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Matemática para aprender a pensar

O PAPEL DAS CRENÇAS NA RESOLUÇÃO DE


PROBLEMAS
Antônio Vila | Maria Luz Callejo

Introdução

Uma professora pergunta o seguinte a todos os meninos e meninas de uma


turma da primeira série do ensino fundamental: “Se um menino tem 7 lápis e lhe
tiram 7, poderá escrever?”. Um menino de 6 anos responde: “Isso depende se
ele tem esferográfica ou pincel atômico”.

A professora não só não admite a resposta como correta, como também entende
que encerra uma certa rebeldia do aluno. Quatro anos mais tarde, quando
recordava a história a esse menino, ele a interrompeu dizendo: “Que problema
mais bobo; claro que ele não poderá escrever!”.

A realidade do dia-a-dia oferece-nos exemplos como esse, que são uma amostra
de que, às vezes, a escola não está favorecendo o desenvolvimento do
pensamento mas, antes, a aprendizagem de mecanismos e de respostas auto-
máticas sem sentido; mais ainda, fatos como o anterior mostram que a capa-
cidade de dar respostas inteligentes é truncada por causa da forma de intervir
do professor quando os alunos não dão a “resposta esperada”.
No entanto, “aprender a pensar” é um dos argumentos mais repetidos ao longo
da história para justificar a necessidade de aprender matemática, embora não o
único. Porque pensar é uma das atividades centrais da pessoa, mesmo que o
ser humano, além de pensar, também seja capaz de sentir, de crer, de amar, de
brincar, de contemplar, de atuar... E, ainda que pensar não seja patrimônio
exclusivo de nenhuma ciência, a matemática é uma matéria adequada para se
exercitar na arte de pensar e para tentar melhorá-la.

Podemos fazer dos processos de pensamento objeto de aprendizagem, por meio


do enfrentamento de situações-problema que podem ser abordadas com as
ferramentas que a matemática oferece. O método baseado na resolução de
problemas estimula os alunos a abordarem situações novas, a responderem a
questões para as quais não conhecem uma resposta mecânica, a elaborarem
estratégias de pensamento, a se fazerem perguntas, a aplicarem seus
conhecimentos e suas habilidades a outras situações

Neste livro, consideramos que um problema não é simplesmente uma tarefa


matemática, mas uma ferramenta para pensar matematicamente, uma meio para
criar um ambiente de aprendizagem que forme sujeitos autónoma Críticos e
propositivos, capazes de se perguntar pelos fatos, pelas interpretações e
explicações, de ter seu próprio critério estando, ao mesmo tempos, abertos aos
de outras pessoas.

Isso exige a criação, na sala de aula, de uma atmosfera que propicies confiança
de cada aluno em suas próprias capacidades de aprendizagem, que não quer
dizer que às vezes não se sintam frustrados, desanimados os fracassados, mas
que apesar disso mantenham uma fé arraigada em sua capacidade de resolver
problemas; um ambiente onde haja prazer com o desafios e com os problemas
e onde se avaliem os processos e os progressos dos alunos e não apenas as
respostas; onde os alunos saibam discernir o que é ou não importante, confiem
em seus próprios critérios e não temam estar enganados ou mudar de visão;
onde sejam capazes de examinar mais de um ponto de vista para abordar um
problema, formulem perguntas pertinentes sejam cuidadosos ao fazer
generalizações, revisem suas próprias crenças e não tenham medo de dizer “não
sei”.

Agora, tal ambiente de aprendizagem necessita de determinadas atitudes e


crenças do professor. Cria-se esse ambiente estimulando a curiosidade
intelectual, animando o trabalho em grupo, propiciando a argumentação,
partindo das perguntas e respostas dos alunos, cativando-os para atividades e
processos geradores de conhecimento, como definir, perguntar, observar

Classificar, particularizar, generalizar, conjecturar, demonstrar e aplicar. As


crenças que acabamos de expor sobre educação matemática levam nos a
formular várias perguntas que vão funcionar como fio condutor nos cinco
capítulos deste livro:

• Pensar em aulas de matemática?


• O que são crenças?
• Quais são as crenças dos alunos?
• Como podem ser diagnosticadas e avaliadas?
• Como podem ser modificadas?

A resposta imediata à primeira delas – Pensar em aulas de matemática?- é “Sim,


claro!”, mas os fatos expostos mostram que, ás vezes, os alunos experimentam
dificuldades e bloqueios diante de situações que não são excessivamente
complexas, cometendo erros surpreendentes.

Perguntamo-nos: Por que esses erros acontecem? Por que alguns alunos
especialmente capacitados dão respostas pobres, quando não ingênuos Levar
pet chutar bolas mergulhar-nos em um estado de perplexidade ou levar-nos a
“chutar bolas pra fora” se nossa visão da matemática e da educação matemática
não nos leva a perguntar: “Por acaso não basta saber matemática?”.

