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GASTRONOMIA
Mariana Amabile Waideman
Patrícia de Oliveira Leite Farias
História da
Gastronomia
Mariana Amabile Waideman
Patrícia de Oliveira Leite Farias
Presidente da Divisão de Ensino Prof. Paulo Arns da Cunha
Reitor Prof. José Pio Martins
Pró-Reitor de Graduação Prof. Carlos Longo
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Ronaldo Vinicius Casagrande
Coordenação Geral de EAD Prof. Everton Renaud
Coordenação de Metodologia e Tecnologia Profa. Roberta Galon Silva
Autoria Profa. Mariana Amabile Waideman
Profa. Patrícia de Oliveira Leite Farias
Parecer Técnico Profa. Giana Coró Figueiredo
Profa. Solange Demeterco
Supervisão Editorial Aline Scaliante Coelho Baggetti
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aprofundadas sobre o conteúdo estudado.
Capítulo 1
História da alimentação........................................................................................................... 19
1.1 Alimentação na Pré-História............................................................................................. 20
1.1.1 O homem primitivo e as descobertas alimentares.......................................................................................................... 21
1.1.2 O período paleolítico: caça e pesca.................................................................................................................................. 21
1.1.3 A época carnívora da humanidade.................................................................................................................................. 22
1.1.4 A alimentação vegetal e carnívora................................................................................................................................... 23
1.2 Gastronomia na Idade Antiga e Idade Média...................................................................25
1.2.1 Os povos dos grandes banquetes..................................................................................................................................... 25
1.2.2 Civilização romana............................................................................................................................................................ 26
1.2.3 Destaque para o cozinheiro dos reis: Taillevent............................................................................................................... 27
1.3 Gastronomia na Idade Moderna....................................................................................... 28
1.3.1 A época das grandes inovações....................................................................................................................................... 28
1.3.2 As boas maneiras atribuídas à época: uso de talheres.................................................................................................... 29
1.3.3 Tabernas, estalagem e cozinha de rua............................................................................................................................. 29
1.3.4 A alimentação nos mosteiros........................................................................................................................................... 30
1.4 Gastronomia na Idade Contemporânea............................................................................ 31
1.4.1 O caminho do aperfeiçoamento...................................................................................................................................... 31
1.4.2 Surgimento de técnicas de conservação.......................................................................................................................... 32
1.4.3 Instalação do comodismo alimentar............................................................................................................................... 33
1.4.4 A industrialização dos alimentos..................................................................................................................................... 34
Referências............................................................................................................................... 35
Capítulo 2
Gastronomia pelo mundo....................................................................................................... 37
2.1 História da Gastronomia no Brasil..................................................................................... 38
2.1.1 A chegada dos portugueses: início da construção da identidade alimentar no país..................................................... 38
2.1.2 Gastronomia brasileira: originária da mistura de povos (portugueses, africanos e indígenas).................................... 39
2.1.3 A unanimidade nacional: arroz e feijão........................................................................................................................... 43
2.1.4 Influência das regiões nos cardápios brasileiros.............................................................................................................. 44
2.2 História da Gastronomia na Europa..................................................................................46
2.2.1 Vestígios das civilizações: particularidades da França..................................................................................................... 47
2.2.2 Influências da Itália.......................................................................................................................................................... 48
2.2.3 Atribuições portuguesas e espanholas na gastronomia europeia.................................................................................. 49
2.2.4 Contribuições da Alemanha............................................................................................................................................. 50
2.3 História da Gastronomia na Ásia....................................................................................... 51
2.3.1 Particularidades gastronômicas do Japão e da China..................................................................................................... 51
2.3.2 Curiosidades da Gastronomia na Tailândia...................................................................................................................... 53
2.3.3 Alimentação na Mongólia................................................................................................................................................ 53
2.3.4 A alimentação na Coréia do Norte e Coréia do Sul.......................................................................................................... 54
Referências............................................................................................................................... 56
Capítulo 3
Padrões alimentares................................................................................................................. 57
3.1 Padrões e hábitos alimentares da população................................................................... 58
3.1.1 A prática de hábitos saudáveis no Brasil.......................................................................................................................... 58
3.1.2 Classificação dos padrões alimentares............................................................................................................................. 59
3.1.3 Padrão alimentar x Saúde................................................................................................................................................ 60
3.2 Padrão alimentar na infância e adolescência.................................................................... 61
3.2.1 Padrão alimentar e crescimento....................................................................................................................................... 63
3.2.2 Padrão alimentar e desenvolvimento ............................................................................................................................. 64
3.2.3 Padrão alimentar e saúde................................................................................................................................................. 64
3.3 Padrão alimentar na vida adulta....................................................................................... 65
3.3.1 Padrão alimentar saudável............................................................................................................................................... 65
3.3.2 Consumo de alimentos e estilo de vida........................................................................................................................... 66
3.3.3 Perfil qualitativo da alimentação..................................................................................................................................... 67
3.3.4 Perfil quantitativo da alimentação................................................................................................................................... 68
3.4 A globalização alimentar................................................................................................... 69
3.4.1 Influência da globalização nas escolhas alimentares ..................................................................................................... 70
3.4.2 Oferta e demanda de alimento no cotidiano.................................................................................................................. 71
3.4.3 Perfil qualitativo da alimentação globalizada................................................................................................................. 71
Referências............................................................................................................................... 73
Capítulo 4
Alimentação, cultura e subjetividade...................................................................................... 75
4.1 Alimentação/Mitos e tabus............................................................................................... 76
4.1.1 Conceito de tabus alimentares......................................................................................................................................... 76
4.1.2 Os tabus alimentares mais populares.............................................................................................................................. 76
4.1.3 Tabu segmentar, tabus de método e tabus históricos..................................................................................................... 78
4.2 Religiosidade e alimentação............................................................................................. 79
4.2.1 Práticas religiosas e escolhas alimentares....................................................................................................................... 79
4.2.2 Rituais alimentícios e religião.......................................................................................................................................... 80
4.2.3 Crenças alimentares.......................................................................................................................................................... 83
4.3 Intervenção mística na alimentação.................................................................................84
4.3.1 Antropologia e alimentação ............................................................................................................................................ 85
4.3.2 Alimentos sagrados.......................................................................................................................................................... 85
Referências............................................................................................................................... 87
Capítulo 5
A gastronomia no tempo: algumas referências...................................................................... 89
5.1 Gastronomia Italiana.........................................................................................................90
5.1.1 A Renascença e Catarina de Médici................................................................................................................................. 90
5.1.2 Pós-Renascença: rupturas da gastronomia medieval para a modernidade................................................................... 92
5.1.3 As cozinhas regionais....................................................................................................................................................... 94
5.2 Gastronomia francesa........................................................................................................96
5.2.1 Revolução Francesa e os padrões burgueses................................................................................................................... 97
5.2.2 O surgimento e a consolidação dos restaurantes ........................................................................................................... 99
5.2.3 Séculos XVIII a XX: características da gastronomia francesa ........................................................................................ 101
5.3 Gastronomia japonesa e a cozinha oriental...................................................................104
5.3.1 A cozinha japonesa e suas bases conceituais................................................................................................................ 104
5.3.2 A relação comida e saúde na cozinha oriental.............................................................................................................. 107
5.3.3 A cozinha chinesa........................................................................................................................................................... 108
5.3.4 As cozinhas asiáticas mais populares no ocidente ....................................................................................................... 110
Referências............................................................................................................................. 113
Capítulo 6
Gastronomia e a literatura gastronômica.............................................................................. 115
6.1 Regras à mesa.................................................................................................................. 116
6.1.1 História das regras de comportamento à mesa............................................................................................................. 116
6.1.2 Os manuais de boas maneiras....................................................................................................................................... 118
6.1.3 Shou-plate e sousplat: O processo civilizatório à mesa................................................................................................ 119
6.1.4 A gastronomia diplomática, o banquete e os tipos de serviços ................................................................................... 121
6.2 A literatura gastronômica na história..............................................................................123
6.2.1 Os primeiros livros de cozinha: Antiguidade e Idade Média........................................................................................ 123
6.2.2 A literatura gastronômica dos séculos XVII-XVIII ......................................................................................................... 125
6.2.3 A literatura gastronômica do século XIX aos dias atuais .............................................................................................. 126
6.2.4 A crítica e os guias gastronômicos................................................................................................................................. 127
6.3 Personagens e profissionais da cozinha ao longo do tempo......................................... 128
6.3.1 Os cozinheiros gregos e romanos................................................................................................................................... 128
6.3.2 Os grandes personagens da gastronomia até o século XIX........................................................................................... 129
6.3.3 Antoine Carême e Auguste Escoffier: os grandes nomes ............................................................................................. 130
6.3.4 As escolas de cozinha..................................................................................................................................................... 132
6.4 A gastronomia e o turismo............................................................................................. 134
6.4.1 O surgimento do lazer.................................................................................................................................................... 134
6.4.2 O turismo e a hospitalidade encontram a gastronomia................................................................................................ 136
6.4.3 As grandes redes de hotéis e seus personagens............................................................................................................ 137
Referências.............................................................................................................................140
Capítulo 7
Globalização alimentar.......................................................................................................... 143
7.1 A globalização e seu impacto na alimentação...............................................................144
7.1.1 Características da globalização...................................................................................................................................... 145
7.1.2 Mudanças do processo de produção, circulação e consumo de alimentos no mundo globalizado............................ 148
7.1.3 Escolhas, hábitos e padrões alimentares na contemporaneidade................................................................................ 152
7.2 Reflexos da globalização.................................................................................................154
7.2.1 Demandas para uma nova comensalidade................................................................................................................... 154
7.2.2 Reflexos da globalização na cultura alimentar.............................................................................................................. 156
7.2.3 As mudanças no perfil do consumidor em relação à comida....................................................................................... 158
Referência .............................................................................................................................. 162
Capítulo 8
Gastronomia e saúde............................................................................................................. 165
8.1 O padrão alimentar americano: os fast-foods................................................................166
8.1.1 Alimentação e saúde x comida e cultura....................................................................................................................... 166
8.1.2 A relação das escolhas da alimentação e os novos estilos de vida............................................................................... 168
8.1.3 Os novos movimentos gastronômicos (Fast-Food, Slow Food, Comfort Food)............................................................. 170
8.1.4 A reação aos fast-foods................................................................................................................................................. 174
8.2 As tendências alimentares da contemporaneidade....................................................... 176
8.2.1 A mudança nos padrões de consumo alimentar........................................................................................................... 177
8.2.2 Os movimentos e as tendências da contemporaneidade.............................................................................................. 179
8.2.3 A ética da alimentação................................................................................................................................................... 180
Referências ............................................................................................................................184
Apresentação
Quando se fala em gastronomia, no seu sentido mais amplo, podemos dizer que ela
nasceu juntamente com o homem. Todo ser vivo precisa se alimentar para sobreviver, mas
somente o homem transformou essa prática em algo prazeroso e elaborado. As técnicas e
preparações que envolvem alimentos estão em evolução constante. Quanto mais o homem
aprendia sobre a vida, mais sua forma de se alimentar sofria alterações.
