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A necessidade de capital de giro

Professor Doutor Adriano Mussa


Visão inicial de capital de giro: o capital de giro líquido (CGL)
Os conceitos de capital de giro estão intimamente relacionados com as contas de curto prazo do Balanço Patrimonial
(BP), ou seja, com o Ativo Circulante (AC) e com o Passivo Circulante (PC).

Apenas para recordarmos os fundamentos contábeis, o PC refere-se a valores que devem ser pagos pela empresa no curto prazo
(período de 1 ano ou dentro do ciclo operacional da companhia). O AC, por sua vez, refere-se a valores que a empresa tem a receber
no mesmo curto prazo.

Ativos Circulantes contêm valores que a empresa não tem certeza de recebimento. Problemas ou dificuldades com venda ou
recebimento dos itens ou até mesmo eventos de perda ou redução do valor dos estoques podem acontecer. Passivos Circulantes, por
sua vez, contêm valores que devem ser pagos no curto prazo, e o seu não pagamento pode colocar em risco a continuidade da
empresa. Se a empresa deixar de pagar os fornecedores, por exemplo, eles podem interromper o fornecimento de insumos; se a
empresa deixar de pagar os funcionários, eles provavelmente deixarão de trabalhar; e assim por diante.

Observe a seguinte situação: se o AC contém valores que a empresa tem a receber no curto prazo e não é certo que ela os receberá
e se o PC contém valores a pagar no curto prazo e é certo que a empresa terá que pagá-los na continuidade, logo uma primeira
versão de risco de curto prazo diria que é melhor a empresa ter mais valores a receber do que a pagar no curto prazo, minimizando
o seu risco. Em outras palavras, é melhor ter o AC maior do que o PC.
A essa diferença entre AC e PC damos o nome de Capital de Giro Líquido (CGL) ou Capital Circulante Líquido (CCL) e dizemos que ela
representa uma espécie de colchão de liquidez da companhia.

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Capital de Giro Líquido (CGL) = Ativo Circulante (AC) – Passivo Circulante (PC)

Em uma primeira visão de capital de giro, quanto maior o CGL, menor o risco, pois maior é a diferença que a empresa
apresenta entre os valores a receber e os valores a pagar no curto prazo. Porém, essa visão, apesar de fazer sentido numa
primeira olhada e apesar do CGL ser uma medida bastante usada na prática, é muito superficial.

A fim de estudar capital de giro é necessário ir além do CGL, é necessário se aprofundar no tema. Para isso, começaremos
discutindo as principais deficiências do CGL.

1. As principais deficiências do Capital de Giro Líquido (CGL)

O CGL tem essencialmente três grandes deficiências. São elas:

a) O CGL pode ser manipulado sem grandes esforços.

Isso acontece porque o Balanço Patrimonial (BP) é um registro estático de determinado momento, uma fotografia.
Assim sendo, é possível fazer mudanças significativas no saldo das contas que compõe o AC e o PC (e que, portanto,
impactam o CGL) antes de tirar a fotografia.

Por exemplo, aumentar o caixa por meio de aporte de capital de sócios, nos últimos dias de dezembro, engorda o saldo
de

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caixa e, consequentemente, aumenta o AC, levando ao aumento do CGL daquele ano. Nada garante que a empresa não
possa diminuir esse forte saldo de caixa nos primeiros dias do ano subsequente. Portanto, esse forte saldo de caixa
pode inflar o CGL e não significar, na prática, uma forte liquidez da companhia. Vale ressaltar que esse tipo de
movimentação não é ilegal, apenas questionável, especialmente do ponto de vista de governança corporativa.

