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Após as internações anteriores, ela passou um período tomando os


medicamentos, mas depois se recusou a seguir os tratamentos. Por
mais que a família tenha insistido, ela se negou a continuar o trata-
mento, e isso gerou problemas no relacionamento cotidiano. Esse
processo foi tornando os sintomas cada vez mais intensos, e Francisca
vem piorando a cada crise.
A esquizofrenia se apresenta para cada pessoa de maneira singular. No
caso de pessoas como Francisca, os sintomas parecem vivências tão
reais que fica difícil entender que o que ela está vivendo está ligado à
doença. Ela sofre muito, acha que está sendo perseguida e fumada,
que as pessoas a ridicularizam, e seu comportamento desestruturado
dificulta seus relacionamentos, alimentando um círculo vicioso de
sofrimento e isolamento social.
Como tratar a pessoa que não aceita que está doente? Os profissionais
da saúde têm tentado construir com Francisca esse entendimento de
que os tratamentos possibilitarão a ela redesenhar seu caminho de
vida, mas todas as tentativas foram mal-sucedidas até agora. Nessa
internação, a equipe tomou a decisão de utilizar a medicação de depó-
sito. Que medicação é essa?
Esse tipo de medicamento é chamado de antipsicótico de ação prolon-
gada. Ele é aplicado por injeção intramt1scular, e seu efeito dura de
uma a quatro semanas. Pode ser aplicado nas consultas médicas e
eli1nina a necessidade de tomar os comprimidos todos os dias. Nos
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casos como o de Francisca, a internação tem a finalidade de controlar


a crise com medicação oral, em comprimidos, e, depois do quadro
estabilizado, introduzir a medicação de depósito. Essas medicações
são bastante úteis, pois facilitam a adesão ao tratamento e reduzem as
recaídas.
I

E preciso lembrar que o tratamento medicamentoso é fundamental; as


pessoas que não conseguem aderir às medicações antipsicóticas via
oral devem ser tratadas com medicações de depósito (de ação prolon-
gada). No entanto, as medicações sozinhas não dão conta dos
problemas como os vividos por Francisca. Ante a dificuldade de adesão
ao tratamento na esquizofrenia também são muito importantes: um
plano terapêutico que contemple, a orientação aos familiares, a terapia
ocupacional e a psicoterapia. Os resultados podem ser positivos, mas é
necessário um investimento continuado no convívio e no tratamento,
e as respostas só podem ser percebidas em médio prazo.

Quando os medicamentos não funcionam


Existem várias opções de medicamentos para a esquizofrenia. Entre-
tanto, uma parcela dos portadores não responde bem a eles, no sentido
de não apresentarem melhora adequada dos sintomas. Nesses casos,
diz-se que a pessoa tem esquizofrenia refratária. Essa é uma situação
que merece atenção especial, pois as várias opções de tratamento
psiquiátrico precisam ser tentadas e avaliadas até que se configure um
quadro de esquizofrenia refratária e se definam intervenções especí-
ficas. Essa é a situação de um amigo de Gabriel, que ele conheceu
durante a internação, o Carlos.
Carlos tem um comportamento mais desorganizado, frequentemente
fala sozinho, às vezes respondendo às vozes que escuta, às vezes
pensando em voz alta. Acredita que todos sabem o que ele pensa, e
isso o atormenta e dificulta o convívio com as pessoas. Veste-se de
maneira incomum, normalmente com roupas sobrepostas.
A história d.e Carlos é marcada por dificuldades e sofrimento. Desde o
aparecimento da esquizofrenia, ele teve um percurso de isolamento e
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de vivência intensa dos sintomas. Apesar de tomar as medicações nas


doses adequadas, os sintomas de Carlos não têm grande melhora. Seus
familiares, principalmente sua mãe, dedicam-se mttito a seu ct1idado.
Mesmo assim, ele vive alheio à realidade a sua volta.
Ele passou por tratamento com medicamentos diferentes e com varia-
ções de dosagens, entretanto, a melhora desde o aparecimento da
doença foi muito pequena. Nos casos como o de Carlos, em que se
caracteriza a esquizofrenia refratária, o tratamento recomendado é o
uso de um medicamento chamado clozapina.
Por que não se utiliza desde o início a clozapina? Primeiro, porque na
maioria dos casos, há uma resposta satisfatória com outros medica-
mentos. Segundo, porque a clozapina que pode causar um problema
no sangue chamado agranulocitose. Em função disso, as pessoas que
tomam esse medicamento ,
têm de fazer exame de sangue periodica-
mente para controle. E importante saber que, com os controles
adequados, a clozapina é uma medicação segura e eficaz para o trata-
mento da esquizofrenia refratária.
Carlos está internado para controlar uma crise e também para o moni-
toramento do início do tratamento com a clozapina. Durante o período
em qt1e Gabriel conviveu com ele na internação, já houve melhora