Por isso, consideramos de extrema importância reformular esta última pergunta


nos seguintes termos: Em que consiste realmente saber resolver problemas de
matemática? À sua indagação se dedica grande parte do capítulo 1,
apresentando o conjunto de fatores que incidem na resolução de problemas.
Nele se põe em relevo que o processo de resolver problemas tem um
componente de subjetividade, pois cada pessoa se aproxima de uma situação-
problema a partir de determinadas atitudes, crenças e sentimentos, sendo
influenciada pelo contexto concreto em que se apresenta (escolar, vida cotidiana,
trabalho, etc.); no caso dos problemas matemáticos, a verificação da solução e
da correção do procedimento ajusta-se aos critérios de rigor e de verdade
próprios dessa ciência.
Também é exposto que na resolução de um verdadeiro problema intervém o
saber, o saber fazer e o saber como fazer, donde se conclui a regulação cognitiva
e emocional; neste último sentido, se poderia falar de saber sentir. Essas formas
de saber não estão desligadas das atitudes e crenças do sujeito e da cultura
escolar.

Nos Capítulos 2 e 3, sem perder de vista que no processo de resolução de


problemas intervêm diversos elementos, nós nos centramos em um deles, as
crenças dos alunos. Estas atuam como um sistema regulador da estrutura de
conhecimento dos alunos e influem na forma como aprendem e utilizam a
matemática. As crenças dos alunos também são indicadores de aspectos que
não são diretamente observáveis, como sua visão da matemática ou suas
experiências anteriores com essa ciência. As perguntas que abordamos nesses
capítulos são as seguintes: O que são as crenças? Por que são importantes?
Quais são as crenças mais comuns entre os estudantes? Como se formam?
Qual é a relação entre as ações realizadas na abordagem de problemas não-
estereotipados e os sistemas de crenças dos estudantes? Quais são as crenças
adequadas para resolver problemas?

Como o conceito de crença é ambíguo, no Capítulo 2 tentamos penetrar em seu


significado examinando suas semelhanças e diferenças com outros conceitos,
como conhecimento e concepção, analisando seu conteúdo e seus
componentes e indagando como se formam e como se relacionam entre si No
Capítulo 3, são apresentadas e comentadas algumas das crenças mais

Habituais entre os alunos. Começamos com uma panorâmica das crenças de


estudantes de diferentes lugares do mundo, com distintas idades, capacidades
e experiências com a matemática. Depois nos aproximamos de uma escola
específica e olhamos um grupo da primeira série do ensino médio, e as histórias
de très estudantes, o que nos ajuda a conhecer seus sistemas de crenças e a
explicar como se formaram. O capítulo termina apontando seis crenças que
consideramos adequadas para resolver problemas e que nos servirão de ponto
de partida para apresentar as propostas de intervenção na

Aula dos dois capítulos seguintes. São elas:

• A resolução de problemas é um ato criativo.


• Todo mundo pode abordar a resolução de problemas
• Ao abordar um problema, é preciso adotar uma atitude aberta, dedic
tempo para se familiarizar e buscar várias estratégias.
• Quando se leva adiante o plano, segue-se um processo de busca, de
tentativa, guiado pela intuição.
• O processo de revisão é importante.
• Melhorar a capacidade de resolver problemas é um processo que exige
esforço e perseverança.

Porém, como a intervenção educativa tem a ver, embora não exclusivamente,


com a formação e a mudança das crenças, é importante conhecer como podem
ser detectadas e que experiências podem ser proporciona das aos alunos para
desestabilizar aquelas que não são desejáveis e que, is vezes, estão muito
arraigadas. Perguntamo-nos: Como diagnosticar e av liar os sistemas de crenças
dos alunos? Como criar ambientes e contextos de aprendizagem que os ajudem
a abordar as atividades matemáticas com um espírito aberto, flexível e crítico,
fazendo-se perguntas, desenvolvendo estratégias e processos próprios do
pensamento matemático? São as questões que buscamos responder nos
Capítulos 4 e 5. Argumentam-se as respostas com teoria e a partir da prática,
apresentando propostas de intervenção aplica das em aula.

No Capítulo 4, dedicado à avaliação, fizemos as conhecidas interrogações: Por


que avaliar as crenças? O que avaliar? Quem deve fazê-lo? Come? Quando?
Se entendemos que a resolução de problemas é o próprio coração da
matemática e que nela deveria centrar-se a formação dos alunos, a avaliação
das aprendizagens deveria obedecer a uma proposição global, não-
compartimentada, com metodologias e instrumentos de natureza diversa e em
ocasiões não-tradicionais.
Nesse capítulo, são oferecidos instrumentos de coleta, categorização, registro e
síntese de informação, assim como um procedimento operativo.

