• Definição e Epidemiologia • Síndrome glomerular com alterações urinárias assintomáticas. • Mais comum em homens (proporção de dois para cada mulher), afetando principalmente adultos jovens entre 10 e 40 anos. • Histórico e Descoberta • Jean Berger, patologista francês, identificou padrões de hematúria intensa e isolada sem causas externas evidentes. • Descoberta de depósitos de IgA no mesângio glomerular como característica distintiva. • Manifestações Clínicas • Episódios de hematúria recorrente, muitas vezes desencadeados por infecções, vacinações ou exercício físico. • Analogia com asma, chamada de "asma glomerular" devido à natureza episódica das manifestações. • Formas da Condição • Hematúria Macroscópica Recorrente: Visível, esporádica, episódica. • Hematúria Microscópica Persistente: Constante, apenas detectável por exames específicos, indica lesão glomerular contínua. • Diagnóstico • Hematúria dismórfica sem sintomas completos de síndrome nefrítica. • Biópsia renal como padrão ouro para confirmação. • Avaliação de IgA sérica e possível presença de IgA em outros tecidos. • Tratamento • Inespecífico inicialmente, com gestão de sintomas e proteção da função renal. • Uso potencial de corticosteroides em casos graves com proteinúria significativa ou outras indicações de mau prognóstico. • Nefroproteção com IECAs ou BRA para pacientes com proteinúria ou hipertensão. • Prognóstico • Maioria (60%) com evolução benigna e função renal estável. • Cerca de 40% podem evoluir lentamente para insuficiência renal. • Menos de 5% alcançam remissão completa. • Fatores de Mau Prognóstico • Idade avançada no diagnóstico, comorbidades, sexo masculino, níveis elevados de creatinina, hipertensão no diagnóstico, proteinúria persistente, e depósitos de IgA fora do mesângio. Conexões com Outras Condições • Púrpura de Henoch-Schönlein • Vasculite sistêmica que pode compartilhar manifestações renais com a nefropatia por IgA. • Questionamento sobre se é uma manifestação sistêmica da nefropatia por IgA ou vice-versa. Diagnóstico Diferencial • Síndrome de Alport • Diferencia-se pela presença de perda auditiva neurosensorial juntamente com hematúria. Abordagem Acadêmica • Enfase na importância de identificar características distintivas para o diagnóstico preciso e eficaz manejo clínico, bem como para a preparação para exames e avaliações clínicas. Neste segmento, abordaremos uma categoria específica de síndrome glomerular, caracterizada por alterações urinárias assintomáticas. Uma condição relevante para nossa discussão é a doença de Berger, também conhecida como nefropatia por IgA. Jean Berger, patologista francês e uma figura proeminente no campo, viveu entre a Inglaterra e a França, com sua formação acadêmica sendo realizada na Inglaterra. Sua expertise estava em lesões glomerulares, e ele se tornou uma referência enquanto residia em Paris. Berger foi pioneiro em identificar um padrão clínico intrigante em crianças e adultos jovens: episódios recorrentes de hematúria intensa que ocorriam isoladamente, sem sinais de cálculo renal ou infecção. Este sintoma era de origem glomerular. Intrigado por esses episódios isolados de hematúria intensa, Berger analisou amostras de biópsia de vários pacientes. Ele descobriu consistentemente depósitos de IgA no mesângio glomerular, um achado que se tornou a característica distintiva dessa doença. Em sua homenagem, após seu falecimento, essa condição foi nomeada como doença de Berger. Durante a aula, enfatizamos a importância do mesângio, uma região crítica que, quando afetada, pode resultar em dano glomerular significativo, mesmo que os sintomas sejam mínimos ou inexistentes, criando uma síndrome. A hematúria, que discutimos, é mais um sinal do que um sintoma, indicando um grupo de alterações urinárias assintomáticas. Esta é uma descoberta laboratorial que, embora subclínica, é crucial para o diagnóstico. É importante notar que a doença de Berger é a forma mais comum de glomerulopatia primária, isto é, uma condição que se origina no próprio glomérulo sem causas externas. Enquanto a glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) é a causa mais comum de síndrome nefrítica em geral (secundária), entre as doenças glomerulares primárias, a doença de Berger predomina.
