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SEMINÁRIO BÍBLICO DE TEOLOGIA CRISTÃ DO RIO DE JANEIRO


Seminário Interdenominacional – Entidade Mantenedora: COMUNIDADE CRISTÃ VIDA NOVA

Caixa Postal 46024 CEP 20560.970 – Rio de Janeiro/RJ

INTRODUÇÃO
Os primeiros filósofos reconhecidos, os pré-socráticos, eram sobretudo metafísicos preocupados em estabelecer as características
essenciais da natureza no seu todo, como na crítica afirmação de Tales: "Tudo é água". Parménides foi o primeiro metafísico cujos
argumentos chegaram até nós. Baseado nas razões fornecidas pelos famosos paradoxos de Zenão, concluiu que o mundo estava
privado de movimento e ocupava a totalidade do espaço. O cepticismo dos sofistas desafiou as assunções da moral convencional,
fato que esteve na origem da ética, notavelmente com Sócrates. Platão e Aristóteles escreveram penetrantemente sobre metafísica e
ética; Platão sobre o conhecimento; Aristóteles sobre lógica (dedutiva), a técnica mais rigorosa para justificar crenças;
estabeleceram as suas regras de uma forma sistemática e manteve intacta a sua autoridade durante mais de 2000 anos.
Na Idade Média, ao serviço do cristianismo, a filosofia apoiou-se primeiramente na metafísica de Platão, e em seguida na de
Aristóteles, com o propósito de defender crenças religiosas. No Renascimento, a liberdade de especulação metafísica ressurgiu; na
sua fase tardia, com Bacon e, de um modo mais influente com Descartes e Locke, dirigiu-se para a epistemologia com o objetivo
de ratificar e, tanto quanto possível, acomodar a religião e os novos desenvolvimentos das ciências naturais. Hume argumentou
contra a possibilidade da sua compatibilização, bem como da metafísica em geral.
(parte extraída de Anthony Quinton).

Filosofia
René Descartes

René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye, na Touraine, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de
março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650, aos 54 anos. Pertenceu a uma família de posses,
dedicada ao comércio, ao direito e à medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro,
primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que constitui o extremo
noroeste da França. Descartes, o segundo na família de dois filhos e uma filha, com um ano de idade perdeu a mãe, Jeanne
Brochard, por complicações do terceiro parto. Descartes foi criado pela avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até
morrer. Seu pai casou novamente mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes, atendendo às sessões parlamentares,
parte em sua propriedade Les Cartes em La Haye, com a família. Chamava o filho ainda criança de seu "pequeno filósofo", devido
à curiosidade demonstrada pela criança, porém. mais tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria do seu
gosto.

Aos oito anos, em 1604, Descartes foi matriculado no colégio Real de La Fleche, em Anjou, aberto pelos jesuítas. Ele foi
recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido, parente dos Descartes, e que logo seria o reitor. Descartes, cujas
relações familiares seriam um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um segundo pai".
Descartes estudou em La Fleche por quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um adolescente frágil, passando a ter boa saúde
só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto desinteressado dos estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua
saúde para permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de adulto, e que só no último ano de sua vida foi
obrigado a mudar, modificação que lhe foi fatal. Apesar das aulas perdidas todas as manhãs, era inteligente o bastante para
acompanhar o curso e concluí-lo sem maiores dificuldades. As disciplinas eram designadas genericamente por "filosofia",
contendo física, lógica, metafísica e moral; e "filosofia aplicada", que compreendia medicina e jurisprudência. Também estudou
matemática através dos manuais didáticos do monge Clavius, matemático jesuíta que algumas décadas antes havia criado o
Calendário Gragoriano. Disse mais tarde que, embora admirasse a disciplina e a educação recebida dos jesuítas em La Fleche, o
ensino propriamente era fútil e desinteressante, sem fundamentos racionalmente satisfatórios, e que somente na matemática havia
encontrado algum atrativo. Era muito religioso e conservou a fé católica até morrer.

Decidiu deixar os estudos regulares: não queria a vida de um erudito e intelectual. Em lugar disso, queria ganhar experiência
diretamente em contacto com o mundo; decidiu viajar e observar. Antes porém, passou um curto período aparentemente sem
ocupação, em Paris e, depois, para atender ao pai, ingressou num curso de Direito de dois anos na universidade de Poitier onde seu
irmão também se formara. Concluído o curso em 1616, não seguiu a tradição da família.
Em 1618 Descartes foi para a Holanda e se alistou na escola militar de Breda como oficial não pago do exército de Maurício de
Nassau, príncipe de Orange que naquele momento estava dispondo suas tropas contra as forças espanholas, as quais tentavam
recuperar aquela que fora a província mais rica da Espanha. Estudou arte de fortificações e a língua flamenga.

Amizade com BEECKMAN.


INTRODUÇÃO A FILOSOFIA GERAL
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O serviço militar era uma escolha convencional da parte de Descartes, uma vez que a pratica da guerra era uma complementação
da educação dos cavalheiros que não seguiam a carreira eclesiástica, além de ser, por excelência, o campo de aplicação das
matemáticas, tanto no aperfeiçoamento das armas como na construção de fortalezas e edifícios em geral. Não requeria, e é mesmo
dado como improvável, que Descartes participasse de alguma luta real.
A vida de campanha o aborreceu. Havia nas suas próprias palavras muita ociosidade e dissipação. Ele continuava a observar e fazer
notas e sobretudo a sua fascinação pelas ciências matemáticas ganhou ímpeto por seu conhecimento casual seguido de amizade
com o duque filosofo, doutor e físico Isaac Beeckman, um professor distinguido pelos seus conhecimentos de mecânica e
matemática e reitor do Colégio Holandês em Dort. Beeckman teria ficado surpreso com a habilidade e pendores matemáticos do
jovem oficial francês, capaz de resolver sozinho, rapidamente, um complicado quebra-cabeça matemático.
A amizade deveria continuar por 20 anos com alguns entreveros. A Beeckman Descartes dedicou o Compendium musicae, no qual
indaga as relações matemáticas que determinam a ressonância, o tom e a dissonância musical, um tópico evidentemente de acordo
com sua inclinação pitagórica de então. Beeckman o atualizou com respeito a vários progressos na matemática, incluindo o
trabalho do matemático francês Vieta, um dos pioneiros da álgebra moderna. Uma parte importante da fama de Descartes vem,
justamente, de ter aplicado a formulação algébrica para problemas geométricos em lugar de grupos de desenhos geométricos e
teoremas separados. O encontro com Beeckman renovou o entusiasmo de Descartes em prosseguir no caminho escolhido para seus
estudos, despertando-lhe a ambição de encontrar uma fórmula geral, racional, de conhecimento universal.
Deixando o exército do príncipe de Orange após dois anos na Holanda, Descartes viajou para a Dinamarca, Polônia e Alemanha.
Em Frankfurt assistiu as festas da coroação do imperador Ferdinando II. Em abril de 1619 foi juntar-se ao exército bávaro no seu
acampamento de inverno próximo de Ulm, sob as ordens do Conde de Bucquoy. O duque católico da Baviera, Maximilian, estava
se pondo em campo contra o protestante Frederico V, o eleitor palatino (Palatinado, Alemanha, fronteira com a França) e rei da
Boêmia (atual Checoslováquia), nos primeiros estágios da Guerra dos 30 Anos que haveria de arrasar o Sacro Império Germânico.
Frederico haveria de perder o trono em 1620 após a batalha decisiva em Monte Branco perto de Praga. Sua filha, a princesa
Elizabete, tornou-se mais tarde, em 1643, uma das amigas e correspondentes mais próximas de Descartes.
Descartes passou o inverno em Neuburg, no Danúbio Sul. Segundo seu próprio relato, dispunha de um compartimento bem
aquecido, dormia dez horas toda noite, o que muito apreciava, e se ocupava de seus próprios pensamentos. Disse que teve então
uns sonhos os quais, de acordo com sua interpretação, significavam que ele tinha a missão de reunir todo o conhecimento humano
em uma ciência universal única, toda construída de certezas racionais (daí ser Descartes um expoente do Racionalismo).
Certamente ele se referia à física pois, era o sonho comum dos sábios na época encontrar uma fórmula matemática para o universo
(também os alquimistas buscavam um fórmula milagrosa), e foi uma esperança ainda mais estimulada pela descoberta da equação
da atração universal feita por Newton. Havia pois, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente exatas as leis
fundamentais da natureza. Em Descartes era uma aspiração mais de ordem mística, embora buscasse uma solução racional, muito
de acordo com seu interesse pela filosofia de Pitágoras, com fundamento em números, e pelos segredos dos Rosacruzes.

Viagens
Vivendo de rendas e perseguindo a realização de seu sonho profético, viajou por vários países da Europa; deixando a Boêmia
seguiu para a Hungria onde, em 1621, viveu pela ultima vez a vida militar como oficial do exército imperial. Vai à Alemanha,
Holanda e França (1622-23). É então que renuncia definitivamente à carreira militar para dedicar-se à investigação cientifica e
filosófica. Em 1623 voltou à terra natal para vender umas terras que herdara da mãe em Poitou e uma pequena propriedade de
Perron (Era chamado em família "Monsieur du Perron", devido a essa propriedade). Aplicou o dinheiro da venda sob a forma de
bônus e com os rendimentos resultantes pôde viver uma vida descompromissada, simples porém sempre confortável. Do outono de
1623 a primavera de 1625, ele vagou pela Itália onde ficou em Veneza, Roma e Florença por algum tempo, retornando depois à
França, onde viveu principalmente em Paris.
A França à época de Descartes é a França de Luís XIII e do Cardeal Richelieu. A política de Richelieu gerou grande progresso para
a França, atribuindo privilégios e monopólios aos negociantes e manufatureiros e ampliou o comércio marítimo. Porém a ciência
oficial continuava estagnada em torno dos comentários dos antigos (particularmente de Aristóteles), isso porque tal atraso
interessava indiretamente ao absolutismo monárquico.
Discussões com amigos, estudos privados e reflexão eram o padrão da vida de Descartes em Paris. Realiza, com o matemático
Mydorge, experiências de ótica. Fez novos amigos entre os sábios e renovou velhos conhecimentos, especialmente com o Padre
Marin Mersenne, seu contemporâneo de La Fleche. Mersenne, um grande erudito, seria depois seu conselheiro e correspondente de
confiança, e quem o manteria informado sobre o universo cultural europeu por muitos anos no futuro. Estava em contacto com
todos os intelectuais famosos da Europa e, desta forma, numa posição única para apresentar seus trabalhos a eles e relatar de volta
seus comentários e críticas.

Em novembro de 1627 Descartes participa de um debate na residência do núncio papal. Após alguém expor uma nova filosofia, ele
fez um aparte em sucinta argumentação, baseada em raciocínio afim com os métodos de prova matemáticos, confundindo e
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refutando o postulante. Sua tese causou viva impressão no cardeal De Bérulle, o fundador da congregação do Oratório. De Bérulle
era o líder da reação católica contra o Calvinismo. O cardeal exorta-o a se consagrar à reforma da filosofia. Insistiu que Descartes
assumisse o dever de utilizar seus talentos ao máximo e completasse o desenho que havia alí delineado para sua audiência. Foi
incisivo ao ponto de adverti-lo de que responderia perante Deus se não utilizasse os dons Dele recebidos. Todos os presentes
ficaram profundamente impressionados: o nome do jovem filósofo começou a ficar conhecido.
O conselho do Cardeal de Bérulle correspondia exatamente aos sentimentos mais íntimos de Descartes. Dedica-se a escrever, em
1628, o Studium bonae mentis ("Regras para a Direção do Espírito"), obra que se perdeu. Então, convencido de que necessitava de
paz e quietude para realizar seu trabalho e que, por outro lado, Paris era muito agitada, pensou um novo local onde se fixar. As
viagens à cata de experiências haviam terminado: era tempo de por em escrito os resultados de seu contacto com o mundo e de suas
próprias meditações.

Holanda.
No outono de 1628, aos 32 anos, ele passou uns poucos meses no norte da França mas, no balanço das opções, decidiu-se pela
Holanda como a terra que melhor se adaptava à realização de seus planos. Aparentemente nunca se arrependeu. Na Holanda, desde
que cuidasse de sua própria vida e não se metesse com os calvinistas dominantes, encontrou uma elite que vivia pelos padrões
sociais mais altos da época, um panorama político intenso e aventureiro e liberdade para escrever. Essa liberdade atraia cientistas e
filósofos de toda a Europa. Avistou-se com Beeckman em Dordrecht e depois se instalou em Franeker, no litoral da Friesland; fez
prontamente vários amigos, particularmente Constantyn Huygens, pai do futuro cientista Christian Huygens (1629-1695). Manteve
contacto também com Hortensius e Van Schooten (o velho). Lá podia gozar períodos de trabalho solitário e ainda manter contacto
com amigos por meio de visitas e correspondência.
Por quatro anos, de 1629 para a frente, Descartes gastou seu tempo primeiro buscando a consolidação de um método, segundo o
qual, partindo da dúvida absoluta pudesse chegar à mais absoluta certeza. Depois ateve-se ao estudo de diferentes ciências, as
quais, unificadas pelo novo método, levariam a um esquema universal de conhecimento. Escreveu inicialmente um tratado não
publicado, sobre metodologia chamado "Regras para a Direção do Espírito" (abreviado geralmente como o Regulae). Este tratado,
incompleto e apenas rascunhado, com repetições e inconsistências, foi composto por Descartes durante os meses de inverno de
1629 e no ano seguinte. Possivelmente nunca pretendido para publicação ele pode ter sido usado por Descartes como caderno de
notas para futuras referências.
Leva avante sua pesquisa em ciências físicas e matemáticas trocando informações com amigos, freqüentemente através de cartas,
especialmente com o padre Mersenne e mesmo sozinho, nos diferentes endereços que teve na Holanda. A pesquisa cobria muitos
campos: ótica, a natureza da luz, as leis da refração e meteorologia (explicação do arco-íris), a natureza e estrutura dos corpos
materiais, o ar a água a terra, matemática especialmente geometria. Fez estudos de anatomia e de fisiologia dissecando diferentes
órgãos que obtinha nos açougues locais. Inventou o termo embriogenia para o que agora é chamado embriologia.
Era ambição de Descartes publicar um trabalho abrangente que ele intitula o "Mundo" (Le Monde, ou Traité de la Lumière). Por
volta de 1633 ele tinha quase completado o rascunho quando então soube, por uma carta de Mersenne, que o astrônomo Galileu
tinha sido condenado em Roma pela igreja católica por advogar o sistema de Copérnico. Beeckman lhe passou um livro de Galileu,
no qual ele reconheceu muitas de suas próprias conclusões, particularmente seu apoio à teoria coperniana do movimento da terra ao
redor do sol. Apesar de não estar se arriscando a nenhum perigo físico na Holanda, ele foi suficientemente prudente para não
publicar seu trabalho. Nem sequer mandou o manuscrito para Mersenne. Mas continuou com uma inabalável convicção a respeito
da verdade das conclusões de Galileu.
Descartes foi, no entanto, pressionado pelos seus amigos para publicar suas idéias. Escreveu um tratado de ciência expondo um
método de se chegar à verdade e decidiu publicá-lo anonimamente. Nessa obra intitulada Discours de la méthod pour bien conduire
sa raison et chercher la vérité dans les sciences ("Discurso sobre o Método para Bem Conduzir a Razão a Buscar a Verdade
Através da Ciência"), o novo método é exposto em termos simples e com menos ênfase à matemática, com uma introdução sobre
alguns traços autobiográficos, relatando seu método e doutrina filosófica. Essa se tornou sua mais famosa obra.
Os três apêndices desta obra foram La Dioptrique, Les Météores, e La Géométrie. O tratado foi publicado em Leyden em 1637 e
Descartes escreveu para Mersenne dizendo que havia buscado no seu La Dioptrique e no seu Les Météores mostrar que o seu
método era melhor que o vulgar, e no seu La Géométrie havia demonstrado isso. A obra descreve o que Descartes considerava um
meio mais satisfatório de adquirir o conhecimento representado pela lógica aristotélica. Somente a matemática, Descartes sente,
está certa; assim tudo deve ser baseado na matemática.
La Dioptrique é um trabalho no sistema ótico e nele trata da lei da refração. Embora Descartes não cite cientistas precedentes para
as idéias que apresenta; os fatos apresentados não são novos. Entretanto sua aproximação através da observação e da experiência
era uma contribuição nova muito importante.
Les Météores é um trabalho de meteorologia e é importante por ser o primeiro trabalho que tenta colocar o estudo do tempo em
bases científicas; busca uma explicação científica sobre o tempo, e inclui uma explicação do arco ires. Entretanto, muitas
colocações científicas de Descartes estão não somente erradas como também poderiam ser evitadas se ele tivesse feito algumas
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experiências simples. Por exemplo, Roger Bacon, o monge franciscano inventor da pólvora estável, já havia demonstrado o erro da
crença de que a água fervida congela mais rapidamente, entretanto Descartes reivindica ter comprovado, pela experiência, que a
água que foi levada ao fogo por algumas horas se congela mais rapidamente do que de outra maneira e dá a razão: suas partículas
que podem ser mais facilmente dobradas são expulsas durante o aquecimento, deixando somente aquelas que são rígidos e
facilitarão o congelamento. Após a publicação do Les Météores a obras de Boyle, Hooke e Halley se encarregaram de contestar e
corrigir suas postulações falsas.

O terceiro, La Geometrie, talvez cientifica e historicamente o mais importante, introduz as famosas "coordenadas cartesianas", -
que teriam sido assim batizadas por G. W. Leibniz, e lança os fundamentos da moderna geometria analítica usando a notação
algébrica para tratar os problemas geométricos. Obra escrita em francês, o que era pouco comum, pois tudo era escrito em Latim, a
língua comum de todos os trabalhos eruditos, O "Discurso" visava, evidentemente, ter sua divulgação circunscrita ao mundo
cultural francês. Segundo ele, o raciocínio silogístico no qual a filosofia escolástica está baseada pode ser rejeitado como inútil para
a descoberta da verdade. Todo homem que é são tem a habilidade natural de discernir o verdadeiro do falso, uma luz natural da
razão. Somente descobrindo a natureza e o limite desse poder alguém pode determinar o modo correto de usar essa habilidade.
Isso implica, em primeiro lugar, a eliminação de qualquer fator que possa constituir um estorvo, tal como é a opinião preconcebida
de qualquer tipo e, em segundo lugar, a prática estrita de um método ordenado como é encontrado, por exemplo, nas ciências
matemáticas. Assim deve-se começar de dados auto evidentes que já são sabidos ser claros e verdadeiros e fazer duplamente
seguro e certo que cada passo no processo dedutivo deste dado seja ele próprio auto evidente.
A despeito da anonimidade do "Discurso", o nome do autor e suas teorias logo se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados da
Europa. Seu dito "Penso, logo existo" tornou-se prontamente popular entre os franceses, uma gente nacionalmente amante de frases
de efeito. Porém, foram os ensaios científicos das três partes que atrairiam a atenção dos matemáticos e provocariam muita
controvérsia. Ainda em 1637 Descartes começa a preparar o "Meditações sobre a filosofia primeira", uma versão pouco modificada
do "Discurso" escrita em latim e dirigida aos filósofos e teólogos, que vai explorar o êxito da parte filosófica do Discurso. Por isso
o "Meditações" constitui a principal exposição da doutrina filosófica de Descarte.
A diferença mais notável é da dúvida metodológica que é levada ainda mais longe para incluir a hipótese de um demônio, maligno
e onipotente, que poderia fazer com que todas as coisas que alguém pensasse existir fossem apenas ilusão. Consistia de seis
meditações:

1. Das coisas de que podemos duvidar,


2. Da Natureza do Espírito Humano,
3. De Deus, que Ele existe;
4. Da verdade e do Erro,
5. Da Essência das coisas materiais,
6. Da existência das coisas materiais e da verdadeira distinção entre o espírito e o corpo do homem.

O manuscrito final foi enviado ao seu correspondente Mersenne com o encargo de conseguir a aprovação formal da Sorbone, bem
como, conquistar também as opiniões dos eruditos. Muitos cientistas se opuseram às idéias de Descartes, inclusive o teólogo
Arnauld, o filósofo inglês Hobbes e o matemático e filósofo francês Gassendi. Mersenne reuniu essas opiniões críticas e enviou-as
a Descartes, o qual rascunhou respostas irritadas e relutantemente. Finalmente em 1640 o "Respostas" com as objeções e réplicas
foi publicado em Paris.
Entre 1638 a 1640 Descartes vive na pequena cidade de Santpoort, com sua amante holandesa Helen e sua filha nascida em 1635
com essa mulher, antes sua empregada doméstica. Para sua grande mágoa, a criança faleceu em 1640.
Se a publicação das "Meditações" trouxe para Descartes renome como um famoso filósofo, também o envolveu direta ou
indiretamente em amargas controvérsias de conotações teológicas. Na própria Holanda, o presidente da Universidade de Utrecht
(ao sul de Amsterdã) acusou-o de ateísmo e Descartes foi, de fato, condenado pelas autoridades locais em 1642 e em 1643.
Descartes pediu o apoio de Huygens e, através dele e do embaixador francês, obteve a proteção do Príncipe de Orange, o que
evitou conseqüências piores.
Em 1644 aparece em Amsterdã o Principia Philosophiae ("Princípios da Filosofia"), um livro em grande parte dedicado à física,
especialmente às leis do movimento e à teoria dos vórtices, o qual ele ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com a qual
Descartes mantinha assídua correspondência. Haviam se encontrado em 1643 e uma amizade afetuosa se desenvolveu entre eles. É
de então o início de seu trabalho no futuro "Tratado das Paixões".
O reboliço causado pelo " Princípios da Filosofia " foi tão grande que, em 1645, a universidade de Utrecht criou um armistício
proibindo a publicação de qualquer trabalho a favor ou contra a doutrina cartesiana. Em Leyden, em 1647, outro ataque incluindo
uma acusação de pelagianismo (a crença de que a vontade é igualmente livre para escolher fazer o bem ou o mal) produz um
decreto semelhante de censura neutra. Na França os jesuítas, com algumas exceções entre os mais jovens, deram acolhimento frio
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ao trabalho do antigo aluno.


"Princípios de Filosofia" foi traduzido do latim para o francês em 1647, durante uma curta visita de Descartes à França, Ele
esperava que um relato mais formalizado da totalidade do seu pensamento científico pudesse receber o apoio dos círculos católicos,
especialmente dos jesuítas, porém, sua esperança foi em vão e os jesuítas inicialmente rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi
colocado no índex, lista católica dos livros proibidos. Apesar de tudo recebeu do rei, por iniciativa do ministro Mazarino, regente
na menoridade de Luís XIII, uma pensão vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas, a qual ele não se empenhou em
receber.
Este mais abrangente dos trabalhos de Descartes foi publicado em quatro partes: As suas doutrinas filosóficas são formalmente
repetidas na primeira parte, "Os princípios do conhecimento humano". As outras três partes são uma ampla tentativa de dar uma
explicação lógica dos fenômenos naturais em um único sistema de princípios mecânicos, através de todo o campo da física, da
química, e da fisiologia: "Os princípios das coisas materiais", "Do mundo visível" e "A Terra", como tentativa de, finalmente, por
todo o universo sobre fundamentos matemáticos reduzindo o seu estudo à Mecânica.
As doutrinas de Princípios de Filosofia foram recebidas com desconfiança. Mesmo os adeptos de sua filosofia natural, como o
metafísico e teólogo Henry More, encontraram objeções. Certamente More admirava Descartes, entretanto, entre 1648 e 1649
trocaram um certo número de cartas em que More fez várias objeções a suas afirmações. Descartes, por sua vez, não fez nenhuma
concessão aos pontos de vista de More em suas respostas.
Historicamente a importância do Princípios de Filosofia está na total rejeição de toda noção qualitativa ou espiritual nas
explanações científicas. A determinação expressa de explicar todo fenômeno físico em termos mecânicos e relacionar esses termos
a idéias geométricas e o uso de hipóteses para ajudar generalizações, abriu caminho para a abordagem moderna da teoria científica.
Na França, em 1647, Descartes se encontrou com Pascal e discutiram sobre o vácuo, cuja existência era necessária ao postulado da
influência à distância. Resultou a famosa experiência de Pascal, provando que o ar exerce pressão sobre todos os objetos. Sua
última visita a Paris, em 1648, permitiu-lhe rever ainda uma vez alguns de seus famosos contemporâneos, entre eles Gassendi e
Hobbes, este exilado em Paris desde 1640, e, é claro, seu amigo Mersenne, que haveria de morrer em breve. Montmor ofereceu-lhe
uma casa nas proximidades de Paris e uma pensão valiosa que ele recusou, a qual mais tarde Montmor transferiu para Gassendi
que, por não dispor de rendas pessoais como Descartes, aceitou para poder se manter.

Uma cópia manuscrita do Tratado das Paixões foi para a Raínha Cristina da Suécia, quem, desde 1647, através do embaixador
francês, tinha obtido os trabalhos de Descartes e começou a escrever para ele. Uma ambiciosa patronesse das artes e coletora de
homens instruídos para sua corte, ela estava ansiosa para conhecer o celebrado Descartes, com o plano de naturaliza-lo sueco,
introduzi-lo na aristocracia sueca e dar-lhe uma propriedade em terras que havia tomado à Alemanha. Mas, a despeito de
pressionantes convites, inclusive o envio de um almirante em seu vaso de guerra para busca-lo, Descartes estava extremamente
relutante em deixar Egmond, uma vila um pouco a noroeste de Amsterdã, onde residia então. Descartes ofereceu desculpas de todo
tipo, sugerindo que era suficiente ler seus livros. Finalmente ele aceitou e, como próprio escreveu, nascido nos jardins da Touraine,
ele foi para a terra dos ursos entre rochas e gelo.
Chegando em Estocolmo em outubro de 1649, Descartes foi recebido com grande cerimônia e ficou impressionado pela
determinação e energia da rainha de 23 anos de idade e sua devoção aos estudos clássicos. Dispensado da maior parte do
cerimonial da corte, exceto de escrever versos franceses para um ballet, sua obrigação principal era instruir a rainha em matemática
e filosofia. O horário da aula era cinco horas da manhã, o que o obrigou a quebrar o hábito de se levantar diariamente por volta das
11 horas. No clima rigoroso, onde, nas palavras do filósofo, os pensamentos do homem congelam-se durante os meses de inverno,
sua saúde deteriorou. Em Fevereiro de 1650, ele pegou um resfriado que se transformou em pneumonia. Dez dias depois, após
receber os últimos sacramentos, faleceu.

Descartes foi, como um católico, enterrado em cemitério reservado para crianças não batizadas. Em 1667, seus restos foram
trasladados para Paris e enterrados na igreja de Santa Genieve-du-Mont. Desenterrado durante a Revolução francesa para ser
enterrado entre os pensadores franceses ilustres no Panteón, seu túmulo esta hoje na igreja de St. Germain-des-Près. Além de seus
escritos publicados ou apenas rascunhados, Descartes deixou uma correspondência volumosa e de grande valor documental,
principalmente a correspondência com Mersenne e com Antoine Arnauld. Ela cobre uma variedade de campos, desde a geometria
às ciências políticas, medicina à metafísica e, principalmente, sobre os problemas da interação do corpo com o espírito, buscando
aspectos mecânicos e fisiológicos que pudessem explica-la.

Pensamento de Descartes

A maior parte da obra de Descartes é consagrada às ciências, notadamente no domínios da matemática e da ótica. Entretanto, o que
ele mais procurou foi um modo de chegar a verdades concretas. Sua filosofia, exposta principalmente no Discurso sobre o Método,
o mais amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.
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Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não da dúvida
sistemática, sem outro fim além do próprio duvidar. Argumenta que as idéias são incertas em geral e instáveis, sujeitas à
imperfeição dos sentidos (marca registrada do Racionalismo). Algumas idéias, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e
estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos. Isto significa que são
idéias inatas.
Descartes considera essas idéias claras, distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são as verdadeiras idéias. A primeira idéia que
examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz êle, não se pode duvidar. É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então
conclui com sua célebre frase: "Penso, logo existo".
É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre frase. Campanella foi o primeiro filósofo
moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida para o pensar verdadeiro, considerando também a autoconsciência
como base do conhecimento e da certeza. Apesar do Discurso de Descartes ter saído antes da Metafísica de Campanella (1638), o
próprio Descartes dizia ter lido obras de Campanella, nas quais este deduzira vir da autoconsciência a certeza da própria realidade.
Mas, Descartes pondera a idéia da existência como coisa pensante ("Penso, logo existo") e não traz nenhuma certeza sobre
qualquer idéia do mundo físico.
De todo esse raciocínio Descartes saiu com apenas uma única verdade; a de que ele existe. E isto não basta para encontrar a
verdade sobre o universo. Uma de suas idéias considerada inata, clara e evidente e que é exigida pelo mundo físico é a idéia da
extensão. Esta idéia sugere questionar se o mundo existe ou é uma ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande
nitidez e estabilidade e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que não estejamos todos enganados. Essa idéia
existe no espírito humano como a idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna provável a
existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém, apesar de clara e distinta, a idéia de extensão não é garantia de
que os objetos correspondam às idéias que deles fazemos.
O problema está em encontrar uma garantia de que a tais idéias de objetos correspondam efetivamente algo real. Sobre Deus
Descartes consedira também termos uma idéia. A garantia que Descartes dá para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito
ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto
ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no Discurso sobre o Método, a idéia de Deus
implica a real existência de Deus.
Voltemos então à noção de idéia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que temos da extensão não correspondesse a
uma realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre errado, e então essa idéia de extensão seria obra de
um gênio maligno, incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e
verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do
mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que
pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso deve existir como coisa física. Portanto, as idéias claras e distintas
correspondem de fato à realidade, elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso.

Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O universo
consiste de duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a última sendo basicamente quantitativa,
teoreticamente explicável em leis científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas substâncias se juntaram em uma união
substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada
pela escolástica tomista.
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na diversidade dos
objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o poder de conhecer é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto
ao qual seja aplicado. Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro ou dúvida. A mente, em
muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo.
Fisiologicamente, Descartes colocou o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido de que o
aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma
função nobre, porém sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela ciência.
Alguns dão a Descartes a distinção de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o comportamento de
animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema nervoso, negando que tivessem almas. Ele também propôs uma
teoria que explicava a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações secundárias.
Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas (mecanicismo); trabalha por impulsos naturais (instintos),
mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder de vontade
racional. A higiene do corpo é importante mas há, igualmente, a necessidade de uma higiene mental, baseada no conhecimento
verdadeiro dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do bom senso e da
aquisição de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da metafísica, entre as quais, inclui o
conhecimento de Deus. Descartes assim conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos valores, ou
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seja, em idéias garantidas por Deus, claras e distintas, sobre o valor relativo das coisas.
O seu Método para o raciocínio correto é principalmente "nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser
vista clara e distintamente como tal". Descartes assim implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas até ser convencido por
fatos auto evidentes. Outro preceito cartesiano é conduzir os pensamentos em ordem, começando com os objetos que são os mais
simples e fáceis de saber e, gradualmente, preocupar-se com o conhecimento dos mais complexos.
Recomenda recapitular a cadeia de raciocínio para se estar certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos
complementares ou preparatórios da evidência:

1. O preceito da análise que divide as dificuldades que se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem
resolvidas,
2. O preceito da síntese que conduz com ordem os pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem
conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos e
3. O preceito da enumeração que enumera de modo a verificar que nada foi omitido.

CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

Em Princípios da Filosofia, Descartes classifica as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias possível de se
atingir em cada uma delas. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma árvore; a metafísica é a raiz, a física é o tronco, e os três
principais ramos são a mecânica, a medicina e a moral, estes formando as três aplicações do nosso conhecimento, que são, o
mundo externo, o corpo humano, e a conduta da vida.
Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o tronco da física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus
quem garante o conhecimento científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana resulta, assim, de deduções racionais
abstratas: Deus existe e serve de apoio para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente. O mundo físico
está de antemão provado por uma idéia inata, a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras da
realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que
vencer a imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.

GEOMETRIA

O La Géométrie é a parte mais importante do Discurso. Ele representa o primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que em
estágios posteriores desrelativisa o sistema de referencia e remove arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os problemas
típicos na geometria. A álgebra introduz na geometria os princípios mais naturais da divisão e a mais natural hierarquia do método.
Com ela as questões de solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente, rapidamente e inteiramente
da álgebra paralela; e sem ela não podem ser decididas de modo algum.
Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi criar uma fórmula algébrica para representar um fato trivial e infantilmente já
conhecido por todos; de que um ponto em uma folha de papel retangular está infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas
de suas duas distancias medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram. Em linguagem geométrica,
isto quer dizer que um ponto em um plano pode ser representado pelos valores (hoje chamados "coordenadas cartesianas") das suas
duas distâncias (x, y), tomadas perpendicularmente a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a convenção de
lado positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos eixos.

Então uma equação f (x,y) = 0 pode ser satisfeita por um infinito número de valores de x e y. O importante é que esses valores de x
e y podem representar as coordenadas de vários pontos de uma curva, da qual a referida equação expressa alguma propriedade
geométrica, isto é, a propriedade verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da função f (x) = x2 consiste de
todos os pares (x, y) tais que y=x2, ou seja, é a coleção de todos os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva
resulta ser uma parábola. Qualquer propriedade particular desta curva pode ser deduzida da equação, sem necessidade de se fazer o
desenho da curva para encontrar os pontos graficamente, e duas ou mais curvas podem ser referidas a um e mesmo sistema de
coordenadas; o ponto no qual duas curvas intersectam é determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é geometria
analítica, sua invenção.
Um de seus críticos diz que algumas idéias no La Géométrie podem ter vindo de um trabalho anterior de Oresme mas reconhece
que no trabalho de Oresme não há nenhuma evidência de ligar a álgebra e a geometria. Wallis, um contemporâneo de Descartes,
argumenta em sua Álgebra (1685), que as idéias do La Géométrie foram copiadas do trabalho de Harriot sobre equações. Isto é
considerado possível pelos historiadores da matemática, apesar de que Descartes sempre alegou que nada em sua obra era
influência do trabalho de outros.

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ÓTICA E UNIVERSO
Dos dois restantes apêndices do Discurso, um era devotado à ótica, outro a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração,
coincidentes no entanto com os achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve ter repetido em Paris, em 1626 e
1627 e, provavelmente se esqueceu de mencionar. Grande parte da ótica está dedicada a determinar a melhor forma para as lentes
de um telescópio, mas as dificuldades mecânicas para polir uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes
naquela época que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática.
De qualquer forma, os eescritos de Descartes revelam que estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os
objetos, como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o olho. Porém, como ele considerava a
velocidade da luz ser infinita, ele não considerou esse ponto particularmente importante.
Em Meteoros, Descartes discute numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris, que não explica corretamente por
ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração das substâncias para diferentes cores de luz.. Sua física do universo, de
base metafísica, reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le Monde, encontra-se exposta no seu Principia, de
1644.
Descartes não acredita em ação à distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver vácuo em torno da terra e sim alguma
matéria que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo cheio com
alguma matéria que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu como um sistema de vórtices que carregam o sol, as
estrelas, os planetas e seus satélites, e os cometas em seus trajetos.
Por muitas razões a teoria de Descartes, é mais satisfatória do que o efeito misterioso da gravidade agindo a distância. Ele assume
que a matéria do universo tem que estar em movimento, e que o movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o Sol
está no centro de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são arrastados em círculo como palhas em um
redemoinho de água. Supõe que cada planeta está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites
são carregados em órbita. Estes redemoinhos secundários supostamente produzem variações de densidade no meio que os circunda
e assim afetam o redemoinho primário principal, fazendo os planetas se moverem em elipses e não em círculos.
De acordo com essa concepção, o Sol estaria no centro das elipses planetárias e não em um de seus focos, como Kepler havia
demonstrado. Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler mas
também com as leis fundamentais da mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices marca um momento na
astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e
não milagres do céu.
More pergugntou a Descartes: "Por que os seus vórtices não são em forma de coluna ou cilindro (como um ciclone) em vez de
elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer ponto do eixo de um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria
celestial se afasta com um ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não lhe deu resposta.
Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou na França por quase cem anos, mesmo depois que Newton mostrou
que ela era impossível como um sistema dinâmico. Embora não aplicável ao sistema planetário, provou ser verdadeira quando se
descobriu a forma das galáxias que revolvem ao redor de um burado negro que é um vórtice.

