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NEFROPATIA POR IGA

Descrita primeiramente por Jean Berger em 1968.

A Nefropatia por IgA (NIGA) é definida por deposição mesangial de IgA acompanhada por
glomerulonefrite (GN) mesangial proliferativa.

Epidemiologia

A NIGA é mais comum em caucasianos e asiáticos, sendo bastante raro em negros.

O pico de incidência se entre na segunda e terceira décadas de vida, com uma frequência de
2:1 nos homens.

Pode ser familiar, mas geralmente é esporádica.

Apresentação Clínica

Hematúria Macroscópica Recorrente

Mais comum na segunda e terceira décadas de vida e responde por cerca de 40% das formas
clínicas da NIGA. Geralmente a urina se apresenta marrom (cor de coca-cola). Pode apresentar
dor lombar secundário a edema da cápsula renal.

A hematúria ocorre geralmente após episódio de infecção (vias aéreas ou TGI) ou por exercício
intenso. O processo leva cerca de 24 horas após o início dos sintomas infecciosos, o que
diferencia em relação a GNPE (cerca de 2-3 semanas).

A hematúria macroscópica se resolve espontaneamente, podendo persistir microscópica.

Essa apresentação geralmente não apresenta associada a LRA.

Hematúria Microscópica Persistente

Geralmente é detectada por testes de rotina, cursa em cerca de 40% dos casos de NIGA.

Pode estar presente proteinúria. É raro o paciente ter proteinúria e não ter hematúria.

Síndrome Nefrótica

Bastante incomum, responde por cerca de 5% dos casos de NIGA.

Geralmente a proteinúria está em níveis nefrótico pelo avançar de glomeruloesclerose.

Lesão Renal Aguda

Incomum, apenas cerca de 5% dos pacientes evoluem com esta apresentação.

Os dois mecanismos são:


1. Resposta inflamatória e imune grave e aguda que resulta na formação de crescentes
(NIGA crescêntica). Pode ser a apresentação inicial ou evoluir de uma NIGA leve já
diagnosticada.
2. Hematúria glomerular intensa com oclusão tubular. É reversível e o tratamento é com
medidas de suporte.

Outras Apresentações

Hipertensão arterial e DRC, ou com hipertensão maligna.

Nefropatia por IgA Secundária

Depósito mesangiais de IgA podem ser secundários a outras doenças, e indistinguíveis da NIGA
primária.

A forma secundária mais comum é associada a doença hepática, principalmente doença por
álcool. É atribuído a diminuição do clearance de IgA pelo fígado. A maioria dos pacientes não
tem manifestações clínicas renais, apenas a hematúria microscópica.

Também é associada a infecção por HIV/AIDS, associado a proliferação policlonal de IgA da


doença.

A doença celíaca também está associada a NIGA, a gliadina estimula a produção de IgA. O
glúten funcionaria como um ativador da gliadina, devendo então evitar a ingesta de glúten.

O tratamento das formas secundárias é focar na doença de base.

Diagnóstico

IgA sérico elevado é encontrado em até 50% dos pacientes, porém não se correlaciona com a
gravidade e atividade da doença.

O diagnóstico da NIGA necessita de uma biópsia.

A indicação da biópsia renal se dá quando: proteinúria > 1 g/dia ou aumento da creatinina


sérica.

O diagnóstico diferencial são as glomerulopatias que cursam com hematúria isolada,


principalmente nefrites hereditárias e membrana basal fina, a glomerulonefrite
membranoproliferativa podem cursar com hematúria e assim fazer parte do diferencial.

Patologia

Microscopia Ótica

As alterações podem ser mínimas, a mais comum é a presença de hiperproliferação mesangial.


Geralmente é difuso e global, porém também pode ser focal e segmentar.

Crescentes são achados comuns quando feitos na hematúria macroscópica e ↓ TFG.


Alterações tubulointesticial são iguais a todas as formas, refletem o final da doença
parenquimatosa.

Proliferação e expansão mesangial segmentar (setas).

Imunofluorescência

A presença de IgA dominante ou codominante é fundamental para o diagnóstico. O depósito é


global e difuso.

Outras imunoglobulinas podem estar presentes, como IgG e IgM. C3 também pode estar
presente.

Microscopia Eletrônica

Mostra depósito eletro-densos no mesângio e paramesângio, correspondendo a IgA.

Pode apresentar alterações na MGB, que estão mais associadas a proteinúria importante e
crescentes.
D: depósitos densos no mesângio de IgA.

Classificação de Oxford para Nefropatia por IgA

Variável Definição Escore


Mesangial – > 4 células mesangiais em qualquer M0: < 50%
proliferação área do glomérulo M1: > 50%
Endocapilar – Aumento de números de células E0: não
proliferação endocapilares E1: qualquer aumento
Segmentar esclerose Esclerose em parte do glomérulo, S0: não
não todo S1: presente em qualquer
glomérulo
Tubular – atrofia % de atrofia tubular ou fibrose T0: 0–25%
intersticial T1: 26–50%
T2: > 50%

Patogênese

IgA é a forma mais abundante de imunoglobulinas no organismo, é composta por duas formas
isoméricas (IgA1 e IgA2).