Com o conteúdo apresentado na disciplina de História da Gastronomia, você poderá
viajar aos tempos da pré-história, passando pelos principais marcos na alimentação humana
até a gastronomia contemporânea. Os capítulos mostrarão que quanto mais os povos ex-
ploravam novos lugares e conheciam novas culturas, a alimentação também mudava. Você
verá que por trás do alimento que é consumido todos os dias, há riqueza de influências his-
tóricas e culturais.
Bons estudos!
A Autoria
A professora Mariana Amabile Waideman, é Mestre em Segurança Alimentar e Nutricional
(2015, UFPR), especialista em Gastronomia (2008, Universidade Positivo) e graduada em Nutrição
(2006, PUC-PR).
Currículo Lattes:
<lattes.cnpq.br/7676236165155491>
Currículo Lattes:
<lattes.cnpq.br/4365200028590039 >
Uma das primeiras rotinas em que o ser humano é inserido logo após nascer é a ali-
mentação. Apesar de ser essencial para sobrevivência, ela já ultrapassou o conceito de que
o homem precisa se alimentar apenas para viver. Atualmente, o ato de comer pode envolver
técnica, conhecimento, história e prazer.
Até a gastronomia da atualidade chegar ao patamar em que se encontra, passou por
grandes evoluções e foi influenciada por, praticamente, todos os povos do mundo. Por isso,
compreender todos esses processos de modificações e a grande carga cultura presente na
alimentação é importante para o profissional da gastronomia.
Para Cascudo (2005), a história da alimentação tem finalidade de comunicação, notí-
cia e entendimento, com destaque para as particularidades alimentares dos povos nos dife-
rentes momentos da história, com preservação das heranças e tradições de cada época. O
autor ainda salienta que a evolução histórica da gastronomia permite a compreensão dos
diferentes padrões alimentícios de cada localidade, auxiliando o entendimento da variedade
alimentar entre as culturas, regiões e países, conforme está exposto no diagrama a seguir.
20 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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Outra civilização importante para
esse resgate histórico é a romana. Os cozi-
nheiros dos banquetes desse povo eram
pessoas importantes e reconhecidas e
recebiam altos salários. O fato de uma As carnes eram consideradas artigos
família ter um cozinheiro desses era sím- de luxo, privilégio das famílias mais ricas
bolo de ascensão social. que faziam consumo de carneiro, porco,
Na sequência conheceremos um ganso e pato. Uma particularidade da gas-
pouco mais sobre a contribuição romana tronomia do local era a alimentação dos
para a história da gastronomia. animais com figos, para que as carnes
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 27
ficassem perfumadas e mais macias. Além cozinha. Porém, um deles merece desta-
disso, os gansos eram criados de maneira que, Guillaume Tirel, ou, como era conhe-
especial para o preparo dos patês e os fran- cido, Taillevent, o cozinheiro dos reis. Nas-
gos eram alimentados com anis e especia- cido em 1310, em Pont-Audemer na França,
rias para que houvesse reflexo e melhorias o cozinheiro iniciou sua carreira ainda
no sabor da carne. quando menino. Mesmo quando criança,
De acordo com Cascudo (2005), as suas preparações já se destacavam.
carnes eram conservadas por meio de uma
técnica que utilizava sal e condimentos,
pois essas civilizações não contavam com Guillaume Tirel tinha o apelido de
tecnologias de refrigeração, e, em tempos Taillevent devido ao seu grande nariz.
Taillevent, em francês, significa “quebra-
quentes, a degradação dos produtos ali-
-vento”.
mentícios acontecia muito rapidamente.
Outra característica dos romanos era o uso
de especiarias fortes, o que culminava em Taillevent foi considerado um dos
sabores marcantes e únicos. Esses hábi- maiores chefs de cozinhas de todos os
tos e costumes gastronômicos marcaram tempos na história, revolucionando, a sua
toda uma era e deixaram uma herança que maneira, o modo de pensar e fazer cozi-
ainda é observada na atualidade por meio nha. O chef cozinhou para a corte francesa
dos pratos considerados “quentes”, devido e escreveu reconhecidas obras culinárias,
ao sabor picante. com enfoque aos molhos condimenta-
Em linhas gerais, a evolução da gas- dos (com presença de açafrão, gengibre,
tronomia está ligada ao fato de que se ali- pimenta e canela). Também escreveu sobre
mentar é um ato que envolve prazer. Fato diversos ingredientes, sobretudo carne.
esse que será trabalhado a seguir. De acordo com Cascudo (2005), ele
era adepto de assados e molhos, que sem-
1.2.3 Destaque para o cozinheiro pre se sobrepunham ao sabor do ingre-
diente principal. O renomado cozinheiro
dos reis: Taillevent faleceu em 1395, mas suas influências culi-
Ao fim da Idade Antiga e durante a nárias estenderam-se por toda a Idade
Idade Média, surgiram diversos chefs de Moderna até a atualidade.
28 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Por esse motivo, o uso dos talheres sempre de talher quando houver necessi-
foi intensificado e ganhou notória impor- dade de servir-se de outro alimento.
tância. Falaremos mais sobre esse assunto As regras quanto ao uso de talheres
no próximo tópico. eram criteriosamente seguidas pela alta
sociedade e exigidas como postura e eti-
1.3.2 As boas maneiras atribuídas à queta aos banquetes gastronômicos da
época. Entretanto, as tabernas da cidade,
época: uso de talheres pequenos bares, com aparência rústica e
A partir da Idade Moderna, a eti- ambiente despojado, ofereciam à comuni-
queta passou a cumprir papel distintivo na dade descontração e liberdade para apre-
sociedade. Luxo e ostentação firmaram-se ciar a alimentação de modo rudimentar,
como referenciais aos indivíduos, refle- apenas com bebidas quentes e petiscos.
tindo o contexto social da família. Veremos mais sobre esses estabeleci-
Ruhlman (2009) afirma que não mentos a seguir.
bastava ter nobreza, o importante era
portar-se como tal. A etiqueta foi con- 1.3.3 Tabernas, estalagem
siderada elemento importantíssimo aos
pertencentes das classes dominantes, e cozinha de rua
qualquer deslize poderia ser considerado Um aspecto relevante para o estudo
ofensa à imagem pessoal. das tabernas medievais é a questão da
O autor ainda destaca que uma regra administração. Segundo Garcia (1996), em
básica era que no momento em que todos alguns casos, muitas tabernas da época
estivessem se servindo de um determi- eram controladas pela própria Igreja, que
nado prato, deveria ser evitado servir-se via nesses locais uma excelente fonte de
antes que as pessoas da mais alta catego- rendimentos, mesmo conscientes que
ria. Outro ponto referenciado era quanto ali seriam cometidos alguns pecados aos
ao uso da colher, que deveria estar sem- olhos da religião. Mesmo conscientes das
pre limpa para retirar algum alimento de atitudes errôneas que poderiam ocorrer
outro prato, pois os demais presentes nas tabernas, o local continuou existindo
em uma refeição não iriam apreciar o uso e circulando grandes quantias financeiras
de uma colher já levada anteriormente à para a região.
boca. Sendo assim, a regra era clara, trocar
30 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Porém, conforme Savarin (1995), a A partir dos séc. XVII e XVIII, a cozi-
vida de isolamento dos sacerdotes e sacer- nha francesa alcançou seu apogeu, e as
dotisas os fez despertar para o desenvolvi- suas receitas foram levadas aos quatro can-
mento no campo das ciências. Isso fez com tos do mundo, por meio de filiais de gran-
que eles enriquecessem também a culiná- des restaurantes. A partir desse momento,
ria com a inclusão de receitas de confeitos, profissionais da cozinha passaram a desen-
quitutes e vinhos que passaram a ser muito volver técnicas e buscavam cada vez mais a
apreciados com o aprimoramento das técni- perfeição. Continuaremos esse assunto no
cas que hoje são consideradas tradicionais. próximo tópico.
Bourdan (2006), esse fato permitiu que ali- Na verdade, pela falta de pessoal
mentação se tornasse mais variada e aces- doméstico qualificado, por possuírem
sível às massas populacionais que habita- menos recursos econômicos e pela incapa-
vam longe dos locais de origem das maté- cidade de igualarem a culinária das casas
rias-primas. mais ricas, as classes médias acolheram
Toda essa evolução também mudou a com satisfação as recomendações divul-
forma de como homem se alimentava, com gadas pelas classes mais favorecidas. Estas
destaque ao fato de que o que ele ingeria apelavam ao consumo moderado, à dimi-
afetava diretamente sua saúde, assunto nuição da ingestão de carne e das especia-
que discutiremos no próximo tópico. rias (usadas displicentemente nos banque-
tes burgueses), à recusa da aquisição de
alimentos exóticos e realização de refei-
1.4.3 Instalação do comodismo ções grandiosas que culminavam no grande
alimentar esbanjamento alimentar.
Referências
ABRAMOVAY, R. A. A. Atualidade do método de Josué de Castro e a situação alimentar mun-
dial. In: CYRILLO, D. C. et al. Delineamento da pesquisa na nutrição humana aplicada. São
Paulo: IPE/USP, p. 57-76, 1996.
ARNAIZ, M. G. Em direção a uma Nova Ordem Alimentar? In: CANESQUI, A. M.; GARCIA, R. W. D.
Antropologia e nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
CASCUDO, L. C. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2005.
CAVALCANTI, P. A pátria nas panelas: história e receitas da cozinha brasileira. São Paulo:
SENAC, 2007.
FERNANDES, C. Viagem gastronômica através do Brasil. 07. ed. São Paulo: SENAC, 2005.
BARRETO, R. L. P. B. Passaporte para o sabor: tecnologias para a elaboração de cardápios. São
Paulo: SENAC, 2000.
BOURDAN, A. Afinal, as receitas do Les Halles – New York: histórias e técnicas. São Paulo:
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FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade,
1998.
GARCIA, R. W. D. Notas sobre a origem da culinária: uma abordagem evolutiva. Campinas. Rev.
Nutr. PUCCAMP 8 (2), 1995.
GIACOMETTI, D. C. Ervas condimentares e especiarias. São Paulo: Nobel, 1989.
MONDINI, L.; MONTEIRO, C. A. Mudanças no padrão de alimentação da população urbana bra-
sileira. Rev. Saúde Pública, 28 (6), 1994.
