunistas.
g) Exames Laboratoriais
Os exames de rotina para cada doente na primeira consulta são o CD4 e hemograma. Às vezes, o teste
de CD4 pode ser feito antes da primeira consulta a pedido do ATS, no hospital ou na consulta de PTV.
Se o CD4 <350 cels/mm3, estadio clínico III ou IV ou outra indicação para o TARV, o clínico deve pedir
todos os outros exames indicados para o doente que vai possivelmente iniciar o TARV (veja quadro
abaixo).
Os exames laboratoriais recomendáveis para o diagnóstico, introdução e monitoria do tratamento anti-
retroviral incluem os seguintes:
• Hemograma completo;
• CD4+;
• Carga viral do HIV (quando disponível);
• Transaminases: AST (SGOT) + ALT (SGPT);
• Glucose e Creatinina (depende do regime de TARV);
• Colesterol e Triglicerídeos (depende do regime do TARV);
• Amilase (depende do regime de TARV);
• Teste de gravidez (essencial se o regime de TARV inclui EFV);
• RPR;
• Urina II;
• Hepatite B e C (quando disponível).
Hemograma X X X X
ALT X X X X
Contagem CD4 X X X
2 2 2 2
Amilase X X X X
1 1 1
Colesterol X X X
1 1 1
Triglicerídios X X X
1 1 1
Glicemia X X X
Creatininemia X X X
Ureia X X X
Carga viral X
1: Nos esquemas com IPs, 2: nos esquemas com d4T e/ou DDI (Fonte: Adaptação do Guião TARV e IO
do MISAU)
No doente que ainda não tem indicações para iniciar o TARV, no calendário de Exames Laboratoriais
de Rotina o teste CD4 (com hemograma) deve ser repetido de cada três a seis meses. A periodicidade
do teste CD4 depende do valor inicial das contagens:
h) Decisões Importantes
Uma vez feita a avaliação completa do doente, o clínico terá várias hipóteses de diagnóstico em relação
ao que o doente apresenta:
o Sinais de perigo;
o Infecções oportunistas;
o Outras infecções;
o Reacções adversas a medicamentos;
o Outras complicações de tratamento;
o Outros problemas.
Essas hipóteses de diagnóstico às vezes podem ser confirmadas, naqueles casos que o clínico já não
tem dúvida, e outras vezes, são mesmo suspeitas. Portanto, o clínico deverá seguir investigando sobre
elas porque são as que vão permitir ao técnico pensar no tratamento e no seguimento do doente.
Por exemplo: Se um doente tem uma reação cutânea aguda com eritema intensa, cefaleia que dura
vários anos de forma intermitente e tosse com expectoração há uma semana, liste os problemas da
seguinte forma:
LISTA DE PROBLEMAS
1º PROBLEMA Eritema cutâneo intenso e agudo
2º PROBLEMA Tosse com expectoração há uma semana
3º PROBLEMA Cefaleia que dura vários anos
Portanto, depois de avaliar os sinais, sintomas e os resultados laboratoriais do doente, o clínico deve
determinar as prioridades clínicas e recomendar uma ou mais das seguintes intervenções:
Internamento do doente;
Encaminhamento para um nível superior de atendimento em saúde;
Mais testes e exames para diagnosticar IO ou outra doença;
Tratamento das IO confirmadas;
Inicio do tratamento duma IO muito provável, mas que não pode ser confirmada com os recursos
disponíveis;
Iniciação da profilaxia com Cotrimoxazol;
Iniciação da profilaxia com Isoniazida;
Encaminhamento para apoio nutricional;
Começar a preparação do TARV (o Clinico NUNCA deve iniciar o TARV num doente que ainda
não esteja preparado, e NUNCA deve iniciar o TARV num doente que esteja ainda em vias de
diagnóstico de alguma suspeita de IO)
j) Plano de Seguimento
O plano de seguimento tem sempre aspectos em comum entre um doente e outro. Contudo, às vezes
tem algumas variações que dependem por um lado da primera consulta e, por outro, se é um doente em
seguimento e que já compareceu várias vezes à consulta. O plano também varia se o doente ainda não
está em TARV ou se já está em TARV.
Plano de Seguimento do doente que não vai pela primeira vez à consulta mas que não
está em TARV:
• Avaliar a resposta clínica para qualquer tratamento indicado nas consultas anteriores
• Procurar sinais e sintomas de IO e/ou TB e/ou outra doença;
• Rever qualquer problema apresentado pelo doente nas visitas anteriores e ver se está a
melhorar;
• Procurar sinais e sintomas de reacção adversa a Cotrimoxazol e se está a tomá-lo.
• Avaliar se o doente precisa de Cotrimozazol se não estiver a tomar;
• Reavaliar as CD4 e o estadio clínico para ver se o doente deve iniciar o TARV ou ainda não;
• Seguir o calendário de exames laboratoriais de rotina. O teste de CD4 com hemograma
deverá ser repetido dentro de três a seis meses, dependendo da contagem inicial dos CD4.
• Marcar as consultas de rotina;
• Explicar ao doente como será a próxima consulta;
• Explicar ao doente que deverá voltar à consulta antes da data marcada se tiver qualquer
problema.
Pontos-Chave
• Abrir correctamente o processo clínico do doente HIV+ e manter o processo actualizado para
que qualquer clínico possa saber o que deve fazer com o doente e quando será a próxima
consulta.
• Realizar todos os passos na primeira consulta e consultas seguintes do doente HIV+ para
garantir que ele seja avaliado correctamente e minimizados os erros no seu tratamento.
• A anamnese e o exame físico completo devem ser realizados em cada consulta do doente para
fazer o diagnóstico precoce de qualquer problema que possa surgir na evolução do doente.
• Avaliar e dar prioridade aos problemas do doente e tomar as decisões importantes segundo o
caso.
• O clínico deverá elaborar um plano de seguimento e explicar ao doente como será a próxima
consulta.
Anexos
Ministério da Saúde
O questionário deve ser utilizado para o Rastreio Activo da TB a todos os pacientes HIV positivos nas
NOME:
Continuar com a avaliação da TB segundo os critérios clínicos (eventuais gânglios aumentados, ascite, etc.),
Terminar com a avaliação da TB e repetir o questionário na consulta seguinte (pelo menos a cada três
meses); encaminhar ao clínico para avaliar a eligibilidade para o tratamento preventivo com a
Isoniazida (TPI).
Exames Gerais
Fazer medição de:
Temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória,
peso, altura. Compare o peso actual ao peso anterior, se for possível;
calcule o Índice de Massa Corporal (IMC).
Na Inspecção-geral, é importante verificar se o doente apresenta:
Dificuldade em respirar
Fala normalmente, responde normalmente às perguntas
Pode caminhar normalmente, sem ajuda
Tem fraqueza visível (unilateral?) dos braço(s), perna(s), face
Há icterícia
Há erupção cutânea generalizada
Caquexia ou palidez
Dor
Sons
Hepatomegalia,
esplenomegalia, tumoração,
ascites, linfadenopatia
Gravidez
Sinais de perigo
Sim Não
Infecções
oportunistas
Sim Não
Outras infecções
Sim Não
Reacções
adversas a
medicamentos
Sim Não
Outras
complicações de
tratamento (SIR,
falência
terapêutica,
falha na
adesão?)
