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A pergunta noARTIGO de ensino-aprendizagem

processoESPECIAL

A pergunta no processo de
ensino-aprendizagem
Edith Rubinstein

RESUMO – Este trabalho é uma reflexão sobre teoria e prática no uso


da pergunta como disparadora de situação de aprendizagem. A pergunta
é o elemento chave na dinâmica da Clínica Psicopedagógica e da sala
de aula. Embora cada sujeito construa seu questionamento a partir de
sua singularidade, a relação professor/aluno estará sempre norteando os
processos de aprendizagem. Aprender num contexto no qual a pergunta
circule faz toda a diferença. Para que processos de ensino e aprendizagem
fluam satisfatoriamente, faz-se necessário construir um estilo interrogatório
como mediador para: questionar, validar ou reestruturar processos e
estratégias. O artigo está dividido em três seções: A) Aspectos simbólicos da
pergunta; B) A pergunta no processo de ensino-aprendizagem; C) Exemplos
de aplicação do estilo interrogatório em sala de aula.

UNITERMOS: Processo. Ensino-Aprendizagem. Aprendizagem. Pergunta.


Estilo Interrogatório. Flexibilidade.

INTRODUÇÃO apreende e aprende questões relacionadas com


Pretendo nesta comunicação refletir sobre os o outro e sobre si mesmo. Partindo da ideia de
possíveis efeitos da utilização da pergunta numa que nascemos para aprender, a pergunta é me-
situação de aprendizagem, seja ela no contexto diadora, na medida em que ela responde aos
escolar ou clínico. A pergunta será analisada anseios e desafios do viver.
como disparadora de uma situação de aprendiza- A motivação para a reflexão sobre o ato de
gem. Será vista a partir dos lugares do ensinante perguntar decorre da minha inquietação diante
e do aprendente, considerando estes posiciona- do fracasso escolar e das questões do aluno que
mentos dinamicamente. Ora, o aluno questiona não corresponde às expectativas, tendo como
e pergunta a si mesmo e ao outro. Ora, é aquele consequência uma aprendizagem insatisfató-
que ensina quem ocupa o lugar de aprendente: ria, não funcional, desencadeando sofrimento

Edith Rubinstein – Psicopedagoga, Mestre em Psico­ Correspondência


logia pela UNIMARCO, docente convidada em cursos Edith Rubinstein
de Psicopedagogia, docente e Coordenadora do Cen­ Rua Rio Azul, 309 – São Paulo, SP,
tro de Estudos Seminários de Psicopedagogia - SP, Brasil – CEP 05519-120
For­madora Trainer de PEI, Ex-presidente da ABPp e E-mail: edithrubinstein@hotmail.com
conselheira nata, São Paulo, SP, Brasil.

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pessoal e em cadeia, em que Família, Escola e dos objetos a serem aprendidos; c) organização do
Sociedade, enquanto instituições, são afetadas. processo e dos conteúdos a serem transmitidos;
Buscam-se a origem das dificuldades e possíveis d) clareza nos objetivos a serem alcançados
soluções, nem sempre no contexto educacional. durante o processo de transmissão; e) postura
Ao profissional psicopedagogo são endereçadas clínica definida por Perrenaud, apud Pereira
perguntas e ações que promovam mudanças. (1998, p. 170)2 como:
Apesar dos inúmeros esforços por parte dos O clínico é aquele que, ante uma situação
responsáveis envolvidos com o projeto educacio- problemática complexa, possui as regras e
nal, uma parte significativa dos alunos da escola dispõe de meios teóricos e práticos para: a)
pública não consegue aprender a ler e escrever. avaliar a situação; b) pensar em uma inter-
Atualmente, 97% da população brasileira tem venção eficaz; c) pô-la em prática; d) avaliar
acesso ao ensino básico. Porém, paradoxalmente, sua eficácia aparente; e) corrigir a pontaria.
60% das crianças que terminaram a 4a série não Ensinar não consiste em aplicar cegamente
sabem ler corretamente1. A metodologia utili- uma teoria e nem tampouco conformar-se
zada tem sido uma das preocupações e o ponto com um modelo. É antes de nada solucionar
central da explicação e justificativa de alguns problemas, tomar decisões, agir em situação
especialistas para o fracasso na alfabetização. de incerteza e, muitas vezes, de emergência.
A mídia tem divulgado posições divergentes Sem para tanto aprofundar-se no pragmatis-
sobre quais seriam os melhores métodos de mo absoluto e em ações pontuais.2 (grifo meu)
alfabetização para promover o sucesso para A postura clínica envolve o questionamento
superação do fracasso. Aparentemente, as argu­ e a flexibilidade para mudar o rumo do processo
mentações dos especialistas estão na maioria das quando necessário. O alvo continua sendo nor-
vezes bem justificadas. Há uma tendência para teador, porém os caminhos podem ser diferentes
valorizar o método fônico como algo que poderia para atenderem e se adaptarem às particulari-
resolver a questão do analfabetismo. Não tenho dades de cada situação. Nessa postura está im-
intenção de discutir a validade de algum método plícito e explícito o questionamento, a pergunta.
em especial. Trata-se de perguntar: por que os alunos não
Urge analisar criticamente a forma como é estão respondendo satisfatoriamente? O que
conduzido o processo de ensino-aprendizagem deve ser mudado no processo? Será a conduta
como um todo no contexto social, nos aspectos inadequada do aluno causa ou consequência do
macro e microinstitucionais. Ao supervalorizar fracasso no processo? Será que algumas crianças
uma determinada metodologia, acreditando que precisam mais de estimulação em determinadas
a ela possa reduzir ou acabar com o insucesso habilidades psicolinguísticas do que outras?
escolar, pode-se correr o risco de cair numa “ar- Como equacionar o tempo cronológico com o
madilha”. Colocar toda a ênfase no método é fazer tempo da experiência? Qual a relação entre a
uma leitura reduzida e míope para compreender história de vida dos alunos e o fracasso escolar?
o fenômeno fracasso escolar. Para desencadear Como a Família oportuniza ampliação de re-
o processo de aprendizagem, é preciso ir além pertório cultural? Por que algumas famílias não
do método adequado. Proponho a ampliação e valorizam a escolarização? Como intervir para
desdobramento do sentido do termo “método” garantir a escolarização de crianças em situação
para procedimento bem conduzido; práticas, de vulnerabilidade? As possíveis perguntas são
por considerar mais aberta e abrangente. Há norteadoras e materializam postura científica.
di­ferentes práticas adotadas em diferentes O cientista está sempre questionando, comprovan-
contextos por diferentes profissionais. Práticas do hipóteses para nortear a intervenção.
bem conduzidas envolvem: a) consideração da Os fatores envolvidos no cenário educacional
relação ensinante e aprendente; b) significado são múltiplos e complexos, demandam análises