SAVARIN, B. Fisiologia do gosto. Tradução: P. Neves, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
RUHLMAN, M. Elementos da Culinária de A a Z: técnicas, ingredientes e utensílios. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009.
SPITZ, B. Aprendiz de Cozinheiro: separar, viajar e... cozinhar na França e Itália. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010.
Capítulo 2
Gastronomia pelo mundo
Heranças I ngredientes
Abacaxi, açaí, amendoim, araçá, bacuri, banana-da-terra (pacova), batata-doce, buriti (pal-
meira), cacau, cajá, caju, castanha-do-pará, cupuaçu, erva-mate, feijão-de-corda, feijão-preto,
Nativa
goiaba, graviola, guaraná, guabiroba, jenipapo, mamão, mandioca/farinha de mandioca, man-
gaba, maracujá, milho, pequi, pimenta capsicum, pitanga, pitomba, umbu, urucum.
Africana Banana, jiló, inhame, quiabo, coco, melancia, dendê, pimenta-malagueta, galinha d’ angola.
Alface, arroz, alho, azeite de oliva, azeitona, chá, carneiro, cabra, couve, coentro, cenoura,
cana-de-açúcar, cebola, cebolinha, cravo-da-índia, carambola, farinha de trigo, figo, gali-
Portuguesa nha, laranja, limão, lima, marmelo, manjericão, pimenta-do-reino, porco, pato, pepino,
salsa, tangerina, sal, uva, vaca, vinho, melão, agrião, espinafre, chicória, mostarda, hortelã,
alfavaca, gengibre.
Fonte: FREIXA; CHAVES, 2012. (Adaptado).
Fora os ingredientes nativos, os outros dizem respeito ao povo que os trouxe para cá e
não necessariamente a sua origem. Exemplos: arroz e cana-de-açúcar são de origem asiá-
tica, mas chegaram ao Brasil graças aos portugueses, bem como o coco, também asiático,
que veio pelas mãos dos africanos.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 43
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tos brasileiros, o arroz com feijão pode ser
considerado unanimidade nacional (BRA-
SIL, 2014). O prato básico (arroz e feijão)
começou a ganhar terreno a partir do sé-
culo XVIII, com características de que o ar-
roz deve ser branco, soltinho e seco. Jun- Outro prato famoso no Brasil e deri-
tos, constituem a base do prato do brasi- vado do feijão é a feijoada. Primeiramente
leiro, aliando o baixo custo e uma mistura ela era considerada comida de escravo e,
altamente nutritiva, sendo que o prato for- portanto, teria nascido nas senzalas. Po-
nece uma importante complementação de rém, há mais de uma linha teórica sobre
proteínas (PINHEIRO, B. da S., 2016). sua origem. Segundo Cascudo (1983), a fei-
joada deriva dos cozidos típicos europeus,
Os feijões utilizados em nossa gas-
sendo que este povo aprecia orelha, rabo,
tronomia tornaram-se o prato predileto e
língua, pé e miúdos, utilizando-os ampla-
típico dos brasileiros e ganharam maior
mente em seus pratos. No Brasil, incorpo-
prestígio a partir do século XIX, quando vi-
rou-se à feijoada, além das partes do
raram símbolo nacional (SENAC, 1998).
porco, linguiça e paio, sendo acompanhada
44 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Janeiro e em São Paulo, não se pode dizer Com a chegada dos italianos, a região
que há uma cozinha típica, pois, além da Sul também integrou ao seu cardápio o
influência portuguesa, nestes dois locais a frango e a polenta. O Paraná, apesar da in-
gastronomia também herdou traços da co- fluência italiana, conta também com traços
zinha italiana, francesa, alemã, japonesa, da cozinha indígena, com alimentos como
árabe e norte-americana (SENAC, 1998). raízes e grãos. Conforme Senac (1998), no
As preparações que merecem destaque Paraná, é comum encontrar pratos como o
nesses dois Estados são o tutu de feijão, arroz de carreteiro e guisado com charque,
virado à paulista, moqueca capixaba, fei- que também estão presentes na região
joada, picadinho paulista e pão de queijo. Centro-Oeste do Brasil.
A culinária da região Sul é marcada
pelas correntes de imigração alemã e ita-
liana. O Rio Grande do Sul ganha destaque
2.2 História da Gastronomia
devido ao famoso churrasco gaúcho e ao na Europa
indispensável chimarrão, tomado na cuia.
A culinária europeia fascina seus apre-
ciadores devido ao requinte, à simplici-
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vasta opção de pratos no país, no entanto, florestas tropicais, planícies des rticas e ge-
o que se popularizou em determinada re- ladas, inúmeras cordilheiras, além dos fér-
gião pode não ser tão requisitado em ou- teis manguezais. Esse continente contempla
tra, fazendo com que a cozinha do país também paradisíacas ilhas banhadas por um
seja bastante heterogênea. De acordo com mar cor de esmeralda e ilhas rochosas cir-
Senac (1998), a carne de porco, o repolho cundadas por mares escuros e profundos.
e a batata são alguns dos alimentos mais De acordo com Freixa e Chaves
presentes na cozinha alemã, sendo que a (2012), o resultado de tantas peculiarida-
carne do porco é bastante utilizada no pre- des é uma gastronomia diversificada que
paro de salsichas que conta com mais de tem fascinado o mundo ocidental. Para ini-
1.500 variedade s, além do famoso chu- ciarmos nossos estudos sobre a culinária
crute (conserva de repolho fermentado). asiática, a seguir falaremos sobre os costu-
Bastante apreciado pelos alemães, a mes gastronômicos do Japão e da China.
mistura do sal com o açúcar apresenta-se
em pratos como carnes acompanhadas de 2.3.1 Particularidades gastronômicas
geleias de frutas, assados recheados com
frutas e a sopa de cerveja, preparada com do Japão e da China
ovo, açúcar, creme de leite, canela, pimenta A comida para o povo nipônico é con-
e sal (SENAC, 1998). siderada uma obra de arte. Sua culinária
A seguir, conheceremos um pouco popularizou-se no resto do mundo de uns
da história da gastronomia no continente tempos para cá, e há quem diga que a cozi-
asiático. nha japonesa está no mesmo nível da fran-
cesa. No entanto, os franceses apreciam a
mistura dos sabores, já, para os japoneses,
2.3 História da Gastronomia na Ásia deve haver a valorização do sabor de cada
A Á sia é considerada um patrimônio ingrediente da preparação, além de os pra-
cultural com mais de 3 mil anos de história. tos serem muito bem apresentados. Ge-
A culinária asiática, resultante de vários fa- ralmente, a comida é servida separada em
tores, fascina o mundo com sua rica e exó- potinhos e tigelas delicadamente pintadas.
tica cozinha. O primeiro destaque é para Um dos principais utensílios é o hashi, que
a peculiar geografia do local, com densas são os “pauzinhos” utilizados para comer.
52 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Nas casas, cada membro da família tem o geralmente, os alimentos são de rápido
seu, e os hashis dos visitantes são descar- cozimento, o que pode ser explicado pela
tados após o uso (SENAC, 1998). pobreza de combustíveis no país. Esse
A partir do século X, houve a dissemi- fato levou os cozinheiros a desenvolverem
nação do budismo no Japão, proibindo que outras formas de preparo dos alimentos
os adeptos se alimentassem de animais (SENAC, 1998).
de criação. Isso fez com que a dieta japo- Assim como no Japão, a base da culi-
nesa se tornasse basicamente vegetariana, nária chinesa são os peixes e as algas, mas
sendo permitida a complementação com também incluem caramujos, aves, porco,
peixes. Logo, a carne de boi passou a ser legumes e broto de bambu. Alguns dos
excluída das mesas japonesas. pratos mais marcantes da gastronomia
Os peixes, crustáceos, mariscos e algas chinesa são os camarões com repolho chi-
são a base da culinária japonesa devido ao nês, leitão assado com molho de soja, gali-
fato de que estes alimentos são abundan- nha com amendoim e broto de bambu com
tes no país. Freixa e Chaves (2012) salientam peixe. Sobre as bebidas, há o consumo de
que o arroz faz parte da maioria dos pratos, aguardente do arroz fermentado. O leite é
desde que teve entrada no país por meio da pouco comum, pois é considerado um ali-
China. Além da comida, o arroz é utilizado mento impuro (SENAC, 1998). Hábito co-
no preparo da bebida típica do país, o saq uê , mum a japoneses e chineses, o consumo de
e, também na produção do tatame, espécie chá após as refeições foi introduzido no Ja-
de esteira feita de palha de arroz. pão pelos chineses, que há muitos milênios
conhecem os benefícios de seu consumo
Quando o assunto é a culinária na
(FREIXA; CHAVES, 2012).
China, ela é considerada uma arte tão im-
portante que foi descrita por pensadores, Além dos japoneses e chineses,
filósofos e poetas. Os chineses mostraram- os tailandeses também tiveram papel sig-
-se muito criativos para a culinária, explo- nificativo na história da gastronomia. Veja,
rando praticamente todos os recursos que na sequência, um pouco mais sobre a culi-
lhes era disponível. Na cozinha chinesa, nária tailandesa.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 53
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Capítulo 3
Padrões alimentares
que lhes conferem uma sensação máxima Dessa forma, chegamos à conclusão
de saciedade e ao menor custo possível. de que a alimentação atual é caracterizada
Os gostos de luxo e a seleção de alimentos pelo estilo de vida moderno, marcado pela
mais refinados são próprios dos indivíduos escassez de tempo para preparo e consumo
de classes sociais mais elevadas. de alimentos, o que leva à emergência de
Outro fator que se destaca ao com- alimentos do tipo fast food. Esse tipo de co-
preender os padrões alimentares é a explo- mida contempla alimentos mais processa-
ração dos recursos disponíveis e a adapta- dos, consequentemente, com maior uso de
ção ao meio ambiente, sendo o exemplo conservantes, podendo interferir na saúde
mais viável o consumo dos alimentos in- dos consumidores. Seguindo esse exemplo,
dustrializados. As mudanças nos hábitos daremos continuidade ao conteúdo, falando
alimentares refletem a complexidade dos um pouco mais sobre como o padrão ali-
modelos de consumo e dos fatores que os mentar influencia a sa de da população.
determinam, interferindo na qualidade dos
alimentos produzidos e industrializados. 3.1.3 Padrão alimentar x Saúde
Na tentativa de adequar a alimentação As mudanças qualitativas e quantita-
ao ritmo acelerado do dia a dia, as escolhas e tivas no padrão alimentar do brasileiro po-
os hábitos de consumo passaram a apontar dem acarretar agravos nutricionais tão gra-
para alimentos mais condizentes com o novo ves quanto os que são decorrentes da falta
estilo de vida, fazendo com que fossem in- de alimento.