b) O CGL, assim como os índices de liquidez (por exemplo, liquidez corrente), pode não refletir a verdadeira situação
de liquidez da companhia.
Vamos ilustrar esse efeito com um exemplo. O CGL considera em seus cálculos o saldo da rubrica Contas a Receber, que
é essencialmente os valores que a empresa tem a receber de seus clientes no curto prazo (normalmente dentro de 1
ano). Porém, em Contas a Receber existem vários tipos de recebíveis, com prazos e histórias diferentes. Se a empresa
tem um Contas a Receber que contém essencialmente valores a vencer no curto prazo, com baixo histórico de
inadimplência, podemos confiar tratar-se de um Contas a Receber bastante saudável e temos boa probabilidade de que
seu recebimento realmente ocorra no curto prazo. Porém, o Contas a Receber da empresa pode ser formado
essencialmente por recebíveis vencido há muitos dias, com graves históricos de inadimplência na carteira e baixo nível
de provisões para crédito de liquidação duvidosa. Nesse caso, o saldo do Contas a Receber estará elevado, aumentando
o AC e o CGL, mas não significando liquidez, pois a empresa não estará recebendo o pagamento dos seus clientes. Efeitos
similares podem acorrer com a conta Estoques.

Por esse motivo, dizemos que o CGL pode não refletir a verdadeira situação de liquidez da companhia.

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c) O custeio por absorção pode inflar lucros e estoques.

Esse problema do CGL está baseado nos fundamentos e princípios contábeis, mais especificamente no custeio por
absorção, que é o método usado nas demonstrações financeiras societárias − aquelas publicadas pelas companhias. O
custeio por absorção pode inflar, artificial ou temporariamente, lucros e estoques, elevando a magnitude do CGL. Isso
ocorre especialmente porque aumentos de produção tendem a diminuir os custos fixos unitários. Se o aumento de
produção não for vendido, acabará inflando os estoques da companhia. Obviamente que esse efeito ocorre nos casos
de indústrias com a presença de capacidade ociosa.

Por todos esses motivos, concluímos que o CGL, apesar de ainda bastante usado na prática, é uma medida bastante
superficial e cheia de limitações. Assim, se queremos aprofundar o estudo e o entendimento sobre a análise e gestão do
capital de giro das organizações, que é justamente o nosso objetivo neste curso, precisamos ir muito além do CGL.

O primeiro passo para isso consiste em separarmos os Ativos Circulantes e os Passivos Circulantes em suas partes
operacionais e financeiras.

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Deficiências do CGL

- O Ativo Circulante, especialmente a conta Caixa, é facilmente manipulável.

- O CGL pode não refletir a verdadeira situação de liquidez da companhia,


especialmente pela natureza, qualidade e liquidez de Contas a Receber e Estoques.

- O custeio por absorção pode inflar lucros e Estoques, aumentando o CGL.

2. Separando os Ativos e Passivos Circulantes

O Ativo Circulante (AC) é composto por dois grandes grupos de rubricas: o grupo das rubricas financeiras e o grupo das
rubricas operacionais. Ao grupo das rubricas financeiras damos o nome de Ativo Circulante Financeiro (ACF), que é
formado por contas de natureza financeiras: Caixa, Equivalentes de Caixa e Aplicações Financeiras. Ao grupo das rubricas
operacionais damos o nome de Ativo Circulante Operacional (ACO), que é, por sua vez, composto por rubricas de
natureza operacional, aquelas intimamente relacionadas à operação: Contas a Receber, Estoques e Adiantamentos
principalmente.

O Passivo Circulante (PC) também é composto pelo grupo das contas financeiras e pelo grupo das contas operacionais. Ao
grupo das contas financeiras damos o nome de Passivo Circulante Financeiro (PCF), composto por: Empréstimos,
Financiamentos e demais Instrumentos Financeiros de Crédito, além de Dividendos a Pagar. Já ao grupo das contas

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operacionais do passivo damos o nome de Passivo Circulante Operacional (PCO), que, de forma análoga ao ACO, é
formado por contas de natureza operacional: Fornecedores, Salários, Impostos e Adiantamentos majoritariamente.

Algumas considerações importantes sobre ACO, ACF, PCO e PCF:


 Podemos olhar de forma prática para o ACF e PCF e compreendê-los como os grupos mais facilmente manipuláveis
das contas de curto prazo, especialmente se comparados ao ACO e PCO.