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profundas nos níveis macro e microestruturais. eram entusiastas. Seu discurso era: “você vai
Porém, entendo que o processo de mudança, em aprender”. Havia uma aposta no aluno. Por trás
última instância deva ocorrer dentro da sala de deste discurso, era possível supor outros desdo-
aula. (Sawaya, 20023; Castro, 2006*4; Rubinstein, bramentos discursivos: “tenho possibilidade de
20065, 20176). Ressalto dois aspectos: a) relação acolher você, venha comigo”; “tenho recursos
professor/aluno; b) a relação que essa dupla técnicos para poder trabalhar”; “não vou desistir
estabelece com o saber, isto é: como ambos se de você”; “acredito em nosso trabalho conjun-
permitem questionar. Entendo que a relação com to”; “tenho coragem de recomeçar quando não
o saber seja desencadeada pela “boa pergunta”. dá certo”. Estes desdobramentos discursivos
Como já me referi em outras oportunidades, “é o representam algumas das características da
professor quem tem a chave”. Acrescento agora: resiliência e a flexibilidade/abertura interior ao
a chave está na capacidade de professores e novo. Isto implica na possibilidade de considerar
alunos fazerem perguntas. O ato de interrogar novas formas de fazer sua intervenção, porém,
é uma característica que nos diferencia dos de- podendo articular com seu próprio estilo de fazer
mais seres viventes. Apesar disso, nem todos, a transmissão. Destaco algumas destas caracte-
por diferentes razões, se dispõem a questionar rísticas apontadas por Zomignani (2000, p. 30)7:
e questionar-se. a) Tolerância à tensão. A tensão está presente
Numa ocasião, num trabalho de assessoria, na vida e às vezes com mais intensidade nos
dediquei um tempo para o “muro das lamen- ambientes onde a expectativa de sucesso incon-
tações” onde os professores apontavam suas dicional, como o da Escola, provoca endureci-
queixas e hipóteses a respeito das dificuldades mento. A tensão pode ser também incorporada
de aprendizagem, mais especificamente a dificul- e assimilada como provocativa no bom sentido.
dade para o domínio da língua escrita. Surgiram A tensão pode provocar mudanças de rumos,
perguntas sim, porém eram muito pontuais. As devido à capacidade de reiniciar.
perguntas mais frequentes eram: por que o de- b) Capacidade de reiniciar, isto é, rever infi-
sinteresse das crianças? Por que algumas demo- nitas vezes a ação para, através das tentativas,
ravam mais do que as outras para aprender a ler buscar sempre “acertar a pontaria”. Não há
e a escrever? Por que as crianças não prestavam certezas nas intervenções feitas em sala de aula,
atenção? Nestes encontros eu percebia uma de- só se sabe depois se o alvo foi atingido, pela
manda dirigida ao especialista: respostas para reação dos alunos. Essa capacidade implica em
uma solução mágica dos conflitos. suportar o “possível incômodo” e a frustração
Na referida assessoria, destacava-se um da não obtenção do êxito imediato. O reiniciar
grupo de professores que não alardeava seu é pertinente a um processo de aprendizagem.
sucesso no trabalho, porém, era sabido que c) Firmeza e clareza de finalidades. A clareza
com eles “o menino aprende”. Os alunos que já das metas é uma das características do professor
tinham tido algum tipo de insucesso conseguiam resiliente. Quando o professor sabe o rumo que
superá-lo quando iam para suas classes. Obser- deve seguir, seu aluno não se perde.
vei que alguns desses professores trabalhavam Essas características da resiliência são o pri-
seguindo sua intuição, mas também possuíam meiro passo para se pensar numa intervenção
conhecimento teórico que os favorecia tecnica- bem-sucedida e são imprescindíveis numa situa­
mente. Mas, além da técnica fundamentada, ção na qual já esteja instalado algum fracasso.
Este tipo de intervenção figurava nas situações
de recuperação dos alunos que já estavam mar-
*“A escola brasileira também tem de entender que é preciso cados pelo insucesso. É possível classificar este
dar ao aluno aquilo que ele pode aprender – e não o que
ela gostaria de ensinar. É preciso aceitar essa diversidade. resgate como sendo de prevenção secundária,
Pensar o ensino é pensar o que se passa em sala de aula”. pois evita ou até interrompe o insucesso inicial.