corporados hábitos rápidos e práticos. Essa Segundo Pedraza (2004), enquanto
mudança pode ser observada quando nota- uma alimentação saudável e adequada pro-
mos que, há algumas décadas, a alimenta- move a saúde, os problemas ocasionados
ção era baseada, em sua essência, mais em por alimentos não adequados e contamina-
produtos in natura do que processados. Es- dos se agravam à medida que a população
tes alimentos, muitas vezes, são menos sa- depende cada vez mais de refeições produ-
tisfatórios ao paladar e possuem aporte nu- zidas fora de seu domicílio.
tritivo menor do que no padrão anterior, no
A transição no padrão alimentar do
qual se prezava por hábitos naturais e mais
brasileiro ocorreu num ritmo acelerado,
saudáveis de alimentação.
ao contrário do que aconteceu em países
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 61
europeus e na Á sia. França et al. (2012) des- ainda, antecipar doenças como hiperten-
tacam que a chamada dieta ocidental do são, hipercolesterolemia, diabetes, cân-
brasileiro, caracterizada por alimentos com cer, entre outros.
alto teor de gordura saturada, principal- Entender os fatores que interferem na
mente de origem animal, açúcares e alimen- alimentação do indivíduo, principalmente
tos refinados e bai o consumo de alimentos na infância, possibilita a formulação de ati-
fontes de carboidratos comple os e fibras, vidades educativas, que podem contribuir
comprovadamente aumenta o risco de de- nas mudanças do padrão alimentar das
senvolvimento de Doenças Crônicas Não crianças (AGUIAR et al., 2011; LLOYD-
Transmissíveis (DCNT). Como exemplos WILLIAMS et al., 2011; SHARMA et al.,
dessas doenças, podemos citar diabetes, hi- 2013; VALLE; EUCLYDES, 2007).
pertensão, obesidade e cardiopatias, além
do fato de que esse tipo de alimentação di-
minui a qualidade de vida da população.
Hipercolesterolemia é uma doença
A seguir, veremos que esses hábitos
caracterizada pelo aumento da concentra-
alimentares são formados ainda durante a ção de colesterol na corrente sanguínea.
infância, o que se torna um fator determi-
nante para o desenvolvimento de algumas
doenças na vida adulta.
Valle e Euclydes (2007) ainda desta- Ocorreram, nos últimos anos, mudan-
cam que, entre os fatores fisiol gicos envol- ças no padrão alimentar dos adolescentes,
vidos na formação do hábito alimentar na que substituíram o tradicional feij ã o com
infância, está a preferência pelo sabor doce arroz por alimentos de baixo valor nutricio-
e salgado e a rejeição do azedo e amargo. nal e alta oferta calórica, como fast- foods e
Outro aspecto é a neofobia alimentar, o guloseimas. Segundo Salvatti et al. (2011),
que pode contribuir de maneira negativa à esse fato pode ser explicado pela constante
ingestão de novos alimentos por parte da busca de independência do adolescente, o
criança. Por outro lado, na adolescência, há que pode representar rompimento com os
diminuição na preferência pelo sabor doce e hábitos alimentares familiares. Outro fator
consumo de aç car, devido modificação que pode interferir na escolha alimentar do
proporcionada pelo crescimento, pela matu- adolescente a influência de seu grupo de
ração e por fatores hormonais. convivência, devido à constante necessi-
dade de identificação com os membros.
Apesar da tendência do adolescente
Neofobia alimentar é a expres-
em preferir alimentos de baixo valor nutri-
são utilizada para o ato de rejeição cional, as grandes redes de fast- food vem
da introdução de novos alimentos na perdendo adeptos. Isto pode ser obser-
dieta (VALLE; EUCLYDES, 2007). vado pelas recentes quedas nas vendas em
todo o mundo. A chamada geração Y (jo-
vens nascidos depois de 1980 até o começo
© Syda Productions / / Shutterstock
Dentre esses alimentos, o Guia também traz a explicação das categorias de alimentos,
conforme está exposto no quadro a seguir:
Além dos aspectos nutricionais relacio- Segundo França et al. (2012), para se
nados à alimentação, deve haver um sistema adequarem ao ritmo acelerado do dia a dia,
alimentar socialmente e ambientalmente as escolhas alimentares passaram a condi-
sustentável, onde, por exemplo, haja consi- zer com este novo estilo de vida, adotando
deração no tamanho e uso das propriedades hábitos rápidos e práticos, porém, a maio-
rurais que produzem alimentos, na autono- ria dos alimentos incorporados não conta
mia dos agricultores na escolha das semen- com alta palatabilidade (agradável ao pala-
tes, no papel dos intermediários entre agri- dar) e tem baixo teor nutricional.
cultores e consumidores, entre outros. Os autores ainda salientam que o
pouco tempo para o preparo e consumo
3.3.2 Consumo de alimentos e estilo dos alimentos na contemporaneidade pode
justificar a preferência pelos fast food, que
de vida utilizam técnicas que permitem a conser-
É possível observar várias mudanças no vação dos alimentos. No entanto, uma par-
perfil alimentar das pessoas nas ltimas d - cela das pessoas ainda opta pelo consumo
cadas. ssas mudanças se refletem na altera- do tipo slow food, priorizando a escolha
ção da qualidade dos alimentos produzidos. dos alimentos e a qualidade das refeições.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 67
Verifica-se, com esta tabela, que os itens que são considerados parte de uma
alimentos mais consumidos não têm teor dieta saudável. Por exemplo, o consumo de
nutricional elevado, sendo compostos, em batata doce foi observado em mais que o
sua maioria, por alta densidade calórica, dobro na classe mais baixa quando compa-
açucares e gorduras. rado com a mais alta, sendo que a mesma
Por meio do estudo, o IBGE (2011) situação ocorreu com o milho e, ligeira-
também apontou que as classes mais bai- mente, com peixe fresco, peixe salgado e
xas consomem em maior quantidade vários carne salgada. No entanto, o consumo de
68 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
alimentos “negativos” foi maior na menor 2008-2009, também foi possível perceber
faixa de renda, por exemplo, doces, refrige- que o consumo da maioria dos itens teve
rantes, pizzas e salgados fritos e assados. média maior entre os homens, sendo que
Pode-se concluir que, apesar de ali- a cerveja obteve média cinco vezes maior
mentos saudáveis como o arroz e o feijão entre os homens do que entre as mulheres.
ainda estarem presentes na alimentação do Houve, ainda, relação entre a frequência de
brasileiro, o consumo de alimentos ultrapro- consumo e valores per capita para frutas,
cessados e, principalmente, fora do domi- salada crua, leite e derivados de acordo
cílio apresenta médias elevadas, demons- com a renda. Em outras palavras, quanto
trando um padrão alimentar não saudável. maior a renda, mais alto foi o consumo e
valor per capita. Já para a farinha de man-
dioca essa associação foi negativa.
3.3.4 Perfil quantitativo da alimentação
A tabela a seguir mostra dados divul-
A quantidade de alimentos consu-
gados em 2011 da Pesquisa de Orçamentos
mida por uma população pode refletir em
Familiares (POF) de 2008-2009 realizada
seu estado nutricional, sendo que tanto o
pelo IBGE sobre os alimentos que mais são
excesso quanto a falta de alimentos pode
consumidos em domicílio e suas quantida-
trazer danos à saúde. Por meio da POF
des, respectivamente. Acompanhe:
Alimentação em domicílio
Tipo de alimento G ramas por dia
Feijão 182,9 g/dia
Arroz 160,3 g/dia
Carne bovina 63,2 g/dia
Suco 145 g/dia
Refrigerante 94,7 g/dia
Café 215,1 g/dia
ricos em gordura e em açúcar refinado e Por exemplo, a pizza é um prato que conta
com baixo teor de carboidratos comple- com sua versão original, a italiana, e tam-
xos (GARCIA, 2003). De acordo com o Es- bém com versões brasileiras, norte-ameri-
tudo Multicêntrico sobre Consumo Ali- canas e outras, gerando versões adaptadas
mentar – EMCA (1997), realizado em cinco do prato original (GARCIA, 2003).
cidades brasileiras (Campinas, Curitiba, Neste capítulo, pudemos perceber
Goiânia, Ouro Preto e Rio de Janeiro), os como a alimentação está diretamente li-
principais alimentos que constaram como gada ao desenvolvimento saudável de to-
fonte de energia dos entrevistados foram, das as pessoas. No Brasil, os órgãos fede-
por exemplo, refrigerante, bolacha doce rais disponibilizam cartilhas e guias para
e salsicha. Com o Estudo, ainda foi possí- orientar a população a se alimentar de
vel concluir que o consumo de alimentos forma correta. Entretanto, pesquisas feitas
está diretamente relacionado com a renda, por institutos especializados têm eviden-
sendo que pessoas que possuem renda in- ciado que os costumes alimentares ainda
ferior consomem, comumente, arroz, óleo, não são satisfatórios e que estão ligados
açúcar, pão francês e leite e, nas rendas ao registro de diversas doenças. Vimos
mais altas, estes alimentos ocupam posi- que uma alimentação saudável deve iniciar
ções de menor importância. ainda nos primeiros anos de vida. Porém,
A globalização atinge, também, a apesar de orientações, esse padrão alimen-
gastronomia e a cozinha local dos países, tar é influenciado por diversos fatores, que
pois a culinária dos restaurantes estran- vão desde a cultura até campanhas publi-
geiros faz sua comida típica acrescentada citárias que incentivam o consumo de ali-
de elementos de outras cozinhas, sendo mentos não saudáveis.
que isto afeta não somente o sabor da re-
feição, mas também sua origem e cultura.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 73
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74 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Tabu Descrição
Comer manga à Este tabu é muito comum na região Nordeste do Brasil, e, segundo o mito, para
noite faz mal evitar o mal-estar deve-se dar três goles de água após ingerir a fruta.
Manga com leite faz Os senhores de engenho espalharam este boato a fim de evitar o furto de leite
mal (por ocasião das ordenhas) e manga (safra abundante) por parte dos escravos.
Principalmente no Nordeste brasileiro, o leite é cercado de vários tabus. Os prin-
cipais mitos alimentares provenientes do Nordeste têm origem folclórica por-
tuguesa (o leite é considerado um alimento completo para os europeus da Idade
Tomar cachaça com
Média, sendo, portanto, desnecessária sua mistura com qualquer outro alimento).
leite faz mal
No entanto, acredita-se que o mito de que tomar cachaça com leite faz mal seja
proveniente de um ditado espanhol: “la leche com el v ino tornase v enino” (em tra-
dução literal: “o leite com o vinho torna-se veneno).