Finalizamos enfatizando o perfil epidemiológico da doença de Berger, que afeta
predominantemente homens na proporção de dois para cada mulher, especialmente entre os 10 e 40 anos de idade. Destacamos a importância de considerar a doença de Berger nas avaliações clínicas, devido ao seu impacto significativo e à possibilidade de ser subestimada em comparação com outras doenças nefríticas. Vamos aprofundar nosso entendimento sobre uma condição específica que envolve episódios de hematúria recorrente, observada em pacientes que, na maioria das vezes, não apresentam outros sintomas. Esses episódios são macroscópicos e visíveis, com a urina assumindo uma coloração vermelha intensa. Estes eventos podem ser esporádicos e são influenciados por certos fatores como infecções, vacinação ou exercício físico vigoroso, que parecem desencadear a condição. A condição se manifesta predominantemente em crianças e adultos jovens, onde tais episódios são desencadeados por uma sequência de eventos que resultam na recorrência da hematúria. Esses gatilhos atuam de forma similar à hiperreatividade observada em pacientes com asma, onde a doença subjacente permanece estática até ser ativada por estímulos externos. Assim como a crise asmática resulta em broncoconstrição, o estímulo em pacientes com essa condição renal ativa o processo patológico no mesângio do glomérulo.
De forma didática, pode-se comparar esta condição a uma "asma glomerular",
onde a doença existe latente e se manifesta episodicamente em resposta a estímulos que perturbam a homeostase glomerular. Entre os episódios, o glomérulo retorna ao seu estado normal, demonstrando um ciclo de crises e calmaria. Existe também uma segunda forma da condição, caracterizada por hematúria microscópica persistente. Este tipo é paradoxal porque a hematúria é constante, mas apenas detectável por meio de exames específicos de urina. Esta forma é mais grave, pois indica uma lesão glomerular contínua, sem períodos de remissão, o que pode levar a uma deterioração mais rápida da função renal. A presença de proteinúria mais acentuada pode ser um indicativo de um prognóstico mais preocupante nesta variante da doença. Essa constante agressão ao glomérulo, mesmo que menos intensa em aparência, resulta em um impacto prolongado sobre a saúde renal, contrastando com a primeira forma, onde os intervalos de calmaria permitem uma recuperação do tecido glomerular. A compreensão dessas duas formas é crucial para o manejo adequado da condição e para antecipar o curso clínico da doença nos pacientes afetados.
A hematúria macroscópica recorrente, manifesta-se claramente mas se resolve
temporariamente, sem deixar sintomas residuais. Por outro lado, a hematúria microscópica persistente opera de maneira mais insidiosa, continuamente ativa sem sinais externos óbvios, tornando-a mais traiçoeira. Isso nos leva a introduzir a síndrome nefrítica como uma terceira forma possível, caracterizada por uma resposta aguda a infecções, semelhante à nefrite pós-estreptocócica (GNPE), mas com diferenças críticas como a normalidade dos níveis de complemento. Os conceitos importantes destacados incluem a persistência de hematúria microscópica e a possibilidade de episódios agudos induzidos por fatores desencadeantes. Essas condições podem evoluir para formas mais severas de doença renal, incluindo síndromes nefríticas e, potencialmente, nefróticas, e até insuficiência renal. Essa progressão ilustra a importância de entender a natureza recorrente e potencialmente exacerbante das diferentes formas de hematúria glomerular.
Essa condição é frequentemente associada a episódios recorrentes de hematúria,
que podem ser precedidos por infecções do trato respiratório superior. A abordagem diagnóstica para a doença de Berger combina avaliações clínicas e laboratoriais, com a biópsia renal servindo como um confirmador definitivo da doença. Clinicamente, a doença de Berger pode ser indicada por hematúria dismórfica sem os sintomas completos da síndrome nefrítica, complemento sérico normal, e desregulação do metabolismo do IgA, que pode ser evidenciado por níveis elevados de IgA no soro e, ocasionalmente, depósitos de IgA em outros tecidos como a pele. Esses indícios podem algumas vezes evitar a necessidade de uma biópsia renal. No entanto, a biópsia renal permanece como o padrão ouro para confirmação diagnóstica, especialmente em casos que desviam das apresentações típicas ou quando o quadro clínico não é conclusivo. Por exemplo, se um paciente desenvolve uma síndrome nefrítica clássica com complemento normal – um padrão não típico para a doença de Berger – a biópsia se torna justificada para excluir outras condições possíveis ou para confirmar a suspeita de nefropatia por IgA.
