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DOENÇAS GLOMERULARES

Dano aos glomérulos renais -> 5 grandes síndromes:


1) glomerulonefrite aguda (síndrome nefrítica);
(2) glomerulonefrite rapidamente progressiva;
(3) síndrome nefrótica;
(4) alterações urinárias assintomáticas (hematúria glomerular isolada, proteinúria isolada);
(5) doenças glomerulares trombóticas.

SÍNDROME NEFRÍTICA

Sinais e sintomas que surgem quando os glomérulos renais são envolvidos por um processo inflamatório agudo.
A inflamação pode ser idiopática (primária) ou secundária a doenças sistêmicas (como infecções e colagenoses).

Síndrome nefrítica clássica = glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) = o protótipo é a glomerulonefrite pós-estreptocócica
(GNPE).

Hematúria, proteinúria subnefrótica (<3,5 g em 24 horas), oligúria, edema, hipertensão arterial.


A redução do débito urinário provoca retenção volêmica, justificando o edema generalizado e a hipertensão arterial.
Pode haver azotemia (retenção de ureia e creatinina) quando há queda da TFG.

A hematúria pode ser macro ou microscópica. Será de origem glomerular sempre que as hemácias estiverem deformadas,
fragmentadas e hipocrômicas (dismorfismo eritrocitário).
O achado de cilindros hemáticos no EAS indica lesão glomerular.

O sedimento urinário comumente revela piúria (leucocitúria) e cilindros leucocitários -> evidencia a natureza inflamatória.

Proteinúria -> níveis de proteína na urina >150 mg/dia.


Na síndrome nefrítica pura, a proteinúria não costuma ser >3,5 g/dia.

Oligúria -> resultante do prejuízo da superfície de filtração dos


glomérulos devido à invasão pelas células inflamatórias e à contração
do espaço mesangial.

A retenção volêmica provoca hipertensão arterial e edema generalizado (anasarca).


Presença de níveis plasmáticos de renina consistentemente baixos.

Mais de 70% das GNDA são decorrentes da deposição


glomerular de imunocomplexos, contendo imunoglobulinas e
fatores do complemento (C3).
Menos de 30% cursam sem imunocomplexos na biópsia, sendo
casos de glomerulonefrite pauci-imune, geralmente
relacionados à positividade do autoanticorpo ANCA.
 GLOMERULONEFRITE AGUDA PÓS-ESTREPTOCÓCICA (GNPE)

Em crianças, a GNPE é a causa mais frequente de GNDA.


É uma sequela renal tardia de uma infecção por cepas específicas do estreptococo beta-hemolítico do grupo A (Streptococcus
pyogenes).
Essas cepas podem estar presentes em uma piodermite estreptocócica (impetigo e erisipela) ou faringoamigdalite.
O período de incubação costuma ser 7-21 dias (orofaringe) e 15-28 dias (via cutânea).
É típica em crianças e adolescentes (2-15 anos).

Patogênese:
Deposição de imunocomplexos nos glomperulos, ativando a cascata do complemento resultando em inflamação local.
1) deposição de imunocomplexos circulantes, formados no sangue por anticorpos do paciente + antígenos estreptocócicos;
2) formação de imunocomplexos in situ, isto é, antígenos estreptocócicos circulantes são "aprisionados" pela membrana basal
glomerular, com posterior ligação de anticorpos do paciente (principal mecanismo);
3) reação cruzada de anticorpos antiestreptococo produzidos pelo paciente com constituintes normais do glomérulo
(mimetismo molecular);
4) alterações moleculares em antígenos do glomérulo, tornando-os imunogênicos.

Manifestações clínicas:
Maioria assintomática.
Sintomático -> sinais e sintomas de síndrome nefrítica -> início abrupto de hematúria macroscópica, oligúria, edema e
hipertensão arterial, acompanhada de mal-estar e sintomas gastrointestinais vagos (dor abdominal e náuseas), e dor lombar
bilateral.
A hematúria macroscópica tem tonalidade acastanhada, não apresentando coágulos.
Na maioria das vezes a hematúria é microscópica.

Oligúria -> <200 ml/dia.


Edema é muito comum e tende a ocorrer precocemente, sendo periorbitário e matutino, podendo evoluir para anasarca.
Hipertensão arterial volume-dependente, podendo evoluir para encefalopatia hipertensiva.
Pode ter congestão volêmica sintomática, levando ao edema agudo de pulmão.
Hipercalemia pode ocorrer pelo hipoaldosteronismo hiporreninêmico (queda da TFG -> hipervolemia -> reduz secreção de
renina -> reduz aldosterona).