Esse tabu pode ter sido originado pelos judeus que residiam na capital pernambu-
Carne de porco é
cana, em Recife, durante os séculos XVI e XVII, e, segundo o que é pregado pelo
ruim para o sangue
judaísmo, é proibido o consumo de carne suína aos judeus.
Durante o Império Romano até depois da Idade Média, acreditava-se que o sangue
Consumir abacaxi da menstruação era impuro e ninguém deveria ter contato com a mulher durante
durante a este período. A restrição da alimentação durante a menstruação incluiu variados
menstruação alimentos e, em Pernambuco, por exemplo, o abacaxi era restrito às mulheres du-
rante a menstruação.
Não há relação entre o consumo de doces e açúcar com as verminoses. O desen-
Consumir muito
volvimento de verminoses diz respeito às más condições de higiene de um povo,
açúcar ou
no entanto, é possível afirmar que no quadro de verminose, a glicose é utilizada na
doces pode dar
metabolização do glicogênio, que serve de reserva para sobrevivência e reprodu-
verminoses
ção dos vermes.
Fonte: Cascudo, 2004; Fragoso; Paiva, 2013; K aufman, 2010; Nadalini, 2009; Freyre, 2006. (Adaptado).
Além dos tabus descritos na tabela, outro bastante popular é o que envolve mulheres
em fase de amamentação. Por exemplo, o pensamento popular de que existe leite fraco,
de que todos os alimentos passam para o leite materno, ou que existam alimentos que são
capazes de diminuir a produção de leite e até mesmo de “secar” a mama, além de poderem
interferir negativamente na amamentação.
78 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Exemplo: grávidas não podem consumir Apesar de ditar as regras do que co-
cebola pois o gosto passa para o leite. mer, as religiões também instituem o ato
Agora que já vimos como os tabus são do não comer. Por exemplo, os muçulma-
classificados, partiremos para o próximo nos praticam o jejum durante o Ramadã, os
assunto, que relaciona religiosidade e ali- judeus no Y om K ippur (Dia do Perdão). Em-
mentação, como veremos a seguir. bora ainda há quem jejue no cristianismo,
esta prática era, realmente, rigorosa na
Idade Média, principalmente, em datas li-
4.2 Religiosidade e alimentação túrgicas, como a Semana Santa.
A relação entre alimentação e religião A seguir veremos como as práticas re-
se apresenta de maneira intensa para as ligiosas, os rituais e as crenças interferem
mais diversas religiões. Neste contexto, há no modo de alimentar-se dos indivíduos
algumas permissões, restrições e jejuns que praticantes de alguma religião.
são pautados na prática religiosa (RONDI-
, . religião influencia o modo
de agir, sentir e pensar da sociedade nos
4.2.1 Práticas religiosas e escolhas
mais diversos contextos históricos. alimentares
A identidade religiosa se torna, mui- Quando estudamos a alimentação logo
tas vezes, uma identidade alimentar. Ser nos deparamos com as fronteiras da religião.
judeu ou muçulmano implica, por exem- Comida e religião têm uma ligação bastante
plo, em não comer carne de porco; ser hin- antiga, e as diversas religiões se utilizam do
duísta é ser vegetariano; o cristianismo alimento como base de rituais e crenças.
representa a última ceia de Cristo consu- Entre as práticas mais comuns estão
mindo o pão e o vinho como corpo e san- as restriçõ es alimentares impostas por
gue divinos. As religiões de raízes africanas cultos religiosos, como o jejum. Sobre esse
também têm suas representações alimen- tema, Carneiro (2003, p. 119) afirma que:
tares, sendo que a alimentação representa
forte ligação entre homens e deuses por
meio de oferendas de alimentos.
80 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Os milagres de Cristo, entre outros, referem- Um dos costumes mais comuns dos
-se à multiplicação dos alimentos, seu pró- cristãos é o de não consumir carne verme-
prio corpo e sangue consubstanciados no lha durante a Quaresma (período de 40 dias
pão e no vinho da eucaristia repete o rito do
entre o fim do carnaval e o início da emana
sacrifício de uma forma sublimada. A santa
anta que finda na scoa , pois segundo a
ceia assume um papel central na representa-
ção de uma aliança da humanidade com a di- doutrina cristã, este um período de refle-
vindade fundada na comensalidade. As ão e purificação , .
refeições de Cristo na casa de Simão, nas bo- Outra religião que apresenta várias tra-
das de Caná e na mesa dos peregrinos de
dições relacionadas à comida é a hindu. Uma
Emaús são episódios em que a alimentação
vertente dessa crença, os Hare K rishna, tem
serve de parábola para a mensagem cristã.
sua alimentação baseada no vegetarianismo,
não consumindo alimentos de origem ani-
mal, baseando-se em princípios de que a
carne, tanto branca quanto vermelha, não
faz bem ao organismo. A religião prega ainda
o respeito espiritual, que acaba sendo trans-
mitido aos animais quando verificamos os
© Mariusz Szczygiel / / Shutterstock
No Cristianismo, o consumo de
pão e peixe também tem seu simbo-
lismo, pois, segundo a doutrina, es-
tes eram os principais alimentos dos
cristãos da época de Cristo. (FIORE;
FONSECA, 2014).
82 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
Ao contrário do hinduísmo, a religião judaico são marcados com o selo kosher (re-
muçulmana permite que seus seguidores presentado pela imagem a seguir) (NADA-
consumam produtos de origem animal, LINI, 2009; FIORE; FONSECA, 2014).
desde que sejam seguidas as regras cha-
madas Halal, para o abate e fabricação
destes produtos. Como proibição de con-
sumo nesta religião, há a carne de porco,
que é terminantemente proibida. Segundo
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88 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
francês, contava com uma comitiva de ser- suas dependências. O conceito de separar
viçais e amigos italianos, dentre eles cozi- doces e salgados também foi atribuído a
nheiros e cozinheiras que haviam traba- ela, da mesma forma que a introdução do
lhado para os Médici. Catarina morou na uso de outros talheres à mesa, como facas e
França por cinco décadas e se tornou uma colheres , .
das rainhas mais poderosas do país. Exis- A influência da Renascença e de Cata-
tem algumas controvérsias a respeito de rina de Médici na gastronomia foram con-
sua influência na gastronomia francesa por sideradas de extrema importância para
conta da carência de registros contemporâ- a maneira como a alimentação era enca-
neos , . rada. O surgimento da imprensa facilitou
Por outro lado, evidências compro- a transcrição e divulgação de informações
vam os feitos de Catarina, como a implan- gastronômicas, fazendo com que os trata-
tação de seus costumes e utensílios vindos dos culinários fossem registrados e leva-
da t lia. la ficou conhecida por promover dos a mais lugares. A difusão de informa-
banquetes magníficos. s florentinos que ções e as trocas culturais continuaram a se
vieram com Catarina auxiliaram na inserção consolidar, cada vez mais, fortaleceram o
de diversos produtos, como vegetais (alca- fechamento da Idade Média e a abertura
chofras, feijões, bróco- para uma nova idade histórica e gastronô-
lis, ervilhas e tomates, mica: a Idade Moderna.
visto que as grandes
navegações já haviam 5.1.2 Pós-Renascença: rupturas
iniciado), sorbets, sor-
vetes, compotas de da gastronomia medieval para a
frutas e tortas. Além
dos produtos, Cata-
modernidade
rina foi responsável A Renascença trouxe inúmeras
mudanças que impulsionaram a quebra dos
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de cozinha. saem dos castelos.
práticos.
onte , .
Aos poucos, a boa mesa tornou-se tempo, as disparidades entre a alta gastro-
acessível a outras classes sociais. Os burgue- nomia e a gastronomia burguesa se dissipa-
ses da época se inspiravam nos costumes ram , .
da nobreza, mas também deixaram suas Outros livros da época podem ser
marcas na gastronomia. A acessibilidade elencados, como o Le Cuisinier Royal et
é uma delas, com a disposição de livros de Bourgois (O cozinheiro real e burguês),
receitas. Cuisinière Bougouise, publicado em publicado em por assialot. om for-
, por enon pseud nimo de um autor mato de dicionário, ilustrava e explicava
de identidade desconhecida), foi um exem- verbetes específicos da gastronomia. Além
plo inspirado em livros mais antigos e nos disso, propunha um modelo para a gastro-
banquetes reais, mas com menus mais cur- nomia francesa e estruturava receitas.
tos e mais simples ao inv s de servirem
Também importante, o Le Cuisinier
pratos, serviam . ssim, com o passar do
Moderne (O cozinheiro moderno), de Vicent
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no século XVIII. A noção de se utilizar o
utensílio correto se formou. A alta gastro-
nomia pregava que cada técnica aplicada
para a preparação e cocção de um alimento
devia possuir um utensílio específico para Ao fim do século XVIII, o serviço e as
se trabalhar. O entusiasmo com as pane- formas de alimentação podiam ser dividi-
las de metal foi extremamente motivado dos em três segmentos:
e, com o ressurgimento da indústria de
cobre na Inglaterra, o custo de produção • restaurantes com o serviço à russa – pe-
diminuiu e a quantidade aumentou. Somou ças inteiras apresentadas primeiro e de-
a habilidade artesanal e a disposição de pois porcionadas e empratadas;
adequar o equipamento às exigências dos • serviço à francesa – pratos colocados no
chefs na cozinha, além de ser um material centro para que os convidados se servis-
de grande qualidade. sem em casas aristocráticas, muitas ve-
Um outro exemplo de incentivo ao zes, intercalados com o serviço à russa;
uso do metal foram as facas fabricadas • alimentação das pessoas mais humildes –
em aço carbono. A cutelaria se desenvol- basicamente não se alterou com o passar
veu também em uma série de produtos dos anos.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 103
É importante frisar que a Nouvelle terra com a entrada do arroz. Este chegou
Cuisine representou uma renovação nas por migrações, que passaram pelo território
bases da gastronomia francesa. Incentivou coreano, e, seguiram para o japonês.
estudos e experiências que permitiram um A gastronomia japonesa é conhecida
uso diferente de ingredientes e técnicas pelo uso de poucos insumos em sua cozi-
francesas, com a inspiração do frescor e nha, sendo compensada pelos inúmeros
pureza da gastronomia japonesa.
métodos de cocção. Tem como uma de
suas principais características o uso de ali-
5.3 Gastronomia japonesa e a mentos frescos e, caso precisem conservar
por mais tempo, preferem a desidratação
cozinha oriental ao congelamento. Dessa forma, dão prefe-
A gastronomia japonesa é uma das rência aos produtos de cada estação, pois
principais representantes da gastronomia acreditam que o congelamento compro-
asiática, mas conta com suas peculiaridades. mete a textura e o sabor final dos alimen-
Como nos outros países, há a presença do tos. Como o país possui baixo percentual
arroz, motivada pelas ex tensas plantaçõ es de seu território arável, os japoneses consi-
no continente. Porém, consegue se diferen- deram de bom tom nunca deixar alimentos
ciar ao valorizar o sabor natural e orgânico, no prato – os restos não comestíveis são
utilizando temperos de forma equilibrada e organizados antes de serem descartados
poucos alimentos processados. , .