Filosofia

Thomas Hobbes

Filósofo e cientista político inglês, Thomas Hobbes nasceu em Westport, hoje parte de Malmesbury, cerca de 140 km a oeste de
Londres, em 5 de abril de 1588, e veio a falecer em 4 de dezembro de 1679 com 91 anos. Filho de outro Thomas Hobbes, sua
infância foi marcada pelo medo da invasão da Inglaterra pelos espanhois, ao tempo da rainha Elizabete I (1558-1603).
Seu pai, clérigo anglicano, vigário de Westport, foi um homem turbulento e desapareceu após uma briga na porta de sua própria
igreja, abandonando seus três filhos aos cuidados de seu irmão, que tinha um negócio de fabrico de luvas em Malmesbury. Aos
quatro anos Thomas Hobbes foi colocado na escola da igreja de Westport, depois em uma escola privada e finalmente, aos 15 anos,
no Magdalen Hall da Universidade de Oxford, onde consagrou a maior parte do tempo a ler livros de viagem e estudar cartas e
mapas, e onde formou-se em 1608, já ao tempo de Jaime I (1603-1625).
Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglesa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da
Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico. Tornou-se preceptor de William Cavendish, que
viria depois a ser o segundo duque de Devonshire, ficando amigo da família Cavendish por toda a vida. Como hábito na época,
viajou com seu aluno à França e Itália, onde verificou que a filosofia de Aristóteles que ensinavam em Oxford estava sendo
combatida e desacreditada devido às descobertas de Galileo e Kepler.
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Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon
ajudando-o a traduzir alguns de seus Ensaios para o latim. Decidiu-se então pela vida intelectual.

principal fruto dos estudos clássicos a que agora se dedica foi a tradução da obra de Tucididas, um historiador grego, analista
político e moral da guerra do Peloponeso. A escolha desse autor e a publicação de sua tradução em 1629 provavelmente deveu-se a
preocupações de Hobbes com a agitação política na Inglaterra e representaria um alerta seu contra a democracia que teria
enfraquecido a antiga Atenas.
Com a morte do seu aluno, o segundo duque de Devonshire, Hobbes voltou a viajar agora em companhia do filho de Sir Gervase
Clifton. Durante sua estada na França, entre 1629 e 1631, ele estudou Euclides e tornou-se especialmente interessado em
matemática. Mas foi chamado de volta à Inglaterra para se tornar o preceptor de outro William Cavendish, filho do primeiro
discípulo.
Durante uma terceira viagem ao continente, com o jovem Cavendish, de 1634 a 1637, ele encontrou-se com Marin Mersenne, um
reputado matemático e teólogo e, em 1636, com Galileo e René Descartes, cuja ciência e filosofia o impressionaram. Hobbes
recorda em sua autobiografia que, por esta ocasião, numa roda de intelectuais, alguém perguntou "O que é o sentido"? e ninguém
soube responder.
Então lhe ocorreu que se as coisas materiais e todas as suas partes estivessem em repouso ou movimento uniforme, não poderia
haver distinção de nada e conseqüentemente nenhuma percepção: assim a causa de tudo está na diversidade do movimento. Lançou
essa idéia em seu primeiro livro filosófico, "Uma Curta Abordagem a respeito dos Primeiros Princípios". Ele então planejou uma
trilogia filosófica: De Corpore, demonstrando que os fenômenos físicos são explicáveis em termos de movimento, o qual seria
publicado em 1655; De Homine, tratando especificamente do movimento envolvido no conhecimento e apetite humano, que seria
publicado em 1658, e De Cive, a respeito da organização social, que seria publicado em 1642.
Em 1637 Hobbes retornou à Inglaterra às vésperas de uma guerra civil. Decidiu publicar primeiro o trabalho que pensava publicar
por último, o De Cive. Este circulou em cópia manuscrita em 1640 com o título "Elementos da Lei Natural e Política", Parte I,
sobre o homem e Parte II, sobre a cidadania. Continham sua doutrina (vide abaixo) que depois seria publicada impressa em De
Cive e "O Leviatã". O manuscrito irritou os monarquistas porque falava em um contrato social e os parlamentaristas porque
pregava o absolutismo.
Quando a crise se tornou aguda em 1640, Hobbes, temendo por sua segurança, retirou-se para Paris, onde reintegrou-se no círculo
de Mersenne, escreveu "Objeções às idéias de Descartes". Em 1642 publicou o De Cive.
Em 1646 o príncipe de Gales(1630-1685), futuro Carlos II, também refugiou-se em Paris e Hobbes, estando naquela capital,
aceitou o convite para ensinar-lhe matemática. Isto levou-o ao círculo político e aos temas políticos. Em 1650 publicou o antigo
manuscrito "Elementos da Lei" em duas Partes: "Natureza Humana" e "Do Corpo Político".
Em Paris Hobbes escreveu sua obra prima, "O Leviatã" ou "Matéria, Forma e Poder da Comunidade Eclesiástica e Civil", um
estudo filosófico sobre o absolutismo político que sucedeu a supremacia da Igreja medieval. A obra foi publicada no ano seguinte,
1651, englobando todo o seu pensamento. No final do livro afirmou que os súditos tinham o direito de abandonar o soberano que
não mais os podia proteger em favor de um novo soberano que pudesse fazê-lo. Esta posição foi considerada como ofensa ao
herdeiro Carlos II, exilado em Paris enquanto a república sucedia a Carlos I na Inglaterra. Hobbes foi olhado como oportunista e
repudiado pelos exilados de Paris, ao mesmo tempo que o governo francês o tinha sob suspeita devido a seus ataques ao papado.
Em fins do mesmo ano de 1651 Hobbes voltou à Inglaterra procurando estar em paz com o novo re gime.
Tendo retornado à Inglaterra aos 63 anos, por mais vinte Hobbes manteve sua energia e combatividade, envolvendo-se em várias
polêmicas no campo científico e religioso. Quatro anos depois, em 1655, publicou seu De Corpore ("A respeito do corpo"), no qual
ele reduzia a filosofia ao estudo dos corpos em movimento. No ano seguinte, 1656, publicou Questions Concerning Liberty,
Necessity, and Chance, onde elaborava uma teoria de determinismo psicológico.
Em 1660 Carlos II volta com a restauração da monarquia. O matemático John Wallis acusou-o então de haver escrito "O Leviatã"
para apoiar o líder puritano Oliver Cromwell, abandonando seu rei na desgraça. A carta de resposta de Hobbes foi publicada em
1662 sob o título "Mr. Hobbes sob o aspecto de sua lealdade, religião, reputação e maneiras", contando certas histórias do período
revolucionário que envolviam John Wallis e que foram suficiente para emudecê-lo.
Apesar de toda crítica, Carlos II manteve Hobbes na corte com uma pensão generosa e mantinha seu retrato nos aposentos reais.
Mas o parlamento votou uma lei contra o ateísmo em 1666 que o colocou em perigo. Hobbes, então com 80 anos, queimou os
papeis que poderiam incrimina-lo. A lei contra o ateísmo foi desfeita pelo Parlamento mas, desde então, Hobbes não pode obter
permissão para imprimir nada relacionada à conduta humana. Isso, aparentemente, porque o Rei condicionou sua proteção a que
Hobbes não fizesse mais nenhuma provocação. Vários trabalhos escritos nesta época somente foram publicados anos depois.
Hobbes morreu em 1679, famoso no exterior, apesar de detestado por muitos na Inglaterra. Sua reputação foi logo superada pela de
John Locke. Somente no século XVIII seu pensamento ganhou nova importância, dada pelos utilitaristas seguidores de Jeremy
Bentham. É hoje considerado um dos grandes pensadores políticos da Inglaterra.

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PENSAMENTO
Hobbes é empirista e racionalista; põe em prática o empirismo nas suas observações e conclusões sobre a natureza humana, mas
faz uma análise das palavras e do raciocínio que é dedutiva, racionalista, principalmente em ciência política.
Contestando Descartes, pergunta: de onde viria o conhecimento da proposição "eu penso"? Como não podemos conceber qualquer
ato sem seu sujeito, assim também não podemos conceber o pensamento sem uma coisa que pense... Donde se segue "que uma
coisa que pensa é alguma coisa de corporal"
Descartes respondeu-lhe que existem "atos que chamamos corporais, como a grandeza, a figura, o movimento"; esses atos
"residem" em corpos. Porém, diz Descartes, há outros atos que chamamos intelectuais como o "querer, imaginar, etc... esses atos
”residem" em uma coisa que pensa, tenha ou não esta coisa o nome de espírito, pouco importa, "conquanto não a confundamos
com a substância corporal, uma vez que os atos intelectuais não tem qualquer afinidade com os atos corporais". Em suma, o
pensamento difere totalmente da extensão.
Na sua concepção de natureza humana é básico o conceito de conatus, a força genética do comportamento. É um impulso original
ou "começo interno" do movimento animal para se aproximar do que lhe causa satisfação ou para fugir do que lhe desagrada. Esse
conatus impulsiona o homem a vencer sempre. A vida começa com o CONATUS positivo, o desejo. Em termos de vida social,
ultrapassar o outro é fonte primordial de satisfação, por isso estar continuamente ultrapassado é miséria enquanto ultrapassar
continuamente quem está adiante é felicidade. É da sua natureza o egoísmo, constituído por "um perpétuo e irrequieto desejo de
poder e mais poder que só termina com a morte".
A vontade obedece à razão, segundo o racionalismo clássico. Porém, para Hobbes, é apenas apetite. Um determinismo mecanicista
regeria não só os movimentos do universo como também a atividade psicológica do homem. O livre arbítrio não passaria de ilusão:
seria apenas uma ex pressão destinada a ocultar a ingnorância das verdadeiras causas das decisões humanas.
O conatus provoca guerra de todos contra todos, é o estado natural em que vivem os homens, antes de seu ingresso no estado
social. O homem é governado por suas paixões e tem como direito seu conquistar o que lhe apetecer. Como todos os homens
seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele
recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência se generaliza .
Mas, além do conatus, governa o homem também o instinto de conservação e este leva ao desejo da paz. Deixado meramente a si
mesmo, o instinto de conservação é abertura para a violência enquanto esta não é um risco e, ao mesmo tempo, para a paz tática
que prometa conservação. Assim se define o campo da lei natural de sobrevivência.
Por isso o instinto de conservação é peça tão fundamental na filosofia de Hobbes quanto sua idéia do conatus, porque para ele, ao
contrário do pensamento aristotélico que tem o homem como um animal social, os indivíduos só entram em sociedade quando a
preservação da vida está ameaçada. E estaria ameaçada pelos próprios indivíduos, se cada qual tudo fizer para exercer seu poder
sobre todas as coisas. A paz é a dimensão mais compatível com o instinto de conservação.
Pode-se então supor algo como um contrato tácito entre os homens, implicando em que contêm os seus ânimos, como defesa
interna e que, reunidos, formarão um povo, de modo que a multidão dos associados seja tão grande ao ponto de garantir a defesa
externa, tirando a esperança de seus adversários de que um pequeno número baste para assegurar-lhes a vitória.
A contenção interna implica uma ética. No nível das relações morais, é preciso que cada um - segundo Hobbes - "não faça aos
outros o que não gostaria que fizessem a si"; é preciso evitar a in gratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a
concórdia .
As leis não são deduzidas por Hobbes de um instinto natural, nem de um consentimento universal, mas da razão que procura os
meios de conservação do homem; elas seriam imutáveis por constituírem conclusões tiradas do raciocínio. Tal postulado faz de
Hobbes um pioneiro do Utilitarismo, porque justificava a obediência moral como meio para uma "vida social, pacífica e
confortável".
As leis, no entanto, careceriam de um reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se
indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social, e isto haveria de requerer que esse governo
tivesse toda a força, porque somente seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido despoticamente. Levando em conta o
desejo de ultrapassar a todos presente em cada um de nós, sempre existiriam pessoas que, acreditando saber mais do que as outras,
poderiam desencadear guerras civis a fim de conquistar o poder só para elas.
Esta é a justificativa para o absolutismo, ao qual Hobbes não atribui um direito divino, como os teólogos políticos de sua época,
mas das exigências do pacto social. Hobbes não admite um governo misto como a monarquia constitucional, acreditando que esta
permite competições comprometedoras da paz entre os vários detentores do poder .
O soberano não precisa dar satisfações de sua gestão, sendo responsável apenas perante Deus "
sob pena de morte eterna". Não submetido a qualquer lei social, o soberano absoluto é a própria fonte legisladora. A obediência a
ele deve ser total, a não ser que ele se torne impotente para assegurar paz durável e prosperidade. A fim de cumprir sua tarefa, o
soberano deve concentrar todos os poderes em suas mãos: "Os pactos sem a espada não passam de palavras" .
Hobbes teme a eloqüência, o que hoje se chamaria de demagogia. "É a loucura do vulgo e a eloqüência que concorrem para a
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subversão dos Estados", diz Hobbes. Por isso ele prefere um rei, assessorado por um conselho secreto de homens escolhidos.
Ao soberano absoluto deve pertencer, também, segundo Hobbes, todo poder de decisão em matéria religiosa. "Não há quase
nenhum dogma referente ao serviço de Deus ou às ciências humanas de onde não nasçam divergências que se continuam em
querelas, ultrajes e, pouco a pouco, não originem guerras; o que não sucede por falsidade dos dogmas, mas porque a natureza dos
homens é tal que, vangloriando-se de seu suposto saber, querem que todos os demais julguem o mesmo". Hobbes não vê solução
para esses conflitos a não ser pela entrega de toda autoridade religiosa ao soberano absoluto; caso contrário a religião ameaçaria a
paz civil.
O Estado deve instituir um culto único e obrigatório: "porque, caso contrário, seriam encontradas em uma mesma cidade as mais
absurdas opiniões referentes à natureza divina e as mais impertinentes e ridículas cerimônias jamais vistas".

Do homem ao Estado
A obra de Thomas Hobbes é considerada, na área da ciência política, como importante referencial à passagem do pensamento
político para a modernidade política.
A questão da defesa de um Estado absoluto e forte marca todo Leviatã, e esta contextualização histórica se passa principalmente
num clima de instabilidade política experimentado pela sociedade inglesa da época. As reflexões de Hobbes caminham ainda em
rica diversidade teórico-filosófica desenvolvida sobre o Homem, o Estado e a Sociedade.
Quem lê Leviatã atento ao contexto social e político da época em que foi escrito, não deixará de se surpreender com o rigor
científico, com as descobertas, reflexões e conceitos desenvolvidos sobre a natureza humana. Suas relações sociais e o papel do
Estado como sustentáculo fundamental na formação da sociedade civil, serve até os nossos dias como importante referência para se
pensar o Estado moderno e suas vicissitudes .
De 1651, ano em foi publicado o Leviatã e quando Hobbes volta da França para Inglaterra, até os nossos dias, apesar de
consideráveis avanços da humanidade em seu processo civilizatório, seu comportamento sócio-político é inalterado, analisando-se
pela ótica da política em seu sentido mais amplo. O poder político, esta instância que se instaura entre os homens em qualquer
sociedade, envolve e movimenta povos e nações, continua sendo o principal meio que funda e dá coesão as relações sociais. É
assustador constatar, entretanto, que os mecanismos e os atuais desejos de dominação entre os homens pouco difere daqueles da
época em que Hobbes se inspirou para teorizar sobre o assunto.
Daí se pode afirmar que, diante da evidente atualidade do pensamento de Hobbes, o qual tenta compreender o homem, o Estado,
suas idéias, conceitos e reflexões, ultrapassam a mera tentativa de explicação histórica, ou mitológica, sobre o momento de
passagem do 'estado de natureza' do homem para o 'estado de sociedade'.
Na realidade o que Hobbes descreve e dá conta, é a compreensão dos processos e mecanismos que movem o ser humano em
sociedade, através de uma perspectiva extremamente realista e profunda, desvendando a maquiagem encobridora da visão cristã,
predominante na época.
Quando Hobbes fala sobre o 'estado de natureza', ele não está necessariamente falando sobre condições pré-históricas da raça
humana ou da vida nas sociedades primitivas, ou ainda, não está falando sobre uma condição que é meramente uma possibilidade
teórica. Ele está falando a respeito de qualquer situação onde não exista eficiência de um governo para impor a ordem.
Identificando como momento celular do comportamento humano a busca da obtenção, manutenção e permanente ampliação do
poder, Hobbes descreve, com lógica e ousadia intelectual para a época, um modelo conceitual de Estado (totalitário), definindo o
que justifica sua existência, suas funções e os seus limites.
Para atingir este objetivo ele inicia o seu trabalho tentando compreender o homem, suas paixões, seus desejos e suas relações com
o outro. É da compreensão da natureza humana que Hobbes parte para teorizar um modelo de Estado mais eficiente na tarefa de
garantir a manutenção do estado de sociedade.

Homem
Na primeira parte do Leviatã, intitulado Do Homem, se identificam três categorias distintas de temas e objetos que mereceram a
atenção de Hobbes:
1.) Reflexões sobre características e recursos utilizados pelo homem na sua relação com outros homens e para compreender o
mundo externo.
· Da relação com o outro: Cap. I, II, III, IV, e VI, VII e VIII
· Dos recursos utilizados pelo homem para compreender o mundo: Cap. V e IX
2.) Reflexões sobre os fenômenos que engendram as relações entre os homens: Cap. X, XI e XII
3.) Capítulos que justificam a tese da necessidade da existência de um Estado como única forma de viabilizar a vida em sociedade,
e preparação para a segunda parte da obra, Do Estado.: Cap. XIII, XIV, XV e XVI
A trajetória da investigação de Hobbes, apesar de ter como o seu objeto principal o Estado, parte inicialmente da compreensão
sobre o ser humano. Tenta o autor, na primeira parte do Leviatã, desvendar este microcosmo da sociedade que é o indivíduo social.
O objetivo de pensar o Estado só poderia acontecer após compreender o ser humano e suas relações sociais; o que os move na vida,
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quais seus desejos, suas paixões e quais os recursos utilizados para realizá-los.
Assim, Hobbes aborda os mecanismos de percepção do homem sobre a realidade que o cerca, tangenciando, mesmo que de forma
superficial, assuntos que seriam objetos de interesse da investigação psicanalítica séculos mais tarde. O sonho, a imaginação, a
cadeia de imaginação são fenômenos da estrutura psíquica do ser humano que passariam a ser o objeto central das investigações de
Freud.
No capítulo IV - Da Linguagem, existem afirmações de surpreendente elaboração intelectual e que viriam mais tarde, com o
advento da lingüística estrutural no início do século XX, influenciar toda uma área do conhecimento humano, possibilitando uma
das mais importantes ferramentas a Jacques Lacan para revolucionar a psicanálise.
Citamos um texto de Hobbes, no qual já se encontra a visão do papel da linguagem como instância fundamental para a formação
das sociedades humanas.
Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelações e em suas conexões, pelas
quais os homens registram seus pensamentos, os recordam depois de passarem, e também os usam entre si para a utilidade e
conversa recíprocas, sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não
existem entre os leões, os ursos e os lobos.
É possível encontrar, ainda sobre a linguagem, pensamentos embrionários daquilo que mais tarde a lingüística e a psicanálise iriam
tratar para compreender as formações do inconsciente. Outro conceito ainda sobre o qual Hobbes teoriza e que seria um dos pilares
das futuras reflexões psicológicas é o desejo. Relação de objeto e prazer sensual são conceitos abordados por Hobbes para explicar
o que move os seres humanos em sua relação com o mundo externo.
Encontra-se nesta busca um tanto polimórfica de Hobbes para entender o homem e suas relações com a vida, o conceito de desejo
como elemento estruturador da vida humana.
O sucesso contínuo na obtenção daquelas coisas que de tempos a tempos os homens desejam, quer dizer, o prosperar constante, é
aquilo a que os homens chamam felicidade; refiro-me à felicidade nesta vida. Pois não existe uma perpétua tranqüilidade de
espírito, enquanto aqui vivemos, porquê a própria vida não passa de movimento, e jamais pode deixar de haver desejo, ou medo, tal
como não pode deixar de haver sensação.
O ser humano como ser desejante, incompleto e buscando permanentemente através dos deslocamentos dos objetos de desejos a
sua inatingível completude, já estava esboçado em Hobbes.
O desenvolvimento das idéias de Hobbes sobre o homem como ser desejante se desdobra para aquilo que é sua principal
proposição sobre a natureza humana: o desejo do homem pelo poder.
As paixões que provocam de maneira mais decisiva as diferenças de talento são, principalmente, o maior ou menor desejo de
poder, de riqueza, de saber e de honra. Todas as quais podem ser reduzidas à primeira, que é o desejo de poder. Porque a riqueza, o
saber e a honra não são mais do que diferentes formas de poder.
Da compreensão do homem como um ser que deseja o poder como uma forma de viver, Hobbes infere a essência do Estado como
uma entidade composta dos vários poderes individuais dos homens em sociedade. É neste momento que se dá a passagem do
'estado de natureza' para o 'estado de sociedade', quando o individual é sobredeterminado pelo coletivo. Este momento, que do
ponto de vista histórico é impossível de se situar, é um momento mítico em Hobbes. O mais provável é que esta passagem deva ter
se dado ao longo de milênios, atingindo as diversas comunidades primitivas espalhadas pelos continentes, em momentos e formas
distintos.
O Estado hobbesiano se constitui essencialmente por ser possuidor de um poder muitas vezes superior ao poder de qualquer
homem individualmente. Esta é a base do Estado e é esta uma condição sine qua non da sua existência:
O maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só
pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os poderes na dependência de sua vontade: é o caso do poder de um Estado.
Em Hobbes, o Estado surge como solução ao instável 'estado de natureza' no qual viviam os homens, reconhecendo que a
permanente e necessária compulsão para se desejar obter poder é uma das principais causas que inviabilizam a vida do homem no
'estado de natureza'
E ao homem é impossível viver quando seus desejos chegam ao fim, tal como quando seus sentidos e imaginação ficam
paralisados. A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra
coisa senão o caminho para conseguir o segundo. Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um
perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte.
Neste texto, sobre o desejo humano, Hobbes descreve o homem como um ser com uma compulsão que o transcende e o impele a
obter sempre mais poder, e uma vez que o desejo é sinônimo de vida, está instituído o impasse que inviabilizará a vida em
sociedade dos seres humanos no 'estado de natureza', forçando a humanidade a uma saída deste impasse, uma vez que permanecer
no 'estado de natureza' significaria estabelecer um tipo de vida extremamente insegura e ameaçadora. 'E a vida do homem é
solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta'.
Outro aspecto importante em Hobbes na descrição das causas que impelem o homem a construir o 'estado de sociedade' através do
Estado é a constatação de que a natureza fez os homens iguais entre si, principalmente com relação à força e o espírito,
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possibilitando que o mais fraco fisicamente, possa, através de algum recurso complementar, aniquilar o mais forte. Assim, entre os
homens não existe um que possa ser tão poderoso a ponto de reclamar e manter alguma soberania permanente sobre todos os
outros. Se esta hipótese ocorresse, não seria necessária a saída para o estado de sociedade.
Feita esta descrição sobre a natureza humana e tendo apresentado o impasse que se vivia no 'estado de natureza', Hobbes, nos
capítulos XIV - Da primeira e segunda leis naturais, e dos contratos e XV - De outras leis da natureza, passa a descrever a forma de
contrato que se estabelece entre cada homem a fim de viabilizar a vida em sociedade. Cada indivíduo renuncia o seu direito à
liberdade individual, da qual era possuidor no 'estado de natureza' substituindo-a pela segurança individual existente no 'estado de
sociedade'. Assim cabe ao Estado, através da ameaça de punição àquele que descumprir o pacto mútuo entre os homens, a
manutenção do estado de sociedade, uma vez que é o detentor de um poder supremo. Desta forma, a manutenção do pacto, ou
contrato, que institui o 'estado de sociedade' é responsabilidade final do Estado.
Finalmente no Capítulo XVI - Das pessoas, autores e coisas personificadas Hobbes apresenta a argumentação de uma 'pessoa
artificial' como aquela entidade que representa outras pessoas naturais ou artificiais. É esta personificação do Estado que Hobbes
prepara neste capítulo, utilizando-o como uma passagem para a segunda parte do livro, intitulada "Do Estado".
A base de criação do Estado, para Hobbes, está na necessidade de se exercer um controle sobre natureza humana, a qual, movida
pelo desejo de poder incessante inviabilizaria a vida em 'estado de natureza'. A institucionalização do Estado é uma saída ou uma
decisão racional de adaptação à inviabilidade da vida em sociedade estando preservado unicamente o estado de natureza.
Na visão de Hobbes, portanto, o Estado surge como uma restrição que o homem impõe sobre si mesmo como forma de cessar o
estado de guerra de todos contra todos. Existe uma incompatibilidade estrutural entre o que ele chama de leis da natureza (justiça,
equidade, piedade, etc..) e as paixões naturais dos homens, só sendo possível o controle dessas paixões naturais através da coerção
do Estado.
O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir
aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida
mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária das paixões naturais
dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento
de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto.
A função restritiva do Estado sobre as paixões naturais dos seres humanos como meio de promover a humanidade a um estado de
organização e segurança, estando a razão maior da existência do Estado fundada na incompatibilidade da natureza humana em se
instituir em sociedades onde não exista um poder acima do poder individual, é a tônica sociológica de Hobbes.

A contraposição Hobbes-Rousseau
Os filósofos Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, apresentam duas imagens diferentes de estado de natureza e a sua
passagem para o estado civil através de um pacto social. Hobbes, em seu texto "Leviatã" apresenta uma forma nova de ver o estado
de natureza. Para ele, os homens eram naturalmente iguais. Por mais que um seja mais forte de corpo ou de espírito que o outro, as
diferenças são pequenas para que um possa exigir benefícios que outros não possam usufruir. Desse modo, se um indivíduo é capaz
de matar com a força por ser forte de corpo, o outro pode matar o mais forte através de maquinação ou aliança com os outros que
sofrem do mesmo mal.
Com essa igualdade de ação, surge a igualdade de esperança de atingirmos nossos fins. Quando dois ou mais homens tentam
atingir o mesmo fim, e esse fim é inatingível para todos ao mesmo tempo, os seres humanos passam a ser inimigos. Dessa forma,
se alguém planta, colhe e constrói um lugar conveniente, sem dúvida o outro ser humano desejará se beneficiar desse trabalho
alheio. Por isso, aquele que possui algo deve lutar para manter sua posse e aquele que não tem deve lutar para adquirir.
Essa situação de desconfiança gera nas pessoas a antecipação: "atacar para não ser atacado", com a finalidade de garantir o que é
seu, seja com a astúcia ou com a força. Até se tornar suficientemente grande e forte, para que não haja quem atacá-lo ou ameaçá-lo.
Caso um ser humano se contente em atuar apenas na sua defesa, sem visar o aumento de seu poder, ele será incapaz de subsistir por
longo tempo. Portanto, esse ato de domínio sobre o homem deve ser aceito por todos. Quando não há um poder capaz de manter a
todos um respeito, os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros, muito pelo contrário. Pois a qualquer sinal de
desprezo os homens passam a "defender" sua glória causando discórdia.
Desse modo, Hobbes afirma que na natureza há três formas de gerar a guerra: a primeira por competição, a segunda por
desconfiança e a terceira por reputação. A primeira forma os homens utilizam para se tornarem senhores, obter lucro e se tornarem
poderosos, a segunda para garantir suas posses e seu poder, e a terceira por ninharias, pequenos insultos que ofendem a si próprio
ou seus amigos, familiares, nação ou profissão.
Esse estado, o filósofo denomina de guerra; pois são todos os homens contra todos os homens. Não há um poder que mantenha o
respeito entre os homens. Nesse estado de natureza não há indústria, pois seu fruto é incerto, não ha navegação nem uso de
mercadorias importadas, o cultivo da terra é precário, não há artes nem letras, muito menos construções confortáveis. Tudo isso
devido à incerteza do estado natural. Em uma guerra não há previsões e a incerteza impede o desenvolvimento. Com isso, não há
sociedade.
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Hobbes ainda insiste em afirmar e exemplificar a desconfiança dos seres humanos com relação ao seus semelhantes. Diz que todos
fecham as portas de casa e trancam seus cofres ao sair com medo de serem "invadidos" e roubados, algumas vezes, mesmo pelos
seus próprios familiares e amigos.
No estado de natureza não há leis que definam o que é justo ou injusto. O que torna os direitos dos homens ilimitados, ficando à
mercê de suas próprias vontades e paixões. Desse modo, a única maneira de garantir a posse de seus bens é através da força e, não
tendo nada além dela que o proteja, a insegurança e a incerteza tornam-se constantes, já que a qualquer momento suas posses e
bens podem ser tomadas por outros seres humanos.
Rousseau critica esta visão de estado de natureza feita por Hobbes. Afirma que Hobbes partiu do homem civil para descrever um
homem natural. Isto fez, segundo Rousseau, com que o homem natural possuísse características adquiridas quando se organiza
civilmente. Rousseau repele firmemente a idéia do homem natural ser cruel; para ele, o homem em seu estado primitivo é meigo,
quando longe da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil. Esse homem, por instinto natural, defende-se do mal e é
impedido pela piedade de fazer mal a alguém.
Por ser um estado sem conflitos, com certeza esse estado é o menos sujeito a revoluções, que por algum motivo saiu dele, um fato
que, para Rousseau, jamais deveria ter ocorrido. Os progressos feitos posteriores a esse estado, visando o aperfeiçoamento do
homem, acabaram por gerar a decrepitude da espécie. Para Rousseau, enquanto um único ser humano podia costurar, caçar e
garantir sua vida sozinho, ele desfrutava de uma liberdade, felicidade e saúde que a sua natureza permitia. A partir do momento em
que o homem se vê dependente de outro para sobreviver, hora que sentiu depender de um só o destino de dois outros homens,
surgiu a desigualdade, a propriedade e o trabalho tornou-se necessário.
No estado de natureza de Rousseau não há propriedade, tudo é de todos, podendo um homem usufruir de uma terra apenas para
plantar o necessário para subsistência. Quando alguém cercou um lote e disse isso é meu, impedindo que outros também
usufruíssem da terra, e outro por humildade acreditou em tal afirmação criou- se a sociedade civil. Quando há desigualdade e as
propriedades, de alguns, ultrapassam o necessário, o estado de natureza atinge seu ultimo termo e passa a ser estado de guerra.
Rousseau diz que, ao chegar nesse ponto, a única maneira de organizar a sociedade é agregar as forças de cada indivíduo para o
mesmo objetivo. Essa agregação vem com o intuito de proteger a pessoa e seus bens. A soma de forças cria uma força comum.
Como o indivíduo tem a mesma opinião que a força comum, ele continua livre pois acaba por obedecer apenas a si mesmo. Isso se
da através do pacto social.
Com o contrato social o homem apenas perde a liberdade natural, um direito ilimitado, tudo aquilo que ele podia alcançar pelos
seus meios. Porém ele ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A liberdade natural tem seus limites na força do
indivíduo, e a liberdade civil é limitada pela vontade geral, que inclui a vontade do próprio indivíduo, e garante a posse,
independente da força do proprietário. A propriedade é garantida desde que ela represente o necessário para a subsistência do
indivíduo. Com essa definição feita, o direito do primeiro ocupante se torna aceitável no estado civil. Tal direito consiste em
ocupar uma região não habitada; ocupar apenas o necessário para o seu sustento; trabalhar e cultivar a terra. Dessa forma, todas as
propriedades são legitimas.
O homem para Rousseau, tem uma vontade particular que representa vontade privada de cada indivíduo. Somando as vontades
particulares se cria a vontade geral, os desejos comuns entre todos os homens. Assim, a vontade geral é sempre benéfica a todos.
Entretanto quando os cidadãos se agrupam em facções e partidos, os indivíduos possuem uma vontade geral perante o partido e
este uma vontade particular em relação à vontade geral. Portanto, o numero de vontades particulares que formam a vontade geral
não é mais o número de homens e sim o número de facções.
As diferenças, menos numerosas, dão um resultado menos geral. Quando uma dessas facções ficar tão grande que se sobreponha as
outras não haverá soma das diferenças e sim uma única diferença. Para que haja verdadeira opinião geral cada homem deve opinar
de acordo consigo mesmo. Se houver associações então é necessário dividi-las ao máximo, para que não haja grandes
desigualdades.
Hobbes, por sua vez, possui uma visão de pacto social totalmente diferente da de Rousseau. Para Hobbes, a passagem do estado de
natureza, visto como um estado de guerra, se dá a partir de um pacto recíproco de todo os homens com todos os homens
instaurando um poder comum. Esse poder comum pode ser um único indivíduo ou um corpo, como por exemplo, uma assembléia
que governa a população com um objetivo único de garantir o respeito mútuo. Há necessidade de estabelecer um poder comum,
pois o acordo entre a multidão é impossível já que os desejos particulares prevalecem. Este poder não pode ser transitório, pois as
mudanças contínuas geram instabilidade.
O direito ilimitado de cada homem no estado de natureza é transmitido para o poder comum que passa a ter um poder ilimitado
apenas para garantir a vida e segurança de todos. Ou seja, o soberano pode utilizar de qualquer meio, desde que seja para garantir a
vida e segurança de seus súditos.
O pacto resulta na instituição de um Estado (transformação da multidão em corpo político). A formação do Estado pode ser feita
por um consentimento coletivo, um pacto (como já foi demonstrado), ou então por foça natural: na sujeição dos filhos à atividade
paterna e na conquista dos inimigos em uma guerra. Os dois últimos representam uma forma de estado absolutista, enquanto o
pacto não é absolutista, já que vem do consentimento de todos.
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Para Hobbes, todas as terras são propriedade do Estado, do poder comum. O Estado irá distribuir de acordo com o que o soberano
acredita ser compatível com a eqüidade e com o bem comum. Ou seja, todos tem direito à propriedade, no mínimo àquela que
garanta o próprio sustento.
O direito à propriedade vem da distribuição das terras. Quando o soberano concede determinada terra a um súdito, todos os outros
súditos estão excluído do uso desta terra. Entretanto, o soberano tem o poder de retirar sua posse, se achar necessário para manter a
paz e segurança de todos. A distribuição das terras, e conseqüentemente o direito à posse, visa também a manutenção da paz e
segurança comum. Para Hobbes, o pacto entre todos os homens é a única solução para passar de um estado de natureza para um
estado civil. Para Rousseau, o contrato se dá dentro de cada indivíduo, na soma das vontades particulares formando a vontade
geral. E o individuo faz um balanço entre as vontades gerais e particulares. Porém, ambos buscam o mesmo objetivo, garantir a
paz, segurança dos homens e de seus bens.