....
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significativa de Carlos. Diminuíram as vozes, raramente ele fala


sozinho, e a sensação de que as pessoas sabem o que ele está pensando
só aparece de vez em quando. Isso permite a ele voltar a se relacionar
com as pessoas.
Pessoas com esquizofrenia qt1e tiveram pelo menos dois tratamentos
com antipsicóticos em doses adequadas e por um período adequado
(de quatro a seis semanas) sem resposta satisfatória são consideradas
refratárias ao tratamento e devem ser tratadas com clozapina. No caso
da esquizofrenia refratária, também são importantes o acompanha-
mento com a terapia ocupacional e a psicologia, bem como a orien-
tação familiar. Devemos sempre ter em mente que o cuidado e a acei-
tação da pessoa com esquizofrenia podem promover, ao longo do
tempo, uma vida com qualidade.
Acompanharemos a história de Carlos nos próximos capítulos e cons-
tataremos que a medicação mais adequada a seu caso será funda-
mental, mas ela sozinha não resolve as questões que a esquizofrenia
trouxe para sua vida. Porém, a partir da redução dos sintomas, Carlos
terá condições de restabelecer passo a passo o relacionamento com as
pessoas, e novas oportunidades para viver melhor surgirão em seu
caminho. Queremos lembrar, com isso, que o controle dos sintomas e
o uso da medicação são fundamentais, mas é importante também
promover mudanças no sentido de superar e resolver problemas.

Depois da crise aguda ...


A internação é um procedimento necessário em muitos casos para
controlar uma crise; entretanto, controlar a crise não significa que o
problema está resolvido. Depois desse período mais crítico, inicia-se
um novo processo, o de reorganizar a vida e lidar com a presença da
esquizofrenia, e isso traz dificuldades próprias. Trata-se de um
"começar de novo" em uma situação em que a pessoa está fragilizada
e não consegue ver perspectivas de futuro. O apoio da família é funda-
mental nessa fase.
Como Gabriel vive esse momento?
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Devemos lembrar que, quando Gabriel voltou a estudar, descobriu


uma vocação legítima para a literatura, mas, ao parar a medicação,
essa vocação foi supervalorizada pelos sintomas da esquizofrenia. A
internação controlou esses sintomas, mas também trouxe para a vida
de Gabriel um profundo sentimento de vazio e desesperança em
relação a ter esquizofrenia. O fato de ter essa doença é visto por ele
como uma grande derrota na vida, que o deixa sem perspectivas.
Tais dificuldades ficam ainda piores pelo fato de as doses dos medica-
mentos terem sido aumentadas na internação, e Gabriel estar com o
pensamento mais lento e sem conseguir expressar suas emoções. Há
um sofrimento profundo associado à consciência de ter uma doença
crônica para a qual ele não consegue ver saída. Esse é um momento
delicado, porque muitas pessoas com esquizofrenia não suportam o
sofrimento extremo e tentam o suicídio.
Gabriel, acompanhado de sua mãe e sua irmã, volta, depois de uma
semana, para uma consulta com o Dr. Marcelo. Ele fala muito pouco,
só quando o médico lhe faz perguntas. A mãe e a irmã contam que ele
não sai do quarto e quase não conversa.
O psiquiatra, que conhece bem essa situação, que tem o nome de
depressão pós-psicótica, escolhe bem as palavras para falar com
Gabriel: "Eu sei que o que você está vivendo não é fácil, Gabriel, mas
nós estamos aqui para ajudá-lo a superar essa fase. Nas próximas
semanas, vamos diminuir um pouco a dose dos medicamentos, e você
vai começar a se sentir melhor. Não desanime, você vai conseguir
superar isso tudo e viver bem. Caso você não melhore em duas
semanas, vamos entrar com medicamentos antidepressivos. Apesar de
essa fase ser difícil, ela passa logo. Fique tranquilo, que você vai
melhorar. Conversei com a Fátima, sua terapeuta ocupacional, e ela
gostaria que você voltasse ao tratamento".
As palavras do Dr. Marcelo não animaram Gabriel naquele momento.
Só depois, já em casa, conversando com a irmã, é que ele pôde desa-
bafar: "Será que tem jeito de viver com essa doença?". Júlia, perce-
bendo o sofrimento do irmão, responde: "Gabriel, essa é t1ma fase
difícil, mas você vai superar, estamos com você nessa".
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Gabriel vai, aos poucos, sentindo-se melhor com a diminuição da