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Os professores resilientes eram aqueles que na sua complexidade para distinguir quando é
conseguiam se questionar mais, pois é preciso uma dificuldade específica, ou o efeito de ou-
construir boas perguntas para lidar com as tras questões relativas ao contexto familiar, às
tensões e reiniciar um processo sem abandonar práticas pedagógicas, ao próprio aluno que não
sua finalidade, suportando a demora da recipro- assumiu se lugar de estudante, que resiste à “dor
cidade do aluno. do crescimento”, insistindo em manter-se na sua
Anteriormente, ao fazer referência às caracte­ imaturidade, entre outras questões.
rísticas de um “procedimento bem conduzido”, Concluindo esta introdução, a pergunta é o
mencionei a necessidade de considerar a rela- ele­mento chave na dinâmica da sala de aula. Em-
ção ensinante e aprendente. Essa relação está bora cada sujeito construa seu questionamento a
sempre atravessada pelo saber, isto é, como partir de sua singularidade, a relação professor/
professor e aluno lidam com o saber e com o seu aluno estará sempre norteando os processos de
não saber, com sua incompletude. É esta relação aprendizagem. Aprender num contexto no qual a
que vai sustentar a técnica do professor e a pergunta circula faz toda a diferença. Para justifi-
reciprocidade do aluno. Na França (1970), no
car a importância da pergunta, passo a analisá-la
simpósio “A dislexia em questão”, Chassagny8,
nas seguintes seções: A) Aspectos simbólicos da
quando questionado sobre a existência de uma
pergunta; B) A pergunta no processo de ensino
patologia da linguagem, referiu-se à ação do
aprendizagem; C) Exemplos de aplicação do
profissional que intervém na área da dificuldade
estilo interrogatório em sala de aula.
de aprendizagem da linguagem escrita. Deno-
minou esta ação como “Pedagogia Relacional da
Linguagem”. Chassagny assim se referiu a esta A) Aspectos simbólicos da pergunta/ques-
modalidade de intervenção: tionamento
“No seio dessa relação, desse encontro Desde o início da Humanidade, o Homem vem
com uma criança ao redor do objeto lin- buscando soluções para os seus conflitos. Este
guagem, está a linguagem; a técnica do movimento se inicia com várias perguntas: quem
reeducador e também a relação terapêu- sou? De onde vim? Para onde vou? Como fazer
tica, pois salvo que se esteja diante de um para sobreviver? O que o outro quer de mim?
muro ou de um gravador, toda relação Os mitos e lendas representam as respostas
dual de pessoa a pessoa implica numa às necessidades atávicas do humano para saber
relação afetiva.”8 (grifo meu) de sua origem e de sua existência. Questiona-se
Embora este autor tenha se referido a uma para saber do passado, da tradição. É a trans-
relação terapêutica, ele nos adverte da relevân- missão de uma tradição que resguarda a coesão
cia dos aspectos emocionais envolvidos em toda e identidade de um grupo. Um exemplo desta
relação dual. O aluno que não corresponde à tendência é o costume judaico de propor que a
expectativa do professor, e que, por isso mesmo, criança faça perguntas ao adulto para conhecer
não o gratifica, fica à mercê de um educador que sua tradição. Na noite de Pessach** as crianças
precisa se haver com a sua resiliência, além dele, são encorajadas a perguntar aos adultos por que
aluno, ter que lidar com a sua própria resiliência. essa noite é diferente das demais. Essa pergunta
Meu foco de pesquisa tem sido a compreen­ desencadeia a narrativa da História, da tradição.
são das dificuldades na área da linguagem re­ É através de questionamentos que este grupo
la­cionando-as com a constituição do sujeito da cultural preserva seus valores. Questionar o pre-
aprendizagem. Conseguir superar os desafios sente prepara e antecipa experiências futuras.
en­volvidos no processo de aprendizagem da
língua escrita é semelhante a um rito de passa-
gem. É importante ressaltar que a queixa nessa **Pessach – festividade judaica que comemora a saída dos
área, no meu entender, precisa ser compreendida judeus do Egito.

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Em seu livro “Nascemos para aprender ”, ressignificar o fato de que “é o outro que sabe”.
Hé­lene Trocmé-Favre (2006, p. 147)9, linguista Não se aprende de qualquer um, sem essa re-
dedicada à pesquisa da linguagem do ser vi- lação dual na qual há alguma reciprocidade e
vente, relaciona a aprendizagem ao equilíbrio acolhimento por parte de quem ensina, não cir-
entre quatro eixos: escutar; ler; questionar-se e cula o aprendi­zado e com este, o conhecimento
dialogar. Essa autora coloca o ato de questionar e o saber. Como afirma Kupfer (1990, p. 186)10:
como uma ação que caracteriza o Homem. Essa “Resta saber como o desejo e o saber in­
autora faz uma analogia com a palavra Adam, conscientes estão presentes e geram efei-
em hebraico Homem, a qual está associada tos no interior de uma relação pedagógica.
com a palavra hebraica adamá, terra, que, pelo Pois é possível pressentir que ambos se fa-
mito bíblico, foi o material com o qual Adam, o zem escutar como uma espécie de música
primeiro habitante da Terra, foi feito. Na palavra de fundo, de cantochão desenvolvendo-se
adamá, a partícula “má” final evoca a interroga- em meio a aquilo que se ensina, intervin-
ção “o quê?”. A curiosidade é o motor da apren- do e por vezes decidindo os destinos disso
dizagem, ela é própria do Humano, pelo menos que aparentemente não passa de uma
enquanto não for sufocada. A autora sublinha: inocente e objetiva troca de saberes e de
“só há aprendizado pela renovação contínua dos informações”10.
atos de escuta, de leitura, de questionamento e A partir dessa premissa poderão ser acresci-
de diálogo”9. das na base da pesquisa do ensinante questões
Aparentemente, perguntar é uma ação poten- relativas às relações intersubjetivas com o co-
cialmente presente na vida de todo ser humano. nhecimento e o saber. As perguntas refletem um
Aprendemos a aprender a partir da curiosidade, discurso voltado para as relações intersubjetivas:
da pergunta. Para os psicanalistas, a gênese da por que você não quer saber? Por que você não
curiosidade, o desejo de saber surge nas primei- pergunta? Por que você não está curioso? Por
ras investigações sexuais infantis, bem como na que não consigo mobilizá-lo? Por que você não
escuta? Por que eu não consigo escutar o aluno?
capacidade de sublimação (Kupfer, 1990)10. Os
Por que seu distanciamento? Estas questões
educadores estão mais familiarizados em rela-
que o educador dirige ao seu interlocutor e a si
cionar as dificuldades de seus alunos a causas
mesmo o colocam numa posição muito especial,
mais visíveis e comprováveis.
nem sempre confortável, pois se vê diante do seu
A Psicanálise tem contribuído para ampliar a
limite e do outro. O psicopedagogo e o professor,
leitura das possíveis causas das dificuldades de
ao indagarem desta forma, sabem que não sabem
aprendizagem, relacionando-as com a subjetivi-
e que o aluno também não tem respostas. Porém,
dade na construção do desejo de saber. Não se paradoxalmente, ao considerar o imponderável,
trata de transformar o educador em psicanalista, abre-se um espaço para o desejo.
mas um convite a afinar a escuta da relação do Não se trata de confundir o psicopedagogo
aprendente com o saber e a falta, que mobiliza e o professor com um psicanalista. Ao questio-
o aprender. Entrar em contato com a falta não é nar, são criadas as condições para estabelecer
algo simples e fácil para uma geração familia- uma relação supostamente harmônica consigo
rizada com a experiência digital que demanda mesmo e com o outro. A pergunta é mediadora
respostas rápidas, que não favorecem a reflexão. entre o sujeito e o outro. A pergunta pode ser
Aprender verticalmente exige tolerância à frus- tanto o resultado de uma angústia, de uma falta,
tração, pois não corresponde ao ritmo acelerado como propiciar condições para a elaboração das
dos jogos que demandam respostas imediatas. mesmas. Angústia e saber se complementam. A
A aprendizagem ocorre numa relação assi- pergunta/curiosidade enquanto questionamento
métrica. É preciso que ocorra alguma identifi- é o motor que mobiliza a mente humana e está
cação com quem ensina, para poder aceitar e diretamente relacionada com a aprendizagem.