Historicamente, o Japão absorveu
5.3.1 A cozinha japonesa e suas bases diversos aspectos de outras cozinhas,
principalmente da chinesa. A inserção do
conceituais budismo, uma das representativas heran-
O Japão possui a história de sua gas- ças chinesas, interferiu em diversos hábi-
tronomia fundamentada na inserção do tos alimentares, bem como em restrições,
arroz em sua cultura. É a base da alimenta- como o não consumo de carnes de boi,
ção e também é utilizado para fabricação de cavalos, cães, macacos e galinhas – lei
papel, saquê (vinho) e ração para animais. A imposta pelo imperador Temmu d. ,
civilização japonesa, anteriormente nôma- quem a desobedecesse era digno de pena
des vindos do norte da sia, fi ou-se na de morte.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 105
Pouco uso
de temperos
Peixes como e alimentos
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Vegetais e
Alto senso produtos
Por volta do século XVI, o Japão rece- estético derivados de
soja (shoyu,
beu diversos visitantes de outros países,
tofu e missô)
como os portugueses, que vieram com
produtos diferentes, inclusive da América.
Após um tempo e diversas tentativas de
onte , .
interferência europeia nos assuntos polí-
ticos e religiosos do país, os japoneses os Entre os principais ingredientes japo-
expulsaram. Iniciou-se um período de iso- neses estão os vegetais, as frutas, as car-
lamento que permitiu o desenvolvimento nes vermelhas (após o século IX d. C) e os
de costumes alimentares sem influências peixes, além da presença marcante da soja.
externas até meados do século XIX. Ao Esta é considerada um produto de impor-
voltar para o contato com o mundo exte- tância no Japão por conta de seus deriva-
rior e com o passar do tempo, o Japão assi- dos, como o shoyu (molho de soja), o tofu
milou os costumes do Ocidente em todas (leite de soja coagulado/queijo) e o missô
as áreas, inclusive gastronomia, ciência e (pasta fermentada).
106 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
r pido e simples , .
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 111
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Capítulo 6
Gastronomia e a literatura gastronômica
Os primeiros manuais de boas manei- com três dedos. Entre os preceitos encon-
ras datam da época da Renascença. Com a trados também haviam: não usar a faca de
modificação da forma de se alimentar e da forma indevida e lavar as mãos antes de
ideia de se acrescentar classe e compostura jantar. Essa passagem foi um sinal de mu-
à mesa no período de transição entre o exa- dança de comportamento de uma socie-
gero e ostentação da Idade Média para o re- dade glutona (de excessos) para uma mais
quinte do Renascimento e Idade Moderna, polida e comedida, ainda que não tivesse
as boas maneiras ganharam distinção. Esses ocorrido de forma abrupta (ELIAS, 2011).
manuais ou cartilhas continham regras de Os manuais de boas práticas torna-
comportamento à mesa, orientavam quanto ram-se cada vez mais comuns, principal-
à quantidade e à qualidade das preparações mente após o Renascimento e a invenção
e beleza dos utensílios. da imprensa, o que ampliou seu acesso ao
Com a invenção da imprensa na Itália, público. As regras de comportamento pas-
a impressão desses manuais foi expandida. saram a ser institucionalizadas dentro da
Bartolomeo Sacchi, em 1474, publicou a gastronomia e, desse modo, aumentou o
obra Da honesta volúpia e do bem-estar. O nível de refinamento. Assim, o processo ci-
livro apresentou os prazeres da mesa, pro- vilizatório à mesa se desenvolveu, e resul-
priedades nutritivas importantes e, sem tou na padronização de comportamentos
contrariar as regras morais e estéticas da básicos no compartilhamento da refeição,
época, enfatizou a importância da eti- considerado os primeiros passos para o de-
queta. Nele, realçou-se o bom tom e a so- senvolvimento da comensalidade.
briedade à mesa (FREIXA; CHAVES, 2014).
O holandês Erasmo de Roterdam pu- 6.1.3 Shou-plate e sousplat:
blicou códigos de boas maneiras diferen-
ciando hábitos rudes dos refinados, com
O processo civilizatório à mesa
sua obra Civilidade Pueril (De civilitate mo- A atitude do homem perante o ato da
rum puerilium, em latim), publicada em alimentação distingue-se dos animais por
1530. Esta é marcada pela transição entre dois fatores: a existência do conceito de
os costumes medievais para a Renascença. cozinha (que engloba técnicas dietéticas
Roterdam relata, por exemplo, que a carne e prescrições religiosas dentro de um con-
ainda era comida com a mão, mas apenas texto cultural) e a comensalidade – função
120 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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comensalidade e tra domiciliar.
assim, enfatiza o comum a todos os seres
humanos (MOURTHÉ , 2014). Fonte: FLANDRIN, MONTANARI, 1998.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 121
volta do século IV a.C, na Grécia. Sua obra, Romano pelos bárbaros e a instauração do
Deipnosophistai, foi escrita por volta do ano sistema feudal, a sociedade se modificou: o
200 d.C. e reuniu observações de maneiras índice de analfabetismo era alto. Logo, os
e costumes antigos. A maior parte era de- monges copistas foram responsáveis pela
dicada aos insumos de alimentos e bebidas, conservação e propagação do conheci-
bem como à arte de se comportar à mesa. mento para gerações posteriores.
Para se ter uma noção da amplitude, cons- Apenas no século XIV surgiu o primeiro
tavam nela 72 tipos de pão (FRANCO, 2010). e mais importante livro de gastronomia da
Em Roma, o livro De agricultura de Ca- Idade Média: Le Viander. Na época, a im-
tão, escrito cerca de 160 a.C. foi uma das prensa não havia sido inventada. Portanto,
principais fontes de informação gastronômi- o livro possuiu diversas versões manuscri-
cas da Antiguidade Clássica. Constavam os tas. Consistia em um compêndio de 144 re-
registros da evolução da alimentação, e das ceitas e pratos temperados com diversas
modificações que sofreu desde a conquista ervas aromáticas. Uma das principais carac-
da Grécia, a absorção de alguns costumes e terísticas é que as receitas não forneciam
a abolição de outros – como o simpósio. quantidades de ingredientes, tempo de co-
Outra obra importante do período foi zimento ou medidas. Portanto, servia mais
o compêndio De re coquinaria, com mais de para cozinheiros experientes.
400 receitas. Sua autoria é incerta, embora Sobre o legado dos cozinheiros da Anti-
seja atribuída a Apicius, conselheiro do im- guidade e da Idade Média, é importante fri-
perador Nero. Apicius costumava empregar sar que eles forneceram suas contribuições
vários cozinheiros e oferecia recepções ca- para a gastronomia de forma bastante ex-
ras. A coletânea dispunha de diversas maté- perimental, com registros pouco objetivos e,
rias-primas, efeitos medicinais dos alimen- muitas vezes, difíceis de entender. Em con-
tos, emprego de especiarias e ervas aromá- trapartida, foram os pioneiros nas primeiras
ticas e indicações de molhos com a presença experiências gastronômicas, descreveram
de vinho (FLANDRIN; MONTANARI, 1998). princípios de combinações de ingredientes
Esses registros foram importantes e procedimentos culinários que serviram de
e, conservados, serviram de base para a inspiração para os chefs dos séculos XVII e
consolidação da alimentação das próxi- XVIII, que começaram a lidar com a gastro-
mas civilizações. Com a queda do Império nomia de forma mais profissional.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 125
tendências após a Revolução Francesa. Com o Grande dicionário de culinária, que unia re-
a importância dada aos livros de culinária, a ceitas e literatura, com histórias a respeito
literatura que seria desenvolvida do século de ingredientes utilizados na gastronomia
em diante ficaria cada vez mais popular. (FLANDRIN; MONTANARI, 1998).
Marc-Antoine Carême, com fama já
6.2.3 A literatura gastronômica do estabelecida, também deixou seu legado.
Registrou cinco livros, entre eles A arte da
século XIX aos dias atuais cozinha no século XIX, com três volumes
A partir do século XIX, diversas obras publicados em 1817. Considerado o cozi-
de chefs foram publicadas e são utilizadas nheiro dos reis, o chef tinha hábito de es-
até hoje como referência aos seus traba- crever sempre que pudesse, e as viagens
lhos em gastronomia. Podemos citar Gri- costumavam inspirá-lo. Outras obras de
mod de La Reyniè re, pioneiro na crítica Carême são O confeiteiro real e o O confei-
gastronômica, com o Almanaque dos gour- teiro pitoresco, uma amostra de sua afeição
mands, que funcionava como um manual por doces (GRANDIAL-CLEMÉ NT; BUL-
com instruções (FREIXAS; CHAVES, 2014). MAN, 2014). Auguste Escoffier, o gene-
Em 1825, Brillat Savarin conquistou ral da cozinha, também ganhou fama na
fama ao publicar Fisiologia do gosto. Com- época. Em 1912, lançou o Guia Culinário,
posto por refle ões acerca da alimentação que apresentou inovações gastronômicas.
em seus aspectos filos ficos e científicos, Este é considerado uma síntese da gastro-
abordava o apetite, as especialidades gastro- nomia ocidental, com aproximadamente
nômicas, a sede e as bebidas, entre outros. O 5.000 receitas da cozinha clássica, com
próprio Savarin foi inspiração para a obra, a descrições de princípios em cerca de 950
partir de sua experiência: frequentava bons páginas (FREIXAS; CHAVES, 2014).
restaurantes, costumava ser anfitrião de an- Os chefs que surgiram no século XIX
tares memoráveis e, com isso, trazia como deixaram sua marca na literatura e na gas-
refle ão que o bem estar, o conforto e a boa tronomia, com suas contribuições. Carême
companhia eram tão importantes quanto e sco er são, at ho e, um dos e emplos
à qualidade do que se era servido (GRAN- mais importantes da gastronomia fran-
D-CLEMÉ NT; BULMAN, 2014). Mais tarde, cesa e mundial. Seus livros, com suas ins-
em 1870, o escritor Alexandre Dumas lançou truções e observações, foram e ainda são
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 127
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oferecia conselhos médicos e domésticos
avulsos. Em todo o almanaque, a mesa in-
terpretativa oferecia um diagrama o qual
permitia que o leitor conhecesse o mundo
inteiro (SPANG, 2004).