Filosofia

Immanuel Kant

Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, em geral considerado o pensador mais influente dos tempos modernos, nasceu em
Königsberg, atual Kaliningrado, em 22 de abril de 1724. Não casou nem teve filhos, falecendo em 1804 aos 80 anos. Kaliningrado,
situa-se onde foi a Prússia Oriental
, um território no litoral sul do Báltico, parte da Rússia desde 1946.
O território da Prússia foi adquirido da Polônia por Frederico Guilherme o Grande Eleitor de Brandenburgo de 1640 a 1688. Em
1701, Frederico III de Brandemburgo teve permissão de Leopoldo I, Imperador do Sacro Império Romano, para usar o título de
Frederico I, rei da Prússia. Seu filho, Frederico Guilherme I (1713-1740), formou um exército bem equipado (o terceiro da Europa,
depois da Rússia e da França) e levantou a economia do reino principalmente com a indústria de lã com que vestia o exército.
Casou com Sofia Dorotéa, filha de George Luís, eleitor de Hanôver (O último dos três patronos a que Leibniz serviu em Hanôver),
que veio a ser George I da Inglaterra. Frederico II, O Grande (1740-1786), sucessor de Frederico Guilherme, usou o poderoso
exército da Prússia para tomar a grande e próspera província da Silésia à Áustria dos Habsburgo (1740), e sob seu reinado Kant
viveu a maior parte de sua vida, toda ela vivida em Königsberg.
Kant era filho de um artesão que trabalhava couro e fabricava selas. Sua mãe, de origem alemã, embora não tivesse estudo, foi uma
mulher admirada pelo seu caráter e por sua inteligência natural. Ambos seus pais eram do ramo pietista da Igreja Luterana, uma
subdenominação que requeria dos fieis vida simples e integral obediência à lei moral.

A influência de seu pastor permitiu a Kant, o 4o. de 11 crianças, porém o mais velho sobrevivente, entrar na escola pietista, onde
estudou por oito anos e meio principalmente os clássicos latinos. Kant confessou a sua preferência de então pelo naturista Lucrécio,
e talvez o tenha impressionado o livro IV do poema De rerum natura, onde Lucrécio descreve a mecânica dos sentidos e do
pensamento.
Em 1740, aos dezesseis anos, Kant entrou para a universidade de Königsberg onde estudou até aos 21 anos. Apesar de ter assistido
a cursos de teologia e até pregado alguns sermões, ele foi atraído mais pela matemática e a física. Ajudado por um jovem professor,
Martin Knutzen, que havia ensinado Christian Wolff, um sistematizador da filosofia racionalista, e que também era um entusiasta
da ciência de Sir Isaac Newton, Kant começou a ler os trabalhos deste físico inglês e, em 1744, começou seu primeiro livro, o qual
tratava de um problema relativo a forças cinéticas: "
Ideias sobre a Maneira Verdadeira de Calcular as Forças Vivas".
Aos 21 anos, apesar de estar decidido a seguir uma carreira acadêmica, com a morte de seu pai em 1746 e o seu fracasso em obter
o posto de sub-tutor em uma das escolas ligadas à universidade, Kant se viu obrigado a desistir temporariamente de seu projeto e a
buscar meios imediatos de se manter. Foi compelido a suspender os estudos universitários e ganhar a vida como tutor particular.
Durante nove anos manteve essa ocupação, atividade em que foi bem sucedido e que lhe permitiu conviver com a sociedade mais
influente e refinada de seu tempo. Serviu a três famílias diferentes, tendo nesse período viajado à cidade próxima de Arnsdorf. Em
1755 ele retornou a Königsberg e lá passou o restante de sua vida.
Em 1755, ajudado pela bondade de um amigo, Kant pode completar seus estudos na universidade. Obteve seu doutorado e assumiu
a posição de livre docente (Privatdozent, professor sem salário). Três dissertações que ele apresentou na habilitação a esse posto
indicam o interesse e rumo de seu pensamento nessa época. Em uma, "Sobre o fogo", ele argumenta, muito ao jeito aristotélico,
que os corpos agem uns sobre os outros através de uma matéria sutil e elástica uniformemente difusa que é a substância básica de
ambos calor e luz.
A seguir, por 15 anos ele ensinou na universidade, primeiro dando aulas de ciência e matemática, mas gradualmente ampliando seu
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campo de interesse a quase todos os ramos da filosofia. A Física newtoniana o impressionou, não apenas pelas suas implicações
filosóficas quanto pelo seu conteúdo científico. Impressionou-o igualmente as asserções leibnizianas, as quais criticaria no futuro.
A fama de Kant como professor e escritor aumentou constantemente durante seus 15 anos como livre-docente. Cedo ele já
lecionava sobre muitos assuntos além de física e matemática, incluindo lógica, metafísica, e filosofia moral. Até mesmo ensinou
sobre fogos de artifício e fortificações. A cada verão, por 30 anos, deu um curso popular sobre geografia física. Ele gozou grande
sucesso como professor: seu estilo, que diferia grandemente daquele de seus livros, era humorístico e vivo, vivificados por muitos
exemplos de suas leituras em literatura inglesa e francesa, viagem e geografia, ciência e filosofia.
Apesar de que as aulas e os trabalhos escritos nesses 15 anos como livre-docente estabeleceram sua reputação como um filósofo
original, ele não recebeu uma cadeira na universidade até 1770, quando foi feito professor de lógica e metafísica, uma posição que
manteve até 1797, continuando nesses 27 anos a atrair grande número de estudantes para Königsberg.
O ensino não ortodoxo de religião de Kant, baseado no racionalismo mais que na revelação, o colocaram em conflito com o
governo da Prússia e, em 1792, ele foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II de ensinar ou escrever sobre temas religiosos. Kant
obedeceu essa ordem por cinco anos, até a morte do Rei e então sentiu-se liberado dessa proibição. Em 1798, o ano que se seguiu a
sua aposentadoria da universidade, ele publicou um resumo de seus pontos de vista religiosos.

Vida Sedentária
Apesar de que ele falhou duas vezes em obter uma cátedra em Konigsberg, Kant recusou aceitar ofertas que o teriam levado para
fora, inclusive o professorado de literatura em Berlim, que lhe teria dado grande prestígio. Ele preferiu a paz de sua cidade natal
para trabalhar e desenvolver sua própria filosofia. Sua filosofia crítica brevemente estava sendo ensinada em cada universidade de
língua alemã importante e os jovens afluíam a Königsberg como à Meca da Filosofia. Em alguns casos o governo prussiano até
pagava- lhes as despesas. Kant passou a ser consultado como um oráculo em todo tipo de questão, inclusive em assuntos como a
legalidade da vacinação.
As muitas homenagens não interromperam os hábitos regulares de Kant, que seguiu sempre sua rotina de trabalho e investigação
filosófica sobre a vasta gama de tópicos que se pode ver na lista de seus trabalhos. Com pouco mais de 1,50 m de altura, com o
peito deformado e sofrendo de saúde precária, Kant manteve através da sua vida um severo regime. Era um sistema cumprido com
tal regularidade que as pessoas diziam poder acertar os relógios de acordo com sua caminhada diária ao longo da rua que depois
recebeu o nome, em sua homenagem, de "Caminhada do Filósofo". Até que a idade o impediu, sabe-se que ele somente perdeu sua
aparição regular na ocasião em que o "Emile", de Rousseau o fascinou tanto que, por vários dias, ele ficou em casa.
Após um declínio gradual que foi muito doloroso para seus amigos tanto quanto para ele próprio, Kant morreu em Königsberg em
12 de fevereiro de 1804. Suas últimas palavras foram "isto é bom".

Filosofia de Kant
Durante o período de sua carreira acadêmica, estendendo de 1747 a 1781, como professor Kant seguiu a filosofia então
prevalecente na Alemanha, que era a forma modificada do racionalismo dogmático de Wolff com fundamento em Leibniz. Porém,
as aparentes contradições que ele descobriu nas ciências físicas, e as conclusões a que Hume havia chegado na sua análise do
princípio de causa, dizendo que a relação de causa e efeito é uma questão de hábito e não uma "verdade de razão" como supunha
Leibniz, acordaram-no para a necessidade de revisão ou criticismo de toda experiência humana do conhecimento, com o propósito
de permitir um grau de certeza para as ciências físicas, e também para o propósito de colocar sobre uma fundação sólida as
verdades metafísicas que o ceticismo fenomenalista de Hume tinha destruído.
Kant achou que o velho racionalismo dogmático havia dado muita ênfase aos elementos a priori do conhecimento e que, por outro
lado, a filosofia empírica de Hume tinha ido muito longe quando reduziu todo conhecimento a elementos empíricos ou a posteriori.
Portanto, ele se propõe passar o conhecimento em revista, na ordem a determinar quanto dele deve ser consignado aos fatores a
priori ou estritamente racionais, e quanto aos fatores a posteri resultantes da experiência. Ele mesmo afirmava que o negócio da
filosofia é responder a três questões:
1. que eu sei?
2. que devo fazer?
3. que devo esperar?
No entanto, as respostas para a segunda e terceira perguntas dependem da resposta para a primeira: nosso dever e nosso destino
podem ser determinados somente depois de um profundo estudo do conhecimento humano.

Metafísica
O problema fundamental de toda a metafísica é a questão "que é que existe?" E quanto a essa questão fundamental, as principais
correntes que, no final do século XVIII Kant se propõe a conciliar, são o realismo e o seu oposto o idealismo, o racionalismo e o
seu oposto o empirismo.
O REALISMO sustenta que, no conhecimento humano, os objetos do conhecimento são intuídos, apreendidos e vistos como eles
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realmente são em sua existência fora e independente da mente. Então, conhecer uma coisa significa encontrar entre os conceitos
possíveis, aquele que está adequado a essa coisa (a essência). Se a isso acrescentamos os caracteres acidentais individuais da
substância, então chegamos ao conhecimento pleno da realidade.

O IDEALISMO, ao contrário, sustenta que as coisas existem conforme a mente pode construí-las; tudo que existe é conhecido para
o homem nas dimensões que lhe são mentais, como idéias ou através de idéias. O idealismo metafísico sustenta a idealidade da
realidade, e o idealismo epistemológico sustenta que, no processo do conhecimento, os objetos da mente estão condicionados pela
sua perceptibilidade.

O RACIONALISMO tem a razão como suprema fonte e teste do conhecimento, sustentando que a realidade, ela mesma, tem uma
estrutura lógica inerente; para o racionalismo existe uma classe de verdades que o intelecto pode intuir diretamente, além do
alcance da percepção sensível.
Ao racionalismo opõe-se o EMPIRISMO, que sustenta que todo conhecimento vem, e precisa ser testado, pela experiência
sensível.

Já se vê que essa última corrente, a do EMPIRISMO, tende a negar a Metafísica, porque esta trata das possibilidades de intuição do
conhecimento, para além das coisas apreendidas pelos sentidos, para além da experiência.
A filosofia de Kant vai tocar em todas essas correntes, como veremos abaixo. E para tentar compreende-la vamos necessitar
primeiro aclarar uma complicada nomenclatura que classifica as proposições ou juízos; não será possível compreender o
pensamento de Kant sem conhecermos bem sua nomenclatura, porque o que Kant faz de importante é precisamente renomear e
reclassificar certos conceitos relativos às proposições metafísicas mediante uma visão e uma teoria inteiramente novas do
conhecimento.

Proposições ou juízos
Toda proposição ou juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo, é de fato um predicado, aquilo que se diz desse sujeito.
Kant, como os filósofos aristotélicos, diferenciava modos de pensar, ou seja, as proposições ou juízos, em analíticos e sintéticos.
1. - Os juízos analíticos, são o resultado de se tomar parte do sujeito como predicado, sem referência imediata a experiência.
Leibniz os chamou "Verdades de razão"; todos os juízos analíticos são a priori, porque a ligação, o nexo, neles é percebido sem
apelo à experiência. Para saber mais veja Outros temas em Kant.
Os juízos analíticos são sempre verdadeiros, visto que não dizem mais como predicado que aquilo que, de qualquer forma, já está
no sujeito mesmo. Os juízos em questão consistem apenas em um processo de análise; nos juízos analíticos, dentro do conceito do
sujeito tem que estar os seus próprios predicados. Uma proposição analítica é uma na qual o predicado está contido no sujeito
como na afirmação: "A casa verde é casa". São universais, porque o que dizem é independente de tempo e lugar, e são necessários
porque não podem ser de outro modo; distinguem-se do conhecimento empírico pela universalidade e necessidade.. São, pois,
como dito acima, a priori, "
sem apelo à experiência", portanto são razão pura e que não tem origem na experiência. Conforme o exemplo, uma casa é uma
casa, mesmo que não exista nenhuma casa no mundo.
Kant usa indiferentemente o termo "a priori" e o termo "puro". Razão pura é o mesmo que razão a priori; intuição pura é intuição a
priori. Puro e a priori ou independente da experiência são expressões que ele utiliza como sinônimos. A verdade, neste tipo de
proposição, é evidente, porque afirmar o inverso seria fazer a proposição contraditória. Tais proposições são chamadas analíticas
porque a verdade é descoberta pela análise do próprio conceito, sem necessidade de constatação empírica ou pelos sentidos
humanos.
A filosofia de Leibniz, que Kant conhece através de Christian Wolff, estava baseada no princípio supremo da não-contradição.
Qualquer conceito que contenha uma contradição não expressa a possibilidade e por isso não pode expressar a realidade. Por isso a
proposição analítica é a verdadeira, porque diz algo necessário, inescapável (universal), de que não se pode fugir de admitir,
conclusão obrigatória, contra o que não se pode levantar uma contradição.
Mas o juízo analítico torna-se um juízo óbvio. Kant diz que o juízo analítico não faz avançar o conhecimento porque fica dentro
dos conceitos da mesma proposição, e nada avança além dos dados desses conceitos. O juízo analítico está fundado no princípio de
identidade e não é mais do que uma tautologia; repete no predicado aquilo que já está enunciado no sujeito.
2. - Os juízos sintéticos, diferentemente, são aqueles em que não se pode chegar à verdade por pura análise de suas proposições. Os
juízos sintéticos, as proposições sintéticas, são resultado de se juntar (síntese) os fatos, ou dados, da experiência. Ainda de acordo
com os aristotélicos, todos os juízos sintéticos são a posteriori (depois da contatação), porque eles são dependentes da experiência.
As proposições ou juízos sintéticos unem o conceito expresso pelo predicado ao conceito do sujeito que constata, e acaba por
informa alguma coisa de novo. Na proposição "A casa é verde", preciso ver a casa para confirmar que é, de fato, verde. Os juízos
sintéticos são feitos com fundamento na experiência, na percepção sensível. Nos juízos sintéticos, o conceito do predicado não está
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contido no conceito do sujeito. Como, por exemplo, quando dizemos que as ondas eletromagnéticas produzem em nós a sensação
do calor e igualmente dilatam os corpos. Todas as proposições resultantes da experiência do mundo são sintéticas.

Leibniz e Hume
Esclarecida essa nomenclatura, precisamos tocar de leve o pensamento de Leibniz e Hume, os dois filósofos envolvidos na questão
que Kant queria elucidar, que era a natureza da verdade científica, se ela podia ser garantida pela Metafísica como verdade de
razão.
Leibniz deu à Metafísica um par de primeiros princípios que garantiriam os juízos analíticos que, como visto, são a priori, são
"verdades de razão", absolutamente incontestáveis. Leibniz os chamava o "princípio de contradição" e o "princípio de razão" ou
"causa suficiente".
Leibniz construiu esses princípios para estabelecer o que é possível e o que é impossível. Leibniz
sustentava que esses princípios são sabidos se sustentarem, eles próprios, a priori (independentemente da experiência) e Wolff, seu
discípulo, até mesmo tentou fazer derivar o princípio de razão suficiente do princípio de não contradição.
Conquanto o princípio de não contradição seja de aceitação fácil, já o princípio de causa suficiente logo suscitou dúvidas, e
principalmente a David Hume. Esse princípio estabelece que cada fato existente ou verdadeiro tem uma causa, uma razão que o
constitui e impede as coisas de serem de outro modo. E Hume vem a contestar que uma proposição pudesse ser analítica, - a priori,
absolutamente incontestável -, simplesmente por via de uma razão ou causa suficiente. Isto porque, a relação de causa e efeito para
ele representava experiência, hábito em ver causa e efeito em tudo o que acontece, e não seria "razão", ligação inconteste entre um
sujeito e um predicado como requerem as proposições analíticas.
Diz Hume "Quando observamos os objetos ao nosso redor, e consideramos a operação de causa, nunca podemos, em um único
caso, descobrir qualquer poder ou conecção necessária; qualquer qualidade que ligue o efeito a causa, e torne uma a consequência
infalível da outra. Nós apenas verificamos que uma, na verdade, de fato, segue-se à outra" (Enquiry, Section VII, Part I). A
conecção é feita por um ato da mente "Quando dizemos, portanto, que um objeto está ligado a outro, queremos apenas dizer que
ele adquiriu uma conecção em nosso pensamento, e isto parece fundado em evidencia suficiente" (Idem, Part II).
Então, segundo Hume, esse princípio da causa eficiente não podia dar proposições analíticas como deveriam ser os princípios
metafísicos, quer dizer, não se podia inferir diretamente de um fato a sua causa, de modo a priori, com o uso exclusivo da razão,
como nas proposições analíticas, nas quais o predicado já está contido no sujeito, - como no exemplo acima "A casa verde é
casa"- , extraindo-a do próprio enunciado. Era preciso juntar, sintetizar fatos da experiência, o que transformava a proposição em
sintética, em verdade a posteriori, o que quer dizer que ela incorporava outros fatos para formar o predicado, e então não podia ser
um princípio metafísico, uma verdade validada pela razão. A proposição sintética por si não garante verdade.
Kant, professor de Metafísica, estava diante de um problema. Era evidente que as verdades da experiência não eram menos verdade
só porque derivavam da experiência. Elas eram a posteriori a primeira vez, mas de algum modo se tornavam a priori no sentido de
que, independentemente de novas experiências, a razão já lhes dava um tratamento a priori como verdades. Apesar de sintéticas,
eram a priori, como se houvessem se tornado, de sintéticas, em analíticas. Por isso era necessário achar um modo para que tais
proposições pudessem ser parte da metafísica.

Juízos sintéticos a priori


Ao mesmo tempo que os juízos sintéticos são tomados como base do conhecimento científico
, o qual se baseia na observação, eles se tornam leis que pretendem ser verdadeiras todo o tempo, e universais. Portanto, tais juízos
teriam que ser conhecimento sintético a priori, porque, uma vez suas leis estabelecidas pela observação, passam a ser universais e
independentes da experiência. Efetivamente, Newton havia demonstrado, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas
matematicamente exatas as leis fundamentais da natureza. A ciência está, portanto, constituída por juízos a priori que são sintéticos
e não analíticos.

Intuição sensível
A arrojada tese de Kant na "Crítica da Razão Pura" é que é possível fazer juízos sintéticos a priori. Essa posição filosófica é
usualmente conhecida como transcendentalismo. Mas para isso ele introduz um conceito novo na metafísica: o de intuição
sensível.
A intuição sensível é a condição para que o ato do conhecimento se faça segundo juízos sintéticos que são também a priori, apesar
de obtidos fora da análise conceitual própria da razão pura, uma vez que resultam da intuição exercida sobre a observação e a
experiência, e somente poderiam ser particulares e momentâneos. Mas, abrindo na razão esse comportamento da intuição sensível,
Kant podia agora fazer importantes correções.

O que era preciso corrigir na metafísica


A metafísica vinha considerando intuição de racionalidade apenas a intuição de causa e efeito, de causa suficiente, para validar as
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verdades de razão, quando existiam outras formas de intuição que podiam garantir também verdades de razão. A correção
indispensável é que era preciso admitir todas as formas de intuição racionais, não apenas a de relação de causa e efeito, mas
também a de quantidade, a de qualidade, e a de modalidade, e por meio de todas elas, é claro, o espírito intuia verdades de razão.
Em geral, Kant acredita que a tarefa de mostrar como juízos sintéticos podem ser feitos a priori é a primeira tarefa da Metafísica.
Ele sustentou que os grandes metafísicos do passado falharam em fazer isto. Intuição intelectual é uma ficção. Nenhuma inferência
além da experiência, na intuição intelectual, se justifica. Análises de conceitos não irão produzir verdades além de puras
tautologias, quando o que conduz a um conhecimento novo são as verdades sintéticas, por via da intuição sensível.

O que era preciso corrigir em Leibniz


Leibniz corretamente construiu o princípio da "causa suficiente" como a priori, mas classificou-o erradamente como analítico. Se
estava numa relação causal, o juízo era sintético, não podia ser analítico. Mas, ressalvado que era sintético, continuaria a ser a
priori como queria Leibniz, pois o princípio de "causa suficiente" referia-se a uma forma de intuição e toda intuição é um
conhecimento a priori.
O que era preciso corrigir em Hume: Hume corretamente construiu o juízo causal como sintético mas, incorretamente, concluiu
que por isso ele era exclusivamente empírico, a posteriori, não correspondia a verdades de razão, como queria Leibniz (que o havia
tomado erradamente como analítico). Ora, corrigido que o juízo causal não era analítico, como havia pretendido Leibniz, mas
sintético, intuído da experiência, era também verdade de razão, era intuição, por isso gerava conhecimento a priori, necessário, do
mesmo modo que os conhecimentos a priori intuídos das proposições analíticas.

O espaço e o tempo
Revirando na mente a questão das intuições, Kant foi descobrindo mais coisas. O espaço e o tempo eram duas formas fundamentais
de sensibilidade, formas indispensáveis à intuição sensível. E disse o que chocaria muita gente não fosse dito por ele, Kant, que as
proposições ou juízos matemáticos eram sintéticos, porque dependiam dessas formas fundamentais, e, no entanto, estava
convencido de que eram verdades necessárias.
A solução de Kant então é essa, que o conhecimento sintético depende de formas de sensibilidade e intelecção previamente
existentes na qual as impressões são colocadas. É porque possui o espaço como uma estrutura inerente à sua sensibilidade que o
sujeito cognoscente pode perceber os objetos como relacionados espacialmente. Pode-se pensar o espaço sem coisas, mas não as
coisas sem o espaço.
Para a geometria, o espaço puro é o primeiro suposto. A geometria supõe o espaço sob os seus conceitos de polígonos. Ex: "A linha
reta é a distância mais curta entre dois pontos" (qualquer linha reta = universalidade; em quaisquer condições = necessidade).
Embora não tenha em si o princípio de não contradição e dependa da intuição de espaço e portanto é sintética, essa firmação é
conhecimento puro ou a priori porque a intuição do espaço está na mente. Uma vez concebida, não depende mais da experiência
sensível. É verdade de razão, distinguindo-se do empírico pela universalidade e necessidade.
O que foi esquecido, contesta Kant (em um rodapé no Apêndice de seu livro "Prolegomena a qualquer futura Metafísica"), é que ha
um tipo de conhecimento a priori associado com os sentidos. Em particular, as verdades matemáticas são conhecidas porque
espaço e tempo são "
formas de intuição sensível". Eles são pre-requisitos absolutos para a representação de objetos sensíveis; qualquer objeto da
experiência precisa ser representado em espaço e tempo. A Geometria é a ciência do espaço e a aritmética a ciência do tempo, e
suas proposições são verdades necessárias relativas aos objetos no espaço e no tempo. Em fim, nós raciocinamos sobre as
condições de representação, e a intuição intelectual torna-se dispensável.
No entanto, fora do espaço e do tempo elas não são absolutamente necessárias. Para que fossem, seu oposto precisava implicar a
contradição. Mas Kant reconhece a consistência de geometrias alternativas, que podem implicar proposições contrárias. Assim,
uma proposição pode ser verdade em uma e falsa em outra (p. ex. a soma dos ângulos de um triângulo é 180 graus, o que é verdade
na geometria euclidiana mas falsa nas geometrias não euclidianas).
De outro lado, Kant reconheceu o princípio da razão suficiente (para coisas no tempo: cada alteração de uma coisa tem uma causa)
como uma verdade necessária. Kant alegou que os princípios da matemática são necessários enquanto forem condições da
representação sensível. Podemos agora dizer que eles são sintéticos, quanto a que seu oposto não implica uma contradição.
Princípios de "ciência natural pura" tal como o princípio causal acabado de ser mencionado, são também sintéticos e conhecido a
priori. Eles são condições para a coerência ou "unidade" da experiência. São necessários para que nós sejamos capazes de
representar um mundo de objetos como pertencentes a uma única experiência.
O espaço é intuição pura, a priori. É um subposto que o homem coloca à sua experiência com os objetos, mas é absolutamente
independente da experiência; não podemos ter experiência de nada senão no espaço. O espaço não deriva da experiência e também
não é um conceito. O conceito compreende uma multiplicidade. O conceito de homem, por exemplo, é a unidade mental sintética
daqueles caracteres que definem todos os homens. Ao contrário do conceito, a intuição toma conhecimento diretamente de uma
individualidade: o espaço é único; é intuição pura.
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Igualmente, é porque a representação do tempo lhes serve de fundamento que a simultaneidade ou sucessão das coisas pode ser
percebida; as coisas e os fatos não existem sem o tempo, mas o tempo existe sem as coisas. Também o tempo é a priori, ou seja,
independente da experiência. Algo acontece porque no decurso do tempo esse algo vem a ser. Podemos conceber o tempo sem
acontecimentos, mas não um acon tecimento sem o tempo.
O tempo também não é conceito, porque não existem muitos tempos: o tempo, como o espaço, é intuição.
Em sua filosofia, Kant reformula o racionalismo, ao demonstrar que o conhecimento a priori, próprio da razão pura, pode originar-
se também da experiência, e isto porque a experiência envolve elementos que são intuições puras, a priori, e estas são
principalmente as intuições de espaço e tempo.
Dá um golpe mortal no realismo ao olhar o mundo material como fruto da intuição sensível. Os objetos do mundo material são
fundamentalmente incognocíveis: do ponto de vista da razão eles servem meramente como a matéria prima da qual as sensações
são formadas. Os objetos eles mesmos não tem existência, e o espaço e o tempo existem somente como partes da mente, como
"intuições" pelas quais as percepções são medidas e julgadas.
Importância relativa entre espaço e tempo. O Espaço e tempo são "subpostos" como condições de conhecimento, condições que,
partindo do sujeito, precisam realizar-se para que o objeto seja efetivamente objeto do conhecimento. Esses subpostos Kant chama
"condições transcendentais da objetividade". Espaço e tempo seriam, assim, duas condições sem as quais é impossível conhecer,
mas são formas de sensibilidade, por isso Kant os trata na Estética Transcendental.
O espaço é a forma da experiência ou percepções externas; o tempo é a forma das vivências ou percepções internas. Porém, ao
mesmo tempo que eu percebo a coisa sensível, tenho, além de sua percepção como coisa externa, a sua "apercepção" interna,
dando-me conta de que a percebo. Por conseguinte, o tempo tem uma posição privilegiada em relação ao espaço, porque é forma
da sensibilidade externa e interna, com referência a objetos exteriores e a acontecimentos interiores, abrangendo assim a totalidade
das vivências possíveis.
Após elucidar exaustivamente essas intuições básicas, fundamentais, de espaço e tempo, aquilo que o sujeito põe para a
cognoscibilidade das coisas, dos fenômenos, Kant busca elucidar também as leis efetivas que regem os fenômenos. As coisas tem
seu ser, sua essência, sua natureza; existem e se relacionam segundo leis fixas de efeito e causa, ou ação e reação, e estas leis são
universais. Portanto, além das duas formas fundamentais da sensibilidade, espaço e tempo, existem outros elementos apriorísticos
próprios do entendimento, da razão. Estes pertencem à lógica tradicional, desde Aristóteles (384- 322). Kant trata deles na
"Analítica Transcendental". Esses a priori da lógica Kant diz que correspondem, na verdade, às formas pelas quais a mente está
limitada no seu conhecimento das coisas, ou seja, não pode conhecer nada senão desse modo.
Aquilo que a lógica dizia que a realidade tem que conter é o que, segundo Kant, nós temos capacidade para ver na realidade. A
realidade mesma nós desconhecemos. A realidade é o noumenon, a coisa em si mesma. O que nós podemos conhecer dela, dentro
de nossas formas possíveis de conhecimento, é o fenômeno. Este conhecimento a respeito das coisas é a priori, não se constitui de
impressões. Nenhuma coisa nos envia "a causa" como impressão. Extraímos o conhecimento de causa não do real, mas de nosso
próprio pensamento. Fazemos um "juízo" a respeito da causa.
Algo é real quando é objeto possível de juízos, de afirmações ou de negações. Então não basta que revistamos de espaço e tempo a
determinado algo para que seja real, mas é necessário que possamos fazer dele juízos, dizer que "é" isto ou "é" aquilo. Se a
realidade se apresenta nos juízos, então às diferentes formas dos juízos corresponderão diferentes variedades em que se pode
apresentar a realidade. O homem formou, assim, um conjunto de juízos ou teses, que expressam aquilo que as coisas reais são.
As diferentes formas de juízo, na lógica formal, são:
1. juízos de quantidade,
2. juízos de qualidade,
3. juízos de relação e
4. juízos de modalidade.
À aquelas diferentes variedades em que se pode apresentar a realidade em correspondência aos juízos Kant chama "categorias".
Como o espaço e o tempo são as condições da possibilidade dos juízos sintéticos a priori na matemática, as categorias são as
condições da possibilidade dos juízos sintéticos a priori na Física. São categorias de sintetização dos dados da experiência, são
também formas de intuição. Ele dividiu as categorias em quatro grupos: aqueles referentes aos juízos lógicos, segundo a
quantidade, qualidade, relação e modalidade:
Quantidade: unidade, pluralidade e totalidade; dão os juízos individuais: João é espanhol; particulares: alguns homens são brancos;
universais: todo homem é mortal. Desta maneira, quanto à quantidade, os juízos individuais (Este A é B) que afirmam de uma
coisa única, contêm no seu seio a unidade; os juízos particulares (Alguns A são B), que afirmam de várias coisas algo, contêm
implícita a pluralidade; os juízos universais (Todo A é B) contêm a totalidade. De modo que as três formas de juízos, segundo a
quantidade, dão lugar a estas três categorias: unidade, pluralidade e totalidade.
Qualidade: realidade, negação, e limitação; dão os juízos afirmativos: João é espanhol; negativos: o átomo não é simples;
infinitos: os pássaros não são mamíferos (podem ser infinitas coisas). Do ponto de vista da qualidade, os juízos são: afirmativos (A
é B), negativos (Entre B e C, A não é B), e infinitos (A não é B). Deles Kant extrai as três categorias de essência (que ele chama
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realidade), de negação e de limitação (o juízo infinito contem limitações, diz aquilo que algo não é, mas deixa aberto um campo
infinito para o que possa ser). As categorias desse grupo são as de essência, negação e limitação
Relação: substância-e-acidente, causa-e-efeito; dão os juízos categóricos: o ar é pesado; hipotético: se João é espanhol, então é
europeu; disjuntivo: Antônio é espanhol, ou português, ou italiano. Assim, os juízos segundo a relação são categóricos (A é B),
hipotéticos (Se A é B, é também C) e disjuntivos (A é B, ou C, ou D). Resultam as três categorias seguintes: dos juízos categóricos
(A é B), a categoria de substância com o seu complemento natural de "propriedade' porque quando afirmo categoricamente que
uma coisa "é isto", considero esta coisa como uma substância; "é isto" que dela afirmo como uma propriedade dessa substância.
Dos juízos hipotéticos resultam a categoria de causalidade (de causa e efeito), porque, quando formulamos um juízo como "Se A é
B, é também C, já assentamos o esquema lógico da causalidade (Se faz calor, se dilatam os corpos). Dos juízos disjuntivos extrai
Kant a categoria de ação recíproca. Neste grupo estão as categorias de propriedade, causalidade, e ação recíproca.
Modalidade: possibilidade, existência e necessidade; dão os juízos problemáticos: A pode ser B; assertórios: A é B (mas não
haveria contradição se A fosse C como "O calor dilata os corpos", pois é assim, mas poderia ser diferente; apodíticos: A é
necessariamente B como a soma dos ângulos de um triângulo tem que ser dois retos". Desta quarta maneira de dividir os juízos
procedem então as seguintes categorias: dos juízos problemáticos (A pode ser B) Kant extrai a categoria de possibilidade; dos
juízos assertórios (A é efetivamente B), faz derivar a categoria de existência; dos juízos apodíticos (A tem que ser B), tira a
categoria de necessidade. Aqui são as categorias de possibilidade, existência e necessidade. Temos então completa a tabela das
categorias. São doze as categorias de Kant.
Se tudo aquilo que há na ciência, se todas as condições do conhecimento tivessem que nos ser proporcionadas pelas impressões
sensíveis que as coisas nos enviam, então Hume teria razão: esperaríamos que o sol saísse amanhã pelo simples costume de tê-lo
visto sair até agora, mas não por um fundamento real. Não teríamos intuição de nenhuma ilação, nenhuma vinculação entre as
impressões.
Tudo aquilo que as categorias nos dizem (que os objetos são únicos, múltiplos, que podem agrupar-se em totalidades, que os
objetos são substâncias com propriedades, causas com efeitos, efeitos com causas, que têm entre si ações e reações) todas essas
categorias são condições sem as quais não haveria conhecimento. É nossa possibilidade de raciocínio lógico conforme a essas
formas categóricas a priori que procedem de nós que possibilita para nós o conhecimento e a certeza. As condições do
conhecimento, as categorias, são, por conseguinte, conceitos puros, a priori, que o sujeito cognoscente dá ao objeto. (continuação)

O Fenômeno
Falamos de coisas extensas no espaço e sucessivas no tempo: o espaço e o tempo não são propriedades absolutas das coisas; o
observador as coloca nas coisas como ele as conhece. Resulta que não tem sentido, então, falar de conhecer as coisas "em si
mesmas". Kant chama fenômenos às coisas providas das formas de espaço e tempo, vistas na correlação objeto-sujeito, por via da
intuição de tempo e espaço.
A sua posição ou concepção do processo de conhecimento Kant chama "estética transcendental
". A palavra estética não tem no caso o sentido de teoria do belo mas sim, o seu sentido etimológico que é sensação, percepção. A
palavra transcendental é usada por Kant no sentido de condição para que algo seja objeto do conhecimento.
Kant recusou ser idealista e a associação de sua filosofia com a de George Berkeley. É importante apontar aqui qual parece ser a
diferença. No "Prolegomena a qualquer futura Metafísica" Kant argumenta que todos aceitavam o ponto de vista antigo de que
cores, sons, etc., eram qualidades que não estão nos corpos, mas são apenas os modos como o representamos através dos sentidos.
Se essa consideração com respeito a qualidades secundárias (cores, sons, etc.) não exclui a existência dos corpos em si, porque
deveria faze-lo um tratamento semelhante das qualidades primárias (fenômeno)? Em outras palavras, mesmo que também as
qualidades primárias sejam irreais com respeito aos corpos em si, ou seja, mesmo que essas qualidades primárias sejam atributos
do sujeito e não do objeto, os corpos existem. Realmente, Kant nunca negou a existência dos corpos, como Berkeley. Apenas nega
que eles tenham, neles mesmos toda representação humana possível, propriedades espaciais e temporais.

