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NEFRO – AULA 02

Síndrome Nefrítica e Glomerulopatias


• Visão Geral da Nefrologia
• Impacto das condições primárias e secundárias nos rins.
• Diversidade das lesões renais e suas consequências.
• Formas de Lesão Renal
• Lesões glomerulares, tubulares, vasculares e alterações eletrolíticas
ou ácido-básicas.
• Impacto da lesão renal na função renal.
• Síndromes Clínicas Associadas
• Síndrome nefrítica, Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva
(GNRP).
• Manifestações clínicas e trombose glomerular.
Foco na Síndrome Nefrítica
• Características Gerais
• Conhecida como glomerulite, inflamação do glomérulo.
• Sinais clássicos de inflamação e suas manifestações no rim.
• Manifestações Clínicas
• Oligúria, edema, hipertensão.
• Obstrução dos caminhos de filtração e suas consequências.
• Hematúria
• Causas comuns e especiais, como infecções e cálculos renais.
• Hematúria glomerular e desmorfismo eritrocitário.
Diagnóstico e Tratamento
• Abordagem Diagnóstica
• Uso de histórico médico, exames físicos e laboratoriais.
• Importância dos níveis de complemento e sinais de inflamação
glomerular.
• Opções de Tratamento
• Restrição de líquidos, uso de diuréticos.
• Vasodilatadores em casos de hipertensão persistente.
• Considerações sobre Biópsia
• Indicações e precauções na realização de biópsias em crianças.
Glomerulonefrite Pós-Estreptocócica (GNPE)
• Etiologia e Patogênese
• Relação entre infecções estreptocócicas de garganta ou pele e
GNPE.
• Tempo necessário para desenvolvimento após a infecção.
•Fatores de Risco e Epidemiologia
• Prevalência em crianças, raridade em menores de dois anos.
• Importância do período de incubação.
• Testes Diagnósticos
• Uso de ASO e anti-DNase B dependendo do tipo de infecção.
• Estratégias para confirmar a etiologia estreptocócica.
• Tratamento e Prognóstico
• Aproximação conservadora devido ao bom prognóstico.
• Tratamento sintomático e prevenção de complicações.
Educação e Gestão de Expectativas
• Gerenciamento de Expectativas de Recuperação
• Discussão sobre a natureza da recuperação e persistência de
sintomas.
• Educação de pacientes e famílias sobre o curso natural da doença.

Então, vamos começar com a síndrome nefrítica. Eu gosto de introduzi-la


pelos seus sinônimos, como glomerulite, que indica inflamação do glomérulo.
Isso nos leva a entender que, assim como outras inflamações em diferentes
órgãos do corpo, a função do glomérulo é comprometida, dificultando a
filtração e podendo resultar em oligúria, uma diminuição da produção de urina.
Isso é curioso, por quê? Frequentemente discutimos inflamação e seus sinais
clássicos, como dor, calor, vermelhidão e edema, facilmente observáveis em
condições como a celulite1. No entanto, esses sinais não são perceptíveis em um
glomérulo inflamado, já que não podemos simplesmente verificar seu calor ou
sua cor com o toque ou visualmente.
Do ponto de vista patológico, uma inflamação se caracteriza pelo aumento de
células inflamatórias. Por exemplo, no rim, leucócitos podem migrar para o
glomérulo, obstruindo os caminhos de filtração, resultando em oligúria devido à
perda de função filtrante. Essa obstrução não ocorre de repente; é um processo
gradual, similar à progressão da celulite, onde a vermelhidão aumenta
gradualmente.
Curiosamente, mesmo com o avanço desse processo inflamatório, a pessoa não
sente dor ou calor localizado, mas continua a viver normalmente, consumindo
líquidos. No entanto, a obstrução nos glomérulos impede a passagem eficiente
de líquidos, que começam a se acumular no corpo, causando edema. Esse
acúmulo não é evidente de imediato.
Os edemas podem se tornar aparentes nas áreas periorbitárias e nos membros
inferiores, podendo progredir para ascite e anasarca. O líquido se acumula não
apenas nos tecidos como resultado da pressão osmótica elevada, mas também
dentro dos vasos sanguíneos, elevando a pressão arterial. Essa tríade de
oligúria, edema e hipertensão é fundamental para o diagnóstico clínico.