128 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
para enfatizar o sabor natural dos alimen- Em 1665, Vatel serviu ao príncipe de
tos, e não para disfarçá-los. Além disso, Condé, no castelo de Chantilly. Possuía di-
trazia as receitas em linguagem de fácil versas funções, como a controladoria ge-
acesso, com instruções sobre a maneira ral. Mais tarde, foi intendente das proprie-
adequada de cozinhar legumes, dicas entre dades e dos negócios do príncipe. Além de
as quais a adição de trufas e cogumelos nas ser responsável pela organização e gestão
carnes e recomendava servir os assados em das refeições e das festas, era o encarre-
seu próprio suco para conservar o sabor gado de lidar diretamente com os fornece-
(BRAUNE; FRANCO, 2017). dores. Possuía bastante senso de organiza-
Apesar de não ter escrito obras, F ritz ção, autoridade, gestão e estética (GRAN-
K arl V atel também foi uma personalidade D-CLEMÉ NT; BULMAN, 2014).
marcante da mesma época de La Varenne. sses profissionais deram suas grandes
Não era cozinheiro, mas era considerado contribuições para a gastronomia até os dias
maître d’hotel. Era responsável por organizar de ho e. om ou sem livros, foram influências
os banquetes, com diversos empregados a para o funcionamento da arte da preparação
seus cuidados, cuidava desde a despensa a de pratos e organização de eventos, experi-
mesa e até mesmo monitorava a manuten- mentaram novas receitas e auxiliaram no de-
ção de jardins. Proporcionava festas memo- senvolvimento gastronômico da época (até o
ráveis e luxuosas (FREIXAS; CHAVES, 2014). fim do s culo . or m, dentre essas per-
sonalidades, devemos destacar duas que re-
volucionaram a gastronomia francesa e mun-
Vatel era extremamente talen-
dial ntoine arême e uguste sco er.
toso, organizado e ambicioso. Certa
vez, foi responsável por organizar um
banquete para o rei Luís XIV, que du-
6.3.3 Antoine Carême e Auguste
raria três dias e três noites, para cerca Escoffier: os grandes nomes
de 2 mil convidados. Ao checar que a
grande encomenda de peixes que ele Marc-Antoine Carême, nascido em
havia solicitado estava incompleta, 1783, é um dos nomes mais conhecidos da
suicidou-se com um punhal no dia 24 gastronomia e era considerado um chef
de abril de 1671 (GRAND-CLEMÉ NT;
minucioso e criativo. Costumava registrar
BULMAN, 2014).
suas criações para que não se perdessem.
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 131
Adaptou-se às modernidades de sua época criada por Carême, foi material de partida
e agradou paladares variados. Uniu sua pai- para Escoffier lançar uma visão repaginada
xão por arquitetura e gastronomia, expres- da gastronomia do século XIX. Com o ob-
sas em suas obras (K ELLY, 2005). jetivo de simplificar e requintar a cozinha,
Uma das principais marcas deixadas Escoffier aprimorou o profissionalismo dos
por Carême foi a reunião dos molhos de que trabalham com cozinha (GRAND-CLE-
base: bechamel, velouté (manteiga, farinha MÉ NT; BULMAN, 2014).
e caldo de vitela), alemão (manteiga, trigo,
ovo, vinagre de vinho) e espanhol (man-
teiga, trigo, caldo de carne, purê de to-
mate). A partir destes, outros poderiam ser
produzidos. Uma característica observada
em sua gastronomia era o esmero na pro-
dução e apresentação dos pratos, traços in-
fluenciados por seu gosto pela confeitaria.
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(FREIXAS; CHAVES, 2014; VINES, 2013).
Por sua vez, Auguste Escoffier, nas-
cido em 1846, foi conhecido como o maior
chef de todos os tempos, tendo contato
com a cozinha desde cedo. A grande cuisine
Para possuir um mercado consumidor dos bens de consumo, após a Revolução Indus-
trial, era necessário que as pessoas tivessem tempo para gastar seus salários. Enquanto não
houvesse uma separação, ou uma divisão justa entre o tempo passado em casa para des-
canso e o de trabalho, o desejo de um período para lazer não se manifestaria. Assim, o lazer
foi considerado uma necessidade para repor as forças, e, com o passar do tempo, também
seria visto como um bem de consumo, pois equipamentos e atividades específicas foram
desenvolvidos para este fim, a exemplo do turismo (BARRETO, 2003).
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Industrial Turismo Gastronomia
Trabalho
O tempo livre para o lazer foi uma conquista alcançada próximo ao século XX. O ato de
repousar foi substituído por outras atividades que não tivessem relação com o trabalho ou as
atividades domésticas. Entre os fatores que contribuíram para essa mudança estão a redução
do horário de trabalho, o aumento da escolaridade obrigatória, o crescimento do período pós-
-aposentadoria, o desenvolvimento de tecnologia, a qualidade de vida, o aumento na renda
familiar e a entrada da mulher no mercado de trabalho (SANTOS; GAMA, 2008).
Com a implantação de leis trabalhistas, os trabalhadores tiveram mais tempo livre para
viver momentos de lazer. A partir dessa necessidade, o turismo encontrou uma oportunidade
de desenvolvimento, juntamente com incentivo a viagens (principalmente de carro) para co-
nhecer outros lugares e a consequente abertura de hotéis para atender essa demanda. Dessa
forma, a gastronomia, que acompanhou esse desenvolvimento de incentivo ao turismo, en-
controu novas chances de evolução e expansão.
136 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
hutterstoc .
Com o surgimento do turismo no
fim do século XIX e da indústria hoteleira,
fiz es
houve a valorização regional da cozinha.
A alta gastronomia buscou inspiração nas
cozinhas populares, burguesas e em alber- É importante frisar que o impulso tu-
gues de família (BRAUNE; FRANCO, 2017). rístico a uma determinada região se volta a
necessidades consideradas primárias, entre
Atualmente, o turismo é uma indús-
elas a alimentação e a hospedagem, que
tria forte por todo o mundo, com participa-
representam a identidade cultural do local.
ção no crescimento econômico, balança de
Esses elementos configuram o patrimônio
pagamentos e geração de empregos. Atre-
turístico. Por conseguinte, o turismo gas-
lada a essa atividade, temos a gastrono-
tronômico pode ser considerado uma ver-
mia: a alimentação sempre estará na prá-
tente a qual motiva os visitantes a experi-
tica turística, mesmo de forma secundária,
mentarem as práticas e costumes ligados à
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 137
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mundo entre União
fomentando a integração na Europa, implantação do avanços na tecnologia
Soviética e EUA, capitalis-
entre nações diferentes e capitalismo e avanços nos e informática, como a
mo x socialismo, corrida
quebrando o isolamento sistemas de transporte e internet, acelerando a
bélica e espacial.
de sociedades. comunicação. velocidade de transmissão
das informações.
o quadro a seguir, e emplificamos algumas das muitas consequências geradas pela glo-
balização, nas mais diversas áreas, como tecnologia e população.
Produtos e Novos produtos e serviços surgem todos os dias para os consumidores ávidos.
serviços A produção desses bens pode ter consequências preocupantes ao meio
ambiente. A dúvida é até que ponto causarão essas destruições e o quanto irão
impactar as gerações futuras
Países Em geral, possuem territórios e certos recursos naturais. Com populaçao grande
pobres e tecnologia escassa, a presença de certos produtos globais pode comprometer
a economia local fragilizada.
Economia Os países com mais força na globalização, com as maiores empresas e tecnolo-
gia, são os que comandam as operações. Apesar dos benefícios, a globalização
pode resultar em concentração de poder e dinheiro, o que acirra desigualdades e
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conflitos.
Globalização da
alimentação
Redução de Aumento do
variedades de consumo de alimentos
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vegetais e animais processados
mais eficientes as grandes ind strias que como benefício a variedade de produtos.
conseguem uma alta produtividade em (PRADO et al, 2016).
pouco tempo), que agem por meio da pro- Os benefícios gerados pela globa-
dução em larga escala e oferecem preços lização podem ser pontuados, como por
mais competitivos no mercado. Essa moder- exemplo, auxiliar a redução da pobreza e
nização pode ter como resultado a margina- fome na Á sia. Mas esse processo possibi-
lização de comerciantes e produtores em lita o aumento do controle dessas empre-
pequena escala, considerados ineficientes e, sas agrícolas sobre os mercados mundiais
muitas vezes, incapazes de competir com os e, com cada vez mais recursos tecnológi-
grandes produtores (MARAFON, SEABRA, cos empregados, produzem consequências
SILVA, 2012). de diversas tipologias, como os ecológi-
No entanto, devemos levar em conta cos (uso de adubos e agrotóxicos, desma-
que a produção industrial também tem tamento), além de alimentos produzidos
seus aspectos positivos, como disponibili- com maior produtividade a um custo mais
zar o alimento a um custo mais baixo que baixo causando prejuízo a economias locais
a artesanal aos consumidores. A tecnologia (pequeno agricultor) pelo comércio mais
de produção e organização também trouxe barato das grandes indústrias.
de ser puramente biológica para ser um mesmo que de forma indireta, uma necessi-
dos principais fatores que moldam a orga- dade individual), consumo individual em si,
nização da sociedade: a partilha de alimen- novo ritmo de trabalho (cada vez mais ace-
tos dentro de casa – necessidade primitiva lerado, com necessidade de produtividade
de segurança do homem. O ritual de sen- cada vez maior) e maior diversidade de pro-
tar-se à mesa tomou-se necessidade social dutos (CANESQUI; GARCIA, 2005).
(MOREIRA, 2010). A globalização impôs um estilo de
Com a evolução da sociedade, a comen- vida com novas expectativas de consumo,
salidade sofreu transformações. Houve inclusive nas orientações para as escolhas
mudança no processo de trabalho, principal- de alimentos. Na virada do milênio, o indi-
mente durante a Revolução Industrial. Entre víduo se sobrepôs à sociedade. Nesse
as consequências estão a especialização das cenário, as características joviais se sobres-
funções no preparo de alimentos e a meca- saem, com valorização de marcas mun-
nização das práticas. Uma das maiores con- diais. O j eans, o rock and roll, a Coca-Cola e
sequências foi a migração do campo para a o hambúrguer são os símbolos marcantes
cidade. Assim, surgiram novas necessida- dessa transição. Os jovens e adolescentes
des: aquisição (poder de escolha na compra, ganharam autonomia de escolha e as
consumismo de forma coletiva (incentivado indústrias visualizaram oportunidades
por grupos que podem interferir influenciar, nesse público-alvo.
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156 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
vida. Apesar disso, observamos de forma as pessoas comem fora de casa, de forma
mais intensa as mudanças do consumi- rápida e possuir dietas ricas em gordura e
dor atual, que adotou a refeição rápida, o açúcar (JUNIOR; PINTO; LEDA, 2016).
ato de comer em pé ou enquanto realiza
alguma outra atividade.