Berkeley nega que fique alguma coisa, se tiramos do objeto todas as suas qualidades, tanto as primárias como as secundárias,
considerando-as produto de nossos sentidos. Para Berkeley, se também as qualidades primárias dependem da mente, então não
podemos atribuir aos corpos mesmos a atividade de causar sensações em nós. Então, para Berkeley, é Deus que causa em nós as
impressões.
Mas Kant sustenta que algum material é causa da intuição sensível. Acredita inteiramente que os corpos existem sem nós, ou seja,
existem coisas as quais, apesar de inteiramente desconhecidas para nós quanto ao que sejam em si mesmas, sabemos, no entanto,
que existem, pela representação em nossa sensibilidade, e às quais chamamos corpos ("Prolegomena", Primeira Parte, II).

Porque "revolução copernicana".


Com este trabalho Kant orgulhosamente afirmou que ele havia conseguido realizar a revolução copernicana na filosofia. Como já

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referido, Kant disse que, assim como Nicolau Copérnico, o fundador da astronomia moderna, havia explicado o movimento
aparente das estrelas, vinculando-o parcialmente ao movimento do observador, assim ele tinha percebido as aplicações dos
princípios a priori da mente aos objetos, pela demonstração de que os objetos se conformam à mente: no conhecimento não é a
mente que se conforma às coisas, mas as coisas que se conformam à mente.

A Psicologia Racional
A mais séria questão "que é que existe?", problema fundamental de toda a metafísica, é com respeito ao próprio espírito, ao
universo e Deus. A disciplina metafísica que tem como objeto a alma e sua imortalidade é a Psicologia Racional. Kant diz que essa
disciplina repousa, desde Descartes, na proposição "eu penso", cuja verdade é incontestável.
Não se pode, contudo, tirar dessa proposição a consequência de que o eu exista como um "objeto real" como uma coisa, uma
substância, uma figura. Isto apenas seria possível se passasse pelo crivo das categorias, ou modo de conhecimento do real. O
tempo, juntamente com o espaço, é a primeira das condições de todo conhecimento possível. Em outras palavras, não há coisa
alguma no espaço e no tempo que possa ser considerado alma, não havendo, portanto, nenhuma intuição sensível, e esta é uma das
condições fundamentais do conhecimento das coisas.
Conclusão: a experiência que temos de ser (experiência que se realiza enquanto pensamos), é de fato uma experiência sui generis.
Se quisermos "imaginar" a alma, podemos perfeitamente imagina-la, pensa-la, dentro da intuição de espaço e tempo, como uma
coisa, e então verificamos que desse modo a alma não existe. Então temos a experiência de ser (ao modo de Descartes), sem poder
fazer idéia do que somos (ao modo de Kant).

Cosmologia racional
A parte da metafísica que se ocupa da totalidade do universo é a Cosmologia Racional. O que se aplica às almas, aplica-se também
à idéia do universo. As intuições e as categorias podem ser aplicadas para fazer julgamentos a cerca de experiências e percepções,
mas não podem, de acordo com Kant, ser aplicadas a idéias abstratas, - e universo é uma idéia abstrata, - sem levar a
inconsistências sob forma de pares de proposições contraditórias, impasses que ele chama "
antinomias", raciocínios sem saída, inconclusivos.
A primeira antinomia é aquela que tem a Tese: "O universo tem um princípio no tempo e limites no espaço".
Antítese: "O universo é infinito no tempo e no espaço".
A razão tanto pode concluir que "o universo tem um princípio no tempo e limites no espaço, quanto pode afirmar exatamente o
contrário: o universo é infinito no tempo e no espaço."
A razão pede que tudo que existe tenha um começo. Mas, se o universo teve um começo no tempo, o que existia antes dele,
obviamente também faz parte do universo, porque o universo é a totalidade das coisas.
Na segunda antinomia, a Tese diz: "Tudo quanto existe no universo está composto de elementos simples, indivisíveis". A Antítese
diz: "Aquilo que existe no universo não está composto de elementos simples, mas de elementos infinitamente divisíveis".
A terceira antinomia refere-se a uma primeira causa do universo. Afirma, como Tese: "O universo deve ter tido uma causa que não
foi por sua vez causada". Sua Antítese é: "O universo não pode ter tido uma causa que por sua vez não tenha sido causada"
A quarta e última antinomia refere-se à existência ou não existência de um ser necessário, dentro ou fora do universo, e diz, na
Tese: "Nem no universo nem fora dele pode haver um ser necessário"; sua Antítese: "No universo ou fora dele há de haver um ser
que seja necessário".

Os erros das antinomias


As teses e antíteses são igualmente plausíveis aos olhos da pura razão, mas não quanto às leis do conhecimento. Nas duas primeiras
antinomias, que Kant chama matemáticas, o erro consiste em que o tempo e o espaço foram tomados como coisas em si mesmas, e
isto é contrário às leis e condições do conhecimento. O espaço e o tempo não são coisas em si mesmas, independentes do ato de
conhecer.
Nas duas últimas antinomias, a solução para Kant é a contrária. As teses e as antíteses são tomadas conforme as leis do
conhecimento. Quanto às teses, as leis do conhecimento de fato pedem que, para todo ser, para toda realidade, exista uma causa
determinante e esta, por sua vez, tenha uma outra causa e assim sucessivamente; as teses são válidas no mundo dos fenômenos.
Quanto às antíteses, as antíteses seriam válidas no mundo dos noumenos. Suponhamos que exista uma via para se chegar às coisas
metafísicas que não seja aquela do conhecimento científico: então elas seriam válidas. As teses são válidas para a ciência fisico-
matemática, e as antíteses seriam válidas para uma atividade não cognoscitiva que nos pudesse conduzir às realidades metafísicas.

Teologia racional
Em sua crítica à teologia racional, Kant analisa as provas da existência de Deus mais conhecidas. Estas são o argumento
ontológico; o argumento cosmológico que vem da antigüidade, e o argumento físico-teleológico.
O argumento ontológico, encontrado em Santo Anselmo (1033-1109) e em Descartes, afirma que o homem tem idéia de um ser
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perfeito, que necessariamente deve existir porque se não existisse não seria perfeito. "Eu tenho a idéia de um ser, de um ente
perfeito; este ente perfeito tem que existir, porque se não existisse, faltar-lhe-ia a perfeição da existência e não seria perfeito". Kant
mostra que a "existência" é uma das categorias a priori do conhecimento. A existência é uma categoria aplicável às percepções
sensíveis e portanto só é valida quando aplicada a objetos do conhecimento: o que é conhecido primeiro existe, a coisa é conhecida
como existente, e não o contrário, isto é, existe porque imaginado. Aplicar as categorias de existência, de substância, de causa, é o
ato pelo qual estabelecemos os objetos a conhecer, os fenômenos. Não é suficiente ter a idéia de algo, há de se ter a percepção
sensível correspondente, tê-la ou poder tê-la, e é isso justamente o que falta à idéia de Deus, a coisa à qual se aplique a categoria da
existência.
O argumento cosmológico consiste na enumeração de causas dos fenômenos até se chegar a uma causa não causada, que seria
Deus. Kant contra-argumenta que não há motivo algum para se cessar a aplicação da categoria de causalidade. O argumento
cosmológico é inaceitável porque consiste em ir enumerando séries de causas até deter-se numa causa incausada, sem motivo
algum.
O argumento físico-teleológico é de que todos os seres da natureza cumprem algum fim, servem para alguma coisa, logo deve
haver um "fim último": Deus. O argumento físico-teleológico é o argumento da finalidade: só uma inteligência criadora poderia ter
adequado as coisas à realização de certas finalidades. Kant diz que a teleologia é um método empregado para descrever a realidade
e que, de um simples método de organizar o conhecimento não se pode extrair qualquer outra consequência. Argumenta que, do
conceito de fins, não podemos tirar nenhuma outra consequência senão que tal ou qual forma é adequada a um fim.

Mas Deus deve existir


Kant afirma que deve haver um mundo no qual a virtude traz seguramente a felicidade. "A existência de Deus...é necessária
enquanto afirma um ser cuja vontade e cujo intelecto criam um mundo no qual não há abismo algum entre o real e o ideal, entre o
que é e o que deve ser".
Há pois um abismo entre a consciência moral, que tem exigências ideais, e a realidade fenomênica, a qual é cega para essas
exigências ideais, segue seu curso natural de causas e efeitos sem se preocupar em nada com a realização desses valores morais.
Portanto, é absolutamente necessário que, após este mundo, num lugar metafísico além da presente realidade, esteja realizada esta
plena conformidade entre aquilo que é no sentido de realidade e aquilo que deve ser no sentido da consciência moral.
Esse acordo entre aquilo que é e aquilo que deve ser, que não se dá na nossa vida fenomênica, onde predomina a causalidade física
e natural, é um postulado que exige uma unidade sintética superior. A unidade sintetizadora desse "ser" com o "dever ser",
representando a união do mais real que pode haver com o mais ideal que pode existir, Kant chama Deus.
A Razão Prática tem a primazia sobre a razão pura, no sentido de que a razão prática, a consciência moral, pode lograr aquilo que a
razão teórica não logra, conduzindo-nos às verdades da metafísica. A razão teórica está, de certo modo, ao serviço da razão prática,
porque a razão teórica não tem por função mais que o conhecimento deste mundo real, subordinado, dos fenômenos, que é como
um trânsito ou passagem ao mundo essencial das coisas em si mesmas que são Deus, o reino das almas livres e as vontades puras.

Ética
O que Kant chama "Razão Prática" não se refere à razão que determina a essência das coisas, aquilo que as coisas são, mas sim,
aplicada à ação, à prática, à moral. A "Crítica da Razão Prática" não fala de uma intuição sensível, de formas de sensibilidade, nem
tem, na terminologia de Kant, uma "Estética Transcendental", porque, enquanto as funções de conhecimento têm como
fundamento a sensibilidade espaço-temporal, a faculdade prática e a atividade moral opõem-se a toda determinação sensível. O
tempo é uma forma aplicável a fenômenos, aplicável a objetos a conhecer. A alma humana, a consciência humana moral, a vontade
livre, são alheias ao espaço e ao tempo. O elemento sensível no comportamento moral não pode ser pressuposto mas, ao contrário,
deve ser deduzido da racionalidade pura.

Dever racional
Na "Metafísica da Ética" Kant descreveu seu sistema ético, baseado numa crença de que a razão é a autoridade final para a
moralidade. A moral não poderia ter fundamento em observação dos costumes, ou em qualquer fórmula empírica. Sendo despida,
portanto, de tudo que seja empírico, "a moral é concebida como independente de todos os impulsos e tendências naturais ou
sensíveis"... a moral "seria estabelecida pela razão" como reguladora da ação. Ações de qualquer tipo, ele acreditava, precisam
partir de um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a lei ou costume
pode ser considerada como moral.

Mandamentos
Kant descreveu duas classes de mandamentos dados pela razão. Todo ato, no mo mento de iniciar-se aparece à consciência moral
sob a forma de uma dessas duas classes, ou de um desses dois tipos, de mandamentos que ele chama "imperativos hipotéticos" e
"imperativos categóricos". Ele distingue os imperativos categóricos dos imperativos hipotéticos do seguinte modo. O imperativo
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hipotético dita um dado curso de ação para se chegar a um fim específico; o imperativo categórico dita o curso da ação que precisa
ser seguida devido a sua correção e necessidade.

Imperativo hipotético
Os imperativos hipotéticos estão subordinados a uma condição: correspondem a ações como meio de evitar tal ou qual castigo, ou
para obter tal ou qual recompensa. Enunciam um mandamento subordinado a determinadas condições (se queres sarar, toma o
remédio), enquanto o imperativo categórico é inteiramente desvinculado de qualquer condição.

Imperativo categórico
Como é formulado o imperativo categórico? O imperativo categórico é a base da moralidade e foi colocado por Kant nessas
palavras: "Aja como se a máxima de sua ação fosse para tornar-se pela sua vontade uma lei natural geral" o que é o mesmo que:
"Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal" ou ainda "Age de maneira que possas
querer que o motivo que te levou a agir seja uma lei universal".
Com respeito aos juízos morais, as coisas não são nem boas nem más, são indiferentes ao bem e ao mal. Os qualificativos morais
não correspondem, igualmente, àquilo que o homem faz efetivamente, mas sim, estritamente, àquilo que ele quer fazer. Esta
postulação com respeito aos juízos morais conduz à conclusão de que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa ou má é a
vontade humana.
É importante aqui a noção de uma vontade santa a que se refere Kant. Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre
razão e inclinação. Um ser possuído de uma vontade santa sempre agiria da forma que devia agir. Não teria, no entanto, o conceito
de dever e de obrigação moral, os quais somente entram quando a razão e o desejo se encontram em oposição. Então a vida moral é
uma luta contínua na qual a moralidade aparece para o delinqüente potencial na forma de uma lei que exige ser obedecida por si
mesma, uma lei cujos comandos não são lançados por uma autoridade alheia mas representa a voz da razão, que o sujeito moral
pode reconhecer como sua própria.
Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é preciso que o domínio da vontade livre sobre a vontade psicológica
determinada seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama santo a um homem que dominou por completo, aqui, na
experiência, toda determinação moral oriunda dos fenômenos concretos, físicos, fisiológicos, psicológicos, para sujeita-la à lei
moral.

Liberdade
A condição preliminar para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a liberdade, o que leva a conceber a liberdade
como postulado necessário da vida moral, ou seja, o seu a priori. O eu se põe como sujeito cognoscente, ao qual está afeto o
processo do conhecimento, e esse mesmo eu é também consciência moral e refere-se a si mesmo não como sujeito cognoscente,
mas como eu ativo, que tem vontade, como "agente".A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão
estabeleça, por si só, aquilo que se deva obedecer no terreno da conduta.
As idéias éticas de Kant são um resultado lógico de sua crença na liberdade fundamental do indivíduo como afirmada na sua
"Crítica da Razão Prática" (1788). Esta liberdade ele não olhava como a liberdade sem leis da anarquia, mas mais como a liberdade
de autogoverno, a liberdade para obedecer conscientemente as leis do universo como reveladas pela razão.
A vontade é autônoma quando dá a si mesma sua própria lei; é heterônoma se recebe passivamente a lei. Se a vontade é autônoma,
isto implica no postulado da liberdade da vontade. Como poderia ser a vontade meritória, boa ou má, se estivesse sujeita à lei de
causas e efeitos, à determinação natural dos fenômenos?
De outra parte, Kant concebe a liberdade da vontade de duas maneiras. Considerada como um fenómeno que se efetua no mundo
sensível dos fenômenos, onde cada uma de nossas ações tem suas causas e está integralmente determinada (Vontade psicológica) a
vontade não é absolutamente livre. No mundo inteligível manifesta-se a vontade livre, que não está sob aspectos de causa, de
determinação, mas sob o aspecto do dever. Visa a prática do bem. Este é o efeito possível da liberdade, do ponto de vista moral,
segundo Kant.
Kant faz distinção entre as máximas e as leis morais. As primeiras, as máximas, seriam subjetivas, contendo uma condição
considerada pelo sujeito como válida somente para sua vontade, condição de alcançar sua felicidade pessoal, e portanto sua
vontade está condicionada. As leis morais, ao contrário, seriam objetivas, contendo uma condição válida para a vontade de
qualquer ser racional. Ambas derivam puramente da razão, mas apenas a vontade determinada apenas pela forma da lei e, por
consequência independente de todo estímulo empírico é livre.

Imortalidade
O primeiro postulado com que Kant inaugura sua metafísica, extraindo-a da ética, é esse postulado da liberdade. O segundo é o da
imortalidade. De onde deduz a imortalidade?
Se a vontade humana é livre, existe um mundo inteligível, não sujeito às formas de espaço, ao tempo nem às categorias. Se nosso
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eu, como pessoa moral, não está sujeito a espaço, tempo e categorias, não tem sentido para ele falar de uma vida mais ou menos
longa, mais ou menos curta. O limite de tempo deixa de interessar.
Essa conclusão simples pela imortalidade vai abrir caminho para o fundamento da moral. Pois, que motivo teria alguém para seguir
uma lei moral? A resposta só pode ser encontrada admitindo-se a primazia da razão prática, mediante a fé moral na imortalidade da
alma e a existência de Deus, que ressurgem, assim, no sistema kantiano, como postulados da "razão pura prática". A fé moral na
imortalidade da alma é necessária para que se conceba uma vida supra-sensível na qual a virtude possa receber seu prêmio.
Prêmio? Neste ponto existe um impasse, uma antinomia: por uma lado o desejo de felicidade deve ser a causa motora para a
máxima da virtude ("sede virtuosos para que possais alcançar a felicidade") mas isto é contrário à pureza exigida pela lei moral
(que não admite qualquer interesse); por outro lado, a virtude deveria ser garantia de felicidade, o que, neste mundo, não acontece.
Então não haveria motivo algum para a moralidade. Teria que ser um gosto por obedecer a lei em si mesma, sem qualquer proveito.
Poder-se-ia dizer que o respeito pela lei não é apenas um motor da vontade, mas a própria moralidade, considerada subjetivamente
como motivo.
Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem independe de todo conteúdo empírico. O bem é função da lei moral, não deve,
pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.

Política
Em seu tratado "Paz perpétua" Kant advogava o estabelecimento de uma federação mundial de estados republicanos. Acreditava
que a felicidade de cada indivíduo deveria ser, com propriedade, olhada como um fim em si mesma e que o mundo progredia na
direção de uma sociedade ideal na qual a razão haveria de "levar cada legislador a fazer suas leis de tal modo que elas poderiam ter
emergido da vontade unida do povo inteiro, e olhar cada assunto, tanto quanto ele quisesse ser um cidadão, na base de se ele estava
de acordo com essa vontade".

Estética
A Estética é reconhecida como uma disciplina dentro da filosofia. O termo foi usado por Baumgartem em "Reflexões sobre a
Poesia" e de então tornou-se parte permanente do vocabulário filosófico.
Além de conhecer, e da liberdade de agir conforme o bem ou o mal, Kant reconhece ainda no homem a faculdade de julgar. Ele
indaga se essa faculdade também possui princípios a priori, ou seja, formas universais e necessárias de subordinação do mundo
natural à razão ou espírito humano. Constituem a faculdade de julgar dois tipos de juízos: o determinante e o reflexionante.
O sentimento de prazer e desprazer constitui a fonte do juízo reflexionante, que concilia a faculdade de conhecer com a faculdade
de desejar, na medida em que subordina um conteúdo representativo (algo conhecido) a um fim desejado. Os juízos reflexionantes
são de dois tipos: os estéticos e os teleológicos.
A "Crítica do juízo" Kant dividiu-a em duas partes: A "Crítica do juízo estético" e a "Crítica do juízo teleológico". Nessa obra,
considerada um de seus trabalhos mais originais e instrutivos, ele analisa, na primeira parte, uma teoria do belo, compreendendo a
faculdade de julgar a finalidade formal, que chama também finalidade subjetiva, por meio do sentimento de prazer ou desprazer, e
na segunda, a aparência de finalidade na natureza, a faculdade de julgar a finalidade real, objetiva, da natureza mediante o intelecto
e a razão. Na primeira parte, após uma introdução em que discute "finalidade lógica", ele analisa os juízos que atribuem beleza a
alguma coisa.
O juízo estético tem por objeto o sentimento do belo e do sublime. Nos juízos estéticos, o objeto é relacionado com um fim
subjetivo, ou seja, com o sentimento de eficácia sentido pelo homem diante desse objeto.

O belo.
Do agradável e do útil Kant diz que tem como condição "uma correspondência entre o objeto e um interesse meramente individual
e contingente, ou puramente racional". Ao contrário, no sentimento do belo, não ocorre esse tipo de condicionamento. O que
importa no sentimento do belo é apenas a forma da representação, na qual se realiza a plena harmonia entre as funções
cognoscitiva, sensível e intelectual.
A explicação está no fato de que, quando uma pessoa contempla um objeto e o acha belo, há uma certa harmonia entre sua
imaginação e seu entendimento, do qual ela fica consciente devido ao imediato deleite que ela tem no objeto.
Segundo Kant, a harmonia entre as funções cognoscitiva, sensível e intelectual é inteiramente independente do conteúdo empírico
da representação e dos condicionamentos individuais, e portanto o sentimento do belo resultante é apriorístico e, como tal,
fundamenta a validez universal e necessária dos juízos estéticos.
Tais juízos, de acordo com ele, diferentemente de mera expressão de gosto, pretendem uma validade geral, mas não podem nem
por isso ser considerados cognitivos porque fundam-se na sensibilidade, não sobre argumentos. A imaginação se apodera do objeto
e no entanto não está restrita a nenhum conceito definido; ao mesmo tempo a pessoa pode imputar o deleite que sente também aos
outros porque ele salta do jogo livre de suas faculdades cognitivas, que são as mesma em todos os homens. Por isso Kant estava

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particularmente preocupado com a exigência que as pessoas fazem pela universalidade do juízo do belo para explicar e sustentar o
alto prestígio da artes. É uma exigência comparável à que é feita pela moralidade que, sem essa exigência de universalidade, parece
que estaria ameaçada de desintegração.

O sublime.
Como sublime Kant entende "um estado subjetivo determinado por um objeto cuja infinidade se alcança com o pensamento, mas
não se pode captar pela intuição sensível. "O sublime, tanto quanto o belo, é fonte de sentimento de prazer e é universal".

Juízos teleológicos.
Nos juízos teleológicos, o objeto é considerado segundo as exigências da razão, como correspondendo a uma finalidade objetiva
(se serve para isto ou aquilo); adaptando-se aquelas exigências, suscita um sentimento de prazer. Na segunda parte da sua "Crítica
do Juízo", Kant voltou a considerar a finalidade na natureza como ela é colocada pela existência nos corpos orgânicos de coisas das
quais as partes são reciprocamente meios e fins umas para as outras. Ao tratar com esses corpos, alguém não pode contentar-se
meramente com princípios mecânicos.
No entanto, se o mecanismo é abandonado e a noção de finalidade ou fim da natureza é tomado literalmente, isto parece implicar
que as coisas às quais se aplica precisam ser o trabalho de um arquiteto sobrenatural, mas isto significariam uma passagem do
sensível para o supra-sensível, um passo que na sua primeira "Crítica" ele considerou ser impossível.
Kant responde a essa objeção admitindo que a linguagem teleológica não pode ser evitada na descrição dos fenômenos naturais
mas ela precisa ser entendida como significando apenas que os organismos precisam ser considerados "como se" eles tivessem sido
o produto de um projeto, de um designe, o que de modo algum é a mesma coisa que dizer que eles foram assim deliberadamente
produzidos.

Filosofia

Gottfried Wilhelm Leibniz

Barão Gottfried Wilhelm Leibniz, ou apenas Leibnitz, como é mais conhecido, nasceu em Leipzig, na Alemanha, em 1 de julho de
1646. Seu pai, Friedrich Leibniz era professor de ética em Leipzig e morreu em 1652. Leibniz aprendeu sozinho latim e grego para
ler grandes autores na bibliotece de seu pai. Em 1661 a 1666 cursou a Universidade de Leipzig como estudante de direito, quando
então, teve contacto com textos de filósofos modernos da época, tais como Bacon (1561-1626), Hobbes (1588-1679), Galileu
(1564-1642) e Descartes (1596-1650).
Em sua tese de bacharelado "Sobre o Princípio do Individual", de 1663, Leibniz enfatiza que o valor existencial do indivíduo não
deve ser explicado somente pela "
matéria" ou pela "forma" mas, antes, por seu ser total. Em 1666 escreveu De Arte Combinatoria no qual formulou um modelo que
é o precursor teórico de computação moderna: todo raciocínio, toda descoberta, verbal ou não, é redutível a uma combinação
ordenada de elementos tais como números, palavras, sons ou cores.
Formando-se em leis em 1666, Leibniz candidatou-se ao doutorado e, sendo recusado devido a sua pouca idade, deixou Leipzig
para sempre. Fez estudos de matemática em Jena. Na cidade livre de Nürnberg recebeu o título de doutor com a tese "Sobre Casos
Intrigantes" e foi convidado a lecionar na universidade. La conheceu em 1667 Johann Christian, o Barão de Boyneburg, ilustre
estadista alemão que o empregou e o introduziu na corte do príncipe e arcebispo de Moguncia, Johann Philipp von Schönborn, para
assuntos de direito e política.

Em 1667 Leibniz dedicou ao príncipe um trabalho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmética do direito e
uma tabela de correspondência jurídica. Tratava-se de um sistema lógico de catalogação, o qual pode muito bem ser comparado aos
atuais princípios da informática. Por causa desse trabalho foi incumbido de fazer a revisão do "corpus juris latini", a então
consolidação do direito romano vigente.
Na área religiosa Leibniz se esforçou para a união das religiões protestante e católica. Leibniz trabalhou no Demonstrationes
Catholicae, cujas especulações levam-no a situar a alma num determinado ponto e a desenvolver o princípio da razão suficiente,
segundo o qual nada acontece sem uma razão. Suas conclusões aparecem em 1671 num trabalho com o título Hypothesis Physica
Nova. Conclui que o movimento depende, como na teoria do astrônomo alemão Johannes Kepler, da ação de um espírito (no caso,
Deus).
Em 1672 Leibniz vai a Paris em uma obscura missão diplomática: convencer Luiz XIV
a conquistar o Egito, aniquilar a Turquia para evitar novas invasões bárbaras da Europa, via Grécia. Era uma estratégia para desviar
o poderio militar da França de uma ameaça à Alemanha.
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Em Paris, conhece Antoine Arnauld (1612-1694), teólogo líder dos jansenistas. Estes, eram seguidores de uma doutrina que negava
a liberdade de vontade e negava que Cristo houvesse morrido por todos os homens, considerados hereges pela Igreja Católica.
Com Arnauld, Leibniz discute sobre a possibilidade da união das igrejas, filosofia e matemática. Arnauld era conhecido pelos seus
ataques aos jesuítas efoi demitido da Sorbone por heresia em 1656. Mais tarde, em 1682, iria refugiar-se em Bruxelas, Bélgica,
onde escreveria suas idéias. Por essa ocasião Leibniz perde sucessivamente os seus protetores. Morreu o Barão de Boyneburg em
fins de 1672 e o príncipe eleitor de Mainz no início de 1673. Buscando meios de manter-se, construiu uma máquina de calcular, um
aperfeiçoamento de uma máquina desenvolvida anteriormente por Blaise Pascal, matemático e cientista francês e escritor, e indo à
Inglaterra, apresentou-a à Royal Society em 1673. Em Londres Leibniz procurou os matemáticos e cientistas, inclusive Robert
Boyle, e entre eles, John Collins, um amigo do físico Sir Isaac Newton, a quem voltaria a encontrar mais tarde.
A permanência de Leibniz em Paris se prolonga até 1676, onde pratica advocacia e trata com vários intelectuais, além de Arnauld,
como Malebranche e Huygens. Christian Huygens (1629-1695), matemático, astrônomo e físico holandês ajudou-o nos cálculos
matemáticos. Residindo em Paris, Huygens criou a teoria ondulatória da luz, introduziu o uso do pêndulo nos relógios, descobriu a
forma dos aneis de Saturno. Eleito membro fundador da Academia de Ciências da França em 1666, morou lá até 1681, retornando
então para a Holanda. Arnauld o apresenta a muitos jansenistas importantes em 1674, entre eles, a Étiene Périer, sobrinho de Pascal
que confiou a Leibniz trabalhos não publicados de Pascal.
Em 1675 entretém com Nicolas Malebranche, outro geômetra e filósofo cartesiano, discussões enquanto trabalha no
desenvolvimento dos cálculos integral e diferencial, cujos fundamentos lança naquele mesmo ano 1675. Ainda sem renda garantida
para sua sobrevivência, Leibniz é obrigado, em 1676, a aceitar um emprego na Alemanha. Deixa Paris contra sua vontade, viajando
primeiro para a Inglaterra e a Holanda.
Em Londres esteve novamente com John Collins, que lhe permitiu ver alguns trabalhos não publicados de outros matemáticos,
principalmente de Newton. Na Holanda, em Haia, teve demoradas conversas com o filósofo racionalista judeu Baruch de Espinoza,
com quem discute problemas metafísicos.
Espinoza (1632-1677) fora excomungado pelas autoridades judaicas pela sua explicação não tradicional da bíblia em 1656 e um
ano depois do encontro com Leibniz, Espinoza se recolhe ao campo para escrever sua "Ética" (1677) e outros livros, inclusive
o"Tratado Teológico-político" (1670) advogando liberdade de filosofia em nome da piedade e da paz pública.
Retornando à Alemanha, em fins de 1676, Leibniz trabalha para João Frederico, Duque de Hanôver, um luterano convertido ao
catolicismo. Veio a ser, a partir de 1678, conselheiro do Duque e se propôs inúmeras realizações de interesse para o Ducado.
Continua a manter debates sobre a união das religiões protestante e católica, primeiro com o Bispo Cristóbal Rojas de Espínola e,
através de correspondência, com Jacques Benigne Bossuet, bispo católico francês. Conhece também Nicolaus Steno, um prelado
que era um cientista especializado em geologia.
Nessa época Leibniz se ocupa de várias tarefas, entre elas, da inspecção dos conventos e melhoria da educação com fundação de
academias, e desenvolve inúmeras pesquisas sobre prensas hidráulicas, moinhos, lâmpadas, submarinos, relógios, idealiza um
modo de melhorar as carruagens e faz experiências com o elemento fósforo recém descoberto pelo alquimista alemão Henning
Brand.
Desenvolveu também uma bomba d'água para melhorar a exploração das minas próximas, nas quais freqüentemente trabalhou
como engenheiro entre 1680 e 1685. Leibniz é considerado um dos criadores da geologia, devido a riqueza de suas observações,
inclusive devido à hipótese de ter sido a terra primeiro líquida, idéia que apresenta no seu Protogeae, que somente foi publicado
após sua morte, em 1749.
Tantas ocupações não interromperam seu trabalho em matemática. Em 1679 aperfeiçoou o sistema de numeração binário, base da
moderna computação e, ao fim do mesmo ano, propôs as bases do que é hoje a topologia geral, parte da alta matemática.
A essa altura, início de 1680, falece o Duque João Frederico, que é sucedido pelo irmão Ernesto Augusto. A situação política agora
é mais complicada para a Alemanha. A França, com Luís XIV torna-se uma ameaça. Aumentam as perseguições aos protestantes,
culminando com a revogação do Édito de Nantes em 1685, um perigo para os principados alemães protestantes da fronteira. Em
1681 Luís XIV avançou anexando à França algumas cidades da Alsacia. O Império Germânico era ameaçado também em seu
flanco oriental por uma revolta na Hungria e pelo avanço dos turcos que chegaram a assediar Viena em 1683.
Leibniz continua seu esforço nas frentes mais variadas, tanto pelo Ducado quanto pelo Império. Sugeriu meios de aumentar a
produção de tecidos, propôs um processo de dessalinização da água, recomendou a classificação dos arquivos e, em 1682, sugeriu a
publicação de um periódico, Acta Eruditorum.
Na área política escreveu, em 1683, um violento panfleto contra Luís XIV, intitulado O Mais Cristão Deus da Guerra, em francês e
latim. Aí Leibniz expôs seus pensamentos a respeito da guerra com a Hungria.
Nessa mesma época continuou a aperfeiçoar seu sistema metafísico buscando uma noção de causa universal de todo ser, tentando
chegar a um ponto de partida que reduzisse o raciocínio a uma álgebra do pensamento. Continuou também a desenvolver seus
conhecimentos matemáticos e física. Em 1684 publicou Nova Methodus pro Maximis et Minimis, uma exposição do seu cálculo
diferencial.
Desde 1665 Newton também havia descoberto o cálculo, mas apenas comunicara seus achados aos amigos e não os publicou. Entre
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esses amigos John Collins. Quando se soube que Leibniz havia estado com Collins na Inglaterra e visto alguns escritos de Newton,
abriu-se a questão de prioridade da invenção do cálculo, que se tornou uma das mais famosas disputas do século XVIII.
Seu "Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as idéias" apareceu nessa época definindo sua teoria do conhecimento. Em
1686 escreveu o "Discours de métaphysique" seguido de "Breve demonstração do memorável erro de Descartes e outros, sobre a
Lei da Natureza". Pode se dizer que por volta de 1686 sua filosofia da monadologia estava definida, porem a palavra "mônada"
seria inserida mais tarde, em 1695.
Em 1687 correspondeu-se com Pierre Bayle, o filósofo francês e enciclopedista que editava o influente jornal Notícias da
República das Letras, afirmando em suas cartas sua independência dos cartesianos. Essa correspondência antecipou os Essais de
théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l'homme et l'origine du mal, único de seus livros mais importantes a ser publicado em
sua vida, em 1710.
Em 1685 Leibniz foi nomeado historiador da Casa de Brunswick e conselheiro da corte. Seu trabalho seria provar, por meio da
genealogia, que a casa nobre de Brunswick tinha suas origens na casa de Este, uma casa de príncipes italianos, o que permitiria
Hanôver pretender um nono eleitorado. Em 1687 Leibniz começou a viajar em busca de documentos.
Seguiu pelo sul da Alemanha até a Áustria, ao tempo que Luís XIV mais uma vez declarava guerra ao Império. Foi bem recebido
pelo Imperador e de lá seguiu para a Itália. Por onde ia encontrava-se com cientista e continuava seu trabalho intelectual. Publicou
em 1689 seu ensaio sobre o movimento dos corpos celestes. Este ano leu o Principia Matematica de Newton. Retornou a Hanôver
em 1690. Seus esforços não foram em vão. Em 1692 Ernesto Augusto obteve a investidura como Eleitor dos Imperadores do Sacro
Império Germânico.
Dono de enorme energia intelectual, Leibniz continua estudos dos mais diversos, agora sobre a história da Terra, compreendendo
os eventos geológicos e a descrição de fósseis. Procurou, por meio de monumentos e de vestígios linguísticos, a origem das
migrações dos povos, origem e progresso da ciência, ética e política e, finalmente, por elementos da história sacra. Em seu projeto
de uma história universal Leibniz nunca perdeu de vista o fato de que tudo se interliga. Apesar de não conseguir escrever essa
história, seus esforços foram influentes porque ele divisou novas combinações de velhas idéias e inventou outras totalmente novas.
Em 1695 ele expôs uma parte de sua teoria dinâmica do movimento no Système Nouveau, onde tratava do relacionamento de
substancias e da harmonia pre-estabelecida entre a alma e o corpo. Deus não necessita de intervir na ação do homem por meio de
seu pensamento, como Malebranche postulava, ou dar corda num tipo de relógio de modo a conciliar os dois; em lugar disso, o
Supremo Relojoeiro fez que correspondessem exatamente corpo e alma, eles dão sentido um a outro desde o começo.
Em 1697, em "Sobre a origem das coisas", Leibniz tentou provar que a origem última das coisas não pode ser outra senão Deus.
No início de 1698 morreu o príncipe eleitor Ernesto Augusto, sucedendo-o seu filho George Luís. Incompatibilizado com o novo
príncipe, mal educado e desagradável, Leibniz valia-se da amizade de Sofia, viúva, e de Sofia Carlota, filha do falecido príncipe.
Com a ajuda da jovem princesa Carlota, a qual logo seria a primeira rainha da Prússia, promoveu a criação da Academia de
Ciências de Berlim (Capital da Prússia, que era o norte da Alemanha e parte do norte da atual Polônia) em 1700.
Mais uma vez pôs-se a trabalhar arduamente pela união das igrejas: em Berlim tratava-se de unir luteranos e calvinistas; em Paris
havia a oposição de Bossuet; em Viena, para onde retorna em 1700, consegue o apoio do Imperador, e na Inglaterra são os
anglicanos que precisam ser convencidos.
Esta atividade deu oportunidade para comunicar-se com intelectuais ingleses, como o deísta John Toland, que vem acompanhando
o embaixador da Inglaterra enviado a Hanôver em 1702, com o bispo de Salisbury, chefe da Igreja Anglicana, e Lady Darnaris
Masham em cuja casa John Locke viria a falecer em 1704.
Leibniz estava impressionado com as qualidades do Czar russo, Pedro o Grande e, em 1711, foi recebido a primeira vez pelo Czar.
Em outono de 1714 o Imperador nomeou-o conselheiro do império e lhe deu o título de Barão. Ainda nessa época escreveu
Principes de la nature e de la Grace fondés en raison, cujo objeto é a harmonia pre-estabelecida entre essas duas ordens. Mais tarde,
em 1714, escreveu Monadologia que sintetiza a filosofia da "Teodicéia".
Em meados de 1714, a morte da rainha Ana levou George Luís ao trono da Inglaterra com o nome de George I. Retornando a
Hanôver, onde ele estava virtualmente em prisão domiciliar, Leibniz pôs-se novamente a trabalhar no Annales Imperii Occidentis
Brunsvicenses (Anais braunsvicenses do Império Ocidental), ocupando-se também de extensa correspondência com Samuel
Clarke.
Em Bad-Pyrmont ele encontrou Pedro o Grande pela última vez em 1716. A partir de então ele sofria muito de gota e ficou
confinado ao leito. Leibniz falece em Hanôver em 14 de novembro de 1716, relativamente esquecido e isolado dos assuntos
públicos. Um projeto seu que não teve sucesso foi o de união das igrejas cristãs, de unir novamente as duas profissões de fé.