1É uma condição médica séria que resulta da entrada de bactérias, comumente estreptococos ou
estafilococos, no corpo, geralmente através de um corte ou outra ruptura na pele. Essa infecção
pode se espalhar e causar vermelhidão, inchaço, dor e calor no local afetado. Em casos avançados,
pode causar febre e sintomas sistêmicos.
Quando a pessoa finalmente procura ajuda médica, frequentemente apresenta
edema visível, relatos de menor produção de urina e hipertensão, que é
diagnosticada durante o exame físico. A inflamação altera a arquitetura do
glomérulo, não apenas impedindo a saída de líquidos mas também distorcendo
as passagens de modo que células e proteínas, que normalmente não
passariam, agora podem fazê-lo.
A distorção arquitetônica facilita a passagem anormal de substâncias como as
células, enquanto a passagem de água fica severamente restrita. Isso reflete a
complexidade do funcionamento renal, onde diferentes caminhos regulam a
passagem de água, células e proteínas. Com a inflamação, esses caminhos são
alterados, o que diminui a filtração geral de líquidos e permite a passagem de
substâncias que antes eram restritas
Recentemente, discutindo com os alunos, imaginei o seguinte cenário: uma
prima sua apresenta hematúria. O que vem à mente?
Geralmente, pensamos em infecção como causa mais comum de hematúria,
associada a sintomas como disúria e polaciúria. Porém, se sua prima jovem não
apresenta esses sintomas, devemos considerar outras causas. Poderia ser um
cálculo renal, que geralmente causa cólica nefrítica - uma dor intensa - mas se
não houver outros sintomas, outras condições devem ser exploradas, como
doenças hemorrágicas sistêmicas, tumores ou efeitos de medicamentos.
Entretanto, uma causa especial a considerar é o glomérulo. Diferentemente das
células sanguíneas que passam intactas na urina de infecções, cálculos ou
tumores, a hematúria glomerular é diferente. Quando a célula sanguínea vem
do glomérulo, ela tem que passar pelas fendas de filtração, e nesse processo,
muitas vezes é deformada.
Isso leva ao conceito de dismorfismo eritrocitário. Na hematúria glomerular, as
células são deformadas ao passarem pelas fendas de filtração, adquirindo
formas anômalas, conhecidas como células dismórficas. Se observarmos
células assim, devemos pensar imediatamente em lesões no glomérulo, como
glomerulite ou síndrome nefrítica, que são formas comuns de lesão glomerular.
Quando a urina se apresenta com uma cor alterada, como marrom escuro,
semelhante à cor de coca-cola, isso indica algo sério, como a presença de
mioglobina, que é um indicativo de dano muscular grave. Essa situação
realmente necessita atenção médica imediata.
Por que é alarmante quando uma criança apresenta urina com cor de Coca-
Cola? Esta característica pode não parecer grave à primeira vista, mas é um
indicativo significativo de patologia renal, particularmente a síndrome nefrítica,
o que realmente nos preocupa.
Esta coloração escura da urina é explicada pelo processo pelo qual a célula
sanguínea passa pelo glomérulo. Devido às dificuldades e ao tempo que leva
para passar pelas fendas de filtração, a célula sofre estresse oxidativo, o que
contribui para que a urina adquira uma tonalidade mais escura.
Além disso, frequentemente ouvimos em exames que a urina de cor escura,
associada à oligúria, aponta para síndrome nefrítica.
Mudando o foco para outras manifestações, os cilindros celulares na urina são
indicativos importantes. Um tipo específico, o cilindro hemático, é uma
evidência crítica nesse contexto. O cilindro hemático se forma quando as
hemácias, aderindo à proteína de Tamm-Horsfall, que é produzida
fisiologicamente nas alças de Henle, passam pelos túbulos renais. Este cilindro
é um indicativo direto de hematuria dismórfica, pois as células que aderem vêm
diretamente do glomérulo, e não dos túbulos. Assim, a presença de cilindros
hemáticos é sinônimo de síndrome nefrítica em nossos diagnósticos e
frequentemente abordada em questões de exame.
Esses conceitos são fundamentais para entender as implicações de uma
hematuria de origem glomerular, típica da síndrome nefrítica, a inflamação
mais comum do glomérulo que frequentemente examinamos. Portanto, qualquer
presença de hematuria dismórfica ou cilindros hemáticos deve nos alertar para a
possibilidade de uma patologia renal significativa.
Além disso, quando a oligúria é tão pronunciada que pode levar ao acúmulo de
toxinas, como ureia e creatinina, pode indicar o desenvolvimento de
insuficiência renal. Isso nos leva à observação de proteinúria, que em
quantidades fisiológicas (até 150 miligramas por dia) é normal, mas acima de
3,5 gramas em 24 horas, define a síndrome nefrótica, tema de nossa próxima
aula. Quantidades intermediárias, conhecidas como proteinúria subnefrótica,
podem também ser um indicativo de síndrome nefrítica, mostrando que a
arquitetura de filtração está comprometida, permitindo a passagem de
substâncias que normalmente não passariam.
É essencial reconhecer essa causa, pois sua frequência e importância clínica são
significativas, superando outras etiologias não-estreptocócicas que também
podem estar presentes mas são menos comuns.