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Apesar da angústia provocada pelos conflitos, lado o sujeito da aprendizagem está também
contradições e incertezas, o Homem está sempre submetido ao discurso social. No discurso social
procurando respostas que expliquem ou aliviem o está dito: em boca fechada não entra mosquito;
sofrimento e desconforto provocado pelas tensões. falar é prata, calar é ouro. Não há como negar
As perguntas não cessam, ao encontrar respostas o preconceito presente nas nossas salas de aula
para alguns dos desafios, criam-se novos, num em relação à ação de perguntar. Quem pergunta
contínuo. A partir desses constantes desequilí- em público “paga mico”. É bastante comum que
brios, é que o conhecimento vai construído. A crianças e adolescentes “carreguem um saco
construção do conhecimento é uma forma de de dúvidas” por receio de manifestar o seu não
sublimar a angústia inerente do ser humano. saber e, sujeitos a chacota e desprestígio.
A capacidade de perguntar a si mesmo e ao Quando os adultos significativos supervalo­
outro é construída numa relação dual. Kupfer rizam o questionamento das crianças ainda ima-
(1990, p. 186)10 sublinha a importância do outro turas, as quais ainda são incapazes da pondera-
na constituição do sujeito: “uma constituição é ção e discernimento, cria-se um espaço para os
“reizinhos mandões”. Por outro lado, os adultos
sempre pilotada pelo outro”. No início da vida é a
mais impositivos que não abrem espaço para a
mãe que supõe as necessidades do bebê. À me-
divergência podem inibir ou silenciar aquele que
dida que este vai se constituindo como sujeito,
inexoravelmente sempre terá uma questão. O
irá perguntar: “o que o outro quer de mim”. Irá
caminho do meio nem sempre é fácil, demanda
se preparando para ir “negociando o sentido”
sensibilidade e paciência.
na relação eu/outro.
Na dinâmica da relação sujeito/outro constrói-se
Mas será essa condição de questionar para
o “estilo de questionar” que favorece alguma
apreender uma realidade, uma experiência, que
tranquilidade na experiência de se expor através
de fato ocorre igualmente a todos? Partindo da das dúvidas e questionamentos. O sujeito da
premissa de que cada sujeito da aprendizagem, aprendizagem, a partir de sua constituição, vai
a partir de seu estilo, usufruirá desta capacidade construindo uma “matriz”, um estilo para lidar
potencial de questionar de uma forma singular. com o não saber. Se por um lado venho mostrando
Alguns farão mais questionamentos que os a pertinência e importância do ato de perguntar,
outros, com intensidades variadas, outros por este ato está atravessado pelo modo como cada
diferentes razões poderão até negá-los, pois estes sujeito da aprendizagem vai significando as vicis-
poderão colocá-los em risco. Algumas crianças, situdes presentes no processo de aprendizagem,
inicialmente perguntadoras, podem, a partir mais especificamente na relação com o saber
de algum trauma, deixar de sê-lo. Quando, ao durante a vida, afinal, nascemos para aprender.
per­guntar, um aluno se vê maltratado, ridicula- Não viemos ao mundo com um mapa pronto que
rizado, deixará de interessar-se, pois o registro nos guie diante do “mal-estar da civilização”.
da experiência negativa não o encoraja a querer O desconforto e o sofrimento decorrente são
saber, conhecer. O receio de ser criticado faz com per­tinentes ao existir. A criança indiferente não
que silencie. pergunta, nada a surpreende, é insensível às
A pergunta é uma alavanca e mola propulsora diferenças, nada questiona. Essa indiferença é
movida pela necessidade, desejo e coragem de uma manifestação da falta do desejo de saber.
saber. Muito embora a pergunta seja um dispo- Como afirma Kupfer (1990, p. 4)10:
sitivo essencial no processo de aprendizagem, “Para a criança indiferente”, a aprendi­
demanda uma análise que leva em consideração zagem se transforma num torturante exer-
os aspectos simbólicos presentes na ação do cício de fixar mecanicamente conceitos e
questionamento. Se por um lado ao perguntar informações esvaziadas de sentido. Ins-
um sujeito se manifesta singularmente, por outro tala-se a ponte para o fracasso escolar”10.