Pensamento
Quase todas as obras de Leibniz estão escritas em francês ou latim e poucas em alemão, língua que não era muito destinada à obras
de filosofia. Eram ortodoxos e otimistas, proclamando que o plano divino fez este o melhor de todos os mundos possíveis, um
ponto de vista satirizado por Voltaire (1694-1778) no Candide.
Leibniz é conhecido entre os filósofos pela amplitude de seu pensamento sobre ideias e princípios fundamentais da filosofia,
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incluindo a verdade, os mundos possíveis, o princípio de razão suficiente (isto é, que nada ocorre sem uma razão), o princípio da
harmonia pré-estabelecida (Deus construiu o universo de tal modo que os fatos mentais e físicos ocorrem simultaneamente), e o
princípio de não contradição (que uma proposição da qual se pode derivar uma contradição é falsa).
Teve por toda a vida interesse, e perseguiu a idéia, de que os princípios da razão pudessem ser reduzidos a um sistema simbólico
formal, uma álgebra ou cálculo do pensamento, no qual controvérsias seriam acertadas por meio de cálculos.
Foi tanto um filósofo quanto um matemático de gênio. Na matemática criou, com Isaac Newton (1643-1727) físico matemático
inglês, o cálculo infinitesimal ou de limites de funções, uma fe rramenta para o cálculo diferencial que é o cálculo de derivadas de
funções. No seu aspecto geométrico, o cálculo infinitesimal, integral e diferencial, toma o ponto simplesmente como uma
circunferência de raio infinitamente pequeno, a curva como um pedaço de circunferência de raio finito, constante, e a reta um
pedaço de circunferência de raio infinitamente longo.

Teoria do conhecimento
Princípios
De acordo com Leibniz, a razão afirma que uma coisa só pode existir necessariamente se, além de não ser contraditória, houver
uma causa, causa de origem e causa final, que a faça existir. Tira daí dois princípios inatos.
Para explicar a Verdade da Razão e a Verdade de Fato, Leibniz recorre à dois princípios, um falando das coisas a priori e outro das
coisas a posteriori, ou seja, uma não dependente da experiência e dos sentidos mas dependente da razão e outro dependente dos
sentidos e da experiência (tal como afirmava Kant).

Princípio da não Contradição


O primeiro princípio inato é o Princípio da não Contradição do que é explicado ou demonstrado. Ao primeiro princípio
correspondem as verdades de razão. São necessárias, têm a razão em si mesmas. O predicado está implícito na essência do sujeito.
As verdades de razão são evidentes a priori, independentes da experiência, prévias à experiência. As verdades de razão são
necessárias, fundam-se no princípio da contradição, como na proposição "dois mais dois são quatro": Não poderiam não ser. Não
cabe contradição possível.

Princípio da Razão Suficiente


O segundo princípio é o Princípio da Razão Suficiente da existência da coisa em questão. Para que uma coisa seja, é necessário que
se dê uma razão porque seja assim e não de outro modo. Ao segundo princípio correspondem as verdades de fato. Estas não se
justificam a priori, mas sim pelo princípio da razão suficiente. As verdades de fato são contingentes. A sua razão resulta de uma
infinidade de atos passados e presentes que constituem a razão suficiente pela qual ele se dá agora. São atestadas pela experiência.
São as verdades científicas; são de um jeito, mas poderiam ser de outro. A água ferve a 100 graus centígrados, mas poderia não
ferver e, de fato não ferve, quando é mudada a pressão no seu recipiente. Essas verdades dependem de experiência que as
comprove.
Em Deus desapareceria a distinção entre verdades de fato e verdades de razão, porque Deus conhece atualmente toda a série
infinita de razões suficientes que fizeram que cada coisa seja aquilo que é. Além dos princípios da não-contradição, da razão
suficiente, encontra também os princípios do melhor, da continuidade e dos indiscerníveis, considerados por ele constitutivos da
própria razão humana e, portanto, inatos, embora apenas virtualmente.
Nos "Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano" Leibniz rejeita a teoria empirista de Locke (1632-1704), segundo a qual a
origem das idéias encontra-se exclusivamente na experiência e que a alma seria uma tabula rasa. Para Leibniz, a vontade do
Criador submete-se ao seu entendimento; Deus não pode romper Sua própria lógica e agir sem razões, pois estas constituem Sua
natureza imutável. Conseqüentemente o mundo criado por Deus estaria impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos
propostos pela mente divina. Deus calcula vários mundos possíveis e faz existir o melhor desses mundos. Entre tantos mundos
possíveis (existentes em Deus como possibilidades), Deus dá existência a um só e a escolha obedece ao critério do melhor, que é a
razão suficiente do existir do nosso mundo.

Princípio de Continuidade
De acordo com o princípio de continuidade, não existem descontinuidades na hierarquia dos seres (As plantas são animais
imperfeitos e também não há vazios no espaço). Quanto ao princípio dos indiscerníveis, Leibniz afirma que não há no universo
dois seres idênticos e que sua diferença não é numérica nem espacial ou temporal, mas intrínseca, isto é, cada ser é em si diferente
de qualquer outro.

Origem das idéias


Leibniz, diante da necessidade de conciliar algumas evidências favoráveis e contrárias à existência de idéias inatas, supôz existir no
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espírito alguma estrutura coordenadora do raciocínio. Ao invés das idéias inatas em si, ele admitiu serem inatas certas estruturas
geradoras de idéias. No prefácio aos "Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano", diz:
"Por isso emprego de preferência a comparação com um bloco de mármore que tem veios... se há veios na pedra que desenham a
figura de Hércules em lugar de qualquer outra, este bloco lhe estaria já disposto, e Hércules lhe seria de algum modo como inato,
ainda que fosse sempre necessário certo trabalho para descobrir estes veios e destaca-los pelo polimento, eliminando o que
impede sua aparição. Do mesmo modo as idéias e a verdade nos são inatas como inclinações, disposições, capacidades e
faculdades naturais, e não como ações ou funções, se bem que estas faculdades vão sempre acompanhadas de algumas ações
correspondentes imperceptíveis".
A mônada encerra em si toda a realidade e nada lhe pode vir de fora. Portanto, tudo o que aconteça, está incluído na sua essência e,
por conseguinte, na sua noção completa. Leibniz contraria a posição empirista de que não há nada no entendimento que não tenha
passado antes pelos sentidos, excetuando o próprio entendimento. Todas as ideias procedem da princípio de continuidade. Nada é
recebido de fora. Este é um postulado diametralmente oposto ao empirismo de Locke, que reconhece as idéias resultantes da
experiência.
As ideias são, pois, inatas num certo sentido. Não estão em estado de atualidade que pudessem ser percebidas. Estão em nós em
estado de virtualidades, ou potencial, e é através da reflexão que a alma adquire consciência. Esta é uma certa aproximação com
Platão. Nossa alma (que é uma mônada) é preformada, isto é, contem virtualmente as verdades necessárias que descobre e torna
distintas pela reflexão.

Lógica
A lógica tradicional, demonstrativa, não satisfaz Leibniz. Crê que só serve para demonstrar verdades já conhecidas e não para
encontra-las. Quis fazer uma lógica que servisse para descobrir verdades, uma combinatória universal que estudasse as possíveis
combinações dos conceitos. Esgrimando com objetos ideais, seria possível chegar a todas as verdades. Poder-se-ia operar de uma
forma apriorística e segura, de uma maneira matemática, para a investigação da verdade.
Esta é a famosa Ars magna combinatoria, que seduziu filósofos desde Raimundo Lúlio (1235-1316). Ela se apoia, evidentemente,
na crença de que os fatos acompanhariam a linguagem em lugar da linguagem acompanhar os fatos, ordenando os conceitos e
apontado possibilidades apenas enquanto associa referências da experiência passada, como em Locke.

Monadologia
Em 1676 Leibniz tornou-se o fundador de uma nova formulação teórica conhecida como dinâmica, que substituia a energia cinética
pela conservação do movimento. Leibniz explica os seres como forças vivas, não como máquinas. Em crítica a Descartes,
reelabora o pensamento cartesiano. A redução cartesiana da matéria à extensão não explica a resistência que a matéria oferece ao
movimento. Esta resistência é uma "força".
A chamada matéria, na sua essência, é força. E Descartes não se ocupa da força, mas apenas do movimento, da mera mudança de
posição de um móvel em relação às coordenadas. Leibniz muda essa física estática e geométrica. O movimento é produzido por
uma força viva. A ideia de uma natureza estática e inerte é substituída por uma idéia dinâmica; em contraste com uma física da
extensão, faz um retorno ao pensamento grego de que a natureza é princípio de movimento.
Para acomodar a força na natureza Leibniz necessita uma nova idéia de substância. A partir da noção de matéria como
essencialmente atividade, Leibniz chega à idéia de que o universo é composto por unidades de força, as mônadas, noção
fundamental de sua metafísica. Mônada quer dizer substância real, palavra usada por Giordano Bruno, segundo dizem, a teria
tirado de Plotino.
A mônada não tem extensão, não é divisível, não é material. Mônada é força, é energia, vigor. Não força física mas capacidade de
atuar, de agir. O universo não é senão um conjunto de substâncias simples, ativas, construídas pelas mônadas. São unidades sem
partes, que formam os compostos; são os elementos das coisas.
Leibniz faz o contrário de Espinoza: enquanto este reduz a substancialidade a um ente único, natureza ou Deus, Leibniz restitui à
substancia o caráter de coisa individual que teve desde Aristóteles. A substância, dizia Aristóteles, é o que é próprio de cada coisa.
A substância ou natureza torna a ser o princípio do movimento nas próprias coisas.
As mônadas são rigorosamente indivisíveis e, portanto, inextensas, porque a extensão é sempre divisível. Estas mônadas simples
não podem corromper-se, nem perecer por dissolução, nem começar por composição. Têm qualidades, são distintas e
incomunicáveis entre si e também mudam de modo contínuo segundo suas possibilidades internas. São unidades de força. A partir
de seu lugar, cada mônada representa ou reflete o universo inteiro, ativamente. As mônadas não são todas de igual hierarquia;
refletem o universo com distintos graus de claridade.
Tudo o que acontece à mônada brota do seu próprio ser, das suas possibilidades internas, sem intervenção exterior. As mônadas
têm percepções e apercepções; as primeiras são obscuras ou confusas, as segundas claras e distintas. As mônadas das coisas têm
percepções insensíveis, sem consciência, o que também acontece ao homem, em diferentes graus. Uma simples sensação é uma
ideia confusa. Quando as percepções têm clareza e consciência, e são acompanhadas de memória, são apercepções, e estas são
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próprias de almas. No cume da hierarquia das mônadas está Deus, que é acto puro.
As coisas do mundo são indiscerníveis quando são iguais (princípio de Leibniz chamados "os indicerníveis") e uma mônada é
totalmente diferente de outra. Quantidade para Leibniz é movimento e multiplicidade, portanto, como força não é mais passividade,
mas atividade. O universo não é senão um conjunto de mônadas. A quantidade das mônadas é infinita, mas cada mônada é
diferente uma de outra. À matéria prima, de todo passiva, dotada apenas de extensão (como queria Descartes), contrapõe a matéria
segunda, dotada de ação. A matéria prima (concebida em abstrato pois não existe sem a matéria segunda) é a matéria em si mesma,
de todo passiva, sem nenhum princípio de movimento. A matéria segunda ou vestida é aquela que tem em si um princípio de
movimento.
Porém cada mônada resulta de uma matéria prima ou princípio passivo e de um elemento ativo ou força. A mônada criada não
pode jamais libertar-se da passividade pois, ao contrário, seria ato puro como Deus. O espírito é mônada. Nossa experiência
interior, que nos revela a nós mesmos como uma substância ao mesmo tempo una e indivisível, indica nossa consciência como uma
mônada. Conhecemos, imaginamos a fôrça da mônada captando a nós mesmos como força, como energia, como trânsito e
movimento interno psicológico de uma idéia, de uma percepção a outra percepção, de uma vivência a outra vivência.
Apesar de indivisível, individual e simples, há mudanças interiores, há atividades no interior na mônada. Estas atividades são a
percepção e a apetição. Leibniz define a percepção como a representação do múltiplo no simples. Apetição é tendência, carência de
passar de uma a outra percepção: é uma lei espontânea. A realidade metafísica da mônada (perceber e apetecer) corresponde ao Eu.
A absoluta perfeição da mônada criada é sempre um esforço e não um ato. A atividade contínua da mônada é o esforço de
exprimir-se a si mesma, isto é, de adquirir sempre mais consciência do que virtualmente contem. Perceber é ao mesmo tempo
apetecer de perceber ainda mais.
Há uma diferença de consciência entre as mônadas (de percepção). Existem as mônadas dos corpos brutos "que só têm percepções
inconscientes e apetições cegas", Os animais se constituem de mônadas "sensitivas", dotados de apercepções e desejos, e o homem
de mônadas "racionais", com consciência e vontade. Categorias de percepções. Há três distinções fundamentais entre as
percepções: os viventes, os animais, os homens.
As percepções das quais não se tem consciência são chamadas por Leibniz percepções insensíveis. A cada momento nós temos
impressões das quais nós não nos conscientizamos... Existem muitos indícios que comprovam que temos em cada momento uma
infinidade de percepções, mas sem apercepção e sem reflexão.
Todas as ações que à primeira vista parecem arbitrárias e sem um motivo encontram a sua explicação precisamente nas percepções
insensíveis, que explicam também as diferenças de caráter e de temperamento. As mônadas têm percepção, mas algumas dentre
elas têm apercepção. As mônadas que tem apercepção e memória constituem as almas.
O saber de perceber é a apercepção, que é também esforço de ter sempre percepções mais distintas. Tal tendência vai ao infinito,
pois a mônada não realiza jamais a sua completa perfeição. Leibniz não admite comunicação ou ligação entre as mônadas. Cada
uma tem um plano interno segundo o qual vai movimentar-se de modo que esteja no lugar rigorosamente certo onde é esperado que
esteja para constituir, com outras mônadas, os corpos em repouso ou em movimento. É o que Leibniz chamou "harmonia pre-
estabelecida".
É fundamental no pensamento de Leibniz o conceito de "harmonia pre-estabelecida". Deus põe, em cada mônada, a lei da evolução
interna de suas percepções em harmônica correspondência. Os atos de cada mônada foram antecipadamente regulados de modo a
estarem adequados aos atos de todas as outras; isso constituiria a harmonia pré-estabelecida.
Deus cria as mônadas como se fossem relógios, organiza-os com perfeição de maneira a marcarem sempre a mesma hora e dá-lhes
corda a partir do mesmo instante, deixando em seguida que seus mecanismos operem sozinhos. Assim operam coordenadamente
seu desenvolvimento corresponde, a cada instante, exatamente ao de todas as outras. No ato da criação, fez com que as
modificações interna de cada mônada correspondessem exatamente às modificações de cada uma das outras.
Há um reparo que alguns fazem a Leibniz nesse particular. Segundo seu pensamento, Deus assegurou, desde sempre, a
correspondência das minhas ideias com a realidade das coisas, ao fazer coincidir o desenvolvimento da minha mônada pensante
com todo o universo. Porém diz, no Discours de métaphysique, que temos na nossa alma as ideias de todas as coisas "mercê da
ação contínua de Deus sobre nós"... Então, aquela correspondência não estava assegurada e mais, as mônadas não seriam
invioláveis. Se, de acordo com o próprio pensamento de Leibniz, as mônadas "não têm janelas" e têm já em si todo seu
desenvolvimento, então há uma exceção necessária: em vez de se porem em comunicação umas com as outras, abrem-se
exclusivamente para Deus.

Teodiceia
Leibniz concebe um mundo rigorosamente racional e como o melhor dos mundos possíveis. Então, como explicar a presença do
mal? O mal manifesta-se de três modos: metafísico, físico e moral.
O Mal Metafísico é a imperfeição inerente à própria essência da criatura. Só Deus é perfeito. Falta alguma coisa ao homem para a
perfeição, e o mal é a ausência do bem, na concepção neoplatônica e agostiniana. O mundo, como finito, é imperfeito para
distinguir-se de Deus. O mal metafísico, sendo a imperfeição, ele é inevitável na criatura. Ao produzir o mundo tal como ele é,
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Deus escolheu o menor dos males, de tal forma que o mundo comporta o máximo de bem e o mínimo de mal. A matemática divina
responsável pela determinação do máximo de existência, tão rigorosa quanto as dos máximos e mínimos matemáticos ou as leis do
equilíbrio, exerce-se na própria origem das coisas.
Um mal é, para Leibniz, a raiz do outro. O mal metafísico é a raiz do Mal Moral. É por ser imperfeito que o homem se deixa
envolver pelo confuso. O Mal Físico é entendido por Leibniz como consequência do mal moral, seja porque está vinculado à
limitação original, seja porque é punição do pecado (moral). Deus não olhou apenas a felicidade das criaturas inteligentes mas a
perfeição do conjunto.
Na moral, o bem significa o triunfo sobre o mal e para que haja bem é necessário que haja mal. O mal que existe no mundo é o
mínimo necessário para que haja um máximo de bem. Deus não implica contradição, portanto, Deus é possível como um ser
perfeitíssimo, mas para um ser perfeitíssimo sua tendência à existência se traduz imediatamente em ato. A prova de que existe é a
harmonia pre-estabelecida. Porque há acordo entre as mônadas é necessário Deus como autor delas. Outra prova são as coisas
contingentes: tudo que existe deve ter uma razão suficiente da sua existência; nenhuma coisa existente tem em si mesma tal razão;
portanto existe Deus como razão suficiente de todo o universo. Deus é a mônada perfeita, puro ato. A Teodiceia de Leibniz leva
como subtítulo Ensaios Sobre a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem e a Origem do Mal.

Liberdade
A questão da liberdade é o mais difícil de se compreender em Leibniz porque as mônadas encerram em si tudo o que lhes há de
acontecer e hão de fazer. Todas as mônadas são espontâneas, porque nada externo pode exercer coação sobre elas, nem obriga-las a
coisa nenhuma. Como é possível a liberdade?
Segundo ele, Deus cria os homens e os cria livres. Deus conhece os faturíveis, isto é, os frutos condicionados, as coisas que serão
se se puserem em certas condições. Deus conhece o que faria a vontade livre, sem que esteja determinado que isto tenha de ser
assim, nem se trate, portanto, de predeterminação.
O Mal Metafísico nasce da impossibilidade do mundo ser tão infinito quanto o seu criador. O Mal Moral é permitido por Deus
simplesmente, pois é condição para os outros bens maiores. O Mal Físico tem a sua justificação para dar ocasião a valores mais
altos. Por exemplo, a adversidade dá ocasião a que exista a fortaleza de ânimo, o heroísmo, a abnegação; além disso, Leibniz crê
que a vida, em suma, não é má, e que é maior o prazer que a dor.
Não se pode considerar isoladamente um fato. Não conhecemos os planos totais de Deus, já que seria necessário vê-los na
totalidade dos seus desígnios. Como Deus é onipotente e bom, podemos assegurar que o mundo é o melhor dos mundos possíveis;
isto é, é aquele que contém o máximo de bem com um mínimo de mal que é condição para o bem do conjunto.
Deus quer que os homens sejam livres e permite que possam pecar, porque é melhor essa liberdade que a falta dela. O homem não
sabe usar a liberdade; esta é um bem. O pecado aparece, pois, como um mal possível que condiciona um bem superior, a saber: a
liberdade humana.

Seu professor preferido, Ritschl, de cultura grega, o persuadiu a mudar para Leipzig e se dedicar a filologia. Ritschl considerava a
filologia o estudo das instituições e pensamentos, e não só o estudo das formas literárias. Seguindo o mestre, Nietzsche completou
seus estudos brilhantemente em Leipzig, e realizou estudos sobre Homero, Diógenes Laércio (século III) e Hesíodo (século VIII a.
C). A partir desses estudos, aos 24 anos, foi nomeado professor de Filosofia Clássica em Basiléia e professor de filologia clássica
da Universidade de Leipizig. Tinha vinte e quatro anos, e se interessava por música e poesia.
Queria viajar para Paris, mas o professor Ritschl, em 1869 lhe propôs o posto de professor e ele aceitou. Lá conheceu um dos
únicos amigos cuja amizade durou até o fim, Overbeck, que era professor de teologia. Nietzsche ocuapa-se com muito trabalho. Dá
aulas sobre Ésquilo e paletras, como: "Sobre a personalidade de Homero", "O drama musical grego". Redige um texto, A origem e
finalidade da tragédia. Alguns não concordam com Nietzsche, mas todos o consideram um jovem de futuro promissor.
Em 1870 ocorre a Guerra Franco Prussiana, passo importante para a unificação alemã. A Alemanha se industrializa, a exemplo da
Inglaterra e França, que desde o século anterior passavam por processo de mecanização da produção. Otto von Bismarck, militar
responsável pela unificação alemã, declara guerra à Prússia. Nietzsche participa da guerra como enfermeiro mas logo adoece de
disenteria e difteria. Essa doença pode ser a origem dos problemas de saúde que o atormentaram por toda a vida. Recupera-se
lentamente e volta para a Basiléia , afim de continuar suas atividades. Fica com a idéia de que o estado e a política são
antagonistas.
Ocorre a guerra civil da França e queimam-se os arquivos do museu do Louvre. Nietzsche fica desesperado, pois considera um
crime contra a cultura. Conclui o primeiro livro, O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música. Meditou sobre o assunto
enquanto atuava como enfermeiro. O livro tem forte influência de Wagner (1813-1883) e Schopenhauer. Por volta de 1865,
passava por uma livraria quando viu a reedição de um livro que não havia feito muito sucesso na época em que foi feito: O Mundo
como Vontade e Representação. Encontrou nele um espelho no qual redescobriu a vida com uma natureza assustadora. Passa então,
a realmente se interessar por filosofia. Neste livro está contida a idéia principal de que os atos dos seres vivos são fruto de uma

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cega vontade de viver.


Nietzsche admira-se com o seu ateísmo, e no Gaia Ciência chama Schopenhauer de primeiro filosófo assumidamente ateu.
Schopenhauer diz que os meis de produção só são admiráveis quando podem ser adquiridos por qualquer homem, e que o aumento
de custo e a falta de acesso levam a uma centralização do poder negativa. Antes da guerra, em 1868, Nietzsche e Wagner se
encontraram. Nietzsche gostava de sua músicas, como Tristão e Isolda. Através de Brockhauss, um professor da universidade
casado com a irmã de Wagner, se encontraram. Nietzsche passou a vistar Wagner em Tribschen, que não ficava longe da Basiléia.
Caracterizou o lugar como seu lar e seu refúgio.
Wagner era profundo conhecedor da filosofia de Schopenhauer. Em 1872 é publicado o Nascimento da Tragédia, que começa
falando do drama musical grego onde o dionísico se opõe ao apolíneo. O deus Dionisio (existe também a grafia Dioniso), do vinho
e da festa, levava em seus cultos à experimentação dramática da existência. Os homens experimentavam a exarcebação dos
sentidos, a vertigem e o excesso nos cultos ao Dinonísio, o Baco dos romanos. A palavra bacanau deriva dessas festas em
homenagem a Baco.
O dionisíco, é como um apolínio uma pulsão cósmica, só que de outro tipo. Nela, se aniquila as fronteiras e limites habituais da
existência cotidiana. É o prazer da ação, a inspiração, o instinto. A existência cotidiana e a existência dionísica são separados um
do outro. Mas ao passar o turbilhão perceptivo do culto a esse deus, volta-se ao estado normal, deseja-se a vida ascética. Os deuses
gregos eram necessários para esse povo, diz Nietzsche, porque legitimavam a existência humana. Os homens viviam seus deuses,
que mostravam a vida sob um olhar glorioso. Na tragédia grega, a platéia participava também. À tragédia se opõe a comédia. Nos
cultos, o deus se revela mostrando o drama da individualização. O livro de Nietzsche é de um especialista em cultura e mitologia
gregas. Transborda de lirismo.
O apolíneo surge nas homenagens ao deus Apolo. É o inverso de Dionísio, pois é o deus da moderação e da individualidade, do
lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer intelectual. Esse deus surge, na cultura grega depois de Dionísio. A arte grega
retratava seus deuses e as pulsões cósmicas se manifestavam nas atividades artísticas. A arte grega era a união desses dois ideiais,
que se alternavam. A música e o mito são inseparáveis na arte grega. O mito trágico expressava toda a crueldade do mundo
dionísico. O coro é dionísico, e o diálogo, apolíneo.
O pessimismo estava presente na arte grega, pois os gregos conheciam a dureza da vida. Essa dureza leva à desilusão, que é
vencida na arte. A complementação que existia nas experiências antagônicas do Dinosíco e Apolíneo foi destruída pela civilização.
A Grécia de então não separava o manual e o intelectual, o cidadão e político. A filosofia dos pré-socráticos é afirmadora da vida e
da natureza, pois o pensamento está unido com esse fenômeno, a vida. Mas Sócrates corrompeu essa atividade grega, com as suas
teorias, realçou o lado frouxo do caráter ateniense e corrompeu a juventude.
O caráter da filosofia passa a julgar a vida, humanizar a natureza, iluminar a escuridão do mundo com a luz tênue da razão. No
lugar ao filósofo mediador, que recria os valorers, surgiu o filósofo metafísico. Sócrates é o responsável pela divisão na
consciência entre o aparente e o real. Nas suas conversas e perambulações descobriu que os homens não tinham conhecimento
seguro de suas atividades, não resistiam à sua dialética e a sua maiêutica, eles agiam apenas por instinto O instinto passa, de força
criadora a ser crítico. Sócrates teve que pagar por sua audácia e sua serenidade diante da morte o tornou um exemplo, um novo
ideal da juventude ateniense.Nietzsche também faz a crítica a Sócrates no livro O Crepúsculo dos Ídolos.
Assim, o mito dionísico desapareeu da Grécia, deixou de ser vivenciado pelos homens. A exaltação, encarnada na folia da orgia e
corrobada pela música deram lugar ao apreço civilizatório. Mas será que essa exaltação sumiu para sempre? Nietzsche reconhece
em Wagner um Ésquilo moderno que restaura os mitos instintivos, tornando a unir a música e drama em êxtase dionísico. É esse o
caráter de sua música, segundo Nietzsche, que , junto com o povo alemão, iria restaurar o mundo experimentado sob transe
místico. A música é uma linguagem universal em alto grau. Todas as sensações humanas, seus esforços, seu interior, pode se
refletir e se expressar pelas melodias. A razão lança isso no conceito negativo do sentimento, diz Nietzsche. E , continua segundo a
doutrina de Schopenhauer, vendo a música como expressão da vontade. O peso da existência é atenuado com estimulantes e deles
derivam a civilização. Pode ser socrática, artística ou trágica. Exemplos respectivos: a civilização alexandrina, helênca ou hindu. A
característica da civilização socrática é o otimismo, que está escondido na lógica. Ao mito se sucedeu a clareza do conhecimento.
Nietzsche foi músico amador, embora quisesse mais do que isso. Era bom pianista e suas composições musicais chegam a dar bom
volume. Wagner adorou o livro, dizendo numa carta que suas palavras ainda não cobriam a grandeza do livro, pois eram
insuficientes. Mas ele também provocou reações adversas, como a do helenista Mallendort. Pohden e Wagner respondem à crítica,
que veio em forma de panfleto. Wagner gostava de Bakunin na juventude.
Em 1872 Nietzsche voltou a Basiléia. Profere palestras. É polêmico e envolvente. Fala sobre a difusão da cultura na Alemanha.
Defende a tese de que o ensino não deve ser apenas profissionalizante, mas capacitador do desenvolvimento das faculdades
humanas. Desgostoso com o silêncio sobre o seu primeiro livro, afunda no trabalho e na reflexão. Vem-lhe a idéia de que a filosifia
é o médico da civilização. A filosofia deve ser crítica, não passiva. Redige uns pedaços de A Filosofia na Época Trágica dos
Gregos.
Nietzsche não é um pensador sistemático. Não podemos fazer divisões rígidas de seu pensamento, e classificá-lo é difícil. Alguns
estudios dividem a sua obra em três fases:
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· pessismismo romântico-(1869-1876) influência de Wagner e Schopenhauer.