O que realmente precisamos focar é na principal causa que frequentemente


aparece em provas: a glomerulonefrite pós-estreptocócica. Esse nome já nos
dá uma pista: se é "pós-estreptocócica", não é uma infecção ativa causada pelo
estreptococo, pois se fosse, seria chamada de glomerulonefrite estreptocócica.
O que ocorre é uma sequela tardia de uma infecção por cepas nefritogênicas
específicas de estreptococos, os estreptococos beta-hemolíticos do grupo A,
também conhecidos como Streptococcus pyogenes. Após essa infecção,
formam-se imunocomplexos que circulam no sangue.
É importante entender que a formação desses imunocomplexos não é imediata.
Inicialmente, o sistema imune lança uma defesa ampla para conter a infecção.
Com o tempo, essa resposta se torna mais específica, gerando memória
imunológica. Esse processo pode levar alguns dias até que os imunocomplexos
se formem e se depositem no glomérulo.
Adiantando um conceito de infectologia, a resposta imune a um antígeno,
incluindo a formação de anticorpos, geralmente leva cerca de uma semana. Por
isso, nas primeiras semanas de uma infecção, o diagnóstico geralmente depende
de testes microbiológicos para detectar o patógeno ou seus antígenos
diretamente. Após esse período, quando o sistema imune já começou a
responder, o foco do diagnóstico geralmente se desloca para testes sorológicos,
que detectam a presença de anticorpos específicos.
Essa é uma forma simplificada de entender a dinâmica da resposta imune e sua
relevância no contexto das doenças glomerulares, especialmente no diagnóstico
e compreensão da glomerulonefrite pós-estreptocócica.
A glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) é uma sequela de infecções
estreptocócicas, que podem ser tanto de garganta quanto de pele. No caso de
uma infecção na garganta, o desenvolvimento da glomerulonefrite só ocorre
após cerca de uma semana, que é o tempo necessário para a produção de
anticorpos capazes de formar complexos imunes ou iniciar uma agressão
cruzada diretamente no rim.
Quando a infecção é cutânea, o processo é um pouco mais lento devido à
barreira física da pele. Normalmente, a infecção leva de duas a três semanas
para interagir com a circulação e estimular a produção de anticorpos. É crucial
entender que a GNPE é uma consequência tardia da infecção, não uma infecção
ativa causada por estreptococos.
É interessante notar que a GNPE é mais comum em crianças, tipicamente entre
dois a 15 anos de idade, e rara em crianças com menos de dois anos. Este
período de incubação precisa ser respeitado porque é essencial para a
manifestação da doença.
Quanto à temporalidade, para fins de exame, pode-se esperar que a infecção de
garganta desencadeie sintomas de glomerulonefrite após uma semana, e a
infecção de pele após duas semanas. Esta é uma simplificação para ajudar a
lembrar a sequência dos eventos, embora na prática, o intervalo possa variar.
Na prática clínica, a GNPE manifesta-se classicamente como síndrome
nefrítica, caracterizada por oligúria, hipertensão e hematuria. A identificação
destes sintomas deveria imediatamente sugerir a possibilidade de GNPE,
especialmente se não houver outros sinais de condições sistêmicas como artrite,
rash, ou esplenomegalia, que não são típicos da GNPE.

Finalmente, entender que a GNPE é muitas vezes considerada um protótipo de


síndrome nefrítica nos ajuda a focar no diagnóstico. No entanto, a presença de
síndrome nefrítica não confirma automaticamente GNPE como a causa, embora
forneça uma forte indicação. O diagnóstico definitivo requer confirmação
adicional para garantir um prognóstico favorável e guiar o tratamento
apropriado.
Avaliar o agente causador da infecção anterior também é crítico. Nem todas as
infecções de garganta ou cutâneas são causadas por estreptococos, e só essas
podem levar à glomerulonefrite pós-estreptocócica. Se a infecção foi causada
por outros patógenos, como vírus ou estafilococos, a associação não se aplica.
Para confirmar a etiologia estreptocócica da infecção, podemos realizar testes
como culturas de orofaringe ou verificar a presença de anticorpos específicos
no sangue. Os testes mais comuns são o ASO (Anti-Streptolysin O) e o anti-
DNase B. A sensibilidade desses testes varia dependendo se a infecção foi
cutânea ou faríngea: o ASO é mais indicado para infecções de garganta,
enquanto o anti-DNase B é mais sensível para infecções cutâneas.