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Outras crianças deixam de perguntar, não pela como para quem aprende, quero deixar claro de
indiferença, mas pela angústia provocada pela que não se trata da defesa de um método peda-
incompletude. O ódio diante da angústia de- gógico, mas de uma postura que traduz a ação
corrente do desconhecimento pode emergir da de um pesquisador/estudioso preocupado com o
frustração da ilusão, da fantasia de aprender sem questionamento visando abertura na relação com
custos, sem dedicação, sem questionamento, o saber. Perrenaud nos convida, na sua definição
sem dúvidas (Bion, apud Quiroga, 2003, p. 11)11. de Clínico, a colocar em suspenso os efeitos de
Para algumas crianças, e mesmo adultos, uma ação. Somente a posteriori é possível saber
o ato de perguntar mobiliza o narcisismo e os se é necessário o ajuste ou mudanças nos rumos
vestígios de um pensamento onipotente, no do processo. Esse posicionamento requer capa-
qual os conflitos inexistem. A pergunta, neste cidade de análise crítica e abertura para flexi-
caso, significa o limite, o não saber, e isto muitas bilidade na escolha e revisão de procedimentos.
vezes assusta, podendo provocar uma reação A linguagem, mais especificamente a cons-
que se manifesta a partir da posição “disto não trução da linguagem escrita, tem sido alvo de
quero saber ”. Algumas crianças não expõem questionamentos, pois o fracasso escolar preco-
suas dúvidas, pois não podem admitir o seu
ce, decorrente da impossibilidade de aprender a
não saber. Elas desconhecem a possibilidade
ler e a escrever, tem mobilizado os diferentes seg-
de uma resposta provisória. Possivelmente, em
mentos da sociedade no sentido de buscar meios
suas experiências com os adultos significativos,
para superá-lo. É preciso pensar na alfabetização
o limite, a falta tenha sido mal elaborada. Ainda
de forma mais ampla. Ler envolve compreensão
não desenvolveram o “jogo de cintura”.
e “produção de leitura”, no sentido de que cada
Macedo (1994, p. 104)12, referindo-se às dife-
leitura é ressignificada, afinal um texto é um
rentes crenças dos alunos diante de uma situa-
pretexto e um pré-texto para um novo texto.
ção de avaliação, em que esteja sendo solicitada
uma resposta, aponta para as diferentes posições Quando pensamos em leitura, pensamos em
do sujeito da aprendizagem diante do conheci- compreensão, interpretação, diálogo, polifonia.
mento, mais especificamente diante de situação Isto está presente tanto na leitura de mundo
de avaliação. Esse autor destaca uma categoria quanto na leitura de um texto. Na leitura o su-
de crença, a do “não importismo”, que se carac- jeito da aprendizagem se reencontra.
teriza por um fechamento e falta de criatividade Tenho percebido na minha experiência Clí-
para elaborar alguma hipótese sobre a realidade nica a condição do que Feuerstein denomina de
que deve enfrentar. Estas crianças, diante de “Privação Cultural” que se manifesta no limitado
uma questão que lhes é colocada, fecham-se, funcionamento dentro de sua própria Cultura.
não constroem hipóteses. Provavelmente, não Observo em alguns estudantes com dificuldades
utilizam seu potencial criativo para inventar. de aprendizagem a limitada experiência cultural
Mas como se constrói a “cultura questionado- que repercute em vocabulário precário, apesar
ra” dentro da sala de aula? Como operacionalizar de serem expostos a conteúdos acadêmicos in-
o que Perrenaud nomeia e conceitua Clínico? teressantes e amplos. Este autor justifica essa
Quais são os possíveis efeitos na relação com o condição como efeito de limitada “Experiência
conhecimento e com o saber? Na próxima seção de Aprendizagem Mediada”, a qual acontece na
tratarei desta questão. relação com os adultos significativos. É através
de conversas, experiências culturais, questiona-
B) A pergunta no processo ensino/apren- mentos, que o campo mental vai sendo ampliado
dizagem junto com a linguagem. Como a Família gerencia
Muito embora a ação de perguntar tenha múl­ o tempo para enriquecer a experiência vital junto
tiplos sentidos e efeitos tanto para quem ensina às crianças?

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Alfabetização e letramento devem ser consi­ experiência educacional pessoal que desconsi-
deradas conjuntamente. Embora no presente derava a singularidade, privilegiando o conhe-
tra­balho não caiba essa discussão13***, são as cimento, a informação. Os modos de ensinar e
diferenças de intensidade nas experiências com aprender eram através da repetição, não havia
o letramento que poderão explicar boa parte das espaço para o questionamento. Não estava im-
dificuldades dos alunos que provêm de ambien- plícita a idéia da criação e re-construção durante
tes onde essas experiências não fizeram parte de o processo de transmissão. A reconstrução e a
sua educação. Charlot (2001, p. 16)14 refere-se ressignificação eram processos vistos como se-
às diferenças entre os alunos na relação com os cundários no momento da transmissão.
saberes: Na cultura da transmissão do conhecimento
“ ...uma coisa é certa: a relação dos alu­ escolar ainda está bastante arraigada a valo-
nos com o (s) saber(s) e com a escola não rização das boas respostas. No discurso social
é a mesma nas diferentes classes sociais. escolar “a pergunta é própria de quem não sabe”.
Porém, constata-se também “êxitos para- Por isso mesmo, os alunos vão perdendo aquela
doxais”: alguns alunos de família pobre curiosidade inicial da infância. A criança deixará
têm êxito na escola, apesar de tudo – de lado o seu estilo perguntador. No início de
inversamente, alguns alunos de família sua vida como falante, a criança que perguntava
favorecida, mesmo assim fracassam na a todo tempo era vista como inteligente e viva.
escola”14. Algumas crianças, ao iniciar a escolaridade,
deixam de perguntar com a mesma intensidade.
A ideia de “êxitos paradoxais” nos remete à
Provavelmente, porque os adultos estão mais pre-
consideração de que o discurso social no qual se
ocupados com a transmissão de respostas prontas
insere o sujeito da aprendizagem é insuficiente
como forma de evitar equívocos, ou “acelerar a
para determinar a origem de sua relação com
aprendizagem”.
os saberes.
No “fazer socioconstrutivista” espera-se que
No discurso social escolar (Rubinstein, 2003)15
o aluno construa suas hipóteses a respeito dos
contemporâneo está presente o estilo de trans-
desafios e conflitos que lhe são apontados. O
missão socioconstrutivista. Nesse estilo, a per­
professor/mediador problematiza, questiona,
gunta faz parte, pois o educador vai questio-
constrói um “estilo interrogatório”. Mas, como
nando e provocando desequilíbrios cognitivos
foi dito na seção anterior, nem todos correspon-
com o objetivo de construção e re-construção de
dem a este apelo/estilo. Na alfabetização que
hipótese. Enquanto “dizer”, este estilo está bem
leva em consideração o letramento, o sujeito da
assimilado à ideologia educacional, porém na
aprendizagem está presente através das resso-
prática, enquanto “fazer”, ainda está em pro-
nâncias do texto em sua singularidade. Ao ler a
cesso de acomodação. E isto não se deve apenas
história do Pequeno Polegar, cada menino dará
ao pouco contato com as teorias. Na memória
a sua própria versão, ao seu modo, ao seu estilo.
de boa parte dos professores está registrada a
Aceitar e fomentar essa análise singular do
conhecimento é um ato que desencadeia a cons-
trução do saber. Aqui está a oportunidade e pos-
***Em nossa realidade, o termo letramento foi introduzido sibilidade de praticar uma Pedagogia que leve
inicialmente por Kato (1986), para definir a função da
escola: “A função da escola na área da linguagem é em conta a singularidade, que leve em conta o
introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a um sujeito da aprendizagem. Não existe um único
cidadão funcionalmente letrado, isto é, um sujeito capaz
de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade modo de dar sentido ao conto e nem tampouco
individual de crescer cognitivamente e para atender às diferentes formas de expressar o conto. Ao
às várias demandas de uma sociedade que prestigia
esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de acolher os diferentes modos de assimilação da
comunicação”. transmissão cultural, está-se desencadeando