Quanto ao tratamento, ele geralmente começa de forma inespecífica, focando
em manejar os sintomas e proteger a função renal. O uso de corticosteroides pode ser considerado em situações mais graves, como em pacientes com proteinúria significativa (superior a 1g por dia), hipertensão, retenção hídrica, creatinina elevada, ou achados biópsicos indicativos de um prognóstico desfavorável, como lesões crescentes. Esses tratamentos são adaptados para conter a progressão da doença e minimizar o dano renal. Em resumo, a abordagem para a doença de Berger é multifacetada, combinando diagnóstico clínico e laboratorial com tratamento personalizado baseado na severidade e nas características individuais da doença em cada paciente. A nefroproteção na gestão da doença de Berger, destaca-se o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA) para pacientes que apresentam proteinúria acima de 1 grama por dia ou que estão desenvolvendo hipertensão arterial sistêmica. O papel destes medicamentos é central no manejo da função renal ao moderar a dinâmica vascular dentro do rim. A angiotensina II, um vasoconstritor potente, normalmente atua para aumentar a pressão dentro do glomérulo ao contrair a arteríola eferente, ajudando a manter a filtração em situações de perfusão renal reduzida. No entanto, essa mesma ação pode ser prejudicial em estados crônicos, onde a pressão glomerular elevada pode acelerar a progressão do dano renal.
IECAs e BRAs atuam diminuindo essa pressão glomerular, ao bloquear os
efeitos da angiotensina II, permitindo que a arteríola eferente relaxe e, consequentemente, reduzindo a filtração glomerular. Isso ajuda a preservar a função renal ao longo do tempo, principalmente em pacientes com condições que já predispõem a uma sobrecarga renal, como proteinúria e hipertensão. Além disso, o trecho aborda o prognóstico da doença de Berger, indicando que a maioria dos pacientes (60%) apresenta um curso benigno com função renal estável, enquanto 40% podem evoluir lentamente para insuficiência renal ao longo de décadas. Menos de 5% dos pacientes podem ter uma remissão completa, indicando uma possível resolução total da doença. Essas informações são cruciais para entender a importância de monitorar e gerenciar ativamente a função renal em pacientes com nefropatia por IgA, adaptando o tratamento para minimizar a progressão da doença e maximizar a qualidade de vida do paciente. A progressão e os fatores de mau prognóstico associados à doença de Berger, ou nefropatia por IgA é enriquecida com nuances clínicas e epidemiológicas que orientam o raciocínio diagnóstico e as estratégias de manejo. Progressão da Doença: A nefropatia por IgA é caracterizada como uma doença crônica com uma variabilidade considerável na evolução clínica. A maioria dos pacientes apresenta um curso benigno, com uma minoria evoluindo rapidamente para insuficiência renal. A preocupação está principalmente nos casos que progridem de forma mais acelerada, o que é raro, mas significativamente preocupante.
Fatores de Mau Prognóstico: Os fatores que podem indicar um pior
prognóstico na nefropatia por IgA incluem: 1. Idade Avançada no Diagnóstico: Pacientes mais velhos tendem a ter um prognóstico pior, possivelmente devido a uma exposição prolongada à doença sem diagnóstico e manejo adequados. 2. Comorbidades Associadas: A presença de outras condições de saúde pode complicar o manejo da doença e acelerar sua progressão. 3. Sexo Masculino: Curiosamente, embora a doença seja mais comum em homens, eles também apresentam um prognóstico pior em comparação com mulheres. 4. Níveis Elevados de Creatinina: Indicativo de comprometimento renal já no momento do diagnóstico > 1,5 5. Hipertensão Arterial Sistêmica: Como a pressão elevada pode exacerbar o dano renal, sua presença no diagnóstico sugere um risco aumentado de progressão da doença. 6. Proteinúria Persistente: Níveis acima de 1 a 2 gramas por dia, mesmo após tratamento, indicam um risco maior de deterioração renal. 7. Depósitos de IgA nas Alças Capilares: A presença de IgA fora do mesângio, como nas alças capilares, pode sugerir uma forma mais agressiva da doença. Conexões com Outras Condições: A discussão aborda também a púrpura de Henoch-Schönlein, uma vasculite sistêmica que pode compartilhar manifestações renais com a nefropatia por IgA. Ambas as condições podem apresentar depósitos de IgA no mesângio, levantando questões sobre a relação entre essas doenças, seja a púrpura uma manifestação sistêmica da nefropatia por IgA ou vice-versa.