Amígdala ▶ ASLO
Derme ▶ DNA-se

Em resumo, para estabelecer a conexão entre uma infecção estreptocócica


prévia e a atual síndrome nefrítica em uma criança, é fundamental considerar a
temporalidade correta e confirmar a etiologia estreptocócica. Isso envolve não
apenas a história clínica detalhada, mas também o suporte de testes laboratoriais
específicos.
No entanto, mesmo com esses indicadores, ainda resta a pergunta: poderia
haver outra causa para a glomerulonefrite além de uma infecção estreptocócica?
Este questionamento é válido e aponta para a necessidade de uma investigação
completa, incluindo o exame dos níveis de complemento. Para o diagnóstico
de GNPE, um critério importante é a queda transitória nos níveis do
complemento C3 e CH50, particularmente pela via alternativa, que indica
consumo de complemento associado à condição2. Se, durante um exame,
descobrimos que os níveis de complemento estão normais, isso nos obriga a
reconsiderar o diagnóstico de GNPE.
A normocomplementemia não se alinha com a GNPE, que geralmente
apresenta hipocomplementemia durante a fase ativa da doença.
Adicionalmente, há discussões sobre a realização de biópsias glomerulares.
Embora a biópsia seja o padrão-ouro para diagnosticar a causa exata de uma
patologia renal, a tendência atual na medicina pediátrica é evitar
procedimentos invasivos desnecessários em crianças, exceto quando os
critérios clínicos e laboratoriais não são conclusivos ou quando o quadro
clínico desvia do padrão esperado para GNPE. Isso reflete uma abordagem de
prevenção quaternária, que visa minimizar intervenções desnecessárias e seus
possíveis danos.
Portanto, o diagnóstico de GNPE envolve uma avaliação cuidadosa da história
de infecção, compatibilidade do período de incubação, análise dos agentes
infecciosos e exame dos níveis de complemento, juntamente com uma
consideração crítica de quando procedimentos invasivos, como biópsias, são
realmente necessários.
Sobre a questão da biópsia renal, é importante destacar que este procedimento é
invasivo e geralmente evitado em crianças, a menos que os sintomas desviem
significativamente do esperado e haja uma suspeita de que outra condição mais
grave possa estar em curso. As indicações para biópsia são cuidadosamente

2A análise de complementos na crise nefrítica, ou em contextos de doenças renais, é um teste


laboratorial usado para avaliar o sistema de complemento, que faz parte do sistema imunológico.
Esse sistema inclui uma série de proteínas que trabalham juntas para combater infecções, promover
a inflamação e destruir células danificadas ou invasoras.
Na crise nefrítica, que geralmente se refere a uma inflamação aguda dos rins (glomerulonefrite
aguda), a análise dos níveis de complemento é particularmente importante porque muitas das
condições que causam essa inflamação são mediadas imunologicamente e podem envolver o
sistema de complemento. Duas das principais cadeias de complemento avaliadas em tais análises
são:
1. C3 - Um dos componentes centrais do sistema de complemento, frequentemente reduzido
em doenças renais imunomediadas.
2. C4 - Outro componente do sistema de complemento, que também pode estar diminuído em
algumas condições autoimunes que afetam os rins.
Os níveis de C3 e C4 podem ser reduzidos em doenças como a glomerulonefrite pós-infecciosa,
glomerulonefrite membranoproliferativa, e em algumas vasculites (como a doença de Wegener). A
análise desses componentes ajuda a diferenciar entre tipos de glomerulonefrites e a orientar o
tratamento, bem como a monitorar a atividade da doença e a resposta ao tratamento.
consideradas, especialmente se a criança mostra sinais de progressão rápida
para insuficiência renal, o que seria atípico para GNPE.