Sim Não
Outros
problemas
Sim Não
2:
3:
4:
5:
Estadiamento: é possível confirmar o estádio clínico deste doente hoje? Sim Não
Se sim: Qual é? □ I □ II □ III □ IV
_________________________________________________________________
Introdução
O MISAU estabelece claramente quais são os exames laboratoriais de rotina que devem ser realizados
nos doentes que fazem seguimento nos serviços de TARV. O cumprimento deste calendário vai permitir
ao clínico uma avaliação mais adequada do doente e vai apoiar nas decisões clínicas para o início do
TARV e na escolha da linha de tratamento para cada caso.
Além do seguimento de rotina, os exames laboratoriais são importantes no diagnóstico e seguimento
das infecções oportunistas, reacções adversas e falência terapêutica.
Para solicitar o teste certo e interpretar correctamente os resultados, é preciso entender qual é o órgão,
sistema orgânico ou doença avaliado por cada teste laboratorial.
Nas tabelas abaixo descrevemos a correspondência entre testes, sistemas orgânicos e possíveis
doenças:
Carga viral Quantidade de vírus HIV Se elevado: Risco maior de complicações de SIDA, risco Principalmente usado para detectar falência Em algumas
circulando no sangue maior de transmissão de SIDA. terapêutica do TARV. Unidades Sanitárias
CD4 Número de células CD4 Imune A diminuição significa que há imunossupressão causada Se baixo, é uma indicação para TARV. Sim
(contagem) (uma classe de linfócitos, pelo HIV, e que o paciente corre maior risco de ter
ou seja, de células brancas) infecções oportunistas e outras complicações da SIDA.
no sangue Pode ser provocado por nova IO ou falência terapêutica.
CD4 % % de linfócitos que são da Imune Com sucesso do tratamento anti-retroviral, a Sim
classe CD4 contagem de CD4 (no adulto ou criança maior)
deverá aumentar. Na criança pequena, a
percentagem de CD4 deve subir com o TARV.
Testes O que mede ou avalia Função de Interpretação dos Uso nos cuidados do SIDA Disponível em
o teste qual sistema resultados Moçambique
orgânico
Hemoglobina Células vermelhas do Sistema Se reduzida , significa anemia Detectar infecções que causam Sim
sangue (componente que hematológico (causada por má produção de anemia;
transporta o oxigénio no células vermelhas na medula Detectar anemia de estadio III de
organismo) óssea e/ou destruição de células SIDA;
vermelhas) Determinar elegibilidade para
Contagem de primeira linha de TARV;
eritrócitos Determinar resposta ao TARV;
detectar reacções adversas a
medicamentos
Contagem total Células brancas (total) no Sistema Elevação da contagem: Detectar neutropenia causada por Sim
de células sangue hematológico resposta a infecção e estadio III de SIDA;
brancas no inflamação. Detectar reacções adversas a
sangue medicamentos
(Leucócitos)
Diminuição da contagem
(“leucopenia”):
imunossupressão, redução da
produção das células brancas
na medula óssea
ALT Enzima usada pelo Hepática Elevação na presença de doenças Confirmar elegibilidade Sim
fígado (oportunistas ou outras) do fígado ou para 1ª linha de TARV;
de reacções adversas aos detectar doenças e
medicamentos reacções adversas que
afectam o fígado
AST Enzima usada pelo Hepática Elevação na presença de doenças Confirmar elegibilidade Sim
fígado (oportunistas ou outras) do fígado ou para 1ª linha TARV;
de reacções adversas aos detectar doenças e
medicamentos reacções adversas que
afectam o fígado
Bilirrubina Substância produzida Hepática Elevação na presença de doenças Detectar doenças e Sim
pelo fígado (oportunistas ou outras) do fígado ou reacções adversas que
de reacções adversas a afectam o fígado e/ou o
medicamentos tracto biliar (a bilirrubina e
a causa de icterícia)
Lipase Enzima produzida pelo Pancreática Elevação na presença de doenças Detectar infecções ou Sim
pâncreas do pâncreas ou de reacções reacções adversas que
adversas a medicamentos podem afectar o pâncreas
O teste de depuração da creatinina é realizado com medição da creatinina em uma amostra de urina
colhida em um tempo estabelecido e também em uma amostra de sangue colhida no período de
colheita da amostra de urina.
Existem varias Fórmulas para o calculo da Depuração da Creatinina, uma das mais usadas é a
“Creatinine clearance (Cockroft Gault)” a seguir, e umas tabelas para poder consultar com mais
facilidade:
Para cada doente em uso de TDF, a depuração da Creatinina deve ser calculada, a cada 6 meses.
Sempre que houver sinais de nefrotoxicidade após a introdução do TDF, este deve ser suspenso
imediatamente, pois a toxicidade relacionada com o TDF não é reversível.
É uma contra-indicação absoluta para o uso de TDF uma depuração de creatinina <30 ml/min. Não é
recomendado administrar TDF aos pacientes com depuração de creatinina <60 ml/min
Nos cuidados da pessoa seropositiva, os testes laboratoriais são indicados para as seguintes
circunstâncias:
NOTA: Para conhecer melhor o calendário dos testes de rotina ao longo do seguimento do doente,
consulte a tabela de exames laboratoriais na unidade de seguimento de TARV.
Uma correcta interpretação dos resultados dos testes só é possível se o clínico conhece:
• Qual é a relação entre o teste e o SIDA, as infecções oportunistas, as reacções adversas aos
medicamentos, e outras doenças?
• O que mede ou detecta cada teste?
• Como deve ser um resultado normal? (Quais os limites?) Qual é a unidade de medição
(especialmente para os testes de bioquímica)?
• Os diferentes nomes usados pelos diferentes laboratórios para indicar o mesmo teste.
A tabela abaixo descreve algumas das unidades de medição que agora são usadas em Moçambique.
Laboratórios diferentes podem usar nomes diferentes para indicar o mesmo teste.
a. Em alguns laboratórios, os resultados aparecem com nomes em outras línguas (por exemplo, em
inglês). O clínico deve conhecer os nomes usados no laboratório local.
Na tabela a seguir estão indicados alguns exemplos de nomes diferentes usados para o mesmo
teste:
Às vezes, dois testes diferentes têm nomes muito similares. Por exemplo:
“Bilirrubina total” e “Bilirrubina directa” não são o mesmo teste;
Contagem de CD4 não é a mesma coisa que a percentagem de CD4.
O Clínico não deve comparar o resultado de um teste de bilirrubina total ao resultado de bilirrubina
directa (ou “conjugada”), e não deve comparar a contagem à percentagem de CD4.
Introdução
A identificação das emergências ou sinais de perigo no doente HIV+ é o primeiro passo a ser realizado
na avaliação do doente. Em outras unidades desta formação, vamos introduzir guiões ou directrizes
clínicos chamados algoritmos que vão descrever os passos a seguir na avaliação de sinais e sintomas
comuns no doente seropositivo.