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A pergunta no processo de ensino-aprendizagem

processos de aprendizagem que vão ao encontro Experiên­cia de Aprendizagem Mediada (Feu-


do desenvolvimento da autonomia de pensa­ erstein, 1980)18, em que o mediador se coloca
mento. Um aluno que, ao recontar a crônica entre o mediado e o objeto, para, através de um
“A velha contrabandista”, de Stanislaw Ponte estilo interrogatório, provocar desequilíbrios que
Preta, substitui os termos “velha” por “senhora” favoreçam um aprendizado mais reflexivo. O
e “saco” por “sacola”, argumentando o caráter que caracteriza esta modalidade de mediação
pejorativo dos mesmos, ele mostra estar preo- são três critérios básicos: 1) intencionalidade
cupado com a forma de dizer as coisas e não clara do mediador a respeito do que pretende
somente com o conteúdo. transmitir buscando a reciprocidade do mediado;
Mas, desenvolver autonomia e autoria de pen­ 2) o significado do objeto, isto é, o sentido está
sa­mento, sem deixar de lado a construção do sempre posto em evi­dência; 3) a aplicabilidade
domínio de certas habilidades psicolinguísticas da experiência a outras situações.
necessárias para interagir com a linguagem No processo de mediação, mais especifica­
escrita não é uma proposta fácil e simples de mente na Experiência de Aprendizagem Media-
ser alcançada. É preciso saber dosar aspectos da, Feuerstein propõe o “estilo interrogatório”.
formais para não intervir na capacidade criadora Nesse estilo interrogatório o mediador faz
do escritor/leitor. Um modelo de intervenção, no perguntas de várias categorias: 1) algumas são
qual não haja preocupação com a sistematização voltadas ao processo; 2) outras estimulam o
e a formalização, tampouco cumpre sua função pensamento divergente; 3) outras desencadeiam
adequadamente. Encontrar o caminho do meio generalizações. Nesse estilo interrogatório estão
é sem dúvida o grande desafio. presentes simultaneamente aspectos voltados
Como já foi anteriormente mencionado, não à metacognição, isto é, como o sujeito utiliza
nascemos “perguntadores”, portanto, pela “pi- funções cognitivas, bem como aspectos relati-
lotagem do outro” podemos aprender a fazer vos à relação afetiva com o conhecimento, isto
perguntas. Assim, é possível mobilizar as crian- é, como o aluno pode se perceber vinculado ao
ças pouco questionadoras. Nesse sentido é o conhecimento.
professor sensível que possui as regras, é ele O estilo interrogatório no processo de
que deve buscar um jeito ou diferentes jeitos de mediação tem como objetivos: 1) promover a
provocar o aluno silencioso. independência na interpretação da realidade
Na prática educacional convencionou-se que interna e externa; 2) desencadear quatro “auto”
cabe ao professor perguntar e arguir e ao aluno para desenvolver o domínio de si decorrente de:
responder. Em tempos de sociedade da informa- autoconhecimento, autonomia, autocontrole e
ção e do conhecimento, o relevante é relacionar autoestima.
conhecimento e informação através do pensa- As perguntas podem ocorrer na solitude quan-
mento crítico que envolve problematização ou do alguém está sozinho interagindo com um ob-
seja capacidade de elaborar perguntas. Plonski jeto de conhecimento. Ao refletir, vai elaborando
(2006)16 e Dunker & Thebas (2019)17 mencionam perguntas que remetem ao não saber ou a uma
uma entrevista feita ao prêmio Nobel de 1944, leitura polifônica, quando o leitor relaciona um
Isidor Isaac Rabi, cientista na categoria de Física. texto a outros.
Perguntaram quando se interessou pela ciência. Mas, é importante a escuta do como uma
Sua resposta: “Minha mãe me tornou cientista per­gunta é dirigida ao interlocutor. Dunker &
sem nunca ter sido essa sua intenção. Ela per- Thebas (p. 169)17 propõem sensibilidade para
guntava: Você fez alguma boa pergunta hoje?”. escuta do Como:
A pergunta é uma ferramenta própria do “ Como alguém diz o que diz é uma cha-
ato de mediar. A mediação está sendo compre- ve essencial para entender o dizer. As
endida especificamente dentro do conceito de perguntas que se orientam para o como