medicação, e o médico conclui não ser necessária a introdução do
medicamento antidepressivo.
O apoio emocional dos familiares é muito importante para a pessoa
com esquizofrenia que sai de uma internação, para que ela consiga
elaborar o que está vivendo e principalmente seguir o tratamento e
lidar com os efeitos colaterais dos medicamentos.
,
E possível superar esse sentimento de perda de sentido da vida que
Gabriel está vivendo, mas essa superação é um processo. Veremos, nos
próximos capítulos, como ele se dá na vida de nosso personagem.
Normalmente, as pessoas veem o sofrimento como algo negativo; nós
entendemos que esse momento de sofrimento de Gabriel é a base para
um caminho de mudança. Quando ele tiver superado tal sentimento,
essa experiência servirá de referência para ele entender a importância
de cuidar da saúde, para não retroceder a uma situação já conhecida.
Essa é uma possibilidade que sempre está aberta na vida das pessoas
que têm esquizofrenia, mas exige a busca de novos caminhos e enten-
dimentos e a aliança com pessoas de confiança, como amigos, fami-
liares e profissionais da saúde.
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Cecília Attux - Psiquiatra


Larissa C. Martini - Terapeuta ocupacional

O conceito atual de saúde é muito mais amplo que a mera ausência de doença, pois
envolve um estado completo de bem-estar físico, mental e social. O bem-estar físico
envolve as questões ligadas ao corpo e à parte biológica; o bem-estar mental significa
estar bem com as questões psicológicas; e o bem-estar social está ligado à satisfação das
necessidades ligadas às relações sociais.
Para que todas essas necessidades sejam satisfeitas, precisamos ampliar o cuidado
no campo da saúde. Na área da saúde mental, as discussões relacionadas a esse tema
estão cada vez mais presentes, principalmente pelo fato de os portadores de doença
mental apresentarem a saúde física mais comprometida que a população em geral. Es-
tudos mostram alta incidência de tabagismo nesses pacientes, o que aumenta as chan-
ces de doenças cardiovasculares, pulmonares e alguns tipos de neoplasias. Além disso,
sabemos que os portadores de esquizofrenia podem ser até quatro vezes mais obesos
comparados à população em geral, o que pode estar relacionado ao sedentarismo, aos
sintomas da própria doença, como o isolamento, além do uso contínuo de medicações.
A obesidade está relacionada a aumento de doenças cardiovasculares e diabetes e com-
plicações decorrentes dessas doenças, daí a importância de estarmos atentos também
a esses aspectos.
As ações de prevenção e promoção de saúde são muito importantes para todas as
pessoas, mas precisamos ter um cuidado especial com os portadores de transtornos
mentais pelos riscos já citados.
É importante que os portadores de transtornos mentais sejam orientados e estimu-
lados para a realização de mudanças no estilo de vida, principalmente em relação ao
hábito alimentar e à prática de atividade física. Com essa preocupação, a equipe do
Pró-Saúde, PROESQ, vem desenvolvendo atividades para orientações de profissionais,
portadores de esquizofrenia e familiares sobre os cuidados com a saúde em geral. Temos
como objetivo estimular a autonomia do paciente, orientar seus familiares e incenti-
var ações multidisciplinares. Como resultado dessa iniciativa, pudemos perceber que,
quanto mais as pessoas se sentem cuidadas e orientadas, mais se motivam para realizar
mudanças necessárias em seu estilo de vida, o que é fundamental para o aumento da
autoestima e da qualidade de vida.