 Podemos considerar que o PCF é, em geral, oneroso, pois ele é composto majoritariamente por passivos onerosos,
aqueles que geram custos financeiros para a companhia. É o caso de Empréstimos e Financiamentos, por exemplo.
O PCO, por sua vez, em geral, não é oneroso (ou pelo menos não de custo conhecido e explícito).
Para realmente entendermos o capital de giro e conseguirmos aprofundar o entendimento de sua análise, seu
dimensionamento e sua gestão é preciso focar a atenção, pelo menos inicialmente, nos Ativos e Passivos Circulantes
Operacionais, ou seja, no ACO e no PCO. Isso vai nos ajudar a chegarmos a uma outra medida muito importante, chamada
de Necessidade de Investimento em Giro (NIG).

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O Ativo Circulante Operacional (ACO) é formado pelas contas operacionais do Ativo
Circulante: Contas a Receber, Estoques, Adiantamentos e outros valores
operacionais.

O Ativo Circulante Financeiro (ACF) é formado pelas contas financeiras do Ativo


Circulante: Caixa, Equivalente de Caixa e Aplicações Financeiras.

O Passivo Circulante Operacional (ACO) é formado pelas contas operacionais do


Passivo Circulante: Fornecedores, Salários, Tributos, Adiantamentos e outros valores
operacionais.

O Passivo Circulante Financeiro (PCF) é formado pelas contas financeiras do Passivo


Circulante: Empréstimos, Financiamentos, Debêntures, Notas Promissórias e
Dividendos.

3. Necessidade de Investimento em Giro (NIG)

A Necessidade de Investimento em Giro (NIG) é um dos conceitos mais importantes para a análise e o dimensionamento
do capital de giro. Para calcular essa importante medida temos que considerar a separação dos Ativos Circulantes e dos
Passivos

Circulantes em suas partes operacionais e financeiras. A fim de compreendermos esse conceito, faremos uso de um
exemplo.

Vamos supor que uma empresa apresente, em seu Ativo Circulante Operacional (ACO), saldo relevante em apenas duas
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contas: Contas a Receber e Estoques. E vamos assumir também que ela apresente em seu Passivo Circulante Operacional
(PCO) saldo relevante em apenas uma conta: Fornecedores. Vale a ressalva que normalmente essas são as contas mais
relevantes do ACO e do PCO das companhias, especialmente de empresas industriais.

O quadro a seguir apresenta a estrutura de ACO e PCO da empresa em questão:

Quadro 1: ACO e PCO de uma empresa hipotética

Contas a Receber 100 Fornecedores


Estoques 100
100
ACO (Ativo Circulante PCO (Passivo Circulante
Operacional) 200 Operacional) 100
Fonte: Elaborado pelo autor.

Podemos observar, no Quadro 1, que o ACO da empresa totaliza


200. Em outras palavras, podemos dizer que a empresa apresenta investimentos operacionais de curto prazo de
magnitude igual a 200.

Observamos também que o PCO da empresa soma 100. Em outras palavras, podemos dizer que os financiamentos
operacionais de curto prazo têm magnitude de 100. Outra forma de entender esse valor é como representação das fontes

de financiamentos não onerosos para a companhia, dado que eles não geram ônus (juros, por exemplo) para seus
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devedores, desde que os pagamentos ocorram sem atraso. Isso contrasta com o comportamento dos Passivos Circulantes
Financeiros (PCF) que são compostos por obrigações onerosas (dívidas bancárias de curto prazo, por exemplo).

Assim, se considerarmos que a empresa apresenta um ACO de 200 e um PCO de 100, podemos dizer que ela fez
investimentos operacionais de curto prazo de 200 e conseguiu apenas 100 de financiamento operacional (portanto, não
oneroso) de curto prazo, abrindo uma diferença de 100 (200 – 100). Essa diferença ou descasamento de 100 só pode ser
financiada por recursos onerosos, sejam eles de curto ou de longo prazo.

Em suma, ACO – PCO nos mostra a necessidade de recursos onerosos que a empresa terá que tomar para financiar o seu
capital de giro. A essa diferença são dados vários nomes na literatura e na prática do capital de giro. São eles:

- NIG (Necessidade de Investimento em Giro): nome mais usado na prática, sendo esse, portanto, o que utilizaremos com
mais frequência nesse curso.
- NCG (Necessidade de Capital de Giro): nome normalmente usado por instituições financeiras no Brasil.

- IOG (Investimento Operacional em Giro): nome pouco usado, mas ainda encontrado em algumas regiões e literaturas.

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