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Rubinstein E

podem ser distribuídas entre as que nos neste exercício propõe-se ampliação de leitura:
ajudam a verticalizar a conversa, apro- ler envolve estabelecer relações, bem como a
fundando temas e assuntos, as que mu- inclusão da polifonia de significados, a partir da
dam a “marcha” da conversa, seja por relação com experiências anteriores.
aceleração e lentificação...17
Não é simples ou fácil construir um estilo C.3. Construção de perguntas e análise de
interrogatório no processo de aprendizagem. É erros:
preciso um deslocamento posicional para quem Diante da pergunta dirigida ao aluno: qual
ensina e quem aprende. Ao professor, cabe a razão do seu erro/engano? Na maioria das ve-
deixar o lugar de quem está apenas avaliando zes a resposta é: “porque não prestei atenção”,
e medindo competências e habilidades. As “porque não estudei”, “porque o professor fez
perguntas do mediador educacional têm como perguntas daquilo que não ensinou”.
objetivo problematizar para que o aluno saia do Num seminário de mediação para professo-
lugar de quem teme ser questionado ou que ao res, propusemos uma reflexão a respeito destas
perguntar expõe sua ignorância. crenças dos alunos para pensar numa possível
estratégia que mobilizasse os alunos a modifi-
C) Experiências aplicáveis tanto em situa- carem suas crenças e sua atitude passiva diante
ções clínicas como em sala de aula, onde a do erro. Um professor de matemática propôs aos
pergunta mobiliza a construção e recons- seus alunos uma forma diferente de avaliação.
trução do conhecimento. Ele não colocava o sinal de erro na questão incor-
reta, mas assinalava que ali havia um problema
C.1. Construção de perguntas: “olhando a ser investigado. Ele e seus alunos puderam a
para dentro e para fora”: partir desta intervenção verificar quais eram as
Diante de um texto (qualquer que seja a situações nas quais havia distração e quais eram
modalidade), é possível construir perguntas aquelas em que a dificuldade era falha conceitual.
cujas respostas estejam no texto, ou fora dele, Este professor propôs que os alunos construíssem
mobilizando e ampliando o campo mental. Esta perguntas por escrito a respeito de suas dúvidas
proposta coloca o sujeito da aprendizagem numa pontuais. Isto ajudou na construção conceitual,
posição mais ativa, no sentido de que ele é simul- bem como desencadeou processos metacogniti-
taneamente convocado a questionar no sentido de vos a respeito da origem do erro. Através desta
fazer perguntas mais objetivas, bem como ampliar estratégia o aluno desenvolve os “quatro autos”:
seus horizontes, no sentido de perguntar “o que 1) autoconhecimento; 2) autonomia; 3) autorre-
eu quero saber mais a respeito desse assunto? O gulação e 4) autoestima.
que isto me faz pensar?
C.4. Perguntas para a organização do pen-
C.2. Construção de perguntas a partir da samento na elaboração e interpretação de
leitura de imagens: problemas.
A partir de cenas, se propõe uma leitura que É bastante comum a queixa dos professores a
envolve tanto aspectos objetivos como subjeti- respeito da dificuldade dos alunos na leitura de
vos provenientes das experiências singulares problemas. De modo geral, os alunos perguntam
de cada leitor. Diante das fotos são propostas “que conta devo fazer, é conta de mais ou de
as perguntas: 1) O que tenho certeza? 2) O que menos”? Esta pergunta na maioria das vezes é
suponho? 3) O que quero saber mais? 4) O que dirigida ao adulto que está mais próximo. Ela ex-
isto me faz pensar? pressa dificuldade do aluno para analisar e com-
Como afirmei anteriormente: um texto é um preender a situação problema. Não analisar está
pretexto e um pré-texto para um novo texto, relacionado com a falha no pensar, raciocinar,

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ou talvez pouca disponibilidade para refletir. mencionada como necessária, não é colocada
Pouca paciência para o tempo necessário. Falha em prática. Desenvolvi um roteiro de revisão
no processo do pensar não conduz à autonomia. inspirada na proposta de Mabel Condemarin19
Por sua vez, pode expressar a necessidade da (Anexo 2).
presença constante do outro. Como esse aluno Concluindo:
lida com o estar só consigo mesmo, suportando o Não há método que dê conta de solucionar
tempo necessário para resolver o desafio? Como conflitos, tensões, incertezas, pois estas são ine-
o adulto significativo lida com o tempo do alu- rentes e pertinentes a todos os desafios da vida.
no? Questões da ordem afetivo emocional estão A inquietação da autora, provocada inicialmente
sempre juntas. A cognição não é uma entidade pelo tema “método de alfabetização”, promoveu
à parte. Através da mediação, desencadeia-se a a oportunidade para a reflexão sobre a ação de
ação de analisar, contribui-se, simultaneamente, perguntar, questionar. Mais do que questionar,
para a mudança subjetiva. O aluno, ao respon- qual é o melhor método de alfabetização que
der questões relativas ao processo de análise da possa reverter o fracasso escolar maciço, urge
situação, aprende a construir seu próprio estilo questionar a dificuldade de produzir perguntas
interrogatório. “mobilizadoras”.
Diante de um problema de matemática ou de Aqui cabe um alerta: todos, em teoria, pode­
uma situação problema, é possível apresentar riam perguntar, pois como foi apontado por
um roteiro organizador do pensamento. Hélene Trocmé-Favre, na origem “nascemos
1) O que eu sei dessa narrativa? para aprender”, e esta aprendizagem está direta­
2) O que eu quero saber? mente relacionada com a curiosidade e com o
3) O que eu devo fazer? ato de perguntar. Se isto é algo próprio ao ser
4) O que eu vou fazer? humano, trata-se agora de lançar a questão: por
que não se pergunta? Por que não se apropria?
Será algo relacionado com a velocidade presente
C.5. Perguntas voltadas ao processo de or-
no século XXI? Estamos sendo dominados pelo
ganização de uma atividade.
Cronos? Onde fica Kairos?
Algumas crianças não conseguem se organi-
Para cada situação, cada sujeito da aprendi-
zar para realizar as lições de casa. Por diferentes
zagem significará a partir de sua singularidade,
razões, a autonomia ainda não está construída.
e é a partir da leitura singular que ele buscará
Perguntas do mediador podem contribuir para
possíveis caminhos para a demanda de cada
que se tenha mais clareza sobre a situação em situação. Quanto mais puder lidar com o para-
que se encontra. Elaborei um documento (Ane- digma da incerteza, melhor poderá lidar com a
xo 1) para mediar alunos, professores e pais no capacidade de mudar e recomeçar. A saída não é
processo de construção da autonomia. o método, mas a flexibilidade para estar aberto à
As perguntas têm como meta, além de de- mudança, considerando-a inerente e pertinente
sencadear primordialmente a autonomia, pro- a todo desafio. Penso que aprender e ensinar são
mover maior clareza diante de uma proposta desafios que nos colocam em cheque, nos põem
de trabalho. em prova a nossa capacidade humana de sermos
inventivos, criativos.
C.6. Perguntas voltadas para o controle da Quando a ignorância e o saber puderem ser
qualidade da escrita significados na sua complementaridade, a per-
Espontaneamente, o jovem aprendiz não de- gunta será o fio mestre na construção do saber.
senvolve a necessidade de refletir sobre a ação. Ela é o tempero que torna o saber em algo sig-
Observo que a função da revisão, embora seja nificativo e por isso mesmo saboroso.