Com essa motivação, a demanda de
produtos alimentícios que atendam às
necessidades de uma nova rotina aumenta
a cada dia, o que é influenciada por diver-
sos fatores, entre eles a taxa de cresci-
mento e o nível de escolaridade da popula-
ção, a estrutura e o tamanho das famílias,
a distribuição de renda e os aspectos étni-
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cos, religiosos e políticos. Devemos ressal-
var as questões geopolíticas relacionadas
à alimentação, as quais vislumbram tem-
pos de crise, com o aumento da escassez
A inserção cada vez mais acentuada
de água e terras para plantação de muitos
da mulher no mercado de trabalho, tam-
países, assim, os alimentos passam a valer
bém contribuiu para a renovação no per-
cada vez mais.
fil de consumo da comida, o que também
Frente a esses fatores que interferem motivou a produção de alimentos pré-pre-
na produção de alimentos, o novo consumi- parados como suporte a uma nova reali-
dor est su eito a mudanças em seu perfil dade. Essa inserção foi um dos principais
e vê-se diante de um mercado que foca no acontecimentos que modificaram a estru-
consumo alimentar de um conjunto redu- tura tradicional da presença feminina de
zido de alimentos industrializados, que se forma exclusiva nos lares. A inserção da
convertem em diversos itens de consumo mulher no mercado de trabalho veio de
relacionados a uma dieta inadequada. A ideais originadas no contexto da Revolução
sociedade atualmente é alertada sobre os Francesa e do Iluminismo, com a conscien-
riscos à saúde originados por essas altera- tização de que a mulher deveria possuir
ções de padrões alimentares: cada dia mais direitos semelhantes aos dos homens.
160 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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Capítulo 8
Gastronomia e saúde
Vivemos em uma sociedade a qual di- Essas escolhas atuais geraram novos
versas ofertas, dietas e comportamentos padrões alimentares, novos hábitos e costu-
são veiculados todos os dias para o con- mes que aos poucos incorporaram novas for-
sumidor. A indústria dos alimentos utiliza mas de consumo alimentar, motivadas pela
diversos canais para difundir essas men- globalização e modernização da alimenta-
sagens (rádio, TV, internet, jornais e revis- ção. Com essas alterações, observamos es-
tas). Assim, a publicidade alimentar, com o tabelecimentos com movimentos gastronô-
papel de promover a compra e consumo de micos inovadores surgirem para atender às
alimentos, influencia diretamente a cultura necessidades dos novos comensais.
170 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
onte T T , ,p - . daptado .
HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 171
Assim, podemos observar que o fast- produtos rápidos. É importante frisar que
-food não se resume a apenas uma lancho- a imagem do fast- food está cada vez mais
nete, ou a marca McDonald’ s. No caso dos atrelada ao estilo de vida pós-industrial e
serviços, a velocidade em que as prepa- globalizado, adequada ao novo comporta-
rações são realizadas é compatível com o mento alimentar do mundo contemporâneo
ritmo de vida das pessoas nas grandes cida- (FREITAS; FONTES; OLIVEIRA, 2008).
des. É justamente por suas facilidades que o
sucesso dos fast- foods é garantido. Poten-
cializado pela globalização, está presente
em todo o mundo (LEAL, 2010).
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O slow food tem como objetivo unir o
prazer da boa alimentação com a conscienti-
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ao consumo intenso desse tipo de alimen- Efeitos positivos foram atribuídos a esse
tação. Embora a publicidade trabalhe a tipo de consumo, pois eram ressaltadas as
favor do consumo dessa modalidade, pa- influências positivas na fisiologia gastroin-
trocinada pelas grandes indústrias agríco- testinal, na imunidade, na prevenção de
las e alimentícias, uma outra abordagem doenças cardiovasculares e outras crônicas,
vem sendo construída. O risco à saúde como diabetes e obesidade (FREITAS; FON-
está cada vez mais presente e divulgado. TES; OLIVEIRA, 2008).
Um novo perfil de consumidor, mais cons- Outra medida referente ao consumo
ciente, se delineia para uma realidade de de fast- food consiste na necessidade de
reflexão sobre o que se consome. se controlar a publicidade voltada a esse
tipo de produto. Isso porque um dos fato-
res que estão relacionados ao aumento da
obesidade, por exemplo, é a exposição de
alimentos ultraprocessados em propagan-
das, o que interfere no processo de escolha
dos produtos pelos indivíduos. Logo, é pre-
ciso que haja regulamentações a serem ins-
tauradas, com ações específicas para con-
trolar a publicidade de alimentos.
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Industrial.
e causam bem estar .
A maior parte das refeições, antes A demanda atual é gerada pelo modo
feita em casa, passou a ser realizada fora de vida contemporâneo, em que o comen-
dos domicílios. Desde o século XVIII, os sal necessita readequar o ritmo de vida,
restaurantes constituem espaços privile- incluindo em quais locais se alimentará, o
giados, em que podemos observar as mu- tempo que gastará e os recursos financei-
danças na forma de comer. Com o passar ros que estarão disponíveis. O surgimento
do tempo, modificações no padrão de con- dessas necessidades gerou mudanças dos
sumo alimentar ocorreram, em todos os padrões de consumo alimentar. Assim, in-
níveis da sociedade, influenciadas por cada fluenciadas pelo poder aquisitivo de com-
período histórico, variáveis biológicas, en- pra e pela mídia, delineou-se um novo per-
tre outros aspectos (FONSECA et al., 2011). fil de consumidor: o que prefere consumir
A partir dessas variáveis, que interfe- alimentos práticos e rápidos, atraídos pelos
riram nos padrões de consumo alimentar, novos lançamentos e variedades de produ-
podemos explanar as mudanças experi- tos alimentícios.
mentadas na contemporaneidade. O ritmo A industrialização exerceu papel signi-
acelerado passou a ditar novas regras ali- ficativo nessas mudanças, com produções
mentares, de modo que a sociedade sentiu em larga escala, sendo distribuídas a todos
a necessidade de se adaptar. os lugares e potencializadas pelas propa-
gandas. Dessa forma, o comensal urbano
8.2.1 A mudança nos padrões de se vê cercado por diversas opções, gera-
das por: novas técnicas de conservação de
consumo alimentar alimentos; preparo fácil e rápido; imensa
Atualmente, modalidades de con- variedade de itens alimentares; crescente
sumo envolvendo cadeias de produção oferta de alimentos que podem ser con-
complexas, montadas por grandes empre- sumidos durante deslocamentos (a pé e
sas agrícolas, redes de supermercados e transportes); extenso número de delive-
comida fast- food existem em muitos paí- ries; diversidade de estabelecimentos de
ses. A tecnologia implantada à produção e alimentação, como lanchonetes, padarias e
aos serviços de alimentação serve de su- vendedores ambulantes , .
porte a essa nova realidade.
178 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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Com a imposição do novo ritmo de
vida acelerado, principalmente nos grandes
centros urbanos, os indivíduos passam mui-
tas horas do dia ocupados com uma rotina
exaustiva, que envolve trabalho, desloca-
mento no trânsito, entre outras responsa- Outro aspecto contemporâneo é a re-
bilidades. Além disso, observamos o cons- dução da sociabilidade relacionada à
tante apelo às novidades sempre à espreita, alimentação. É comum o ato de comer
em todas as áreas, incluindo a alimentação. sozinho em casa ou no trabalho, visto que
Historicamente, se reservava um o ritmo atual estabelece horários diferen-
tempo para exercer a atividade de cozinhar ciados para diversos membros de uma
e apreciar uma boa refeição, de forma indi- mesma família ou grupo de amigos. Dessa
vidual ou em grupo, exercendo a comensa- forma, cada indivíduo prepara suas porções
lidade. Atualmente, percebemos que essa individualmente, afastando, assim, a socia-
atividade foi, em grande parte, transferida bilização gerada pelo ato de compartilhar
aos estabelecimentos de serviços, como as refeições (FISCHLER, 2011).
lanchonetes, restaurantes e food park s. Se Embora a contemporaneidade seja
a alimentação ainda é realizada em casa, as marcada pela mudança dos padrões ali-
chances de consumo de alimentos prontos e mentares, com uma valorização maior para
congelados também são altas. a produção de alimentos em massa e o
180 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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HISTÓRIA DA GASTRONOMIA 183
se atentam mais para as questões parti- de forma ética sobre suas escolhas em to-
culares que geram facilidades ao seu coti- das as etapas da cadeia de abastecimento
diano, como a praticidade; do que para as dos alimentos, desde a produção até a dis-
mais abrangentes, como os problemas am- tribuição (COSTA; PITTIA, 2018).
bientais T , . Em resumo, as questões éticas fazem
Outro problema que temos é a fome, parte de análises realizadas pelos consu-
que ainda mata por falta de acesso à ali- midores quando tomam suas decisões ali-
mentação básica (SINGER; MANSON, mentares. A falta de conscientização de
2007). Milhões de pessoas no mundo estão nossas escolhas pode impactar a sociedade
em grave estado de desnutrição, enquanto e o meio ambiente. Por isso, vale indagar-
outras dedicam tempo e esforço para per- mos a produção alimentícia, bem como a
der peso por dietas. Porém, além desse forma de selecionamos o que colocamos
paradoxo, podemos citar diversos outros em nossos pratos.
questionamentos éticos envolvendo a ali- Ao abordarmos a relação que a gas-
mentação. tronomia possui com a saúde de maneira
Dentre eles, temos os interesses vol- global, podemos concluir que esse elo vai
tados para os aspectos nutricionais: o pú- além de simplesmente medir o valor nutri-
blico consumidor passou a se preocupar cional dos alimentos. Inclui fatores, como
mais com aspectos éticos de produção dos as mudanças sofridas pela sociedade, a
alimentos, como comércio justo, bem-es- evolução do processo industrial e, conse-
tar animal, mudanças climáticas e susten- quentemente, o modo de produção ali-
tabilidade. Nessa perspectiva, as escolhas mentar. A oferta de produtos alimentícios
alimentares influenciam também os grupos modificou-se junto com a rotina da socie-
aos quais o indivíduo pertence, principal- dade ao longo do tempo. Isso gerou conse-
mente se tratando de profissionais da área quências, como a troca dos hábitos alimen-
de alimentos, que tem um maior respaldo. tares tradicionais por refeições mais indi-
Assim, estes devem estar embasados em vidualizadas, até questionamentos éticos
leis – assegurando a defesa da saúde do sobre as melhores escolhas para os alimen-
consumidor – e capacitados para refletirem tos que ingerimos.
184 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA
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