Oque dizem os especialistas


Gabriel e seus pais foram convidados a participar de uma palestra com
especialistas em esquizofrenia. O Dr. Marcelo havia explicado qt1e,
quanto mais eles entenderem a doença e a forma de tratamento, majs
poderão contribuir com Gabriel. Na palestra, eles receberam informa-
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ções relacionadas à importância do tratamento medicamentoso e o


que esperar deste, tendo como continuidade o assunto da medicação
com foco nos efeitos colaterais e como contorná-los.
Apesar de a linguagem ser mais difícil, a palestra foi importante para
Gabriel e seus pais compreenderem a importância do tratamento
psiquiátrico e levarem suas dúvidas para conversar com o Dr. Marcelo,
principalmente sobre a escolha do medicamento que o jovem usa e
seus efeitos colaterais. Não existe medicamento sem efeitos colaterais,
mas pode-se escolher aquele que se adapta melhor para cada pessoa,
e isso pode ser negociado com o médico com base no relato de como o
paciente está se sentindo com a medicação que utiliza.

Rodrigo Affonseca Bressan


O objetivo do tratamento da esquizofrenia é controlar os sintomas, reabilitar o indivfduo
para sua vida e evitar novos episódios psicóticos.
As medicações antipsicóticas são absolutamente necessárias para controlar o episó-
dio psicótico agudo e evitar novas crises. O acompanhamento médico deve se fundamen-
tar em urna boa relação com o paciente e a família e atendimentos frequentes (semanais
a mensais). Apesar de as medicações serem fun damentais, elas não são suficientes;
são necessárias, também, abordagens de terapia ocupacional e psicoterapia individual,
grupal ou familiar para se obter melhor reabi litação.
Atualmente, sabe-se que a demora para o início do tratamento e a forma corno ele
é conduzido já no primeiro episódio psicótico influenciam a evolução e o prognóstico da
esquizofren ia. A intervenção precoce pode amenizar uma evolução deteriorante e até
mesmo evitar novos episódios da doença; portanto, quadros psicóticos são uma urgência
médica e devem ser tratados o mais rápido possível.
Todos os antipsicóticos aprovados têm eficácia comprovada, e os estudos realiza-
dos até o momento não mostram eficácia diferenciada entre eles. Os antipsicóticos são
divididos em duas classes: primeira geração, também chamada de típicos (Tab. 4. l )j e
segunda geração, ou atípicos (Tab. 4.2). A principal diferença entre eles é que medica-
ções de segunda geração têm menor chance de desencadear sintomas extrapiramidais
(sintomas semelhantes aos da doença de Parkinson) nas doses terapêuticas. A escolha
do antipsicótico deve ser feita com base no perfil farmacológico das substâncias (p. ex.,
mais ou menos sedativo) e nos efeitos colaterais que elas determinam.
As informações contidas neste livro visam incentivar o diálogo com o médico. É
fundamental não se automedicar. O médico deve sempre prescrever e acompanhar o tra-
tamento.