Os algoritmos sempre começam com a procura de sinais de perigo, porque o doente grave deve ser
identificado e tratado rapidamente. Esta unidade irá abordar o passo importante que é a identificação e
gestão de emergências clínicas em doentes HIV+. Para isso, será necessário aplicar os princípios
básicos dos cuidados médicos que são utilizados em todos os doentes e os princípios específicos para
doentes HIV+.
Princípios Gerais dos Cuidados do Doente HIV+ com Sinais de Perigo e com
Complicações
Todos os princípios básicos da atenção médica ou cirúrgica aos doentes criticamente doentes ou
hospitalizados não infectados pelo HIV também são aplicados aos doentes HIV+. Além desses
princípios básicos, certos princípios adicionais aplicáveis aos doentes HIV+ serão resumidos nesta
unidade.
O diagnóstico diferencial é mais complexo nos doentes seropositivos porque podem adoecer por
qualquer outra condição que afecta também a população seronegativa, mas outros diagnósticos
(infecções oportunistas, reacções adversas a medicamentos, falência terapêutica, e complicações
próprias do HIV) devem ser considerados além dos diagnósticos típicos.
Os princípios gerais e adicionais dos cuidados do doente HIV+ com complicações graves são:
Não discriminacão
Condições tratáveis ou curáveis devem ser consideradas da mesma maneira em doentes seronegativos
como em doentes HIV+ (além de tomar medidas para evitar as reacções adversas a medicamentos e
para evitar interacções medicamentosas que envolvem anti-retrovirais), o tratamento não deve ser
negado devido ao seroestatus positivo do doente.
Respeitar a confidencialidade
Respeite a confidencialidade do doente.
Doentes que não conseguem engolir os comprimidos devem tomar xaropes pediátricos (em doses
adequadas para adultos) via sonda nasogástrica, se esta opção estiver disponível. Se o doente for ser
transferido, deve-se verificar o regime terapêutico dos anti-retrovirais que está descrito no guia de
transferência e se o doente tem quantidade suficiente de medicamento.
Continuar sempre com o regime de tratamento para a TB, a não ser que exista uma razão comprovada
e consistente (tal como uma reacção adversa severa aos medicamentos) para suspendê-lo ou modificá-
lo. Neste caso, o clínico deverá consultar o médico antes de tomar essa decisão. Se o doente será
transferido, confirmar se o regime terapêutico da TB está descrito no guia de transferência e que o
doente tenha quantidade suficiente de medicamento.
Os doentes seropositivos são mais complicados – sempre procure sinais e sintomas de doenças
múltiplas
No doente com HIV ou SIDA, o mesmo sinal ou sintoma pode ter causas múltiplas. É preciso fazer
sempre uma avaliação completa. Exemplos:
Anemia causada por malária e reacção adversa à Zidovudina e TB
Febre causada por pneumonia e pelo próprio vírus HIV
Perda de peso causada por TB, pelo HIV, e depressão com perda de apetite
Manter a alimentacão
O doente infectado pelo HIV precisa de mais calorias em relação aos doentes não infectados. Coordene
com a Unidade Sanitária e com a família do doente para assegurar que ele tenha uma dieta adequada
durante os internamentos.
Chamamos de sinal de perigo uma anormalidade clínica que indica que o doente precisa de
tratamento de emergência para evitar mortalidade/morbilidade.
Gerais, constitucionais:
• Febre muito alta (>=38,5oC ou 39oC)
• Desidratação severa
• Incapacidade para comer, beber, e/ou caminhar
• Desnutrição severa e IMC <16,0 kg/m2
Cardio-respiratório
• Shock (T/A baixa, FC> 120 b/m)
• Dispneia ou taquipneia severa (FR> 30 r/m)
• Cianose
Neurológico
• Coma ou alteração do nível de consciência
• Convulsões
• Rigidez do pescoço
• Nova fraqueza ou paresia focal
• Mudanças de comportamento
• Cefaleia intensa e persistente
Boca e esófago
• Dor ou incapacidade para engolir
Gastrointestinal, genitourinaria
• Dor abdominal severa (abdómen cirúrgico)
• Hemorragia (gastrointestinal, vaginal, etc)
• Ictericia e hepatite
• Diarreia severa
Dermatológico
• Descamação mucocutanea por Síndrome de Stevens-Johnson
Linfonodos
• Lesões nas extremidades associadas com necrose ou edema extensiva, ou que alterem a
função locomotora
Hematológicas
• Palidez intensa, dispneia, Hb<ou=5g/dl
Nas secções seguintes serão apresentadas algumas categorias comuns de emergências relacionadas
com o HIV/SIDA e com recomendacões para avaliação e tratamento, além das indicações padrão para
a população geral.
1. Febre
Causas e Gestão Clínica de Emergências Relacionadas à Febre no Doente HIV+:
Além do diagnóstico diferencial usual do doente com febre e sinais de perigo, que consiste em ter
sempre em consideração a malária, a pneumonia, e a meningite, avalie também as reacções adversas
a medicamentos, Síndrome de Imuno-Reconstituição (SIR) e tuberculose (pulmonar ou extrapulmonar).
Entidade clínica
ou sinal de Diagnóstico, Sinais de Gestão
perigo Perigo
Entidade clínica ou
Diagnóstico, Sinais de Gestão
sinal de perigo
Perigo
4. Problemas Neurológicos
Princípios Gerais:
Nos doentes que apresentam febre e rigidez de pescoço, é necessário fazer uma punção lombar
urgente, com testes especiais para detectar IO neurológicas. Normalmente o clínico terá que pedir a
ajuda ao médico. Se a punção lombar não puder ser feita imediatamente, ou se o LCR não pode ser
analisado imediatamente, iniciar o tratamento com antibióticos endovenosos para a meningite
bacteriana. Os doentes com febre e sinais meníngeos devem também ser avaliados para malária e
tratar conforme o resultado.
Em doentes com convulsões, coma, ou com alteração do nível de consciência, fazer sempre um exame
neurológico e considerar infecções oportunistas (particularmente toxoplasmose, criptococose, e
tuberculose) do sistema nervoso central, além da malária e da meningite bacteriana. Para este caso,
pode ser necessáro uma punção lombar.
Meningite Se está indicada a punção Se a punção lombar não puder ser feita
lombar, a amostra deve ser imediatamente, iniciar antibióticos
enviada para coloração de endovenosos para meningite bacteriana
gram, contagem diferencial de Veja guião de neurologia.
células, BK, VDRL ou RPR,
tinta da China, Ag
Criptocococico (se disponível).
Procurar sinais de TB
pulmonar.
A dificuldade para engolir também pode ser causada por tumoração ou abcesso torácico. Perante esta
suspeita, o CLÍNICO deverá pedir radiografias do tórax e consultar o médico.
Uma esofagite ou lesões Examinar a boca para Se não consegue engolir, hidratação
na boca com problemas procurar evidência de endovenosa. Em caso de esofagite por
para engolir candidíase, sarcoma de candidíase, tratar com Fluconazol. Em
Kaposi ou outras infecções caso de sarcoma de Kaposi, encaminhar
oportunistas. ao médico para confirmar o diagnóstico e
para possível tratamento com
quimioterapia.