A função renal pode estar comprometida, com moderada retenção de escórias nitrogenadas (aumento de ureia e creatinina).
Proteinúria subnefrótica é comum, podendo evoluir para a faixa nefrótica, com superposição entre as duas síndromes.

Diagnóstico:
Qualquer paciente com síndrome nefrítica deve ser suspeitado para GNPE.
Buscar manifestações extrarrenais que possam indicar uma etiologia específica (como LES).

Se a síndrome nefrítica for a única manifestação:


1) Questionar o paciente sobre faringite ou piodermite recente.
2) Verificar se o período de incubação é compatível.
3) Documentar a infecção estreptocócica através do laboratório (cultura ou dosagem quantitativa dos títulos de anticorpos
antiexoenzimas estreptocócicas – ASLO, anti-DNAse B, anti-NAD, anti-hialuronidase, antiestreptoquinase).
4) Demonstrar uma queda transitória típica de complemento, com um retorno ao normal em no máximo oito semanas, a contar
dos primeiros sinais de nefropatia (queda do C3 e CH50, mas C1q e C4 permanecem normais ou pouco reduzidos).

GNPE pós faringoamigdalite -> o anticorpo mais encontrado é o ASLO ou ASO, seguido pelo anti-DNAse B.
GNPE pós-impetigo -> ASLO com frequência é negativo. O melhor é dosar anti-DNAase B.

Dosagem do complemento sérico para fazer o acompanhamento evolutivo -> GNPE é autolimitada, sendo esperada
normalização do complemento em 8 semanas. As demais formas de GNDA que também consomem complemento são
glomerulopatias crônicas em que o complemento permanece reduzido por >8 semanas.

Biópsia renal é indicada nos pacientes com aspectos atípicos que sugiram outra glomerulopatia.

Microscopia óptica -> glomerulonefrite proliferativa-difusa (>50% com infiltrado inflamatório, com neutrófilos e mononucleares
invadindo o mesângio e as alças capilares). Pode haver formação de crescentes no espaço de Bowman, indicando pior
prognóstico.

Imunofluorescência -> glomerulite por imunocomplexos (depósitos granulares de IgG/C3).


Microscopia eletrônica -> corcovas ou gibas (nódulos subepiteliais
eletrodensos formados por depósitos de imunocomplexos).
A quantidade dos nódulos se correlaciona com a gravidade das
manifestações clínicas.

Diagnóstico diferencial:
Outras doenças que cursam com síndrome nefrítica e
hipocomplementemia:
- glomerulonefrites pós-infecciosas (endocardite bacteriana subaguda)
- glomerulonefrite lúpica
- glomerulonefrite membranoproliferativa -> deve ser suspeitada caso
haja proteinúria na faixa nefrótica ou caso a hipocomplementemia
persista por mais de 8 semanas.

 GLOMERULONEFRITE AGUDA INFECCIOSA, NÃO PÓS-ESTREPTOCÓCICA

Estados bacterêmicos prolongados, patologias virais e parasitárias.


Manifestações extrarrenais típicas ou por achados microbiológicos e sorológicos.

Condições infecciosas que podem cursar com GNDA -> endocardite bacteriana subaguda, as infecções supurativas crônicas
(abscessos viscerais, empiemas cavitários, osteomielite), o shunt VP (Ventriculoperitoneal) infectado, pneumonia por
micoplasma, a hepatite viral e a mononucleose infecciosa.

Imunocomplexos circulantes tem papel importante na patogenia.


Costumam estar associadas a:
1) depressão persistente dos componentes do complemento (como C3 e C4);
2) níveis elevados de fator reumatoide e crioglobulinas circulantes.

O controle adequado da infecção costuma resultar em melhora dos sinais de inflamação glomerular.

 GLOMERULONEFRITE AGUDA NÃO INFECCIOSA

GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA

O paciente desenvolve síndrome nefrítica, independentemente da causa, e evolui para falência renal de curso acelerado e
fulminante (com necessidade de diálise).
Sem o tratamento, cursa com o estado de rim terminal em semanas ou meses, necessitando de diálise ou transplante renal.