No Capítulo 5, expomos propostas de intervenção na sala de aula agrupadas em


três núcleos que vão desde intervenções mais pontuais, como a resolução de
"um problema", a outras mais globais: a resolução de problemas no currículo
como objeto e como instrumento de aprendizagem e o planejamento geral do
currículo.

A leitura dessas propostas por aqueles que, dia após dia, enfrentam desafio de
ensinar matemática a jovens e adolescentes pode provocar distintas reações,
sentimentos e perguntas, que passam obviamente pelo filtro de suas próprias
crenças sobre a matemática, seu ensino e sua aprendizagem Também pode
levá-los a confrontar suas práticas, constata da as vezes distância entre o que
gostariam de fazer e o que realmente podem fazer com alguns alunos reais em
uma aula real.

Se estas páginas derem a chance de uma reflexão sobre a própria prática de um


contraste entre as crenças que foram explicitadas aqui e as do leitor, elas
suscitarem desejos de melhora, se a experiência cotidiana estiver no intimo da
leitura, nós nos daremos por satisfeitos.

Contudo, gostaríamos que este livro não terminasse no Capítulo 5, que este não
fosse seu final, que tivesse muitos finais, tantos quantos professores de
matemática (interessados em promover em seus alunos a capacidade de pensar,
de se fazer perguntas, de enfrentar a resolução de problemas, de enfrentar,
crítica e criativamente, os desafios que a sociedade apresenta) o tenham lido.
Para “escrever” os seguintes capítulos, damos algumas pistas sobre o “texto” e
o “contexto”.

• As primeiras pistas são as seguintes:


• A ação educativa cotidiana é o lugar privilegiado de aprendizagem e
desenvolvimento profissional.
• A formação permanente está estreitamente ligada à melhora da prá tica.
• Para modificar a prática, é necessário selecionar algum aspecto da mês-
ma que seja abrangível, bem como identificar e analisar tanto as crenças
subjacentes dos professores quanto as práticas cotidianas, sabendo que
nem sempre há coerência entre ambas.
• O processo anterior não deveria ficar em um diagnóstico inicial, mas
oferecer elementos-para-concretizar uma proposta de intervenção que
seja viável na sala de aula e na escola, concretizando-a. Sua realização
e sua avaliação tornarão possível fazer novas propostas de melhora que
se apoiarão sempre em práticas anteriores, em um processo continuo e a
longo prazo que institucionaliza a mudança e a melhora.

No Capitulo 5, damos mais pistas sobre alguns possíveis centros de atenção


para revisar e melhorar o ensino/aprendizagem da matemática.

O processo de reflexão sobre a própria prática é o texto dos próximos Capítulos,


no contexto de cada aula, de cada escola, com alunos e professores que têm
rostos concretos.

São muitas as pessoas que tornaram possível a existência deste trabalho escrito.
Gostaríamos de mencionar isso, nestas páginas, junto com nosso mais sincero
agradecimento.
Agradecimentos especiais a José Carrillo e a Antoni Llaveria, os primeiros
leitores de nosso manuscrito, por sua minuciosa revisão e por suas valiosas
sugestões e contribuições. Naturalmente também a Claudi Alsina, pelas precisas
e amáveis palavras do prólogo.

Não podemos esquecer todos aqueles professores e professoras, amigos todos


eles, de cujas visitas, experiências e contribuições fomos usufruindo ao longo do
processo que supõe a redação destas páginas. Obrigado David, Pepe, Luís,
Jordi, Luïsa, Inés, Carmen, Mamen e tantos outros. Tampouco podemos
esquecer nossos alunos, os de hoje, os de ontem, os que ainda não
conhecemos... São os protagonistas autênticos do livro, os que põem em marcha
nossos humildes e sempre limitados motores de melhora, os que com se
crescimento pessoal e intelectual dão fé da grandeza de nossa profissão.

Muito especialmente, queremos registrar a permanente colaboração de nossas


famílias, que nos livraram de tarefas, de pequenos detalhes tão amiúde tristes...
Mercê, Xavi, Júlia, Ana, María, Carmen, Palma e Pablo. Obrigado pela
compreensão, sem vocês talvez este livro fosse um de tantos projetos
inacabados.

Dedicamos este livro ao pai de Antoni, falecido quando faltava um pouco para
que pudesse lê-lo. “Discreto sempre, nunca se queixou pelas muitas horas que
este trabalho lhe roubou. Pelo contrário, nosso dia-a-dia em sua felicidade. Ele
não poderá lê-lo, mas está nele”.

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