(Lembre-se: esofagite de candidíase e
sarcoma de Kaposi são condições de
estadio IV; avalie para TARV)
6. Problemas Gastrointestinais
Hemorragia gastrointestinal: Pode ser causada por uma úlcera péptica ou qualquer outra doença que
afecta também a população seronegativa. Pode ser também causada pelo sarcoma de Kaposi, linfoma,
ou lesões provocadas por outra infecção oportunista.
Obstrução intestinal: Pode ser causada por um câncer de cólon, vermes, ou qualquer outra causa que
pode afectar também a população seronegativa. Nos casos de SIDA avançados, pode ser devido a TB,
sarcoma de Kaposi, ou linfoma. Perante estas suspeitas, o clínico deverá encaminar o doente para ser
visto pelo médico ou cirurgião.
Manual de Referência do Clínico 89
Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo
Dor abdominal: Para além do acima mencionado, considerar uma reacção adversa aos medicamentos
(pancreatite, acidose láctica, hepatite), e complicações de múltiplas infecções oportunistas (diarreia
infecciosa, tuberculose, etc.). E em caso de dor abdominal severa com suspeita de reacção adversa,
pode ser preciso suspender o TARV. Neste caso, é preciso consultar o médico antes de tomar esta
decisão.
Entidade clínica ou
Diagnóstico, Sinais de Gestão
sinal de perigo
Perigo
7.Lesões na Pele
O síndrome de Stevens-Johnson pode apresentar-se através de lesões cutâneas severas. É preciso
considerar sempre a NVP, o EFV, o CTZ, e o Fansidar como possíveis causas. O medicamento que
causa o síndrome deve ser suspenso imediatamente depois de confirmar o diagnóstico. Recomenda-se
que o clínico consulte urgentemente o médico e suspenda todos esses medicamentos.
Se observar uma lesão compatível com sarcoma de Kaposi, é importante realizar um exame completo
da pele, da boca e dos nódulos linfáticos, e o doente deve ser encaminhado para a confirmação do
diagnóstico pelo médico, este deve analisar a possibilidade e enviá-lo para uma biópsia e/ou para
considerar o início da quimioterapia.
Entidade clínica ou
Diagnóstico, Sinais de Gestão
sinal de perigo
Perigo
8. Linfoadenopatias
A linfoadenopatia severa, com necrose ou edema importante, pode ser causada por sarcoma de Kaposi,
TB, ou outra IO. Muitas vezes a incisão e a drenagem não são indicados, porque o problema não está
relacionado com infecção bacteriana. Quando há necrose, é preciso limpar a ferida e pôr penso.
Quando há suspeita de tumor ou IO, é preciso encaminhar o doente para biopsia se o diagnóstico não é
claro.
Necrose estendida dos Exame completo para Antibióticos se sobre-infecção. Cuidar das
nódulos linfáticos sarcoma de Kaposi, TB, feridas. Encaminhar ao médico ou
SIR-TB, e infecção cirurgião se achar que precisa de
bacteriana drenagem cirúrgica dos nódulos e para
confirmação diagnóstica da suspeita de
SIR e de sarcoma de Kaposi
10. Malária
Nos doentes HIV+ com malária, lembre-se de prescrever os medicamentos antimaláricos compatíveis
com os anti-retrovirais e/ou com os medicamentos antituberculosos (Ver o guião malária e unidade de
malária)
Pontos-Chave
Introdução
Esta unidade aborda como fazer o estadiamento clínico correcto num doente HIV+, de acordo com os
estadios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS). O estadiamento correcto é muito
importante, pois muitas decisões sobre o início do TARV e Cotrimoxazol estão baseadas no estadio do
doente. Quando este não é bem feito, pode causar erros na decisão de prescrever ou não estes
tratamentos.
A identificação correcta do estadio clínico do doente HIV+ é um dos primeiros passos no tratamento do
doente. Existem dois métodos para classificar a fase ou estadio da doença do HIV/SIDA:
• Estadios Clínicos - definidos por sinais e sintomas, ou pelo diagnóstico laboratorial de
infecções oportunistas específicas;
• Classificação imunológica - Permite classificar os doentes segundo a contagem de CD4.
O tratamento correcto do doente depende do estadio clínico e também da contagem de CD4. É preciso
avaliar correctamente os dois parâmetros, já que muitas decisões sobre o início do TARV ou
Cotrimoxazol estão baseadas no estadiamento dos doentes.
• O processo de estadiamento:
• Passos para o processo de estadiamento clínico
• Progressão dos estadios: estadios I,II,III e IV
• Erros comuns no estadiamento
O Processo de Estadiamento
O Processo de Estadiamento
• O clínico tem de avaliar detalhadamente o doente para definir
correctamente o estadio clínico.
• Muitas vezes, antes de determinar o estadio, é preciso fazer exames
de laboratório para confirmar a presença de infecções oportunistas,
ou prescrever antibióticos (ou outro tratamento) e avaliar a resposta
do doente.
• O estadiamento clínico muitas vezes vai precisar de duas ou mais
consultas médicas para ser confirmado.
3. Procure sinais e sintomas do estadio IV e III que possam ser diagnosticados com os meios
disponíveis em Moçambique. Para isso, estão disponíveis dois algoritmos de estadiamento que vão
ajudar o técnico para que, uma vez revista a História Clínica, faça uma série de perguntas ao
doente, e se ele responde afirmativamente (“sim”), terá de fazer outras perguntas.
Assim, algumas vezes algumas caixas do algoritmo darão respostas certas indicando um
determinado estadio clínico e, outras vezes, vai indicar que é prematuro estadiar e aconselha o
técnico a consultar outro algoritmo (por exemplo: o de febre, o de doenças respiratórias, etc.), ou a
fazer os testes de laboratório para completar os estudos e comprovações clínicas.
Portanto, em muitos casos, a confirmação diagnóstica do estadio III e IV vai precisar de várias
consultas de seguimento, para rever resultados de testes laboratoriais e radiografias, e/ou resposta
a provas terapêuticas.
Estadio Clínico II: Sintomas Menores (Infecção pelo HIV, sem SIDA)
De acordo com a definição da OMS, o estadio II é caracterizado pela infecção pelo HIV, confirmada com
testes de laboratório e uma das condições abaixo:
1.
Perda de Peso Moderada (<10%, sem outra causa identificada);
2.
Infecções Respiratórias Recorrentes ;
3.
Herpes zóster;
4.
Manifestações muco-cutâneas menores:
• Úlceras Orais Recorrentes
• Erupção máculo-papular (Prurigo)
• Dermatite Seborréica
• Onicomicose
• Queilite angular
5. Sem outros critérios para estadio III ou estadio IV.
Portanto, a maioria das condições do estadio II são infecções leves que desaparecem sozinhas ou
depois do tratamento, sem precisar internamento e que, apesar de serem mais frequentes nos doentes
HIV+, podem aparecer em qualquer doente.