Vamos falar sobre patologia e padrões proliferativos. Em um contexto de


patologia, quando mencionamos proliferação celular, estamos nos referindo ao
aumento do número de células em uma amostra de biópsia. Este aumento é
descrito como difuso quando afeta uma extensa área dos glomérulos.
O termo "glomerulonefrite proliferativa difusa" indica que quase todos os
glomérulos estão envolvidos. Este diagnóstico significa que há uma presença
significativa de células além do normal em muitos glomérulos. No entanto, este
achado por si só é bastante inespecífico, pois não fornece detalhes sobre a causa
subjacente da inflamação. O que importa, então, é identificar características
mais específicas que possam apontar para uma causa definitiva.
Se avançarmos para a microscopia eletrônica, a história muda. Esta técnica
pode revelar a presença de complexos imunes, oferecendo um diagnóstico mais
específico. Por exemplo, a visualização de "gibas" ou corcovas nos glomérulos
é patognomônica de glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE). Essas
estruturas são acumulações de complexos imunes que podem ser visualizadas
apenas através de microscopia eletrônica, fornecendo especificidade ao
diagnóstico que a microscopia óptica comum não pode oferecer.
Em relação aos exames, o achado de gibas é uma indicação clara de GNPE, e
este tipo de evidência é altamente valorizado em provas e diagnósticos clínicos,
pois reduz a necessidade de interpretações mais complexas. Na prática, um
diagnóstico que inclui a presença de gibas praticamente confirma GNPE,
tornando-se uma chave diagnóstica quase automática para esta condição.
Além disso, discutimos a importância de compreender as manifestações clínicas
da doença e seu curso natural. A oligúria em pacientes com GNPE geralmente
persiste por até uma semana. É essencial destacar que a hematuria microscópica
pode continuar sendo detectada até dois anos após a resolução da doença aguda,
o que é um aspecto normal do processo de recuperação. Da mesma forma, a
proteinúria pode persistir por vários anos após a doença ter sido resolvida, sem
indicar danos renais contínuos.
Esses aspectos ressaltam a necessidade de um entendimento profundo da
história natural da doença para interpretar corretamente os achados clínicos e
laboratoriais em seguimento a longo prazo, evitando intervenções
desnecessárias ou preocupações excessivas sobre a recuperação do paciente.

Ao abordarmos uma criança que se recupera de uma condição médica, mas


cujos exames ainda revelam alterações no sumário de urina após seis meses, é
crucial entender que isso não necessariamente indica um prognóstico ruim. Essa
persistência de alterações é um comportamento esperado e natural da doença.
Vamos esclarecer alguns termos usados no Brasil para referir-se ao exame
simples de urina, uma vez que diferentes regiões usam diferentes
nomenclaturas. Em São Paulo, é comum ouvir "urina tipo 1" ou apenas "urina
1"; no centro-oeste brasileiro, é chamado de "parcial de urina"; no sul, como
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é conhecido como "EQU" (exame
qualitativo de urina); e no nordeste e norte, é frequentemente referido como
"sumário de urina". Todos esses termos referem-se ao mesmo tipo de exame.
Quando diagnosticamos uma criança com história natural conhecida da doença
e nos deparamos com a questão de tratamento, a resposta geralmente é não
tratar especificamente o rim, pois a condição tende a resolver-se por si só. Em
casos de GNPE (glomerulonefrite pós-estreptocócica), o prognóstico é
geralmente muito bom, com cerca de 95 a 99% dos casos resolvendo sem
complicações graves.
No entanto, se surgem complicações como oligúria, onde o rim filtra menos
fluido do que deveria, recomendamos a restrição de líquidos para evitar
sobrecarregar o sistema renal. Se essa medida não for suficiente, podemos
recorrer ao uso de diuréticos, como a furosemida, que ajuda a eliminar o
excesso de volume corporal, especialmente em pacientes com edema.
Em casos onde a hipertensão persiste por mais de um mês, pode ser necessário
o uso de vasodilatadores, como a hidralazina, para aumentar a capacidade dos
vasos sanguíneos e aliviar a pressão arterial. Essas medidas são geralmente
temporárias e visam suportar o corpo enquanto ele se recupera.
Finalmente, sobre o uso de antibióticos, é importante esclarecer que eles não
têm efeito na prevenção ou tratamento da GNPE, uma vez que a doença é uma
sequela imunológica de uma infecção anterior, e não uma infecção ativa no rim.
A administração precoce de antibióticos em casos de infecções de garganta ou
pele não previne GNPE, mas é indicada para a prevenção de febre reumática,
uma condição completamente diferente que requer abordagem específica
devido ao risco de episódios repetidos e complicações cardíacas.

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