· positivismo cético-(1876-1881) período de rupturas. Influência do moralismo francês. Critica o caráter demasiado humano da
filosofia e defende a liberdade de espírito.
· período de reconstrução- A fase de Zaratustra e da afirmação da vida.
Escreve um ensaio Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra Moral, no qual explora o lado gnisiológico, de origem e
fundamentação do conhecimento. O conhecimento é uma ilusão, a única relação do homem com o mundo possível é a estética. O
conhecimento típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os instrumentos do conhecimento (categorias e
linguagem) e seu produto, o mundo percebido. Uma das perspectivas que aprecem em Nietzsche é noção de que o instinto da
conservação da espécie é a responsável por muitos atos. O conhecimento é útil à preservação da vida e é tembém o objetivo de
todos os líderes religiosos.
O conhecimento não é transcedente e o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas, o
resultado disso é o mundo articulado. O conhecimento foi inventado em um minuto pelo homem, em relação à idade do cosmo. Foi
um minuto mentiroso. A verdade é procurada para ser válida e comum e a linguagem dá as primeiras leis da verdade. A verdade e a
mentira seriam relativas, válidas apenas sob o ponto de vista humano.
No processo de antropormofizção do mundo, o reduzimos e generalizamos. Por exemplo, ao estereotiparmos folha, ignoramos qual
folha é verdadeira e válida. Não exise na natureza a folha, elas são bilhões. Nietzsche observa os humanos de longe e não os
considera seres privilegiados.
Um dos pontos principais de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos. O homem não é divino. O ser humano necessita
sobreviver e dominar, e essa vontade de poder e de dominar está presentes em toda sua história. O ser humano se apega à mentira
do conhecimento como se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o mistério cósmico. O conhecimento , a moral e a
metafísica são invenções humanas. No século XVIII caíram as teorias da origem divina do homem.
Mas existe o idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida. Para Nietzsche, o homem está sem Deus, sem causa
transcendente. Oconhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber. Nossas verdades
são mera ilusão.
Para crescer em potência, uma espécie deve moldar sua concepção de realidade e comportamento em leis inváriaveis e elementos
prevísiveis. Nos filósofos anteriores a Nietzsche, os orgãos de conhecimento eram de origem incodicionada ou transcendente. Para
Nietzsche , a capacidade espiritual do homem tem um contexto natural e social. Kant havia dito que só podemos conhecer
fenômenos e não a coisa-em-si. Nietzsche aceita essa posição. Ele vai contra o racionalismo como instrumento da verdade, e vai
contra o empirismo também, baseado na coisa dada e apreensão dos fatos.
Para Nietzsche a verdade se tornou uma multidão de metáforas e metonínias, ou seja, relações humanas. Mas elas parecem
objetivas e incriadas. O homem só conhece o efeito das leis da natureza e não as próprias leis. A atividade do conhecer é um meio
de se atingir a potência. Para se contrapor à ilusão em que vivemos, devemos desenvolver uma força artística. O mundo que
percebemos é uma obra de arte dos sentidos e do intelecto. Da concepção de conhecimento deriva a noção kantiana do
conhecimento como atividade constituinte e legisladora. Nietzsche é contra a humanização do mundo.
A objetividade, para o homem é uma função prática da subjetividade. A essência se torna sentido e o sentido é uma força ou valor.
Esse livro, Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral, é sobre verdade e linguagem. A palavra não é mais do que uma
representação sonora de uma excitação cerebral. Nietzsche chega à velha verdade: existe um abismo entre a sensação e a
linguagem. Com a vida gregária vem a designação obrigatória e verdadeira das coisas. Assim surge a verdade, de caráter social ,
convencional. Nietzsche criticou David Strauss, num ensaio que obteve aceitação, dentre outros, do hegeliano de esquerda Bruno
Bauer. Nos ensaios das Considerações Extemporâneas, livro de caráter polêmico, critica o historicismo e as Universidades. Diz que
o Estado não protege nunca homens como Schopenhauer e Platão, pois tem medo deles. É acusado de megalomania
Nietzsche sempre foi um defensor do virtuosismo, bem como do espírito guerreiro. Diz que toda a arte e filosofia são um meio para
a vida que cresce. Os homens grandes sofrem . Os sofredores são de dois tipos: os de abundância de vida, que querem uma arte
dionísica e, ao contrário, os que sofrem de empobrecimento de vida. Os românticos são da última categoria. Cita como exemplo de
românticos desse tipo Wagner e Schopenhauer, seus ídolos da mocidade, quando já estava maduro, na Gaia Ciência.
Em 1872 , Nietzsche freqüenta assiduamente a casa de Wagner. Wagner, e sua mulher Cosima lhe tratam com respeito.Nietzsche
tem uma paixão contida por Cosima. Wagner se muda e eles começam a se afastar. Nietzsche começa a se isolar. Em 1876, vai
assistir a tetralogia de Wagner que fazia muito sucesso O anel dos Nibenlungos, e deixara-se embriagar com isso. Nietzsche se
irrita com o caráter burguês da obra e pela nivelação da sociedade medíocre, que grosseiramente se entusiasmava pela música.
Desiludido, Nietzsche vai para Bayeuruth. O Parsifal, de Wagner, é uma exaltação ao cristianismo e à santidade. Mais tarde, no
Caso Wagner, critica este músico em muitos aspectos. Começa a sofrer de saúde. Paul Reé, um médico, vem lhe prestar auxílio.
Paul publicara em 1875 as Observações Psicológicas e se preparava para o segundo livro. Em novembro de 1876 Nietzsche e
Wagner convivem pela última vez. Na Gaia Ciência, fala que eles tiveram uma amizade astros, mas como dois navios com
obetivos próprios, partiram para mares e sóis diferentes.
Nietzsche vai para Sorrento, numa estada proveitosa. Volta para a Basiléia e a Universidade, a saúde piora. Em maio de 1878 lança
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Humano, Demasiado Humano, numa crítica aos valores. Seguem-se opiniões negativas e positivas. Wagner, Rohde e Malwida
ficam embaraçados, contra. Outros ,como Overbeck, Rée e Gast elogiam o livro. Bruno Bauer o elogia, mais tarde. O livro é
lançado em comemoração ao centenário da morte de Voltaire, em 1879, Nietzsche se aposenta da faculdade e ganha uma bolsa de
400 franco anuais por serviços prestados à cultura.
A Basiléia foi seu lar durante dez anos. Lá viveu, fez amigos trabalhou, sempre critcando o vazio de muitos eruditos. Frequentara a
vida acadêmica. Passou, então, a ter uma vida errante. Em 1870, sua saúde piora de vez, ele fica a beira da morte. Crises graves e
initerruptas durante meses. Restabelecido, mas não totalmente, viaja pela Europa: Suíça, Itália, França e Alemanha. Numa
linguagem mais amena, mas não menos crítca, escreve com todo o seu ser, suas verdades são sangrentas. Ignora o que sejam
verdades espirituais.
Em 1880 Nietzsche publica O Andarilho e sua Sombra. Escreve Aurora, em que se empenha "numa luta contra a moral da auto-
renúncia". Em 1885 escreve a Gaia Ciência. Esse livro é o de um homem culto do século XIX, opinando sobre diversos assuntos
em pequenas sessões. Faz crítica literária, artística, filosófica e até política. Ve a juventude com outros olhos. O jovem é um barril
de pólvora , que pode se inflamar em torno de qualquer ideologia. Nesse sentido, acha o hegelianismo perigoso. A obediência aos
costumes é moralidade. Os fracos governam, pois associaram-se e recriminam os fortes.
O que é proveitoso cosntitui o valor. O homem é o criador de valores, mas se esquece de sua criação. A moralidade é o instinto
gregário do indivíduo. Quem é punido é quem pratica os atos. Na sociedade, existem os instintos de rebanho. Atribuem-se as
palavras um sentido fixo e acha que ela espelha a realidae, que tem caráter transitório. O homem chega, pelos costumes, à
convicção de que é preciso obedecer. No inverso disso, existe o prazer, a autodeterminação e a liberdade de vontade. O espírito
livre revolta-se contra a crença. Para libertar-se, é preciso um longo processo de abandono de hábitos e comodidades.
Nietzsche não era racional, depois passou a criticar a teologia e elogiar um pouco a ciência. Mas ela está carregada de
antroprofismos. A parte positiva é que ela se livrou do além, da vida após a morte. Escapou das crenças mas não da crença da
verdade.Nietzsche diz que os homens de ciência não tem espíritos livres. A interpretação científica não é unica. No inverno de
Gênova, ve a obra musical Carmen, de Bizet. Sente-se arrebatado e transportado. É um retorno à vida, depois de estar de caras com
a morte.
No final de abril de 1882, Nietzsche chega a Roma. Viajou em um cargueiro. Sua vida amorosa não foi das melhores. Foi recusado
no pedido de casamento duas vezes. Conheceu, através de um amigo, duas jovens de origem russa, em 1876. Pediu em casamento a
mais velha (eram irmã), que mais tarde se casou com Hugo. Em julho de 1876 encontrou uma francesa, Louise Ott.
Na Sícilia, Paul Rée e Malwida lhe escrevem, pedindo que conheça uma moça, Louise von Salomé, russa que viajava pela Itália
com a mãe. Era muito inteligente e tinha uma personalidade liberada. Ela se relaciona com Nietzsche, mas também gosta de Rilke
e admira Freud. Em Roma se conheceram e Nietzsche se apaixonou. Vão para a Suíça com Rée. Querem ter uma vida cultural,
com muitas pesquisas em um grande centro, num projeto que chamas de Santa trindade. Nietzsche pede lou em casamento e obtém
nova recusa. Ela escreveu um livro sobre Nietzsche, em 1894. O trio se separa. Depois, voltam a ficar algumas semanas juntos.
Nietzsche quer fazer de lou uma discíplua que continue seu pensamento.
A família de Nietzsche é contra sua paixão. Seu comportamento é liberado demais: vive com dois homens sem ser casada.. E Lou
acabou ficando com Rée em Belim por cinco anos. Rée foi assassinado em 1904, depois de praticar sadomia. Lou se casou com
Carl Andréas.
Em Silas Maria, Surlei, Nietzsche tem a visão do eterno retorno, teoria que colocará em sua obra prima, Assim Falava Zaratustra.
A energia e a matéria do universo são finitas e ele está sempre em fluxo, de modo que, no futuro, as coisas voltam. Cada instante
traz a marca da eternidade e volta a acontecer um número infinito de vezes. As civilizaçõs voltarão, até mesmo Nietzsche voltará.
O universo é animado por um movimento circular sem fim. Passa de um frescor para desenvolver-se e chegar ao ápice, e renasce,
como Phoenix, de si mesmo. A soma de energia permanece igual no universo. Apesar disso ,Nietzsche condenava a crença na vida
após a morte.
Para ele o homem havia sido preso pela suas crenças, inventadas e colocadas acima do real. Não devemos voltar para o além e o
eterno, pois essa mistificação reduz o homem a condição de servo e destrói as fontes mais profundas da vida. No lugar dessas
crenças, devemos reconhecer em nós e na história a Vontade de Potência, de poder. Na teoria do eterno retorno, o mundo se alterna
na criação e destruição, alegria e sofrimento, bem e mal. Em Zaratustra, Nietzsche é um defensor do virtuosismo, virilidade,
contatos rústicos com a natureza e espírito guerreiro.
Como explica em um poema, Nietzsche estava num jardim,no inverno de Rapallo, esperando e meditando além do bem e do mal,
quando "um se fez dois, e Zaratustra passou por mim". Nada tem a ver com o Zaratustra persa. Quando Nietzsche terminou a
primeira parte de Zaratustra, Wagner morreu (sua última música foi Parsifal) .Terminou o livro em 1885. Em 1888, Nietzsche
escreve o Nietzsche contra Wagner,que junto com o Caso Wagner, constitui a justificatica teórica, exorcista, das suas desavenças
com Wagner. Nietzsche o critica a torto e a direito, e é famosa a frase em que diz: "Wagner acaricia cada instinto budista e
embelaza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda a forma de decadência." Nietzsche reconhece em Wagner o
pessimismo, infkuência de Schopenhauer, e estava em uma fase de afirmação do lado positivo da vida. Foi muito difícil editar
Assim falava Zaratustra, "um livro para todos e para ninguém". Como em muitas edições de seus livros, Nietzsche pagou do
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próprio bolso a última parte da obra- Foi uma tiragem de quarenta exemplares,mas não tinha para quem mandá-lo, pois estava sem
amigos, e enviou-o para sete pessoas. Overbeck lhe manda livros de vez em quando, pois sabia que Nietzsche estava em
dificuldades financeiras.
Nietzsche começa a redigir Além do Bem e do Mal. É o livre-pós Zaratustra, sobre o qual disse: "é incimpreensível, pois remete a
experiências só minhas, e eu não encontro companhia nem entre os vivos, nem entre os mortos". Nietzsche faz prefácios para
edições anteriores de seus trabalhos e redige a última partee de a Gaia ciência. Leu Dostoievsky, e adorou sua psicologia, que põe
em personagens. O próprio Nietzsche via em si e em sua filosofia uma fonte para muitos psicólogos, que ele considerava terem
muito a evoluir. Escreve Para uma genealogia da moral, que complementa e ilustra para além do bem e do mal. Nietzsche ve ao
origens e motivos que fizeram o homem viver de acordo com a mentira da moral, que serve aos fracos. Escreve um adendo para o
Além do bem e do mal.
Em 1889, começa a pirar. Saindo do seu quarto de pensão, vê um cocheiro açoitando seu cavalo. Precipita-se entre o animal e o
açoite e perde os sentidos. Ficou desmaiado dois dias. Quando Overbeck vai visitá-lo, está louco. Diz que é o sucessor do deus
morto e o bufão da eternidade. Escreveu cartas para muitas pessoas, assinando como Dionisio, o crucificado. Nietzsche sofria da
saúde então. Não conseguindo tratamento adequado, se tornara seu próprio médico. Tomava drogas como o ópio, haxixe e cloral.
Escreve a primeira parte de seu projeto A vontade de potência, O Anticristo. Escreve Ditirambos de Dionísio. Escreve Ecce como.
Os ditirambos são poemas, Nietzsche gostava de poesia, admirava Goethe e sua sabedoria. No anticristo, continua seu ataque à
moral cristã, como força inimiga da vida, restringidora da vontade de potência , e cuja influência apolínea desvirtuou a
humanidade.
Nietzsche é internado na Basiléia. Sua mãe foi contra. O diagnóstico é paralisia cerebral progressiva e tendo como agravante sua
saúde precária. Nietzsche fica dócil e seus amigos duvidam de sua loucura. Nas visitas , revela boas memórias. A irmã de
Nietzsche, Elizabethe Foster, volta do Paraguai, depois da morte do marido anti-semita, que Nietzsche não gostava. Depois de uma
luta judicial, consegue a responsabilidade pelos escritos do irmão, e passa a manipulá-los. Eles tiveram uma relação incestuosa. Ela
publica a Vontade de Potência, não de acordo com a vontade do autor, mas uma coletânea de anotações e aforismos. Os livros de
Nietzsche fazem sucesso na virad do século, ele obtém reconhecimento, e seus livros dão dinheiro. Mas não adiantavamais, era
tarde.No hospício, Nietzsche escreve Minha irmã e eu. Morre em agosto de 1900. Sua irmã ainda manipulou seus escritos a favor
do fascismo, era admiradora de Mussolini. Sua teoria do super-homem foi adaptada para servir ao arianismo.
Nietzsche critica Kant, ora contra ora a favor. Diz que sua sabedoria era imensa. Que era um cristão pérfido, insidioso.Devemos a
Kant um avanço metafísico, o de não crer mais na possibilidade de conhecer um além-mundo. Ele se orgulhava de seu avanço, o de
ter descoberto os juízos sintéticos a priori (antes da experiência), sendo possíveos graças à uma faculdade. Mas Nietzsche diz que
não temos de acreditar em tais juízos, no seu valor prático, mas nos perguntar como eles são possíveis. Porque preferir sempre a
verdade? Ela nem mesmo é fixa e inalterável. Nietzsche é adepto do perpectivismo, a pessoa enxega o mundo de acordo com sua
perpectica sócio-cultural. A partir so sujeito,o sujeito não pode ser pensado , só vivido, sempre a entender e a interpretar. Nietzsche
o chama de o velho Kant, o grande chinês de Koninsberg. Os siatemas filosóficos exemplares de Kant e
Hegel tem colocado fórmulas e valorações nos campos em que atuam.
Para Nietzsche, Hegel e Schopenhauer se colocaram contra bestial mecanização do mundo. Embora voltados para a modernidade,
não faziam do racionalismo algo reducionista.Assim também acontece com Goethe, que Nietzsche não critica, diz que ele inspira
respeito. Nietzsche, inicialmente via no povo alemão uma força dionísica, capaz de afastar a monotonice apolínea instaurada na
Europa. Mas depois critica os alemães em diversos pontos. Diz que depois de dominar o espírito, se entediam com ele. Esse povo
embruteceu com o cristianismo e o alcóol. O essencial de sua cultura superior está perdida. Nietzsche reagiu contra o historicismo
de Hegel, que justifica as ações dos homens de acordo com o espírito e com o absoluto.
No Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche analisa como Sócrates conseguiu penetrar no coração dos nobres atenienses. Tocava no
instinto de combate grego e era um erótico. Assim, conseguiu se sobressair, apesar de ser feio. Então ele afastou as mitificações
que exploravam o lado obscuro da natureza, que só podia ser sentido, vivido, e não pensado. Afastou-o com a luz da razão, que
elevou à categoria de tirana. Para Nietzsche, a verdade e a falsidade não mais existem, mas sim sinais, o homem está destinado a
multiplicidade, pois tudo é interpretação.
Nietzsche condena a noção que se encontra na cultura de muitos povos, que explicam tudo sob a luz racional e terceirizam para um
além mundo o que não se encaixa. Assim, a razão é considerada como divina, pois seu estado de clareza leva a um falso bem estar.
A natureza, para Nietzsche , está além das concepções humanas de entendimento. Essa mesma natureza devia ser experimentada de
acordo com o espírito guerreiro, temos de viver em estado de guerra e resistir aos apelos supra terrenos. Ele criticou a metafísica,
que colocava o mundo como reflexo diminuído de algo transcendente. A recompensa para o sofrimento dessa vida, segundo o
cristianismo, está no além. O cristianismo é um vale de lágrimas. São os escravos e vencidos, ou seja os que não podiam
experimentar esse mundo com o virtuosismo que ele merece, que fizeram a moral dos fracos, inventando o além. Para recuperar o
lado positivo da vida, é necessário uma transmutação de todos os valores, uma revigoração da cultura judaico-cristã. No processo
de transformação , teríamos de lutar contra os erros sob os quais fomos criados, como o ressentimento (é tua culpa se sou fraco), a
consciência de culpa e o ideal ascético.
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Mas sua tarefa é solitária. Toda a civilização é produto de bases falsas, os eruditos são o que tem maior responsabilidade para lutar
contra esse defeito, e questionar os próprios princípios. A cultura encontra-se em decadência, como resultado do afastamento da
força da vida, tão escassa no universo. Nietzsche se afastou, ao enxergar a verdade cada vez mais longe. Mas pagou sua divída por
esse afastamento ao criar seu herói solitário, Zaratustra, um questionador da cultura e civilização,bem coo da moral e valores sobre
o qual ela se apóia.

Zaratustra
A tarefa de conscientização de Zaratustra não é fácil, ele encontra a ignorância do "populacho" em um tempo não definido.
Zaratustra é o personagem principal de um romance filosófico-poético. Com trinta anos, sobe à montanha para escapar dos males
das relações humanas e adquirir conhecimento da natureza. Vive em exposição aos elementos naturais, e junto aos seus animais
(uma águia e uma serpente). Lá vive por dez anos, até saciar de seu conhecimento como abelha que produz muito mel, e parte para
o convívio humano. A narrativa é pouca, o que preenche o livro são os discursos de Zaratustra. Ao descer encontra um velho e
depois de dialogar se interroga: "será possível que este homem santo não saiba que deus morreu?" Nietzsche já havia feito essa
afirmação na Gaia Ciência, e desenvolve com Zaratustra. Os Deuses morreram de tanto rir, ao ouvir a afirmação de que só existe
um Deus. Nietzsche pretende colocar com essa afirmação que a civilização racional afastou as interpretações místicas do mundo,
prevalecendo na Terra, o senso comum, e nele não há lugar para Deus, pois o homem não pode suportar não ser Deus, e portanto
Ele não existe. A ignorância do dogmatismo faz com que acreditemos em coisas absurdas. Pelo fato de não podermos explicar,
colocamos nossas esperanças no fim das frustações no além .
Para substituir a divindade morta, Nietzsche sugere o super-homem: o bom senso da Terra. O que há de nobre do homem é ser ele
um fim e não um meio. O super-homem é a ponte, é ele o raio. O homem é algo que será superado. Ele é o resultado da vontade de
potência exercida, um paradigma da virilidade e virtuosismo. Se coloa além do bem e do mal, e fez seus valores em pedaços. O
povo ri do discurso de Zaratustra, que resolve não pregar mais em praças.
Ao longo do livro, Zaratustra viaja e expõe sua doutrina sobre assuntos diversos, adquirindo alguns discípulos. Os poetas mentem
em demasia, Zaratustra expõe a verdade. É um apoio à margem do rio, mas não uma muleta. Por trás de toda a moralidade existe a
vontade de poder. O homem deve exercer o poder da vida, de modo a servir de solo ao super-homem. A moral é uma força
contrária à natureza. Para chegar ao super-homem Nietzsche não descarta a eugenia, a procriação para fins de superação. Passa-se
o sangue e a alma para o filho, o qual continua as obras. O sangue é espírito também.
A educação deve enobrecer o espírito humano e não restringi-lo. Uma vida viajante faz com que não nos prendamos em rotinas,
temos que se viver em estado de alerta, como guerreiros. Zaratustra só poderia crer num deus que dança, pois todos os dias em que
não há danças estão perdidos. Zaratustra critica o Estado, pois ele não representa o povo. Tudo nele é falso, diz Zaratustra. O
homem deu valores às coisas afim da autoconservação, um valor humano e inadequado. A humanidade não existe, pois é uma
abstração.
Os sábios servem o povo e a supertição, não a verdade. Ela está aonde o povo está. Zaratustra conversa com a vida e com os
animais, que chegam a cuidar dele em sua época de doença e delírio. A vida lhe confia um segredo: "Olhe, eu sou o que deve ser
superior a si mesmo". Zaratustra crítica os estultos e ama a liberdade. É o último dos sábios, e conhece a arte da retórica.
Zaratustra parte em busca de novos horizontes, Primeiro vai para as ilhas bem aventuradas, depois se aventura para além do
oceano. Passa pela cidade dos tolos, escorraça-os. Encontra aquele que matou Deus, sempre em busca do homem superior. Mas
volta para a terra onde morava e quer retornar à sua gruta. Ouve o grito do homem superior e, no caminho, encontra diversos
personagens: os reis, o viajante, o homem mais feio, o mendingo. Convida-os tanto para um jantar em sua gruta, onde se dá a ação
final. Lá há espaço e comida para todos. Zaratustra consegue o reconhecimento desses homens, com seu pensamento , que de modo
crítico, coloca a arte e poesia como força criadora e de vida, o único valor possível.
Os outros livros de Nietzsche são influenciados pelo o de Zaratustra. Nietzsche se superou, como pensador da cultura e artista. Sua
influência na filosofia posterior é grande, como em Deleuza, Heidegger e Foucault. Depois da segunda guerra, houve uma etomada
da interpretação de sua filosofia, em sua acepção original, não deturpada. Fez a crítica da modernidade, e seu bravo peito
desbravou os horizontes possíveis com o artífico da linguagem, e não cedeu diante as adversidade,em sua vida incomum.
Influenciou também os existencialistas e os psicólogos. Além de músico, poeta filológo e filosófo, foi um grande escritor. Suas
obras tem um tom profundo e coeso, como em Platão.

Idéias de Nietszche
Para Nietzsche o mundo passa e voltará a passar indefinidamente pelas mesmas fases e cada homem voltará a ser o mesmo em
novas existências. Para os fracos que se conformam na humildade, no temor ao pecado e na infelicidade, esta revelação é
esmagadora. Porém, para os fortes, que souberam tornar-se super-homens, este é um pensamento exaltador. Além da influência da
cultura grega, particularmente de filósofos como Platão e Aristóteles, Nietzsche foi influenciado pelo filósofo alemão
Schopenhauer, pela teoria da evolução e pelo seu amigo compositor Richard Wagner.
Um dos pontos básicos defendidos por Nietzsche era que os valores tradicionais (representados principalmente pelo cristianismo)
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perderam seu poder na vida dos indivíduos. Ele expressou isso na sua fala "Deus está morto". Ele estava convencido que os valores
tradicionais representavam uma moralidade escrava, uma moralidade criada por indivíduos fracos e ressentidos que estimularam
comportamentos gentis por interesses próprios. Nietzsche dizia que novos valores poderiam ser criados para substituir os
tradicionais, e sua discussão dessa possibilidade levou-o ao conceito do super-homem.
De acordo com Nietzsche, as massas, que ele chamou de rebanho, correspondem à tradição, enquanto que que seu super-homem
ideal é seguro, independente e altamente individualista. O super-homem sente profundamente, mas as suas paixões são
racionalmente controladas. Concentrando-se no mundo real, ao invés de concentrar-se nas recompensas do próximo mundo
prometido pela religião, o super-homem vive a vida, incluindo o sofrimento e a dor que acompanham a existência humana. Seu
super-homem é um criador de valores, um criador de moralidades máximas que refletem a força e a independência de alguém que
está liberto de todos os valores, exceto aqueles que ele acredita válidos.
Nietzsche defendeu a idéia de que todo o comportamento humano é motivado pela busca do poder. No sentido positivo, a busca do
poder não é simplesmente ter poder sobre outros, mas poder sobre si-mesmo, que é necessário para criatividade. Tal poder se
manifesta no super-homem como independência, criatividade e originalidade. Embora Nietzsche negasse que o super-homem
existisse, ele citou alguns indivíduos que poderia servir como exemplo. Entre eles, citou Socrates, Jesus, Leonardo da Vinci,
Michelangelo, Shakespeare, Goethe, Julio Caesar e Napoleão.
O conceito do super-homem tem sido frequentemente interpretado como uma declaração de sociedade mestre-escravo e, portanto,
associada ao totalitarismo. Mas muitas escolas negam essa conexão e atribuem isso a uma interpretação errônea do trabalho de
Nietzsche.

Influência de Nietszche
Poeta aclamado, Nietzsche exerceu muita influência nas literaturas germânica e francesa, e na teologia. Seus conceitos tem sido
discutidos e elaborados por filósofos alemães como Karl Jaspers, Martin Heidegger e Martin Buber. Também há interpretações do
teologista Paul Tillich e escritores franceses como Albert Camus e Jean Paul Sartre.
O estudo de Nietzsche é muito difícil. Ler Nietzsche é chato, todos dizem, e a maioria das pessoas que lerem o que se escreve sobre
ele provavelmente nunca o lerão. Então tem sido mais importante o que dizem a seu respeito do que o que ele realmente disse. Por
causa disso sugere-se 4 regras para bem estudar Nietzsche.
Regra 1: Não leia de forma absoluta nada que Nietzsche escreveu, mas sinta-se livre para interpretar o que você pensa que ele
poderia ou deveria ter dito, pois só assim você poderá suportar seus argumentos.
Regra 2: Se você precisar ler algo que Nietzsche escreveu, nunca leia em ordem, ou em série, e certamente nunca, nunca no
contexto. Sua ilusão de entendimento do que ele disse vai apenas levá-lo a criar sua interpretação do que você pensa que ele
poderia ou deveria ter dito.
Regra 3: Quando realmente estiver lendo Nietzsche (se você realmente precisar), o que você pensar que ele escreveu será com
certeza muito mais importante do que o que ele realmente disse. Nunca imagine que ele está descrevendo como as coisas são ou
foram: sempre interprete os pensamentos dele como sendo a maneira como ele pensava que as coisas deveriam ser.
Regra 4: Lembre-se que o que você interpreta de Nietzsche é mais importante do que o que ele realmente disse. A história está no
seu lado ! Esteja atento !

Suas Principais Obras Foram:


A Origem da Tragédia,
Humano demasiado humano,
Para Além do bem e do mal,
Assim falou Zaratustra,
A Genealogia da Moral,
O Crepúsculo dos Ídolos, e outros

Filosofia

Baruch Spinoza

Spinoza nasceu em uma família judia a 24 de novembro de 1632, em Amsterdã, Holanda, no mesmo ano do nascimento de Locke-
1632-1704, e veio a falecer em Haia, em 1677. Seu nome hebreu era Baruch, significando abençoado, e em suas obras publicadas
em Latim, Benedictus. Viveu dentro da chamada "Idade de Ouro" da história da Holanda, uma era de grandeza econômica,
política, e cultural, apoiada na expansão comercial, durante a qual a pequena nação do Atlântico Norte ombreou com as mais
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poderosas e influentes nações da Europa. A qualidade de vida tinha um padrão geral de bem estar marcado pela simplicidade e uma
proximidade de nível entre as classes e respeito entre as pessoas que não existiam nos demais países europeus, e isto é importante
ressaltar para compreender que Spinoza, seguindo sua própria filosofia, viveu simplesmente, o que na rica Holanda daquela época
não significava pobreza e muito menos indigência. Nessa época, além do próprio Spinoza, o filósofo René Descartes viveu e
escreveu suas obras na Holanda, por duas décadas.
A Idade de Ouro produziu cientistas como o físico Christian Huygens, o matemático Simon Stevin e os microscopistas Antonie van
Leeuwenhoek e Jan Swammerdam. Na literatura Joost van den Vondel e na pintura De Vermeer, Ruysdael e principalmente
Rembrandt van Rijn. E apesar de tanta grandeza, a Idade de Ouro foi também um período de guerras. As províncias unidas dos
países baixos, atualmente Bélgica e Holanda, rebelaram-se contra o domínio espanhol e seguiram-se anos de confronto com a
Espanha, em que se destacaram como chefes militares holandeses os príncipes de Orange.

A Família
A fanília de Spinoza, como o seu nome indica, é originaria da cidade castelhana de Spinoza dos Monteros, na região da cordilheira
cantábrica, norte da Espanha. Deixou a Espanha quando o célebre decreto da Alhambra do ano 1492, dos Reis Católicos Fernando
e Isabel, proibiu aos judeus a residência no país. Quem não queria o desterro devia aceitar a fé católica. Portugal ofereceu asilo aos
emigrados judeus e uma grande parte destes, inclusive a família Spinoza, se estabeleceu lá no mesmo ano de 1492. Mas em 1498,
por desejar o monarca português, Dom Manuel o Venturoso, a mão da princesa espanhola, os reis católicos impuseram como
condição que Portugal também expulsasse os judeus ou os fizesse batizar. Em consequência a família Spinoza se converte
forçadamente ao catolicismo em 1498. O pai de Spinoza, Miguel de Spinoza, nasceu cerca de um século depois, na pequena cidade
portuguesa de Vidigueira, na cercania de Beja.
A condição de cristãos novos no final do século XVI era extremamente perigosa, devido à caprichosa investigação que fazia a
Santa Inquisição sobre a autenticidade de sua vida católica. Por esta razão, ou por razão de negócios, a família Spinoza, quando
Miguel de Spinoza , o pai do filósofo, era ainda criança, foi conduzida por seu chefe, Isaac de Spinoza, avô do filósofo, de
Vidigueira para o importante porto de Nantes, no estuário do rio Loire, noroeste da França. Em Nantes, devido ao Édito de
tolerância religiosa de Henrique IV, promulgado em 1598, havia uma colônia marrana bem aceita pelos habitantes
predominantemente protestantes. Mas esta não durou muito tempo, pois em 1615 todos os marranos foram expulsos.
De lá o velho Isaac de Spinoza se trasladou a Roterdã, onde morre em 1627. Miguel de Spinoza e seu tio Manuel foram para
Amsterdã. Talvez porque não fosse prudente ser católico em um país que era oficialmente calvinista e que estava em guerra contra
a católica Espanha, Miguel e o tio abraçam o judaísmo, este último assumindo o nome de Abraão de Spinoza, embora continuasse
sua atividade comercial sob o nome cristão de Manuel Rodrigues.
Miguel de Spinoza se casou três vezes. Sua primeira mulher, Raquel, morreu em 1627 deixando-lhe uma filha chamada Rebeca.
No ano seguinte, se casa com Ana Débora, mãe de Spinoza e de mais três filhos, Miriam, Isaac, e Gabriel. Sabemos pouco da mãe
de Spinoza, senão que padecia de tuberculose e que morreu em 5 de novembro de 1638, quando Baruch tinha seis anos de idade.
Casou pela terceira vez com sua prima Ester de Spinoza, de Lisboa, e esta é quem cuida da educação de seus filhos. Ester morreu
em 1652, dois anos antes que seu esposo, que falece o 28 de março de 1654.
Miguel, que se tornou sócio do estabelecimento comercial de seu sogro e tio Abraham e que o sucedeu na direção do negócio, - foi
um dos comerciantes judeus mais respeitados de Amsterdã. A família residia onde atualmente é o bairro Waterlooplein, no qual
viviam muitos judeus. Sua casa é descrita, com base nos desenhos que ficaram, como uma casa muito espaçosa porém sem luxo.
Foi demolida ainda no século XVIII.

Estudos
A educação recebida por Baruch é a de um jovem judeu de família de posses e isto incluía o estudo fundamental do hebreu e o
conhecimento minucioso da Bíblia Sagrada. Supõe-se que Spinoza estivesse entre os primeiros a freqüentar a escola Árvore da
Vida, criada em Amsterdã em 1637 para iniciar no judaísmo aos jovens da comunidade. Em 1638 essa Escola foi confiada a
Manasseh ben Israel , um rabino sefardin de cultura humanista, que influiria muito sobre a formação de Spinoza.
O ensino que ministravam os rabinos estava dividido em sete classes, que abarcavam desde os fundamentos do idioma até as
culminâncias do Talmud; de modo que as últimas classes só se ministravam aos maiores de treze anos que desejassem tornar-se
rabinos. Os que não tinham vocação religiosa, como foi o caso de Baruch, podiam aperfeiçoar sua educação religiosa, filosófica e
mística na A Academia da Coroa da Lei (Kether Thora), criada em 1643 por outro rabino, Morteira, um radical ortodoxo Askenazi,
cujo espírito radical terminou por dominar tanto na escola talmúdica Árvore da Vida como na A Academia da Coroa da Lei que
Spinoza também freqüentou.
Os estudos superiores compreendiam a obra do filósofo judeu-espanhol Jasdai Crescas e vários ensaios que ensejavam debates,
entre eles os Diálogos do Amor do filósofo renascentista judeu, León Hebreu. Este, do platonismo renovado pelo Renascimento,
faz a combinação do conceito de uma razão universal com a teoria das idéias de Platão da qual extrai uma concepção do mundo

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baseada no amor como força cósmica, e de onde Spinoza desenvolverá sua teoria da razão infinita e das essências.
É igualmente importante a cultura que Spinoza adquiriu com o ex-padre jesuíta Francis van den Enden, estudioso da filosofia
clássica, poeta e dramaturgo, e que abriu uma escola para crianças em Amsterdã. Spinoza foi professor em sua escola e com ele
aprendeu ciências naturais (física, mecânica, química, astronomia e fisiologia), latim, grego, e a filosofia de Descartes, alem da
filosofia neo-escolástica. Van den Enden fazia seus discípulos representarem as comedias latinas. A ele, com certeza, Spinoza deve
seu conhecimento profundo do latim, língua em que escreveu sua obra. Van den Enden tinha uma filha, Clara Maria, nascida em
1644 a qual, ainda menina, falava tão bem o latim que, com freqüência, substituía ao pai em suas aulas. Parece que Spinoza a
apreciava muito pela sua inteligência e precoce erudição e, mais tarde, segundo seu biógrafo Colerus, se enamorou dela e até quis
desposá-la. Clara Maria porém se casou com um condiscípulo de Spinoza, o médico Dirck Kerckrinck, de Hamburgo, que, de
acordo com o mesmo Colerus, havia conquistado seu favor com um valioso presente e que se converteu ao catolicismo a seu
pedido.
Como matemático Spinoza realizou observações e cálculos sobre o arco-íris, e ocupou-se do cálculo de probabilidades, recém
descoberto por Johan de Witt e outros. A caminho da maturidade seu interesse intelectual conduziu-o a uma cultura científica e
médica que em todos os terrenos o coloca à altura de seu tempo. Como parte dos estudos de física, tal como todos os sábios de
então, inclusive Leibniz e Christian Huyghens, polia ele mesmo suas lentes. Sabe-se que suas lentes eram de grande perfeição, seja
pela precisão de seu cálculo matemático, seja por sua habilidade manual, e é provável que tenha aceito pedidos de amigos para
prepará-las.
No ano de 1650 falece Guilherme II, Conde de Nassau e Príncipe de Orange, chefe dos Estados Gerais e também Descartes que,
tendo deixado a Holanda para viver na corte da Rainha Cristina, falece aquele ano na Suécia. Em 1654 faleceu Miguel de Spinoza.

Ceticismo de Spinoza
O jovem Spinoza aos vinte anos de idade começa a levantar suspeitas quanto ao que ensinava e discutia de religião. Seu ceticismo
manifesto não é estranho aos jovens das famílias de cristãos novos reconvertidos ao judaísmo. Nem é difícil entender a origem
desse ceticismo no próprio espírito marrano. Entre os que foram para Amsterdã, muitos desejavam voltar a ser livremente judeus,
porém outros vacilaram em aceitar a fé judaica, continuando católicos. Outros ainda, desejam voltar ao judaísmo, mas não
encontram lá a mesma tradição judaica de Portugal e Espanha, a grande tradição do judaísmo sefardim, representada por
Maimónides.
Um exemplo é o caso de Uriel da Costa, membro de uma família de cristãos-novos rigorosamente católicos, e que chega em
Amsterdã, por volta de 1612. Havia recebido já os hábitos sacerdotais quando se converte ao judaísmo de seus ancestrais. Porém o
judaísmo ashkenasi holandês, sistemático e fanaticamente ortodoxo, não o satisfaz, e vive um drama que o leva ao suicídio. Em
geral a comunidade portuguesa de Amsterdã, unida pelo idioma e a procedência, se considera a si mesma como uma nação; está
constituída por um mundo de altos comerciantes para quem a religião não é um problema fundamental. Si aderem ao judaísmo é
porque em um Estado fundado pelos calvinistas se sentem mais seguros assim que sendo católicos, e não têm necessidade de se
fazerem calvinistas.
O estudo da Bíblia levou Spinoza às obras dos comentadores judeus e entre estes aprendeu a estimar, em primeiro lugar, a
Abraham ibn Ezra quem deve ter-lhe despertado as primeiras dúvidas sobre a unidade do Pentateuco, o que pode tê-lo movido ao
exame crítico das Escrituras. Também Gersonides, ao assinalar as discrepâncias da cronologia bíblica. Em Maimónides, que reúne,
como escolástico judeu, a Bíblia e a concepção aristotélica do mundo, encontra talvez Spinoza sua maior inspiração humanista e
anti-ortodoxa. No grupo de autores judeus que Spinoza chegou a estudar na comunidade de Amsterdã, pertence também Abraham
Herrera, que em seu Porta do Céu une em forma original a mística do neoplatonismo com as especulações da Cabala.
Outra grande influência sobre Spinoza é a do médico Juan (Daniel) de Prado, que com ele será expulso da comunidade; este exerce
sobre Spinoza uma influencia maior e mais imediata. Aceita um naturalismo puro enquanto nega a verdade da Escritura e do Deus
nela revelado, para substitui-lo por um Deus-Natureza que se manifesta nas leis naturais. Para o ceticismo de Spinoza contribuíram
igualmente as disputas dentro da própria comunidade judaica de Amsterdã, dividida na oposição pessoal dos dois rabinos
principais, os citados Menassé ben Israel e Saúl Levi Morteira. O primeiro, sefardim nascido em Lisboa, é humanista, e o segundo,
Morteira, nascido em Veneza, é aschkenasi, um fanático radical.
A oposição dos dois rabinos determina conflitos dramáticos. Menassé ben Israel busca uma sínteses do judaísmo com o
humanismo e goza de mais alto conceito entre os intelectuais holandeses. Morteira, ao contrário, quer um judaísmo
voluntariamente segregado, a forma religiosa estreita dos judeus orientais ou aschkenasis, dominada pela Cabala, a teologia
emanatista medieval, carregada de profundo sentido místico penetrado de superstições pueris. Seu livro Providência de Deus com
Israel (ou "Esperança de Israel"), devido à orientação fanática anticristã, não teve permissão para publicação mas cópias circularam
na comunidade e, graças a ele, Morteira triunfa sobre seu adversário: o espírito do judaísmo aschkenasi domina na comunidade
judaica de Amsterdã, uma fórmula religiosa do século XV em desacordo com o espírito científico do século XVII. Os judeus que,
portadores da tradição humanista portuguesa, eram socialmente integrados e viviam em palácios, viram-se constrangidos por uma
religião de gueto, potencialmente criadora de profundos conflitos.
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O que a todos comentaristas de Spinoza parece, é que, em um mundo de tantas tendências variadas e algo contraditórias, ele teve
que buscar uma solução própria. Não seguiu a Morteira como toda a comunidade, pela senda do judaísmo aschkenasi, nem tão-
pouco aceitou a linha de Menassé.