Pode ser de inicio abrupto (como na GNDA) ou início subagudo, tomando um curso acelerado em seguida.
Oligúria é marcante, evoluindo para anúria.
Sintomas de síndrome urêmica -> insuficiência renal grave -> TFG inferior a 20% do normal, com elevação de creatinina além de
5 mg/dl.

Se feita biópsia renal na fase precoce -> crescentes em mais de 50% dos glomérulos renais.
Crescentes -> formações expansivas que se estabelecem no interior da cápsula de Bowman e rapidamente invadem o espaço
das alças glomerulares. São formados pela migração de monócitos através de alças capilares intensamente lesadas para o
interior da cápsula de Bowman.
Classificação e etiologia:
Pode surgir em consequência a doenças sistêmicas ou como complicação ou evolução natural de uma glomerulopatia primária.

Biópsia renal -> padrão-ouro para diagnóstico e classificação das GNRP, principalmente a imunofluorescência indireta.
Padrão linear -> glomerulonefrite antimembrana basal.
Padrão granular -> glomerulonefrites por imunocomplexos.
Pouco ou nenhum depósito imune -> glomerulonefrites pauci-imunes.

Anticorpo anti-MBG elevado: Tipo I (GN anti-MBG, síndrome de Goodpasture);


C3, CH50 (complemento sérico) reduzido: Tipo II (GN por imunocomplexos);
ANCA positivo: Tipo III (GN pauci-imune ou relacionada a vasculites sistêmicas). ANCA é o anticorpo anticitoplasma de
neutrófilo.

 GLOMERULONEFRITE ANTI-MBG E SÍNDROME DE GOODPASTURE

Tipo mais raro de GNRP.


Os autoanticorpos anti-MBG são específicos contra a cadeia alfa-3 do colágeno tipo IV, encontrada apenas na membrana basal
dos glomérulos e dos alvéolos pulmonares.

Há um processo inflamatório grave -> pode se manifestar como GNRP com ou sem quadro de pneumonite hemorrágica.
50-70% apresenta a síndrome hemorrágica pulmonar concomitante -> síndrome de Goodpasture.
30-50% apresenta apenas a síndrome glomerular -> glomerulonefrite anti-MBG primária (GN crescêntica tipo I idiopática).

Síndrome de Goodpasture:
Acomete mais homens jovens (20-30 anos).
Marcador genético HLA-DR2
Relação com história de tabagismo, infecção respiratória recente ou exposição a hidrocarbonetos voláteis (solventes).
A hemorragia pulmonar geralmente precede a glomerulite por semanas a meses.
Hemoptise é o sintoma predominante.
RX de tórax -> infiltrado alveolar bilateral difuso, correspondendo à hemorragia alveolar generalizada.
Anemia microcítica hipocrômica.

Diagnóstico diferencial com outras causas da síndrome pulmão-rim, como leptospirose e vasculites.

GNRP clássica, de evolução fulminante e de pior prognóstico.


Pesquisa do anto-MBG no soro é positiva em >90% dos casos.
Alguns pacientes podem ter ANCA positivo (pode indicar a coexistência de uma vasculite sistêmica).
Padrão-ouro -> biópsia renal, com padrão linear na imunofluorescência indireta.

Glomerulonefrite anti-MBG:
Predomina no sexo feminino, com faixa etária dos 50-70 anos.
O quadro renal é idêntico ao da síndrome de Goodpasture.

 GNRP POR IMUNOCOMPLEXOS

Pode ser idiopática (rara), infecciosa/pós-infecciosa (GNPE) ou relacionada a doenças sistêmicas (LES – nefrite lúpica
proliferativa difusa ou classe IV).
Quando clínico de GNRP clássica.
Queda do complemento sérico (C3 e CH50), com anti-MBG e ANCA negativos.
Biópsia com padrão granular, com depósitos de IgG e C3.

 GNRP PAUCI-IMUNE (ANCA POSITIVO)

Nos adultos velhos é a forma mais comum de GNRP.


Pode ser primária (idiopática) ou fazer parte de uma vasculite sistêmica do tipo poliarterite microscópica ou granulomatose de
Wegener.
GN pauci-imune idiopática -> o antígeno principal é a mieloperoxidase (p-ANCA)
Granulomatose de Wegener -> antígeno alvo é a proteinase-3 (c-ANCA)
Poliangeíte microscópica -> p-ANCA ou c-ANCA
Biópsia -> glomerulonefrite proliferativa geralmente focal e segmentar, com áreas de necrose fibrinoide e crescentes.
A imunofluorescência indireta não revela imunodepósitos.

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