A forma IgA1 é a responsável pelo depósito mesangial da NIGA.

A IgA1 possui uma região que se liga a galactose. Em alguns casos, essa ligação é deficiente
formando uma imunoglobulina mais com maior peso molecular que é mais fácil de ser
depositada no mesângio e ativar inflamação local (IgA1 deficiente em galactose).
Genética

Nefropatia por IgA é uma doença poligênica complexa. Está associado com polimorfismo do
complexo principal de histocompatibilidade, ligado a várias doenças autoimunes.

História Natural da Doença

Menos de 10% dos pacientes apresentam cura completa.

A NIGA tem potencial para cronificar e levar o paciente para DRT em 25 anos em até 25% dos
casos.

Fatores Prognósticos

Pior prognóstico: idade, gravidade da proteinúria, hipertensão, ↓ TFG, IMC ↑, ↑ ácido úrico,
crescentes, esclerose glomerular, atrofia tubular, fibrose intersticial, M1, E1, S1 e T2.

Melhor prognóstico: hematúria recorrente macroscópica

Tratamento
Condutas Gerais

Redução da proteinúria com bloqueio do SRAA e controle da hipertensão (< 130 x 80 mmHg).

Controle dos fatores de risco cardiovasculares (tabagismo, exercício, estatinas e dieta)

O uso de óleo de peixe não tem evidências fortes de benefício, mas podem ser usados com
poucas chances de causar algum dano.

Ponto sem Retorno

Quando o paciente atinge uma TFG < 30-50 mL/min/1,73 m2 o uso de imunossupressores deve
ser evitado, a não em casos de GNRP.

Corticoide

KDIGO sugere uso de corticoide quando a proteinúria se mantem acima de 1 g/24 horas, após
3-6 meses de terapia otimizada de IECA/BRA e pacientes com TFG > 50 mL/min/1,73 m 2.

Estudo de 2015, uma reavaliação do VALIGA (estudo que validou a classificação de Oxford),
demonstrou aumento de sobrevida renal para tratar pacientes com TFG entre 30-50
mL/min/1,73 m2.

Vários esquemas podem ser usados, até o momento nenhum apresentou melhor nível de
benefício. Geralmente é optado por o esquema oral pois apresenta menos chance de evoluir
com osteonecrose da cabeça do fêmur.
Micofenolato de Mofetila

Três estudos avaliaram o efeito do MMF na NIGA, porém apenas em um e após 6 anos de uso
foi visto uma sobrevida renal. E temos que lembrar dos efeitos colaterais do MMF.

Sob a atual luz do conhecimento, o MMF não tem indicação certa na NIGA.

Ciclofosfamida

Nenhum estudo mostrou melhora da NIGA em pacientes que fizeram uso de CCF, não sendo
recomendado pelo KDIGO atualmente.

Apenas em uma situação tem sido indicado o uso de CCF: GNRP.

Azatioprina

Não é recomendada para o uso na NIGA.

Lesão Renal Aguda associada a Hematúria Macroscópica

Tratamento de suporte para NTA. Hematúria gerou obstrução tubular e deve se recuperar.

Sempre avaliar a necessidade de biópsia para excluir uma GNRP.

Nefropatia por IgA Crescêntica

Reservado para pacientes com > 50% dos glomérulos com crescentes, hematúria, piora da
função renal clínica e sem sinais de cronificação.

A classificação de Oxford (MEST) excluiu os crescentes dos fatores prognósticos.

A GNRP por NIGA é menos responsiva ao tratamento do que as GNRP pauci-imune,


principalmente por a NIGA já apresentar lesão renal de base.
Um esquema a ser utilizado pode ser: pulsoterapia com metilprednisolona por 3 dias +
prednisona 1 mg/kg/dia por 6 meses + ciclofosfamida mensal venosa (0,5 g/m²) durante 6
meses

O uso de plasmaferese não tem evidências científicas.

Síndrome Nefrótica

Se início abrupto avaliar se não está associada a lesão mínimas. Caso esteja, o KDIGO sugere o
tratamento com corticoide (mesmo tratamento para lesão mínima isolada), desde que a única
característica da NIGA seja o deposito mesangial de IgA.

Caso o paciente apresente proliferação mesangial ou glomeruloesclerose não tem indicação de


tratamento com corticoide.

Transplante e Nefropatia por IgA

A recidiva da IgA após transplante é comum e pode ocorrer em até 50% dos pacientes em 5
anos. Porém é raro estes pacientes evoluírem com perda da função do enxerto renal (10% em
10 anos).

A recidiva parece ser mais frequente em pacientes que recebem o transplante de doadores
vivos.

Não existe nenhum dado na literatura que sugira qual o tipo de imunossupressão é melhor
para evitar recidiva.

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