Expulsão da Comunidade Judaica


Spinoza logo incorreu na desaprovação das autoridades da sinagoga por suas afirmações junto aos rabinos, como a de que não
havia nada na Bíblia afirmando que Deus não possuía um corpo físico, que os anjos realmente existissem como espíritos sem corpo
ou que a alma humana fosse imortal fora do corpo. Porém, depois daquelas afirmações, o acusaram de ateísmo ante a comunidade
e foi instaurada a correspondente devassa. Spinoza foi convidado a comparecer ante Morteira, e frente à ameaça de excomunhão,
teve uma atitude arrogante. Declarou que já havia desejado romper com a Sinagoga, mas evitara faze-lo para não provocar um
escândalo.
Frente à acusação, dirigiu aos rabinos um escrito em que reafirma suas convicções. Deve ser desta ocasião, em 1655, a preparação
por Spinoza do seu Tractatus de Deo et homine et jusque felicitate, em que se defende explicando seus pontos de vista. A
congregação não teve alternativa senão aplicar-lhe a excomunhão. O texto da excomunhão de Spinoza, publicado o 27 de julho de
1656, diz ao final: "Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste nenhum
favor, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia nada escrito ou transcrito
por ele". Até que ponto havia chegado a rejeição a Spinoza pelos fanáticos da comunidade mostra o atentado que o vitimou: uma
noite, alguém tentou apunhala-lo no caminho de sua casa, quando voltava da Sinagoga. Conseguiu esquivar-se ao golpe do punhal
que apenas rasgou sua casaca.
A vida de Spinoza fatalmente sofreria uma mudança quando ele se afastou do judaísmo. Estava então, juntamente com seu irmão
Gabriel, à frente do negócio deixado por seu pai quando este faleceu em 1654. Tratava-se de um comercio de importação e
exportação, uma tradição de negócio que vinha de Portugal, onde as transações ultramarinas estavam quase inteiramente em mãos
dos marranos portugueses. Essa prática comercial envolvia vultosas operações bancárias e importantes contratos de seguros entre
os judeus. Porém o negócio de Miguel d'
Spinoza havia decaído muito nos últimos anos de sua vida, correspondentes ao período em que a guerra entre Inglaterra e Holanda
havia prejudicado o comercio com o exterior. Esta dificuldade e principalmente o peso de sua condenação levaram Spinoza a
renunciar à profissão mercantil.
Seus biógrafos acreditam que se dedicou à medicina, pois em seus escritos mostra profundos conhecimentos médicos, e sua
biblioteca contem todas as obras de medicina teórica e prática necessárias ao médico em aquela época. Até uma carta de Leibniz
está dirigida ao "Médecin tres célebre et philosophe tres profonde". Com estos estudos médicos estão relacionados seguramente
seus conhecimentos químicos. Quando aconselha De Vries no planejamento de seus estudos de medicina, lhe recomenda que
estudasse primeiro anatomia e depois química. Seus estudos químicos são os que lhe permitem manter com o grande químico
Roberto Boyle uma correspondência científica, baseada em experimentos próprios, acerca da natureza do salitre.
Além do negócio, seu pai deixou um legado que foi objeto de contenda entre Spinoza e uma meia irmã. Os parentes tentaram então
excluir a Spinoza da herança, pretextando, tal vez, sua apostasia, pois segundo a lei judaica é permitido deserdar ao que ha
desertado do judaísmo. Para defender seus interesses frente aos credores de seu pai, se lhe designou um tutor o 23 de março de
1656. (Em Holanda a maioridade de começava então aos 25 anos). Embora tenha ganho a causa na justiça, Spinoza deixou para ela
praticamente tudo. Quando teve lugar a repartição de bens, solo se ficou com uma cama e sua correspondente cortina para seu uso
pessoal. Com essa injustiça, o distanciamento de sua família foi definitivo.

Os colegiantes
Depois de sua voluntária ruptura com o judaísmo, Spinoza se liga a uma irmandade ecumênica leiga, de pessoas das mais diversas
comunidades religiosas que se reuniam para ler e interpretar a Bíblia. Sequer a condição de ser cristão era exigida. Conhecidas
como os colegiantes, faziam da Bíblia o centro de sua vida religiosa, e certamente estimaram muito a entrada de Spinoza, por seus
profundos conhecimentos bíblicos.
O primeiro de seus amigos do círculo dos colegiantes foi o rico comerciante Jarig Jelles, o qual havia abandonado seu negócio em
mãos de um gerente de confiança a fim de viver em retiro silencioso para meditar. Jelles empregava fundos em mandar traduzir
obras filosóficas, entre as quais as obras de Descartes, de quem era admirador. Fez traduzir o pensamento estóico de Séneca e
inclusive a Homero e ao Corão. Deve ter se alegrado em receber Spinoza no grupo, pois seus pensamentos se afinavam, tanto
quanto ao interesse pela filosofia de Descartes quanto por suas posições religiosas em comum. Fixou uma pensão para que Spinoza
pudesse ocupar-se exclusivamente de escrever e financiou a publicação de seus livros e, após a morte do filósofo, mandou
cuidadosamente, junto com outros amigos de Spinoza, editar em latim e holandês suas obras.
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O outro amigo, colegiante como Jelles foi Pedro Balling, também comerciante e cujos negócios o levavam por toda Península
Ibérica, donde a possível base de sua amizade com Spinoza ser o fato de poder conversar com o filósofo na língua materna de sua
família. Inteligente e conhecer do grego e do latim, foi quem traduziu para o holandês os primeiros escritos de Spinoza.
Um terceiro amigo, mais jovem e também colegiante, foi o citado Simón de Vries. Filho de um próspero comerciante pretendia ser
médico contando para isto com a orientação de Spinoza. Juntamente com os demais amigos, de Vries funda, em Amsterdã, uma
agremiação para estudar e discutir a filosofia de Spinoza, com a assistência do próprio filósofo. Era mais moço que Spinoza, porém
falece em l 667. De Vries ofereceu a Spinoza a soma de dois mil guldens para que pudesse viver mais folgadamente, mas o filósofo
recusou a oferta alegando que em absoluto necessitava daquela quantia, que poderia inclusive leva-lo a distrair-se de seu trabalho e
de suas pesquisas. De Vries, que veio a falecer solteiro, também quis fazer de Spinoza seu único herdeiro, quando o filósofo exigiu
dele que deixasse sua fortuna para seu irmão Isaac de Vries, seu herdeiro legal, que vivia em Schiedam. Vries obedeceu, porém
com a condição de que Isaac pagasse a Spinoza uma pensão vitalícia. Cumprindo essa condição, Isaac de Vries fixou a pensão em
quinhentos guldens, porém Spinoza o fez reduzi-la a apenas trezentos.
Alguns colegiantes amigos de Spinoza foram políticos importantes. Conrado van Beuningen, foi prefeito de Amsterdã e
embaixador na França e na Suécia. Mandou publicar as obras do filósofo alemão Jacobo Boehme e aceitou a concepção de Deus
postulada por Spinoza. Outro foi Conrado Burgh, ministro das finanças. Um terceiro político foi Nicolás Tulp, cunhado de Burgh,
médico e também prefeito de Amsterdã, famoso pelo retrato feito por Rembrandt de uma de suas aulas de anatomia; e também
ainda outro prefeito de Amsterdã, conhecido por seus trabalhos de óptica, Juan Hudde, com quem Spinoza manteve
correspondência filosófica sobre o problema da unidade de Deus. Por último, pertenceu ao mesmo círculo Juan Rieuwertsz, o
editor da maior parte dos livres-pensadores que procuravam editores holandeses, e que editou toda a obra de Spinoza.
Em 1661 Spinoza sentiu a necessidade de buscar um local de residência mais tranqüilo para melhor meditar as obras que
preparava. Refugiou na tranqüila aldeia de Rijnsburg, que era o centro dos colegiantes, nas proximidades de Leyden. Em
Rijinsburk, de 1661 a 1662, Spinoza dividiu a morada com o cirurgião Hermann Homam, e ali escreveu "Pequeno tratado sobre
Deus, o homem e sua felicidade" e o seu Tractatus de Intellectus Emendatione ("Tratado sobre o melhoramento do Intelecto").
Ele também completou a maior parte da sua "versão geométrica" da obra de Descartes, Principia Philosophiae com o apêndice
Cogitata Metaphysica ("Pensamentos metafísicos") e também a primeira parte de sua "Ética", a qual dividiu em cinco partes: A
respeito de Deus; A natureza e origem do espírito humano; Natureza e origem das emoções; A escravidão humana, ou a Força das
emoções; e Poder do conhecimento, ou Liberdade humana. Nessas obras Spinoza envereda pela contestação ao dualismo
cartesiano, e utiliza notas que havia feito nos debates do círculo de Amsterdã. Em Rijnsburg foi visitado, no verão de 1661, pelo
acadêmico anglo-alemão Heinrich Oldenburg, que logo seria um dos dois primeiros secretários da Royal Society em Londres. O
ano de 1662 é provavelmente aquele em que Spinoza, completa o Tractatus de intellectus emendatione.

Período do Tratado Político


A partir de 1663 e até 1670 Spinoza viverá na pequena aldeia de Voorburg, nas imediações de Haia, e onde seus contactos políticos
serão maiores. O mesmo grupo de amigos políticos de Amsterdã, os citados Conrado van Beuningen, Juam Hudde e Conrado
Burgh, pode encontrar-se com ele mais facilmente, por virem freqüentemente tratar assuntos políticos em Haia, sede da
Assembléia dos Estados Gerais que governava as províncias unidas do estado holandês. Porém trava relações com várias outras
figuras importantes, membros da Assembléia, cuja proteção será importante para poder publicar suas obras. Aqui começa o
conhecimento e amizade de Spinoza com o chefe do Estado Holandês, Johan de Witt. Consta que Spnoza não os procurava porém
os recebia em sua casa onde políticos e pessoas eminentes iam visitá-lo.
Em Vooburg Spinoza alugou seus aposentos em casa do pintor Daniel Tydeman. Não gozou boa saúde no período em que lá
residiu. Sofria febre freqüente, e tratava-se com sangrias e extratos de rosa, um antitérmico então em uso. Evitava sair conforme o
tempo não estivesse favorável. Permanecer em casa provavelmente motivou-o a aprender desenho, possivelmente com o próprio
pintor. Pelo menos dois biógrafos afirmam que tiveram em mãos um livro de desenhos de Spinoza, em que apareciam retratos de
muitos homens eminentes seus amigos.
O Princípios da Filosofia escrito por Spinoza em Rijnsburg apareceu em 1663 em língua latina, com o título Renati des Cartes
Principiorum Philosophiae Pars I et II, com o apêndice Cogitata Metaphysica, e no ano seguinte vertido para o holandês pelo
amigo Pedro Balling. Foi sua única obra assinada, publicada durante sua vida. Em parte o propósito desse trabalho era evidenciar
que conhecia Descartes, o qual ele refutava nas obras que iria completar e publicar. Parece que em meados de 1665 ele estava
próximo de completar sua "Ética". Durante os próximos anos, no entanto, ele prefere trabalhar no seu Tractatus Theologico-
Politicus o qual, seguindo a mesma cautela então em voga entre os filósofos, ele fez publicar anonimamente em Amsterdã em
1670. Com certeza Spinoza considerava esse trabalho indispensável para desarmar os espíritos, a fim de lançar em seguida a sua
Ética.
O Tratado teológico-político foi escrito para mostrar que não apenas a liberdade de filosofar era compatível com a piedade
religiosa e com a paz do Estado, mas que tirar essa liberdade era destruir a paz pública e inclusive própria piedade. Ele argumenta
também que a inspiração dos profetas do Velho Testamento compreendia apenas sua doutrina moral e que em matéria de mundo
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físico as crenças que tinham eram meramente aquelas próprias do seu tempo e não tinham importância filosófica. Completa
liberdade para a especulação científica e metafísica era portanto consistente com tudo que é importante na Bíblia. Os milagres são
explicados como eventos naturais mal interpretados e exagerados para maior efeito moral. Buscou demonstrar que a Bíblica,
propriamente interpretada, não da nenhum apoio à intolerância religiosa ou para a interferência do clero nos assuntos civis e
políticos.
À época em que Spinoza escreveu seu Tratado, o destino político da Holanda estava em jogo. Parecia inevitável que, quando De
Witt deixasse o poder, o príncipe de Orange trataria de ser soberano. Seria o fim da República colegiada e a volta da monarquia
desejada pelo partido orangista. Spinoza se preocupa com a constituição do Estado, fosse ele monárquico ou aristocrático, "para
que não sucumbisse à tirania e ficassem intactas a paz e a liberdade dos cidadãos", fazendo uma minuciosa exposição e crítica das
constituições do tipo monárquico e aristocrático. Exige a participação do povo no Estado e a cooperação regular do povo com a
aristocracia. Suas idéias tinham, portanto, enorme importância política, porque favoreciam aos partidários da república, então
comandada por Johan de Witt, e contrariavam as pretensões de Guilherme III, príncipe da casa de Orange, de transformar as
províncias unidas em uma monarquia, o que contava com o apoio dos calvinistas ortodoxos.
Em maio de 1670 Spinoza mudou-se para Haia, imediatamente depois da publicação do Tratado teológico-político. Vai morar no
bairro mais tranqüilo da cidade, onde viviam então numerosos intelectuais e artistas., primeiro em casa de uma senhora viuva, van
Velen, e depois, na primavera de 1671, em casa do pintor Hendrick van der Spyck, em Paviljoensgracht, onde ficou até sua morte.
Em Haia os calvinistas ortodoxos, dominantemente monarquistas ou do "partido orangista", levantaram denuncias contra o
Tratado, que em 1669 foi denunciado pelo Conselho da Igreja calvinista de Amsterdã como "um instrumento forjado no inferno
por um judeu renegado e o demônio, e publicado com o conhecimento do Senhor De Witt". Para os contemporâneos era evidente
que seu autor estava em íntima relação com a pessoa e a política do Chefe da Confederação das Províncias ou Estados Gerais. Suas
relações eram muito próximas e conhecidas. Seu biógrafo e contemporâneo Lucas diz que De Witt ouvia a opinião de Spinoza
sobre questões políticas importantes, discutia com ele questões de matemática, pois ele mesmo, De Witt, conquistou fama de
matemático notável no estudo das seções cônicas e no cálculo de probabilidades, enquanto Spinoza, por sua vez, escreveu um
opúsculo sobre o cálculo de probabilidades, motivo pelo qual manteve em correspondência com um tal van der Meer. Os protestos
contra o Tratado não alcançaram nenhum resultado enquanto Johan de Witt teve em suas manos o leme do Estado. A obra
provocou grande interesse e teve cinco edições sucessivas nos cinco anos seguintes. Mesmo depois do assassinato De Witt em
1672 não se produziu nenhuma intervenção e o livro alcançou ainda duas edições mais devido ao extraordinário interesse que
despertou em toda a Europa. Mas quando Guilherme III, para afirmar seu poder, se liga cada vez mais com a ortodoxia calvinista,
tem fim a liberdade do Tratado. Por um édito de 1674 a Assembleia dos Estados Gerais, agora chefiada pelo príncipe de Orange, o
proíbe junto com outros livros considerados contrários à religião do Estado.

Últimos anos.
Certamente Spinoza sentiu a morte do pintor Rembrandt (nascido em Leiden em 1606) ocorrida em Amsterdã, em 1669. Em 1671
Leibniz, sabendo-o uma autoridade em ótica enviou para Spinoza o seu Notitia opticae promoteae; Spinoza retribuiu a gentileza
enviando-lhe uma cópia do Tractatus Theologico-Politicus que interessou profundamente o filósofo alemão.
Em 1672 os franceses invadiram as Províncias Unidas. Os holandeses abriram os diques do mar e conseguiram manter o inimigo a
um dia de marcha de Amsterdã. Johan de Witt e seu irmão foram considerados responsáveis pela invasão e foram linchados por
uma multidão em 20 de agosto. Guilherme de Orange foi feito Capitão-General das Províncias Unidas. O linchamento de De Witt
levou Spinoza a planejar colocar cartazes denunciado a barbárie - um ato que poderia ter custado sua vida não tivesse ele sido à
força impedido de executá-lo pelo senhorio da casa em que morava. Elaborou um cartaz taxando de bárbaros os responsáveis pelo
assassinato e pretendia fixá-lo no lugar do crime. Mas seu senhorio van der Spyck fechou a porta impedindo-o de sair, de modo
que teve de desistir de seu inútil e perigoso propósito.
No ano seguinte, l673, recebeu um convite da Universidade de Heidelberg. O nobre príncipe eleitor palatino Carlos Luís, que
reconstruiu seu país sobre as ruínas da Guerra dos Trinta Anos, pretendendo superar os conflitos religiosos funda um Templo da
Concórdia para o culto comum das três confissões cristãs. Spinoza, que em seu Tratado teológico-político expõe os dogmas de uma
fé comum, devia parecer-lhe o homem mais indicado para ensinar filosofia em sua Universidade. Encarrega ao geólogo Luís
Fabritius de escrever a Spinoza oferecendo-lhe a cátedra de professor titular de filosofia. Porém não fica claro para Spinoza se
poderia gozar de completa liberdade de pensamento o que o faz recusar o convite.A decisão de Spinoza foi sensata porque, de fato,
a Universidade de Heidelberg foi fechada no ano seguinte, ao ser ocupada a cidade pelos franceses.
A situação de Spinoza em Haia ficou perigosa em maio de 1673, quando ele foi para Utrecht (então sob ocupação francesa) com
vistas a uma possível negociações de paz. Spinoza recebeu um convite do chefe supremo do exército francês, o grande Condé, que
havia ocupado a maior parte de Holanda, para que o filósofo lhe fizesse uma visita em seu quartel general de Utrecht. O oficialato
francês em campanha desejava de Spinoza um esclarecimento sobre a situação religiosa da Holanda, que supunham não era
puramente protestante e estava cheia de católicos e de sectários de várias correntes.
Spinoza aceita o convite e empreende a viagem a Utrecht através das tropas inimigas com a aprovação dos regentes holandeses que
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viram com esperança a probabilidade de se fazer a paz, e aquela era a ocasião para sondar as perspectivas por meio de uma
conversação, não comprometedora, com o general inimigo. Mas a missão de Spinoza não teve êxito, porque Condé havia partido
de Utrecht e Spinoza esperou inutilmente seu regresso durante algumas semanas. No seu retorno, várias semanas depois, ele foi
recebido mal pela desconfiada população de Haia, correndo rumores de que era espião francês.
Em Haia Spinoza começou a compor uma gramática hebraica (Compendium Grammatices Linguae Hebraeae), mas não a
terminou; em lugar disso, ele retomou o trabalho de redação da Ética. Apesar de toda a cautela guardada ao preparar sua Ética,
transpirou que preparava uma publicação cheia de idéias revolucionárias. Os representantes da Igreja calvinista iniciaram a luta em
toda Holanda contra o livro, e apelaram ao governo para impedir sua publicação. Quando em 1675 termina essa obra, não consegue
publicá-la. Havia se difundido o rumor de que estava no prelo um libro seu sobre Deus, no qual tratava de demostrar que Deus não
existia. Alguns teólogos apoiados por certos cartesianos que queriam limpar-se de toda suspeita de simpatizar com Spinoza, o
acusam ante o príncipe de Orange. "O assunto toma dia a dia um vulto mais grave", escreve Spinoza a Oldenburg. Porém a obra
circulou em cópias manuscritas entre seus amigos mais íntimos.
Spinoza não para de escrever. Empreende alguns trabalhos menores, faz anotações à margem do Tratado teológico-Político, e
trabalha em sua gramática da língua hebrea que antecipa posições da moderna filosofia do linguagem, além de um opúsculo sobre
o arco-iris, publicado depois de sua morte. Mas o trabalho fundamental dos dois últimos anos de sua vida foi o Tratado Político, no
qual expõe sua teoria do Estado e projetos de constituições para os estados monárquicos e aristocráticos, e que não viveu para
completar.
Depois que a Ética ficou conhecida, Spinoza foi procurado por muitas pessoas importantes. Destes, o mais notável foi Gottfried
Wilhelm Leibniz, o qual era, como Spinoza, um dos mais destacados racionalistas da época. Ambos os filósofos haviam trocado
exemplares de obras suas alguns anos antes ( vide acima) e por último Leibniz havia tentado em vão conseguir uma cópia
manuscrita da Ética. Vindo de Paris, Leibniz visita a Spinoza em Haya em 1676. Na ocasião Leibniz, nascido em 1646, contava 29
anos. Falaram sobre as leis cartesianas do movimento, sobre uma nova forma da prova ontológica proposta por Leibniz, ocasião em
que Spinoza lhe mostra o manuscrito de sua Ética e lê para o colega algumas partes. De acordo com Leibniz, nessa visita eles
conversaram longamente muitas vezes. Outro ilustre visitante foi Ehrenfried Walter von Tschirnhaus (em 1675), um cientista e
filósofo que se interessava especialmente pela teoria do método. Com Tschirnhaus trocou uma correspondência sobre questões
filosóficas relativas ao conhecimento, com grande interesse por parte de Tschirnhaus que mais tarde publicaria uma Medicina do
Espírito ou Psicologia. médica.
De declarações de quase todos os que o visitaram ou com ele conviveram se pode compor os traços gerais da personalidade de
Spinoza. Leibniz diz da figura de Spinoza que ele tinha uma cor azeitonada, o que é comum aos povos do Mediterrâneo. Tinha
traços típicos portugueses e espanhóis conforme a descrição de seu principal biógrafo, o citado Colerus, que o apresenta de
mediana estatura, rosto moreno, cabelos negros e ondulados e sobrancelhas largas e negras.
Segundo os donos da casa onde alugou seus aposentos suas maneiras eram tranqüilas e reservadas; às crianças da casa ele
aconselhava obediência aos pais, e que assistissem aos serviços religiosos. Estando em casa passava a maior parte do tempo
recolhido ao seu trabalho, se bem que gostasse de conversar com o senhorio sobre variados assuntos enquanto se dava ao prazer de
fumar um cachimbo. Sua simplicidade impedia que suas maneiras reservadas fossem tomadas por alguém como pretensão de
superioridade. Vestia-se bem e disse do estereótipo dos filósofos: "Uma aparência suja e descuidada não nos transforma em
sábios". Diz um seu biógrafo que no ambiente refinado do quartel general francês onde foi recebido, se admiraram da natural
distinção de seu porte. O marechal francês Charles Saint Dénis, Seigneur de Saint Evremont, hospede do príncipe de Orange,
Guilherme III, ateu e autor de memórias, logo que chega à Holanda, em 1665, visita a Spinoza em Voorburg e o descreve:
"Spinoza era de mediana estatura e de fisionomia agradável. Seu saber, sua discrição e sua independência faziam que todas as
pessoas inteligentes de Haia o apreciassem e buscassem seu convívio". Se diz geralmente que não só ensinou sua filosofia, como
também que ele próprio a seguiu. Viveu suas próprias máximas: "Dos prazeres fazer uso só do necessário para conservar a saúde.
Adquirir dinheiro ou outros bens só na medida necessária para subsistir e conservar nossa saúde e para adaptar-se a uma vida social
que não seja contraria a nossos fins". Aceita a alegria como um bem em si e rechaça a tristeza porque nos deprime. "
Quanto maior é a alegria que nos invade, tanto maior é a perfeição que alcançamos".
Spinoza morreu inesperadamente em 21 de fevereiro de 1677. Havia chamado ao médico Jorge German Schuller, de seu círculo de
amizades, um alemão nascido em Wesel em 1651 que exercia sua profissão em Amsterdã e era aficionado aos experimentos de
alquimia. Schuller estava presente quando faleceu. Seu corpo foi sepultado na Nieuwe Kerk (Igreja Nova), no Spuy, a igreja da
aristocracia cristã. Faleceu solteiro sem deixar herdeiros, e seus pertences foram leiloados. A lista de objetos foi conservada e
inclui 160 títulos de livros.
Seguindo instruções do filósofo, vários amigos prepararam seus manuscritos secretamente para publicação e os enviaram a um
editor em Amsterdã. A Opera Posthuma ( Ethica, Tractatus politicus, Tractatus de intellectus emendatione, Epistolae, Compendium
Grammatices Linguae Hebrae e também suas cartas foram publicados antes do fim do ano de 1677. O seu "Sobre o arco-íris" e o
seu "Sobre o cálculo das oportunidades" foram impressos juntos em 1687. O "Pequeno tratado sobre Deus, o homem e sua
felicidade" somente foi conhecido quando publicado bem mais tarde, em 1852.
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FILOSOFIA de SPINOZA
Teoria do Conhecimento
A filosofia de Spinoza é considerada uma evidente resposta ao dualismo da filosofia de Descartes (1596-1650) a qual, na opinião
dele, fazia o mundo impossível de ser entendido. Era impossível explicar a relação entre Deus e o mundo, ou entre o espírito e o
corpo, ou apresentar fatos devidos a uma vontade livre.
Spinoza sustentava que existe um sentido no qual as definições podem ser corretas ou incorretas. Uma definição confiável, ele
afirmava, deveria deixar clara a possibilidade ou a necessidade, conforme possa ser o caso, da existência do objeto que foi
definido. Portanto, uma definição correta é sempre verdadeira e a partir dessa definição se podem deduzir outras verdades; e por
via de tais deduções é possível construir um sistema metafísico isto é, uma apresentação do mundo como um todo perfeitamente
inteligível. Estava convencido de que cada aspecto da realidade é necessário e que toda possibilidade logicamente coerente deve
existir. Portanto é possível demonstrar a metafísica dedutivamente, através de uma série de teoremas derivados, etapa por etapa, de
conseqüências necessárias a partir de premissas auto-evidentes, expressas em termos que são auto-explicativos ou definidos com
uma correção inquestionável. Porém tal método garante conclusões verdadeiras somente se os axiomas são verdadeiros e as
definições corretas. Com este pensamento, voltou-se para o método geométrico à maneira dos Elementos, de Euclides. Sua obra
prima, a Ética, foi escrita desse modo - Ordine Geometrico Demonstrata.

O que Spinoza quer dizer com prova geométrica é precisamente que, se aceitamos as definições e os axiomas dados, e desde que as
deduções sejam corretamente feitas, então temos que aceitar as conclusões. Cada uma das cinco partes da "Ética", sua obra
fundamental, abre com uma lista de definições e axiomas, dos quais são deduzidas várias proposições, ou teoremas. Porém, porque
a Ética começa justamente com uma definição básica, a definição de "substância", que é aquilo que necessariamente existe, fica
claro que, se rejeitamos sua definição de substância estamos rejeitando todas as deduções que ele faz a partir dela; rejeitando,
portanto, todo o seu sistema.
Spinoza recomenda que façamos uma cuidadosa distinção entre as várias formas de conhecimento e confiemos apenas nas
melhores. Primeiro, existe o conhecimento por ouvir dizer, pelo qual, por exemplo, sei o dia de meu nascimento. Segundo, existe a
experiência vaga, o conhecimento empírico no sentido depreciativo, como quando um médico sabe de um tratamento, não através
da formulação científica de testes experimentais, mas por uma impressão de que costuma dar certo. Terceiro, existe a dedução
imediata, ou seja, conhecimento a que se chega pelo raciocínio, como quando concluo da imensidade do sol por saber que a
distancia diminui o tamanho aparente dos objetos. Este último tipo de conhecimento é superior aos outros dois, mas está ainda
sujeito a uma repentina refutação pela experiência direta.
Quarto, a forma mais elevada de conhecimento, que provém da dedução imediata e da percepção direta, como quando vemos
imediatamente que 6 é o número que falta na proporção, 2: 4 :: 3: x; ou quando percebemos que o todo é maior que a parte.
Spinoza acredita que os homens versados em matemática conhecem Euclides principalmente por essa forma intuitiva; mas
confessa tristemente que "as coisas que com segui saber através dessa forma conhecimento têm sido muito poucas até agora".
Comentando o conhecimento empírico, Spinoza sustentou que toda experiência dos sentidos e toda generalização não científica a
partir dessas experiências é inadequada. Nenhum objeto pode ser isolado do resto da natureza; portanto, ninguém pode afirmar a
verdade total sobre ele, uma vez que isto envolveria a natureza inteira. O conhecimento deste tipo foi chamado por Spinoza opinião
ou imaginação. Se, no entanto, como acontece na terceira forma, a consciência é dirigida somente para aquelas propriedades que
todos os objetos tem em comum, não haverá a distorção que ocorre na experiência dos sentidos. Este tipo de conhecimento é
chamado razão. Por esse caminho Spinoza dava conta da possibilidade do conhecimento a priori na geometria, física geral e
psicologia geral.
A quarta forma, que é a intuição, parece ser adequada ao conhecimento dos objetos individuais. É possível, pela intuição afirmar de
qualquer coisa que ela depende de Deus como sua causa completa, imanente. Talvez pelo termo intuição Spinoza referisse a um
tipo de experiência mística, o insight acompanhado por uma forte emoção que ele chamou "o amor intelectual de Deus" na
dependência de todas as coisas, incluindo o ser humano ele mesmo, no total da natureza.

Deus
Na primeira parte da Ética, Com respeito a Deus, Spinoza, após apresentar as definições e axiomas pertinentes, deduz 36
proposições sobre a natureza de Deus. Destas a mais importante sem dúvida é a 14, que diz: "Além de Deus, nenhuma substância
pode ser dada ou concebida". Ela é a proposição panteísta de Spinoza, na qual ele faz Deus idêntico ao universo; tudo que existe,
sob qualquer forma, é parte de Deus. Esta proposição conflita com a idéia mais comum de que Deus é transcendente, distinto da
sua criação, separado do mundo físico e dos homens. O argumento de Spinoza a esse respeito é o seguinte: Não é possível
existirem duas substancias com os mesmos atributos; ora, Deus tem todos os atributos; então não sobra qualquer atributo possível
que já não esteja em Deus e portanto nenhuma outra substancia pode existir além de Deus mesmo.
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Pensamento e extensão são dois atributos. Existem coisas que são pensamento e existem as coisas do mundo físico que têm a
extensão. No entanto, para Spinoza, Deus já possui necessariamente esses dois atributos, pensamento e extensão, porque sua
perfeição exige que tenha todos os atributos possíveis. Consequentemente esses atributos não pertencem a uma substância
pensamento ou a uma substância coisa física e sim pertencem a Deus que tem todos os atributos possíveis. Logo, Deus é a única
coisa que existe. Necessariamente, as outras coisas só existem em Deus mesmo, como parte d'ELe.
Spinoza chama de substancia aquilo que verdadeiramente existe, o ser interior ou a essência. Substancia então é aquilo que eterna e
imutavelmente é, aquilo que pode ser pensado como tendo existência completamente independente e do qual todo o resto participa
como forma ou modo transitório. Porque não pode ser explicada por nenhuma outra coisa, ela deve ser sua própria causa, ou
necessariamente existente. Como tal, pode haver apenas uma única substância, e Spinoza a identifica com Deus e ao mesmo tempo
com a Natureza inteira. Spinoza assim aporta ao panteísmo.
Mas, ainda assim, Spinoza não exclui que haja um Criador e a coisa criada. Spinoza concebe a natureza, que é Deus, sob um duplo
aspecto. Como um processo ativo e vital, que chama "natura naturans", natureza criadora; e como o produto passivo desse
processo, "natura naturata" natureza criada, a matéria e o conteúdo da natureza, suas florestas e ventos e águas, suas colinas e
campos e miríades de formas externas. E assim explica essas duas naturezas contidas na substância (que seria Deus ou uma
natureza geral): Se duas coisas, dois universos, tiverem os mesmos atributos, então trata-se da mesma coisa, ou do mesmo
universo, ou da mesma substância, como visto. No entanto, a substância única, que contem todos os atributos, pode mostrar
diferenças, não nos atributos, porém no que Spinoza chama "modos". Um modo (ou modificação) é uma propriedade mais restrita
do universo, o modo como um atributo aparece em um nível inferior. Modos variam, aparecem e desaparecem.
Um modo é uma coisa ou acontecimento individual, qualquer forma ou aspecto especial, que a realidade assume transitoriamente;
você, seu corpo, seus pensamentos, seu grupo, sua espécie, seu planeta, são modos; tudo isso são formas, modos, quase que
literalmente estilos, de alguma realidade eterna e invariável que está por trás e por baixo deles. Por exemplo, a forma de um objeto,
se redondo, se tem superfície irregular, quadrado, etc., é uma modificação ou modo do atributo extensão. Os modos, como
pensamento de Deus, são modelos que acomodam as coisas nas formas em que as conhecemos de corpos, fatos, acontecimentos.
Por isso as coisas são transitórias, existem como movimento, enquanto a matéria temporariamente se integra no "modo" ou modelo
de cada coisa; são a natureza naturante Natura naturans, e os corpos são a coisa formada, Natura naturata. Mas esta é somente mais
uma maneira de falar porque substancia (essência) e modos (acidente), a ordem eterna (essência) e a ordem temporal (acidente), a
natureza ativa ou natura naturans (essência) e natureza passiva ou natura naturata (acidente), Deus (essência) e o mundo (acidente),
todas essas classificações são para Spinoza, coincidentes e dualidades sinônimas. Cada uma divide o universo em essência e
acidente.
Todas as coisas, ainda que em grau diverso, são animadas. Vida ou mente é um aspecto ou fase de tudo que conhecemos, assim
como a extensão material ou corpo é uma outra fase; são essas as duas fases ou atributos (como os denomina Spinoza) através dos
quais percebemos a ação da substancia ou Deus. Nesse sentido, Deus, o processo universal e realidade eterna por trás do fluxo das
coisas, pode ser considerado como tendo uma mente e um corpo. Nem a mente nem a matéria são isoladamente Deus; mas os
processos mentais e os processos moleculares que constituem a história dupla do mundo eles sim, suas causas e leis, são Deus. A
vontade de Deus é antes a soma de todas as causas e de todas as leis e o intelecto de Deus é a soma de todas as mentes. A mente de
Deus, como Spinoza a concebe, "é toda a mentalidade que está espalhada pelo espaço e pelo tempo, a consciência difusa que anima
o mundo". Portanto, Deus não é transcendente ao universo, nem pode ter personalidade, providencia, livre vontade e propósitos.
Então, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, não pode esperar que Deus o ame em retorno.