5. Prurigo
• Dermatose caracterizada por erupção de pápulas ou nódulos, centrados por vesícula ou crosta,
localizados simetricamente nos membros e, por vezes, na face, que provocam muita coceira.
6. Dermatite Seborréica
• Erupção cutânea, com formação de escamas na linha entre o rosto e o couro cabeludo, partes
laterais do nariz, peito e pregas profundas.
7. Onicomicose
• Infecção fúngica das unhas.
8. Queilite Angular
• Processo inflamatório localizado no ângulo da boca, uni ou bilateral, caracterizado por discreto
edema, eritema, descamação, erosão e fissuras.
Estadio Clínico III: Sintomas Moderados e Severos (infecção pelo HIV, sem SIDA)
De acordo com a definição da OMS, o estadio III é caracterizado pela infecção pelo HIV, confirmada
com testes de laboratório e uma das condições abaixo:
1. Perda de peso superior a 10% do peso corporal total;
2. Diarreia crónica;
3. Febre persistente;
4. Anemia, neutropenia ou plaquetopenia crónicas;
5. Doenças específicas como:
o Candidíase oral
o Leucoplasia Pilosa Oral
o Tuberculose Pulmonar
o Infecções bacterianas severas (como pneumonia)
o Gengivite ou Periodontite com Necrose
6. Sem outros critérios para o estadio IV.
2
De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al
Manual de Referência do Clínico 96
Estadiamento Clínico
Definições Específicas das Condições do Estadio III:
1. Perda de Peso> 10%
• Perda de peso comprovada> 10% do peso corporal total sem outra explicação além da infecção
pelo HIV ou
• História de perda de peso> 10%, sem documentação, sem outra explicação, com caquexia
visível ou IMC<18,5 kg/m2
Exemplos de mal estadiamento por perda de peso:
1. Homem obeso com pressão alta e diabetes, HIV+. O seu médico explica que deve fazer
exercício físico e mudar a sua dieta para evitar complicações das diabetes e da alta pressão. O
homem começa a caminhar todos os dias, e já não come tanto e come alimentos fervidos em
vez de fritos; o seu peso baixa de 80 a 71 kg. Ele e o seu médico estão satisfeitos com o
resultado. A perda de peso foi maior do que 10%, mas não é condição do estadio III.
2. Jovem com diarreia causada por cólera. Tem desidratação importante (precisa de reidratação
endovenosa). A sua perda de peso é aguda, causada pela desidratação, mas não é uma
condição de estadio III.
2. Diarreia Crónica
• Diarreia (fezes líquidas ou não moldadas> =3 vezes por dia) por mais de um mês, sem outra
explicação e sem resposta ao tratamento médico habitual.
3. Febre Persistente
• Febre ou suores nocturnos por mais de um mês, intermitentes ou constantes, sem resposta ao
tratamento com antibióticos ou antimaláricos, sem outra explicação além da infecção pelo HIV.
5. Doenças Específicas
As Infecções Oportunistas são causadas por micróbios que normalmente não provocam doença em
indivíduos saudáveis, mas que podem afectar severamente a saúde de uma pessoa com um sistema
imunológico já deficiente ou fraco.
No estadio IV, o doente pode apresentar uma ou mais das condições abaixo:
1. Síndrome de caquexia;
2. Infecções pulmonares;
3. Infecções e condições dermatológicas; É importante reconhecer que a
4. Condições neurológicas;
5. Doenças sistémicas; maioria das doenças do estadio
6. Infecções gastrointestinais; IV não podem ser
7. Cardiomiopatia de HIV;
8. Nefropatia de HIV; diagnosticadas em
9. Carcinoma invasiva do cerviz; Moçambique com os recursos
10. Retinite causada por citomegalovirus (CMV);
11. Sarcoma de Kaposi (às vezes lesões a nível da que estão actualmente
cavidade oral que nem sempre são associadas a
disponíveis.
lesões cutâneas).
12. A Fístula rectovaginal
Este símbolo indica condições nas quais é difícil fazer o diagnóstico definitivo ou que não podem
ser tratadas em Moçambique.
1. Síndrome de Caquexia
Tem duas definições alternativas:
A. Perda de peso de > 10% de peso com emagrecimento visível, ou IMC<18,5 kg/m2, e diarreia três
vezes ao dia por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a diarreia não responde ao
tratamento com antibióticos)
OU
B. Perda de peso de > 10% de peso com emagrecimento, ou IMC<18,5 kg/m2 , e febre ou suores
nocturnos por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a febre não responde ao tratamento
com antibióticos nem com antimaláricos).
Importante: “Síndrome de Caquexia de SIDA” é uma doença específica do estadio IV; não é
qualquer caso de caquexia. A pessoa com caquexia causada por câncer ou tuberculose não
reúne os critérios para “síndrome de caquexia”. A pessoa seropositiva com IMC baixo mas sem
febre, suores nocturnos, ou diarreia crónica não reúne os critérios para “síndrome de caquexia
de SIDA”.
2. Infecções Pulmonares
• Pneumonia bacteriana severa e recorrente (>= 2 episódios em 6 meses)
• Pneumonia causada por Pneumocystis jiroveci (IO)
5. Doenças Sistémicas
• Tuberculose extrapulmonar
• Tuberculose disseminada
• Infecção por micobactérias atípicas, disseminada
• Infecção com fungos disseminada (histoplasmose, coccidiomicose, entre outras)
• Bacteriemia recorrente (excluindo tifóides)
• Leishmaniose visceral
6. Infecções Gastrointestinais
• Diarreia crónica por mais dum mês, causada por Cryptosporidium, Microsporidium, Cyclospora,
ou Isospora
7. Cardiomiopatia de HIV
8. Nefropatia de HIV
O feito de não investigar bem o doente através da história clínica e do exame físico, de não fazer os
testes de laboratório precisos ou de não utilizar adequadamente as tabelas para definir as condições
clínicas que permitem estadiar correctamente o doente, dão lugar a múltiplos erros que podem ser fatais
para as decisões a tomar com o doente.
4
De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al
Manual de Referência do Clínico 99
Estadiamento Clínico
Erros Comuns no Processo de Estadiamento
• Confundir qualquer episódio de diarreia (por exemplo, uma diarreia de 10 dias que responde
totalmente a metronidazol) com diarreia crónica do estadio III.
• Confundir qualquer episódio de febre (por exemplo, um caso de malária que responde
totalmente a primeira linha de antimaláricos) com febre do estadio III.
• Confundir qualquer anemia (por exemplo, anemia causada por parasitose intestinal ou
hemorragia pós-parto) com anemia do estadio III.
• Confundir qualquer perda de peso (por exemplo, perda de 1 kg numa pessoa que acaba de
iniciar um programa de exercício físico) com perda de peso do estadio III ou IV.
• Não reconhecer que anemia ou outro sinal ou sintoma pode ser relacionado ao SIDA.
• Não fazer as perguntas de rastreio para tuberculose, ou não interpretar bem as respostas.
• Identificar o estadio antes de investigar todos os sinais e sintomas apresentados pelo doente.