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SUMMARY
Questioning in the process of teaching learning

This article is a reflection on the theory and practical uses of questioning


as a trigger for learning. Questioning is the key element in the dynamics
of “psycho-pedagogic” practice and of the classroom. Although each
individual constructs his or her questioning from a personal point of view
and background, the student-teacher relationship always directs the learning
process. To learn in an environment where there is constant questioning
makes all the difference. In order for learning and teaching processes to
occur satisfactorily, it is necessary to construct a questioning style that
is conducive to mediation in order to question, validate, or restructure
processes or strategies (of thinking or acting). This article is divided in three
sections: A) Symbolic Aspects of Questioning, B) The Role of Questioning
in the Process of Teaching and Learning, and C) Practical Examples of
Different Questioning Styles in the Classroom.

KEYWORDS: Process. Teaching. Learning. Questioning. Questioning


Style. Flexibility.

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A Psicanálise escuta a educação. Belo Ho­ Médicas; 1990.
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Educação e as temáticas da vida con­ tem­
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lendo nas entrelinhas. In: Rubinstein E, org. 1994.
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trução de um estilo. São Paulo: Casa do Psi­ tiva psicolinguística. São Paulo: Ática; 1986.
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6. Rubinstein E. Transformar e inovar para uma mundiais. Porto Alegre: Artmed; 2001.
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para todos e cada um. São Paulo: Summus queixa escolar: entre o saber e o conhecer.
Editorial; 2017. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.
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17. Dunker C, Thebas C. A arte de perguntar. In: 18. Feuerstein R. The Instrumental Enrichment.
Dunker C, Thebas C. O palhaço e o Psi­ca­ Glenview: Scott, Foresman and Company; 1980.
nalista: Como escutar os outros pode trans­ 19. Condemarin M. Pautas de autocorreção for­
sformar vidas. São Paulo: Editora Pla­neta do mal. In: Condemarin M. Oficina de Escrita.
Brasil; 2019. São Paulo: Psy; 1994.

Trabalho realizado no Centro de Estudos Seminários Artigo recebido: 30/5/2019


de Psicopedagogia, São Paulo, SP, Brasil. Aprovado: 19/9/2019
Conflito de interesses: A autora declara não haver.

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Anexo 1
Roteiro para orientação/mediação educacional de ações pedagógicas
para construção da autonomia e planejamento
Edith Rubinstein
Autonomia e competência para planejamento são ações que demandam habilidades cognitivas e emocionais.
Dependem da maturidade do estudante e mediação do adulto significativo. Por diferentes razões, alguns
estudantes demoram para construírem essas capacidades.

Neste roteiro estão presentes funções cognitivas presentes no Mapa Cognitivo desenvolvido por Reuven
Feuerstein. As diretamente relacionadas são:
1. Ter percepção clara;
2. Desenvolver vocabulário conceitual;
3. Noção espaço temporal;
4. Aplicar conduta somatória;
5. Percepção global da realidade;
6. Adotar conduta planificada;
7. Distinguir o que é relevante.
Aplicação:
Oferecer ao estudante o roteiro de trabalho pedagógico após conversa sobre a intencionalidade e significado
do mesmo. Orientar os adultos significativos a respeito da intencionalidade: autonomia e capacidade para
planejamento.
São seis as etapas para desenvolver percepção clara e precisa das ações envolvidas no trabalho pedagógico
individual ou coletivo.
ROTEIRO PARA ORGANIZAR MEU TRABALHO PEDAGÓGICO
Quantas atividades tenho para fazer?
Quais são as atividades que devo fazer?
Que material é necessário?
Onde está o material?
Por onde vou começar?
Qual o tempo preciso?

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Anexo 2
CONTROLE DE QUALIDADE DA ESCRITA
Edith Rubinstein
1. Usei letra maiúscula no início da frase e nos nomes próprios?
2. Fiz ponto final toda vez que terminei uma ideia?
3. Quando escrevi as perguntas e exclamações coloquei os pontos correspondentes ao final das orações?
Comecei essas orações sempre com letra maiúscula?
4. Escrevi corretamente as ortografias das palavras com: ch; x; s; ss; ç; z; j; g;?
5. Fiz parágrafos?
6. Calculei as margens e subtítulos para organizar a diagramação?
7. Reli e conferi o meu texto e verifiquei as palavras que já estavam no enunciado?
8. Prestei atenção na acentuação?
9. Minha caligrafia permitiu que outros lessem meus textos com clareza e facilidade?
10. Meu texto é compreensível para outra pessoa?
RELI A MINHA ESCRITA PARA ENCONTRAR OS MEUS ENGANOS?

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