Corpo e Espírito
A substância, que é única na visão de Spinoza, tem uma infinidade de atributos. Por "
atributos" entenda-se "aquilo que o intelecto pode perceber da substância, como constituinte de sua essência". Desses atributos
somente o pensamento e a extensão são conhecidos do homem. Aplicando seu esquema metafísico ao ser humano, Spinoza
argumenta que o corpo do homem é um modo sob a extensão, um modo complexo devido a sua unidade, que vem da manutenção
de um modelo constante de relações entre partes cambiantes. O espírito humano é, similarmente, um sistema mantendo o mesmo
modelo de relações enquanto mudando as partes. No homem não há senão uma entidade, vista interiormente como mente, e
exteriormente como matéria. O que existe na realidade é a mistura inextricável, a unidade de ambas. A mente e o corpo não agem
um sobre o outro, porque não há outro. "O corpo não pode determinar que a mente pense; nem pode a mente determinar que o
corpo fique em movimento ou em repouso, ou em qualquer outro estado", pela simples razão de que "
a decisão da mente e o desejo e determinação do corpo... são uma só coisa". Pois não existem dois processos nem duas entidades.
Não há senão um processo, visto interiormente como pensamento e exteriormente como movimento.
E o mundo todo é dessa forma unamente duplo; onde quer que haja um processo "material" externo, ele será apenas um lado ou
aspecto do processo real, que a um exame mais amplo, mostraria incluir também um processo interno que é correlativo, em graus
diferentes e variados, ao processo mental que vemos dentro de nós. O processo "mental" e interior corresponde em cada estágio ao
processo "material" e externo; "a ordem e conexão das idéias é a mesma que a ordem e conexão das coisas." Isto quer dizer que o
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universo é um todo espacial que é consciente em toda sua extensão, e "Todas as coisas..., como ele diz, "são vivas"- uma posição
conhecida como panpsiquismo.
Da mesma forma que a emoção é parte de um todo, - do qual as mudanças nos sistemas circulatório, respiratório e digestivo são a
base -, a idéia, juntamente com as modificações "corpóreas", é parte de um processo orgânico complexo. Ate mesmo as sutilezas
infinitesimais da reflexão matemática têm repercussão no corpo e, inversamente "não pode acontecer nada ao corpo que não seja
percebido pela mente, e consciente ou inconscientemente por ela captado" diz Spinoza. "Substancia pensante e substancia extensa
são uma coisa única, compreendida ora através deste, ora através daquele atributo" ou aspecto. "Certos judeus parecem ter
percebido isso, ainda que confusamente, pois disseram que Deus e seu intelecto e as coisas concebidas pelo seu intelecto eram uma
só coisa."

Vontade e liberdade
Depois de eliminar a distinção entre corpo e mente, Spinoza nega que haja "faculdades" na mente, ou entidades tais como intelecto
ou vontade, muito menos imaginação ou memória. A mente consiste das próprias idéias em seu processo e associação. Intelecto é
meramente um termo para uma série de idéias; e vontade um termo para uma série de ações ou volições. A vontade é
primeiramente pensamento de um curso de ações a ser seguido e, quando não há fatores contrários, a ação em questão
inevitavelmente se segue. A ilusão de uma determinada escolha surge da ignorância do indivíduo das causas precedentes do
pensamento e da ação. Assim, "vontade e intelecto são uma só e a mesma coisa"; pois uma volição é apenas uma idéia que, pela
riqueza de associações (ou talvez pela ausência de idéias rivais), permaneceu tempo suficiente no consciente para passar à ação.
Cada idéia transforma-se em ação a menos que seja sustada na transição por uma idéia diferente; a idéia é, ela própria, o primeiro
estágio de um processo orgânico unificado do qual a ação externa é o desfecho.
O que é freqüentemente chamado vontade, como força compulsiva, deveria ser chamado desejo: é um apetite ou instinto do qual
temos consciência. "Os homens pensam que são livres, porque têm consciência de suas volições e desejos, mas ignoram as causas
pelas quais são levados a querer ou a desejar." Cada instinto é um artifício desenvolvido pela natureza para preservar o indivíduo.
Por trás dos instintos está o esforço variado e vago de auto-observação (conatus sese preservandi). Spinoza vê isso em todas as
atividades humanas e mesmo infra-humanas, como sua motivação básica. "Todas as coisas, quanto delas depende, esforçam-se em
persistir em suas próprias naturezas; e o esforço com o qual uma coisa procura persistir em seu próprio ser, nada mais é do que a
verdadeira essência daquela coisa." O prazer e a dor são a satisfação ou a repressão de um instinto; não são as causas de nossos
desejos, mas seus resultados; não desejamos as coisas porque elas nos dão prazer; mas elas nos dão prazer porque as desejamos; e
nós as desejamos porque temos que desejá-las. Conseqüentemente não existe vontade livre; as necessidades da sobrevivência
determinam o instinto, o instinto determina o desejo e o desejo determina o pensamento (a idéia de vontade) e a ação. "As decisões
da mente são apenas desejos que variam conforme as disposições". "Na mente não existe uma vontade absoluta ou livre; a mente é
levada a querer isto ou aquilo por uma causa, que por sua vez, é determinada por outra causa, e esta por outra e assim por diante,
até o infinito".

O bem, o mal e o belo


A vontade de Deus e as leis da natureza sendo uma única e mesma realidade diversamente expressa, segue-se que todos os
acontecimentos são a ação mecânica de leis invariáveis. É um mundo de determinismo, não de desígnio, não de vontade.
A filosofia moral de Spinoza como ele a apresenta na "Ética", define "o bom" em termos largamente subjetivos: o bom para
diferentes espécies (Por exemplo, para o homem e para o cavalo) é diferente. O que nossa razão considera como mal, não é um mal
em relação à ordem e às leis da natureza universal, mas somente em relação às leis de nossa própria natureza, tomada
separadamente. Assim, para Deus a distinção entre bom e mau não teria sentido, uma vez que tal distinção é essencialmente
relativa a finalidades das criaturas finitas. Daí nosso "problema do mal": lutamos para reconciliar os males da vida com a bondade
de Deus, esquecendo de que Deus está acima do bem e do mal. Bom e mau são ligados a gostos e finalidades humanas e muitas
vezes individuais e não têm validade para um universo no qual os indivíduos são coisas efêmeras. Assim, quando qualquer coisa na
natureza parece-nos ridícula, absurda ou má, é porque não temos senão um conhecimento parcial das coisas e ignoramos em geral a
ordem e a coerência da natureza como um todo e porque desejamos que tudo se arrume conforme os ditames de nossa própria
razão.
E tal como acontece com "bom" e "mau", o mesmo se dá com "feio" e "belo"; esses termos são também subjetivos e pessoais. Sua
estética é também totalmente subjetiva, pois segundo ela a beleza não é mais que um efeito sobre o espectador.
Spinoza não atribui à natureza nem beleza nem deformidade, nem ordem nem confusão. Somente com relação à nossa imaginação
podem as coisas ser chamadas de belas ou feias, bem ordenadas ou confusas."

Teoria Política
Os filósofos modernos formularam hipóteses sobre a vida do homem anteriormente à formação das sociedades organizadas,
buscando, naqueles primórdios, os fundamentos da ordem política e social.. Também Spinoza pretendeu lançar-se sobre esse
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problema, porém veio a falecer antes de completar seu trabalho. Da sua teoria política ficou apenas o esquema de seu pensamento.
Spinoza formula sua hipótese partindo do homem primitivo que age sem preocupações com o certo e o errado, sem leis ou
organização social, consultando apenas sua própria vantagem e decidindo o que é bom ou ruim conforme a sua força. A lei e a
regra da natureza sob a qual todos os homens nascem, e na maior parte vivem, não proíbe nada a não ser o que ninguém deseja e
não se opõe à contenda, ao ódio, à ira, à traição ou a qualquer outra coisa que os apetites sugiram.
Spinoza exemplifica o egoísmo do estado natural com a conduta dos Estados no seu tempo: "não há altruísmo entre as nações", diz
ele. Porém, devido à necessidade de ajuda mútua, "porque na solidão ninguém é forte bastante para se defender e obter todas as
coisas necessárias à vida", os homens tendem à organização social. Os homens não estão, por tanto, preparados por natureza, para a
ordem social; mas o perigo pede a vida em comunidade. Uma parte do poder natural, ou soberania, do indivíduo é passada para a
comunidade organizada. Como consequência, a lei do poder individual cede o lugar ao poder legal e moral do todo.
O Estado perfeito limitaria os poderes de seus cidadãos apenas na medida necessária à sua finalidade que não é "dominar os
homens, nem coibi-os pelo medo", mas, ao contrário, a de libertar de tal modo o homem do medo, que ele possa "viver e agir com
total segurança sem prejuízo para si nem para seus semelhantes". Estabelecidas essas premissas, a forma de governo pode ser
escolhida, democrática, aristocrática ou monárquica, porque qualquer uma dessas formas políticas pode governar "de maneira que
todos os homens... prefiram o direito publico à vantagem particular". Considera a Monarquia eficiente, porém opressiva e
militarista, e sua preferência parece tender para a democracia, como melhor forma de governo pois nela "cada um se submete ao
controle da autoridade sobre seus atos, mas não sobre seus julgamentos e raciocínio; isto é, vendo que todos não podem pensar
igual, a voz da maioria tem força de lei". A força de sustentação da democracia seria o serviço militar geral, conservando os
cidadãos suas armas durante a paz; e a sua base fiscal seria o imposto único.

Porém lamenta o defeito da democracia, de permitir o poder aos medíocres, e favorecer com os melhores cargos os maiores
bajuladores. "O caráter inconstante da multidão quase leva ao desespero aqueles que dele têm experiência; pois é governada
unicamente pelas emoções e não pela razão." Assim, o governo democrático torna-se um desfile de demagogos de vida curta e
homens de valor relutarn em ver seus nomes em listas para serem julgados e catalogados por pessoas inferiores. Mais cedo ou mais
tarde os homens mais competentes rebelam-se contra um tal sistema, ainda que estejam em minoria. "Por isso, acho eu, é que as
democracias passam para aristocracias e estas afinal para monarquias"; o povo, enfim, prefere a tirania ao caos.
A igualdade de poder é uma condição instável; os homens são desiguais por natureza; e "aquele que pretende a igualdade entre
desiguais pretende uma coisa absurda". A democracia tem ainda de resolver o problema de atrair os melhores esforços dos homens,
ao mesmo tempo em que dá a todos o direito de escolha daqueles por quem desejam ser governados.

Religião
No "Tratado teológico-político" e no "Breve Tratado acerca de Deus, o homem e Sua felicidade suprema" Spinoza expõe suas
idéias sobre a religião. Seu modo de considerar a religião e seu papel no Estado é claramente coincidente com o daquele grupo de
amigos de cujas convicções religiosas e políticas, bem definidas, ele compartilha como "colegiante". A posição que tinham em
comum, de tolerância frente à rivalidade das seitas, o amor e obediência a Deus como somente o que importava, constitui também
o núcleo do pensamento de Spinoza a respeito da religião. Cristo é considerado por Spinoza como a sabedoria divina que rege o
mundo. Mostrando a influência do pensamento de Descartes, os colegiantes pretendem que a fé religiosa "é um conhecimento claro
e distinto da verdade na mente de cada homem, pelo qual adquire uma convicção tal do ser e das qualidades das coisas que lhe
resulta impossível duvidar delas".
Spinoza não aceita-a divindade de Cristo, mas dá-lhe o primeiro lugar entre os homens. "A eterna sabedoria de Deus... mostrou-se
em todas as coisas, mas principalmente na mente do homem, e principalmente em Jesus Cristo." "Cristo .foi enviado para ensinar
não só aos judeus mas a toda a raça humana"; daí "Ele acomodou-se à compreensão do povo... e ensinava mais freqüentemente por
meio de parábolas." Considera que a ética de Jesus é quase sinônimo de sabedoria; reverenciando-O nós nos elevamos ao "amor
intelectual de Deus".
Foi esperança de Spinoza que a religião judaica e a cristã, - que na verdade seriam uma só -, quando fossem afastados o ódio e as
incompreensões e quando a análise filosófica encontrasse o âmago e a essência ocultos dessas crenças rivais, haveriam de unir-se.
Mas, em seu tempo assim não era, e por isso diz: "Admiro-me com freqüência de que pessoas que se ufanam de professar a religião
cristã, ou seja, a religião do amor, da alegria, da paz, da temperança e da caridade para com todos os homens, briguem tão
rancorosamente e manifestem um ódio tão amargo uns para com os outros. Esquecem que isso, mais do que as virtudes que
professam, oferece um critério decisivo para o julgamento de sua fé."
O primeiro passo para essa união, na opinião de Spinoza, seria a concordância em relação a Jesus. Uma figura tão nobre, livre do
cerceamento de dogmas, que levam apenas a divisões e disputas, atrairia todos os homens; e talvez em seu nome, um mundo
dilacerado por lutas suicidas de palavras e armas, pudesse afinal encontrar uma unidade de fé e uma possibilidade de fraternidade.
O pensamento de Spinoza no "Tratado teológico-político" enfoca três aspectos da religião: a Bíblia, sua própria defesa contra a
acusação de ser ateu, e a separação entre Igreja e Estado. Com respeito à Bíblia, Spinoza ataca o dogma da revelação que interpreta
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a Bíblia como uma mensagem de Deus para os homens. Sua polêmica com o ¡judaísmo era de grande atualidade dado o valor que o
calvinismo atribuía ao Antigo Testamento. Aplicando pela primeira vez na história a crítica histórica às Escrituras, busca demostrar
a origens dos livros bíblicos e funda a ciência bíblica. Opõe-se à interpretação bíblica racionalista de Maimónides. É principio
fundamental de Spinoza que a Bíblia só deve ser interpretada no contexto da própria bíblia, pelas suas possíveis contradições,
reafirmações, etc. e de modo algum pela verdade racional da filosofia. Neste particular, as colocações de Spinoza coincidiriam de
certo modo com o pensamento ortodoxo e contrariando o liberalismo. Mas esta interpretação pode mostrar apenas o sentido próprio
da Bíblia, impedindo que se submeta à prova da razão.
Spinoza não podia aceitar que o taxassem de ateu porque acreditava em Deus, apenas era um Deus não personificado, não
humanizado, e sintético com a natureza. Spinoza quer demostrar que sua fé coincide com todas as religiões no principio do amor e
da obediência a Deus. Chegou a pensar que, com a tolerância dos colegiantes e a neutralidade dos regentes, haveria a possibilidade
de uma religião comum que poderia unir a todos os homens.
Busca, finalmente, na sua obra, defender a liberdade de pensamento contra os pregadores fanáticos. Talvez por influência sua
Johan de Witt lutava pelo direito do Estado, tentando tirar totalmente das autoridades eclesiásticas sua jurisdição nos assuntos
temporais. Em 1656 Johan de Witt havia promulgado um decreto proibindo que se confundisse teologia e filosofia.

Educação
A filosofia da educação de Spinoza é determinista e estóica, compreendendo que Deus não é uma personalidade caprichosa
absorvida nos assuntos particulares dos homens mas sim a ordem invariável que sustenta o universo.
Precisamente porque as ações dos homens são determinadas pelas suas lembranças, a sociedade tem de formar os cidadãos
manipulando suas esperanças e receios, para alcançar uma certa dose de ordem social e cooperação. Quer nossas ações sejam livres
ou não, nossas motivações ainda são a esperança e o medo. Aquele que considera todas as coisas como determinadas não se pode
queixar, ainda que possa resistir; pois "percebe as coisas sob uma certa luz de eternidade" e compreende que suas desventuras não
são acasos no esquema total; que elas têm alguma justificativa na eterna seqüência e estrutura do mundo. Com esse espírito, ele se
ergue dos prazeres caprichosos da paixão para a elevada serenidade da contemplação, que vê todas as coisas como partes da ordem
e do desenvolvimento eternos; aprende a sorrir diante do inevitável e "quer receba o que lhe é devido agora ou dentro de mil anos,
permanece contente".
O determinismo conduz a uma vida moral melhor: ensina-nos a não desprezar ou ridicularizar ninguém, a não ficar zangado com
ninguém; os homens "não são culpados"; e ainda que punamos os canalhas, será sen ódio; nós os perdoamos porque não sabem o
que fazem. Acima de tudo, o determinismo fortalece-nos para acolher as duas faces da fortuna com igual espírito; lembramo-nos de
que todas as coisas sucedem conforme as leis eternas de Deus.

O Homem Marx

Karl Heinrich Marx nasceu na Alemanha, em 15 de maio de 1818, na pequena cidade de Treves, filho de um advogado de
origem judáica, Heinrich Marx, e de uma dona-de -casa, Henriette Pressburg.

O jovem Karl, sob o incentivo intelectual do pai, realizou os seus estudos básicos em Treves seguindo, posteriormente, para
Bonn, cidade natal do grande compositor Ludwig van Beethoven, para estudar Direito. Karl, como a maioria dos jovens de
todos os tempos, preferiu mergulhar no clima boêmio da cidade, imersa nos ideais do romantismo idealista de Schelling, Goethe
e outros, que a se dedicar seriamente aos estudos das Leis. Por isso seu pai o transferiu para uma universidade mais
disciplinada em Berlim, em 1836.

Ainda neste ano, o romântico Marx se apaixona e noiva secretamente com uma das mais belas mulheres de Treves, e tão jovem
e idealista quanto ele: Jenny von Westphalen, cujo irmão, Ferdnand, seria ministro do Interior da Prússsia posteriormente.
Marx casou-se com ela, finalmente, em 1843.

Em Berlim, Karl seguiu com destaque os cursos disciplinares e frequentou o "Doktor-Club", círculo de jovens e brilhantes
intelectuais hegelianos. Lá eles discutiam a filosofia de Hegel e outros filósofos românticos. Em 1841, Karl laureou-se em
filosofia.

Depois de formado, Karl tentou seguir a carreira acadêmica na universidade de Bonn com a ajuda de seu amigo, o teólogo
Bruno Bauer. Mas este era considerado um teólogo progressista e ousado demais, e foi logo afastado da universidade,
frustrando os anseios de Marx. Sem poder seguir seu sonho, Marx se dedica ao jornalismo, sendo o redator da "Gazeta

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Renana", órgão de concentração dos intelectuais da região. Logo Marx seria promovido a redator-chefe. Porém, como quase
sempre ocorre, a força intelectual do jornal acabou por incomodar muitos 'poderosos' (o jornal não era governista nem
mercantilista como boa parte da mídia popularesca do Brasil) e, após inflamar os ânimos da burguesia latifundiária
tradicionalista de parte da Prússia, foi oficialmente interditado em janeiro de 1843.

Nesse mesmo período, a imensa produção intelectual de Marx estava em pleno vapor, mesmo que, no global de sua obra,
estivesse ainda em seu início. Estudioso de Feuerbach, Marx escreve em 1843 a Crítica do direito público de Hegel, da qual a
introdução foi publicada em Paris no ano sguinte por Ruge, nos "Anais Franco-Alemães", do qual Marx seria, a convite de
Ruge, co-diretor. Na cidade Luz, Marx entrou em contato e foi bem recebido por vários grandes intelectuais como Proudhon,
Blanc, Heine, Denizard Rivail, George Sand, Bakunin e, sobretudo, o seu grande amigo e colaborador de toda a vida, Friedrich
Engels. Porém, mais uma vez, a ousadia e o impacto dos "Anais" acabaram por decretar o seu próprio fim, tendo sido
publicado apenas um volume.

Marx, porém, com a ajuda de amigos da cidade alemã de Colônia, prosseguiu sua incansável pesquisa em filosofia e economia
política. Foi nesta época que ele escreveu talvez a sua obra mais importantes antes de O Capital e, em muitos pontos, mais
transparente e acessível ao pensamento de Marx que sua obra irmã posterior: Os Manuscritos Econômico-Filosóficos. Karl
também contribuia com artigos políticos para o jornal dos artesães alemães, o Vorwärts. Como este jornal tinha uma linha
crítica-socialista e os artigos de Marx eram muito brilhantes, e como o jornal era lido por várias outras pessoas além dos
artesãos a quem se dirigia, especialmente estudantes, a colaboração de Marx acabou por inflamar mais uma vez os ânimos
farisáicos do poderosos de todos os tempos, e Karl foi expulso da França em janeiro de 1845.

Passando a residir na Bélgica, Karl e Engels passam a aprofundar ainda mais seus estudos, com o apoio terno de Jenny. Em
janeiro de 1848, Marx e Engels redigem o famoso e ainda altamente atual - em sua visão crítica do capitalismo - Manifesto
Comunista, a pedido dos membros da "Liga Comunista" de Bruxelas. Com os movimentos sociais de 1848 na França, Marx
volta a Colônia, na Alemanhã, onde tentar novamente o jornalismo. Posteriormente, depois de lhe ser negada permanência em
Paris, Marx vai para Londres, em 1849, onde permancerá até sua morte.

Na capital do Reino Unido, Marx passa por toda sorte de dificuldades, mas com a ajuda de Engels e de seus artigos para vários
jornais, Karl consegue se dedicar e aprofundar-se nos estudos de economia política, sociologia e história de tal modo que seu
conhecimento e argumentação impressionam a todos os que o conhecem. Desta são as sementes que mais tarde iriam eclodir
em O Capital, cujo primeiro volume, redigido por Marx, veio à luz em 1867, sendo os outros dois compilados por Engels a
partir das notas originais e publicados após a morte de Karl, em 1883.

Dedicado quase que obsessivamente na atividade de organização política do movimento operário, Marx funda em Londres, em
1864, a "Associação Internacional dos Trabalhadores".

No período posterior, Marx se dedica febrilmente ao trabalho. Em 1881 morreu sua terna e doce companheira e grande
incentivadora, Jenny. Semi-solitário, mas muito ativo, Marx finalmente expira em 14 de março de 1883.

Originalidade e Importância da Obra de Karl Marx

Marx foi um grande homem e um gênio quer da Filosofia, quer da Sociologia, quer da Economia Política, e disso poucos
ousam questionar. O grande problema surge quando o seu legado passa a ser 'apropriado' pelos seus seguidores e admiradores,
ou mesmo - e principalmente - pelos seus inimigos (muitos e muito versados na obra do mestre), que é exatamente o mesmo
problema no legado de outros grandes grandes homens, como Sócrates ou Cristo, em especial quando tentam institucionalizar
sua herança. Ainda hoje, mais de um bilhão de seres humanos vivem e são educados naquilo que se chama erroneamente de
marxisimo (China, Cuba). Porém, há décadas que se sabe que este marxismo não é o de Karl Marx, e tal qual ele se apresenta,
há pouco de Marx e muito de outros, ou seja, está altamente contaminado. Este "marxismo" é uma vertente interpretativa do
pensamento de Marx e dificilmente seria aceita por ele, mas, infelizmente, se tranformou numa ideologia rígida dos chamados
países comunistas e foi, também, apropriada e altamente cristalizada tal como hoje se apresenta, calculadamente, pelos ditos
capitalistas, sendo usada como arma para manter, por ambos os blocos, seu poder. De qualquer forma, não há que se negar que
mesmo nestes países as conquistas sociais foram inúmeras. Dentre os bilhões de habitantes da China, ninguém passa fome, e

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em Cuba, apesar de um embargo econômico criminoso de mais de 40 anos contra a ilha indefesa, todos têm direito à educação,
moradia e um dos melhores sistemas médicos do mundo.

Não podendo abarcar toda o alcance e extensão da obra de Marx, que é um dos pais da Sociologia e presença obrigatória nos
cursos de História e Filosofia, podemos começar dizendo que o pensamento de Marx é, fudamentalmente, uma tentativa de
compreensão da sociedade capitalista, onde uma minoria (os capitalistas) dita as regras para o viver e o pensar de uma maioria
(os trabalhadores). Marx se dedica analisar as contradições entre estas duas classes. A distância imensa e o desequilíbrio entre
os que detêm os instrumentos para a produção, como máquinas e equipamentos vários, e a terra (meios de produção) e os que
nada têm a não ser sua força de trabalho (os assalariados, empregados e operários), constituindo duas classes básicas e cada
vez mais polarizadas no sistema capitalista, é o que salta aos olhos nos primeiros estudos de Marx. A tensão entre estas duas
classes, que a cada dia parece aumentar - mesmo que tacitamente - agora pode se mostrar em sua frieza já que não parece mais
existir a ameaça socialista, desde o fim da União Soviética - e tal fim é amplamente propagado pelos meios de comunicação
responsáveis pela divulgação da ideologia (visão de mundo) mais favorável ao capitalismo, e este pode agir como bem quiser,
sem que haja o contrapeso 'marxista' para equilibrar seus exageros.

O conflito humano resultante das desigualdades econômicas intrínsecas a estas duas classes são, para Marx, o ponto chave das
sociedades industriais modernas, juntamente com o modo, a forma ideológica de manipular as idéias para que o grande povo
não perceba o vínculo entre poder econômico e poder político e sua influência na qualidade de vida de todos (alienação política
e cultural).

"A história de toda a sociedade humana, até nossos dias, é a história do conflito entre classes. Entre o homem livre e o escravo,
patrício e plebeu, barão e servo, mestre de ofício e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos se encontram sempre
em conflito, ora disfarçada, ora abertamente, e que termina sempre por uma transformação revolucionária de toda a sociedade,
ou então pela ruína das diversas classes em luta".

Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto Comunista, 1848.

Portanto, para Marx, o que vemos constantemente na história humana é uma luta entre setores opostos, classes antagônicas,
que, em seu processo de interação, buscam uma solução para as tensões econômicas resultantes de suas diferenças. E a
sociedade atual capitalista, a sociedade da globalização econômica, não é diferente, ou é até ainda mais explicitamente
antagônica do que a de outros tempos.

Senão vejamos: no Brasil existe ou subsiste ainda uma forma bastante primária de capitalismo no Nordeste, como, por
exemplo, o corenelismo agrário, quase feudal. No Sul, existe uma forma mais sofisticada, onde uma burguesia insdustrial e
agrária nacional convive com uma burguesia insdutrial internacional. Estes membros formam a força economicamente
privilegiada da nação por deter em suas mãos os meios técnicos e físicos para a produção econômica. E para manter
indefinidamente seu poder, é necessário resguardar sempre o domínio destes meios de produção o que é feito mediante o
aperfeiçoamento técnico dos mesmos, daí a ênfase e o apóio nas chamadas ciências técnicas: engenharia mecânica e elétrica,
computação, etc. Marx fala que "a burguesia não pode subsistir sem transformar os instrumentos de produção e, portanto, as
relações de produção (ou seja, a forma como se dá a relação entre as máquinas e as pessoas que trabalham com elas), o que
implica na transformação do conjunto das condições sociais (...). A burguesia criou forças produtivas mais maciças (por
exemplo, as grandes fábricas mecanizadas) e mais colossais do que as que haviam sido criadas por todas as gerações do
passado, em conjunto (op.cit). Desse jeito, é incentivado um processo de mecanização e obsolescência, onde instrumentos que
deveriam servir como auxiliares e meios (veja-se o caso dos computadores), por serem rapidamente descartáveis, se tornam fins
em si, realimentando o processo, matando o emprego.

Surgem assim duas formas básicas de contradição na sociedade capitalista:

1º. Contradição entre os Meios Técnicos e as Relações de Produção. - Os capitalistas, ou seja, os donos das máquinas, da terra
e das fábricas criam ou incentivam a criação incessante de meios de produção mais poderosos, por exemplo, novos
computadores que controlam novos robôs, dispensando mão de obra humana e liberando o patrão de pagar os encargos sociais
dos empregados. Os desempregados, que se aglomeram nas cidades, acabam formando um exércido de mão-de-obra de reserva
que, igualmente, é usado para inibir os operários e empregados que ainda trabalham e que podem ser facilmente substituídos
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pelos que estão desempregados, caso tentem causar problemas aos patrões. Mas as relações de produção, ou seja, as relações
entre propriedade, trabalho e a distribuição das rendas não se transformam no mesmo rítimo, ao contrário, tenta-se sempre
deixar aos detentores dos meios de produação todo os direitos que deveriam ser compartilhado com todos, inclusive a renda.
Por isso a grande Belíndia (mistura entre Bélgica e Índia) ou o Texas-África que é o Brasil: uma perversa distribuição de
renda que se mantêm às custas da alienação política da nação, em grande parte mantida e incentivada pelos meios de
comuncação de massa, como a mídia eletrônica que, em nosso país, é praticamente controlada pela Rede "Mundo" de
Televisão, surgida na ditadura militar e sempre governista. Favelas ao lando de grandes prédios... Indústrias no Sul contra o
sistema fundiário do Norte, etc.

2º. Contradição entre o Aumento das Riquezas e a Miséria Crescente da Maioria.- Os que não detêm os meios de produção, ou
seja, a grandiosa maioria da população, ficam à mercê do que querem os detentores dos meios de produção. Ora, estes querem
sempre obter mais lucros e garatir seu poder e padrão de vida, sendo assim, tentam minimizar as despesas com pessoal e manter
o controle sobre o pensamento público. Isso aumenta o desemprego e afunila as maravilhas do mundo moderno, como
educação e saúde, apenas para quem tem o poder de COMPRÁ-LOS. Empenhados em uma concorrência louca - que
transborda as fábricas e recai sobre o modo de vida de todos e nas relações entre as pessoas -, os capitalistas não podem deixar
de aumentar seus meios de produção e, com isso, ampliar o número de dependentes proletários e sua miséria.

Como nos fala Raymond Aron, "o caráter contraditório do capitalismo se manifesta no fato de que o crescimento dos meios de
produção em vez de se traduzir pela elevação do nível de vida dos trabalhadores leva a um duplo processo de proletarização (os
pequenos agricultores vedem suas terras para procurar empregos nas cidades) e pauperização (crescem os miseráveis nas
favelas por falta de emprego)"(Aron, 1993, p. 137).

Sendo assim, o capitalismo alienou, isto é, separou, divorciou o trabalhador comum dos seus meios de produção, pois, por
exemplo, um artesão não poderá competir com uma fábrica. Só lhe resta vender sua oficina e ir trabalhar nesta fábrica
aceitando as ordens do patrão em troca de um salário pela venda de sua força de trabalho. A industrialização de lucro, a
propriedade privada e o assalariamento separam o trabalhador dos meios de produção e do fruto de seu trabalho. Essa é a base
da alienação econômica, fortalecida pela alienação cultural (os programas de televisão aos domingos traduzem bem isto), que
ajuda na alienação política.

A alienação política se dá assim: o Estado, que é administrado pelos políticos eleitos, é mantido pelos que são eleitos devido não
ao debate de idéias ou presença de competência mas, na maioria das vezes, à manipulação da propaganda e dos meios de
comunicação, às custas do abuso do poder econômico. Nisso, então, a Democracia passa a ser uma farsa, pois os direitos não
são iguais entre os candidatos. O Aparentar, o Parecer suplanta o Ser. Basta ver o modo tendencioso da Rede "Mundo" de
televisão nas últimas três eleições presidenciais no Brasil para se ter uma idéia disso (a mesma poderosa organização da mídia
eletrônica ajudou a eleger Collor de Mello e o acompanhava todos os domingos na sua marotona calculada na Casa da Dinda
para, para, posteriormente, descartá-lo do cenário político quando seus interesses começaram a ser ameaçados pela
mediocridade deste primeiro Dom Fernando). Assim sendo, os que estão no poder não representam o povo em si, mas a
CLASSE ECONÔMICA DOMINANTE, ou seja, a dos grandes empresários, banqueiros latifundiários e entidades
internacionais. FHC e ACM são os dois ícones máximos dessa representatividade elitista.

Os programas de comunicação de massa refletem bem essa ideologia do poder de um determinado grupo. A revista "Observe",
por exemplo, juntamente com a Rede "Mundo" de Televisão fizeram e desfizeram tudo o que quiseram para enegrecer Lula e
engradecer FHC. Esquecendo facilmente que o maior Presidente Norte-Americano, Abrahan Lincoln, era um lenhador sem
estudos, o pobre ex-operário Lula foi avacalhado diante do nobre Doutor Sociólogo... Hipocrisias que trazem os frutos para que
delas usam... Hoje os estudantes universitários são tachados de mal-educados por estes dois veículos de comunicação ao
protestarem contra o sucatemento com vistas a privatização das universidades públicas, enquanto FHC é chamado de
gentleman mesmo quando chama o povo brasileiro de capira, os aposentados de vagabundos (hoje ele não os chama mais
assim, é verdade. Ele apenas age com eles como se realmente o fossem), os sem-terra de maconheiros, etc... Muito imparcial
esses instrumentos de comunicação.

Assim, mutilado e alienado, o homem só pode se recuperar sua condição humana se despertar e se educar. Educação? No
Brasil isso não pode se dar, pois assim muitos iriam despertar para a sujeira política de nosso sistema, iriam ter uma visão
crítica de mundo, como sonhava Paulo Freire. Assim, é melhor sucatear a educação pública e as universidades. Só os que têm

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dinheiro, e são do lado da burguesia dominate, ao menos concordantes com sua idelogia, é que podem e devem ser educados
para, assim mesmo, ajudar a manter o sistema. Não é sem luta que os trabalhadores comuns podem burilar a si mesmos.

E, depois de conscientizado e esclarecido, o homem tem de agir politcamente para mudar o quadro de desigualdades. Quando
isso ocorre, a tão propalada democracia, especialmente na América Latina, dá lugar ao apóio da burguesia e dos latifundiários
ao Golpe Militar ou ao Golpe de Estado, para se proteger da ameaça marxista. Foi assim no Brasil com o infame Golpe de 64,
foi assim no Chile, na Argentina.... Fala-se muito das atrocidades dos "comunistas" mas se calam quanto aos porões das várias
ditaduras das repúblicas de bananas da América Latina.

É essa a mensagem básica de Karl Marx, e a sua grandeza. O conceito de alienação é, para mim, o mais básico e brilhante da
teoria marxiana do capitalismo. Em muitos pontos, foi sua bagem humanista e filosófica que levou Marx ao estudo
aprofundado da Economia e da História. Marx tinha o que hoje chamamos de consciência sistêmica ou ecológica das coisas,
mas não desenvolveu muito - nem poderia com os recursos de seu tempo - um trabalho nesse sentido. Mas ele viu muito à frente
do seu tempo. Ele fez muito para uma só existencia e isso já basta. Seu trabalho foi levado adiante em nosso século por nomes
como Rosa Luxembrugo, Antonio Gramsci, Edgar Morin, Jean Paul Sartre, Che Guevara, Mário de Andrade, Antonio
Houaiss, Paulo Freire, Florestan Fernandes... E podemos ver que o pensamento marxiano, no que tem de profundamenteo
humanista, está concordo com os trabalhos progressistas e profundamente e cristão de Leonardo Boff, Dom José Maria Pires,
Dom Hélder Câmara, ou de organizações como Greenpeace, ONGs várias, entre inúmeros outros nomes e associações.

"A alienação imputável à propriedade privada dos meios de produção se manifesta no fato de que o trabalho, atividade
essencialmente humana, que define a humanidade (e criatividade) do homem, perde suas características humanas, já que passa
a ser, para os assalariados, nada mais que um meio de sobrevivência. Em vez do trabalho ser a expressão do próprio homem, o
trabalho se vê degradado em instrumento, em meio de viver.

"Os empresários também são alienados, pois a finalidade das mercadorias de que dispõem não é atender a necessidades
realmente sentidas pelos outros, mas são levados ao mercado para obter lucro. O empresário se torna escrevo de um
mercado imprevisível, sujeito aos azares da concorrência. Explora os assalariados mas nem por isso ele é humanizado no
seu trabalho, pelo contrário, aliena-se em benefício de um mecanismo anônimo."

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