• Confundir doenças não relacionadas com HIV com doenças do estadio III ou IV.
Pontos-Chave
• Perceber a diferença e aplicação do estadiamento clínico e imunológico
• Aprender a fazer o estadiamento com base nos critérios clínicos da OMS
• Compreender que muitas vezes não é possível realizar o estadiamento na primeira consulta,
necessitando um adiamento
• Compreender a importância do uso de vários algoritmos para estadiar
Anexos
5
Adaptação das tabelas de estadiamento da OMS (2006)
Manual de Referência do Clínico 100
Estadiamento Clínico
6
Tabela 1: Classificação dos Estadios Clínicos da OMS – Resumo
(Veja tabelas completas nas próximas páginas)
• Assintomático • Perda de peso inexplicada e • Perda de peso >10% do peso corporal • Síndrome de Caquexia
• Linfoadenopatia persistente moderada (< 10% do peso • Diarreia crónica há mais de um mês • Pneumonia por Pneumocistis jirovecii
generalizada, mas sem corporal total) • Febre intermitente ou não explicada há • Pneumonia bacteriana severa e recorrente
critérios para estadio II, III, ou • Infecções recorrentes das mais de um mês • Infecção crónica por herpes simplex (oro labial, genital ou ano
IV. vias respiratórias rectal) de> 1 mês ou infecção visceral de qualquer duração
superiores (episódio actual • Candidíase oral • Toxoplasmose do SNC
+1 ou mais nos últimos 6 • Demência/encefalopatia por HIV
meses) • Leucoplasia oral pilosa • Sarcoma de Kaposi
• Herpes Zóster • Citomegalovirose
• Queilite angular • Tuberculose pulmonar actual ou nos • Encefalopatia por HIV
• Ulcerações orais últimos dois anos (para Moçambique) • Micobacteriose atípica
recorrentes (dois ou mais • Infecções bacterianas severas • Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva
episódios em 6 meses) (piomiosistes, abcessos, pneumonias, etc.) • Isosporiose crónica
• Erupção papulo-pruriginosa • Gengivite aguda ulcerativa necrotizante ou • Micose disseminada (coccidiomicose, histoplasmose, peniciliose)
(Prurigo) periodontite necrotizante • Bacteriemia recorrente por Salmonella não typhi
• Dermatite seborreica • Anemia inexplicada (< 8 g/dl), neutropenia • Carcinoma invasivo do colo do útero
• Infecções fúngicas do leito 9
(< 0,5 x 10 /litro ) ou plaquetopenia • Leishmaniose visceral
ungueal 9
crónica (< 50 x 10 /litro) por mais de 1 mês • Nefropatia associada ao HIV
• Cardiomiopatia associada ao HIV
• Candidíase esofágica
• Tuberculose extrapulmonar
• Herpes simplex mais de um mês ou visceral
• Fístula rectovaginal
6
Fonte: Adaptação TARV - Formação para Técnicos de Medicina Junho 2006
Manifestação
Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo
Clínica
Perda de peso História de perda de peso involuntária e Perda documentada de> 10% do
severa e inexplicada inexplicada, >10% com emagrecimento peso corporal, sem outra
(> 10% do peso visível da cara, cintura e membros com explicação.
corporal total) caquexia visível ou IMC < 18,5 kg/m2;
durante a gravidez a perda de peso
pode não ser evidente.
Diarreia crónica História de fezes amolecidas ou 3 ou mais deposições de
inexplicada por mais aquosas, 3 ou mais vezes ao dia consistência reduzida
de 1 mês durante mais de 1 mês, sem resposta documentadas e dois ou mais
ao tratamento sindrómico com amostras de fezes analisadas
antibióticos. sem evidência do patógeno
(precisa de culturas de fezes,
que geralmente não são
disponíveis em Moçambique).
Febre persistente e Febre ou suores nocturnos Febre> 37,5°C com hemocultura
inexplicada (intermitentes ou constantes) por mais negativa (exame normalmente
(intermitente ou de um mês, sem resposta a antibióticos não disponível em Moçambique),
constante) por mais nem a antimaláricos, sem foco de tenção de Ziehl-Nielsen (BK)
de 1 mês doença evidente no exame físico. negativa, lâmina para malária
negativa, Rx de tórax normal e
sem outro foco de febre evidente.
Candidíase oral Placas esbranquiçadas. Podem ser Diagnóstico clínico.
pequenas, cremosas, que podem ser
descamadas (pseudomembranosas), ou
manchas vermelhas em língua, palato
ou assoalho da boca, geralmente
dolorosas ou sensíveis (forma
eritematosa).
Leucoplasia oral Pequenas lesões lineares nas bordas Diagnóstico clínico.
pilosa laterais da língua, geralmente bilaterais,
que não podem ser descamadas.
Tb Pulmonar Sintomas crónicos (> 2-3 semanas) Isolamento do M. tuberculosis na
como: tosse, hemoptise, dispneia, dor tinção de Ziehl-Nielsen (BK) ou
torácica, perda de peso, febre, suores na cultura de escarro, e/ou Rx
nocturnos, sem evidência de doença tórax com mudanças típicas de
extrapulmonar (além de TB ganglionar, TB.
que é considerada uma manifestação
menos severa de TB extrapulmonar).
Introdução
Os doentes infectados pelo HIV têm maior risco de contrair malária e, às vezes, um risco aumentado de
desenvolver malária grave. A malária é endémica em Moçambique, afectando grande parte da
população. Todos os clínicos moçambicanos que trabalham com doentes seropositivos terão a
oportunidade de observar muitos doentes co-infectados com malária e HIV, ou suspeitos de ter as duas
infecções em simultâneo. É preciso que o clínico tenha uma abordagem sistemática do diagnóstico, do
diagnóstico diferencial e do tratamento da malária no doente HIV (+), e que evite misturas
desnecessárias e possivelmente tóxicas de antimaláricos e anti-retrovirais (e outros medicamentos)
nesta população.
A malária e o HIV existem em todo o país. Em outros capítulos já foram apresentados dados sobre a
prevalência do HIV.
Uma pesquisa feita pelo Dr. Samuel Mabunda, do Programa Nacional de Controlo da Malária,
descreveu a prevalência da parasitemia da malária em crianças ao nível nacional em 2002-3 1, e
constatou que a malária foi comum nas crianças em todo o país, e a prevalência mais baixa foi de 42%
na província de Gaza e a mais alta foi de 88% em Cabo Delgado.
Neste capítulo vamos reforçar as diferenças entre a abordagem da malária em pessoas seronegativas e
a abordagem da malária no doente infectado pelo HIV.
Em Moçambique, nem tudo que parece malária é realmente malária. Numa pesquisa realizada no
distrito de Manhiça, somente 37,2% das crianças com febre tinham malária confirmada no laboratório 2.
No gráfico abaixo, retirado do mesmo artigo, pode-se observar a percentagem de casos de malária
nestas crianças, por faixa etária, comparando com outras doenças.
112
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
Figura 1: Idade da Criança Doente x Prevalência da Malária
Relação entre a idade da criança doente e a prevalência de malária, na pesquisa realizada na Manhiça.
Por exemplo, nas crianças com <1 mês de idade, a malária quase não causou doença; nas crianças de
1 a 6 meses de idade, a malária causou mais ou menos 15% das doenças; nas crianças de 4 a 15 anos,
a prevalência foi quase de 40%.
A malária é uma das principais causas da mortalidade materna no país. Numa pesquisa realizada no
Hospital Central de Maputo, a malária causou 23,0% dos óbitos maternos, mais que qualquer outra
causa, incluindo hemorragia e endometrite. A morte materna causada pela malária foi ainda mais
comum (quase duas vezes mais frequente) na época de chuva. 3 As informações mais recentes sobre as
causas da mortalidade materna mostram que a malária é responsável por 39,6% das mortes maternas e
causas indirectas. 4
Não existem muitos dados sobre a prevalência ou incidência da malária nas pessoas seropositivas em
Moçambique, mas é provável que a malária seja ainda mais comum nesta população que na população
geral, pelas razões que serão a seguir apresentadas.
As principais interacções que podem ser observadas entre malária e HIV são:
1. Mudanças da carga viral na presença da malária sintomática;
2. Incidência elevada da malária no doente HIV+;
3. Prevalência elevada da malária na mulher grávida seropositiva e implicações na transmissão
vertical;
4. Incidência elevada da malária severa e HIV;
5. Malária e anemia na pessoa seropositiva;
6. Falência terapêutica do tratamento anti-malárico no doente HIV+;
7. Alterações das contagens de CD4 com malária sintomática;
8. Malária e desafios no diagnóstico diferencial e estadiamento dos doentes seropositivos;
9. Interacções medicamentosas.
113
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
Carga Viral e Episódios de Malária
180000
160000
140000
120000
100000
80000 Carga Viral
60000
40000
20000
0
Antes de malária Com malária Depois de malária
A importância deste efeito da malária na subida da carga viral é que a pessoa seropositiva
provavelmente pode infectar o seu parceiro e/ou seu bebé mais facilmente neste período.
2. Incidência da Malária no Doente HIV+
As pessoas seropositivas correm mais risco de contrair uma malária sintomática. As pessoas com risco
aumentado para contrair malária são as que têm a contagem CD4 mais baixa. Em dois estudos
realizados no Uganda (o gráfico abaixo amostra os resultados do estudo de Whitworth), foi observado
que as pessoas com CD4 < 200 cels/mm3 tinham malária sintomática mais frequentemente do que as
pessoas com CD4 200-499 cels/mm3, e ambos grupos tinham malária mais frequentemente do que as
pessoas com CD4>=500 cels/mm3. 6,7 (Nas duas pesquisas, as pessoas seropositivas ainda não
tomavam CTZ nem TARV).
20
15
Casos de malária/100
10 pessoas/ano (pesquisa de
Whitworth)
0
CD4 >=500 CD4 200-499 CD4<200
114
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
O aumento na incidência da malária nas pessoas com CD4 baixo não implica que todo o caso de febre
nesta população seja um caso de malária, porque também há aumento na incidência das IOs de estadio
III e IV. O aumento na incidência das IOs nas pessoas com CD4 baixo é maior do que o aumento na
incidência da malária. As implicações são:
As pessoas seropositivas com contagem de CD4 baixa que não tomam medidas para prevenir a
malária vão padecer mais de malária e suas consequências (febre, anemia, etc.);
O diagnóstico diferencial da febre nas pessoas com contagem de CD4 baixa é mais difícil (veja o
capítulo da febre).
80
70
60
50
Prevalência de
40 malária, mulheres sem HIV
30 Prevalência de
malária, mulheres HIV+
20
10
0
Grávida >=3 Segundagesta Primigesta
Nesta pesquisa, foi observada que a prevalência da malária é mais alta nas mulheres seropositivas, e
nas mulheres na primeira e segunda gravidez. Apesar da alta prevalência da malária, quase todas as
mulheres no estudo foram assintomáticas.
Quando há malária na gravidez, a mãe corre mais risco de morrer, quer seja directamente de uma
malária grave, quer indirectamente de anemia severa relacionada com a malária. Além disso, a malária
da mãe pode resultar numa série de consequências graves, incluindo aborto espontâneo, morte
neonatal e prematuridade ou baixo peso à nascença.
O HIV/SIDA reduz a resistência da mulher à malária e, por isso, as mulheres infectadas com HIV são
mais vulneráveis à malária antes e durante a gravidez. Por outro lado, durante os episódios da malária
na mãe, o feto corre maior risco de ser infectado pelo HIV porque a presença da malária provoca um
aumento na carga viral na placenta. Porém, esta relação entre malária materna e transmissão vertical
do HIV ainda não foi confirmada.
115
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
5. Malária e Anemia no Doente Seropositivo
A malária provoca anemia em doentes tanto seropositivos como nos seronegativos. Mas, no doente
seropositivo, a hemoglobina abaixa mais depois de um episódio de malária, e demora mais a subir. 10
14,5
14
13,5
13
12,5
Hemoglobina, HIV Neg
12 Hemoglobina, HIV+
11,5
11
10,5
Dia do tratamento da 14 dias depois 45 dias depois
malária
100,00%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00% Successo
40,00% Não melhoria (recrudescência)
30,00% Melhoria, logo re-infecção
20,00%
10,00%
0,00%
HIV Neg HIV HIV Pos, CD4 <
Pos, CD4>=200 200
116
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
foi de 150 cels/mm3 mais baixo durante um episódio de malária (de 447 para 297) e a percentagem de
doentes com CD4<200 cels/mm3 foi maior durante o episódio comparado ao CD4 45 dias depois do
tratamento (28% para 13%).
Durante um episódio de malária, é possível que uma pessoa venha a ter um CD4 <200 cels/mm3. Uma
consequência de avaliar os pacientes para TARV durante um episódio de malária ou durante o período
de incubação ou depois da doença poderá levar ao início prematuro do TARV.
A pessoa que tem febres repetidas sem explicação fica no estadio III de OMS. No entanto, a febre
causada por malária não é “febre sem explicação”.
É importante diferenciar:
“Febre persistente” ou “febre repetida” causada por malária e febre sem causa identificável.
A pessoa com febre repetida causada pela malária, com CD4 de 650 (por exemplo), não
precisa de anti-retrovirais, mas precisa de uma rede mosquiteira e/ou pulverização domiciliar.
A pessoa com febre persistente sem foco identificável, apesar do tratamento com
antimaláricos e antibióticos, e com teste rápido e lâmina que não confirma a presença do
parasita da malária, pode estar no estadio III.
A anemia causada por malária ou anemia crónica causada pelo HIV
A presença da anemia crónica pode provocar a mesma confusão no estadiamento: A pessoa
constantemente exposta à malária pode ter anemia crónica causada pela malária.
A anemia crónica causada pelo HIV é definida como hemoglobina menos de 8 g/dl, sem
resposta à antimaláricos, à sulfato ferroso, ao ácido fólico e ao albendazol, e sem outra
causa identificada. Esta anemia crónica é um critério do estadio III. Mas, a pessoa que não
toma Cotrimoxazol, não utiliza rede mosquiteira, não vive numa casa pulverizada, e tem CD4
baixo, pode ter anemia causada por episódios repetidos de malária.
117
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
Interacções Medicamentosas e Efeitos Adversos a Fármacos
Alguns medicamentos usados para tratar a malária têm interacções importantes com anti-retrovirais,
assim como com outros medicamentos usados nos pacientes com HIV-SIDA. Outros medicamentos
usados para tratar a malária têm efeitos adversos muito parecidos aos causados pelos anti-retrovirais e
outros medicamentos importantes.
118
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
Interacções e Efeitos Adversos Comuns entre Antimaláricos e outros Medicamentos usados no Tratamento de Pacientes
com HIV/SIDA: Princípios para Selecção de Antimaláricos onde Existe mais de uma Opção para Tratar a Malária
Zidovudina, A mistura pode provocar leucopenia severa em Evitar amodiaquina na pessoa que está a tomar zidivudina e/ou
Amodiaquina
crianças. cotrimoxazol.
Cotrimoxazol
Amodiaquina+artesunato Efavirenz A mistura pode provocar toxicidade no fígado. Evitar amodiaquina na pessoa que está a tomar efavirenz.
119
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
Tratamento da Malária Segundo as Normas do Programa Nacional de Controlo da
Malária em Moçambique
Mesmo que existam certas interacções e efeitos adversos comuns entre antimaláricos e outros
medicamentos usados no tratamento de pacientes com HIV-SIDA, acima descritos, o Programa Nacional
de Controlo da Malária considera que, até o momento, não existem dados suficientes que justifiquem a
mudança nas recomendações gerais do tratamento da malária nos pacientes com HIV/SIDA.
As recomendações actuais da OMS/UNAIDS de profilaxia para as infecções oportunistas com CTZ
permanecem inalteradas.
O tratamento com Fansidar (Sulfadoxina-Piremitamina) não deve ser administrado aos doentes que
estejam a fazer CTZ* tanto pela possibilidade de aumento no risco de efeitos adversos às sulfamidas como
pelas possíveis resistências criadas entre ambos tratamentos.
• Esta combinação deve ser usada em todos os casos de malária não complicada, sempre e quando
não haja contra-indicação para o seu uso.
• A primeira toma deve ser feita na consulta sob a observação do profissional de saúde. Se vomitar
em menos de 30 minutos, deve repetir a dose.
• Nos casos de malária não complicada em que haja contra-indicação ao uso da 1ª linha, deve-se
fazer o tratamento com a 2ª linha.
Posologia:
Via administração: Oral
Dose: 1.7mg/kg de artemeter e 12mg /kg de lumefantrina (4 comprimidos)
Dosagem: 12/12 Horas
Posologia: 3 dias (total de 6 doses)
Contra-Indicações do AL:
O AL está contra-indicado nas seguintes situações:
No primeiro trimestre da gravidez;
Hipersensibilidade conhecida ao artemeter ou a lumefantrine;
Malária grave (não recomendado);
Crianças com peso inferior a 5 kg;
História familiar de morte súbita ou prolongamento congénito do intervalo QT do
electrocardiograma devido ao risco de paragem cardíaca.
120
Manual de Referência do Clínico
Malária no Doente HIV+
1ª Linha de tratamento alternativa- Artesunato + Amodiaquina (AS + AQ)
Contra-indicações:
A Amodiaquina (AQ) está contra-indicada nas seguintes situações:
Malária grave (não recomendado);
Retinopatia;
Insuficiência hepática;
Distúrbios hematológicos;
Antecedentes de epilepsia;
Hipersensibilidade conhecida à amodiaquina;
Dose de manutenção:
10 mg/kg (máximo de 600 mg) diluído em 10 ml/kg de dextrose a 5% durante 4
horas, a iniciar 8 horas depois da dose de ataque e repetida de 8 em 8 horas até o
paciente tomar a medicação por via oral.
Se o tratamento continuar por mais de 48 horas, deve-se reduzir a dose de quinina
para 5 a 7 mg/kg, para evitar toxicidade.
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Malária no Doente HIV+
Logo que o paciente possa tomar medicação por via oral, complete o tratamento com
medicamento de 1ª linha de eleição ou alternativo.
O risco de morte por malária grave é mais elevado nas primeiras 24 horas. O tempo entre a transferência e
a chegada a US de referência é geralmente longo atrasando o início do tratamento.
Recomenda-se portanto como medida pré-referencia
a) Artesunato EV ou IM (1ª dose da 2ª Linha de tratamento eleição) ou
b) Artesunato rectal (supositório)
2ª Linha Alternativa
Quinino EV
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Malária no Doente HIV+
Prevenção da Malária na Pessoa Seropositiva
A profilaxia com Cotrimoxazol serve para reduzir a incidência da malária nos adultos seropositivos. O uso
de redes mosquiteiras contribui para a prevenção da malária. Num estudo realizado na Uganda, compara-
se a incidência da malária (casos por 100 pessoas/ano) antes e depois de iniciar intervenções diferentes
para a prevenção da malária 13:
Incidência de Malária
60
50
40
30
20 Incidência de malária
10
0
Nenhuma Só CTZ + TARV CTZ + TARV +
intervenção cotrimoxazol redes
mosquiteiras
Se o doente com febre (ou outro sinal ou sintoma de malária) estiver a tomar Cotrimoxazol diário e estiver a
usar correctamente a rede mosquiteira todas as noites, o risco de ter malária é muito mais baixo. Neste
caso, o clínico deve procurar outra causa dos sintomas apresentados, ou confirmar a presença da malária
com o teste rápido ou hematozoário antes de prescrever qualquer tratamento antimalárico.
Pontos-Chave
• A malária é mais frequente na pessoa seropositiva e pode ser mais grave.
• As relações entre malária, febre, anemia, variação do nível de CD4, e outros sinais e sintomas
podem complicar o estadiamento e o diagnóstico diferencial. Para evitar erros e confusão, o clínico
que trabalha onde a taxa de transmissão da malária é muito elevada deve conhecer bem estas
interacções e complicações.
• É importante evitar interacções medicamentosas na pessoa HIV+ que toma TARV, Cotrimoxazol,
e/ou medicamentos para tuberculose e precisa também de antimaláricos. Porém, como a malária
pode matar, sempre é necessário tratar a malária confirmada com o antimalárico mais seguro
e eficaz que estiver disponível, quer seja ou não o antimalárico “ideal”.
• É preciso evitar o tratamento com antimaláricos no doente com teste negativo de malária.
• A política nacional sobre tratamento da malária na pessoa seropositiva pode sofrer alterações no
futuro; o clínico deve conhecer as mudanças nas normas nacionais.
• As pessoas HIV+ devem usar rede mosquiteira e CTZ, se indicado, para reduzir as complicações da
malária.
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Malária no Doente HIV+
Anexos
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Malária no Doente HIV+
1. Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária
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Malária no Doente HIV+
2. Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária na gravidez
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Malária no Doente HIV+
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