conlinua ...
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Na fase aguda, é recomendada uma dose mais baixa para um primeiro episódio
psicótico ou a dose que o paciente está habituado a uti lizar.
A resposta ocorre em duas a quatro semanas, e a avaliação da eficácia do antipsicó-
tico deve ser feita somente após esse período.
Na fase de manutenção após a remissão dos sintomas agudos, a dose de antipsicó-
ticos pode ser reduzida lentamente para se identificar a melhor dose de manutenção,
tendo como parâmetro os sintomas do paciente. Muitos têm dificuldade em seguir o
tratamento, e há medidas necessárias para que este ocorra e o paciente se conscientize
de sua importância.
A tomada correta da medicação é fundamental para que se obtenha melhora dos sin-
tomas de forma eficaz. Para pacientes que têm dificuldade em tomar seus medicamentos
regularmente, as medicações de depósito (também chamadas "de ação prolongada") são
uma alternativa muito importante (Tab. 4.3). Hoje em dia, temos dois anti psicóticos de
longa duração de segunda geração. Essas medicações devem ser utilizadas de forma pre-
coce principalmente em pacientes no início da doença, em vez de esperar vários episódios
psicóticos para que os portadores aprendam a necessidade do uso da medicação regular.
Todos os medicamentos trazem (ou causam) efeitos colaterais, e é assim também
com aqueles para esquizofrenia. Isso, entretanto, não deve ser motivo de alarme ou de
desistência do tratamento, pois efeitos colaterais não acontecem em todas as pessoas
que tomam o medicamento. É importante conhecê-los para avisar o méd ico, caso ocor-
ram (Tab. 4.4). Quando ocorre algum efeito indesejável, a indicação é diminuir as doses
ou trocar o medicamento por outro que não cause tanto desconforto. Alguns pacientes
têm dificuldade em tomar as doses com regularidade, em virtude do impacto dos efeitos;
portanto, estabelecer uma relação de confiança entre médico e paciente é fundamental
para a escolha certa do medicamento, e assim aumentar a chance de sucesso do trata-
mento.
No passado, acreditava-se que altas doses de antipsicóticos eram necessárias para
conter os sintomas. Atualmente, não se justifica mais o uso de altas doses desses me-
dicamentos, pois os efeitos colaterais são bastante desagradáveis e comprometem a
adesão do paciente ao tratamento.
Hoje, os antipsicóticos de segunda geração são os medicamentos de escolha para o
tratamento da esquizofrenia, porque induzem menos sintomas extrapiramidais {distonia,
parkinsonismo, acatisia). Em razão do custo elevado dessas medicações, o sistema de
saúde pública do Brasil preconiza o uso de antipsicóticos de primeira geração como
primeira escolha para o tratamento da esqu izofrenia; em caso de efeitos colaterais ou
resposta insatisfatória, indicam-se os de segunda geração. É muito importante saber que
os antipsicóticos de primeira geração:
• devem ser utilizados em doses baixas, para evitar sintomas extrapiramidais;
• devem ser usados na mlnima dose necessária, em monoterapia antipsicótica (um
ún ico medicamento).
No início da doença, doses mais baixas são, em geral, suficientes para atingir eficá-
cia com menor chance de desencadear os efeitos indesejados.

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. . . co11linuacão
,

Os antipsicóticos de segunda geração:


• devem ser utilízados em doses corretas, por tempo adequado, para avaliar resposta
clínica, que é de 6 a 8 semanas.
Para os pacientes que não respondem a dois medicamentos convencionais (refratá-
rios), existe a medicação específica chamada clozapina (Leponex), que é especialmente
eficaz nessas situações. Apesar de o tratamento ser um pouco mais complicado, por
exigir exames de sangue semanais, ele vale a pena, pois pode mudar o curso da doença
e ter um enorme impacto na vida da pessoa, melhorando drasticamente os sintomas.
Quanto mais cedo se introduz a clozapina, melhores são os resultados; o exemplo de Car-
los mostra isso com clareza. A avaliação da eficácia da clozapina pode exigir um tempo
maior para resposta clínica, até seis meses.
Conhecer mais sobre as medicações e conversar com o médico pode aumentar muito
o sucesso do tratamento. Tanto o portador de esquizofrenia quanto a família devem ter
papel ativo nesse processo. Ao monitorar a eficácia do tratamento e informar o psiquiatra
dos efeitos colaterais, eles podem ajudar o médico a contornar esses efeitos, ajustando a
dose ou trocando de medicação. O paciente e sua família têm uma contribuição funda-
mental para melhorar os efeitos do tratamento e evitar o abandono das medicações, fator
que representa risco importante de recaída.

Wulf Dittmar - Psiquiatra


Com a introdução dos antipsicóticos, na década de 1950, foi possível, pela primeira vez,
falar de um tratamento eficaz para a esquizofrenia. O efeito desses medicamentos é ate-
nuar a sintomatologia psicótica e abreviar a duração do surto. É verdade que, infelizmente,
não ocorre a cura, mas a estabil ização da evolução clínica da doença. Amedida que foram
se consolidando nossos conhecimentos sobre esse grupo de medicações, mostrou-se tam-
bém sua eficácia a longo prazo, ou seja, elas impediam que o paciente tivesse recaídas.
Há muitas formas de evolução da esquizofrenia; a mais frequente é a recorrência de
crises agudas, também chamadas de surtos. Uma vez que esta é superada, sucede um
período de estabilidade, quando é novamente possível uma interação com a realidade.
Um dos objetivos do plano terapêutico é evitar a recaída, pois a crise é desorganizadora,
e muitas das conquistas alcançadas podem se perder. Para que isso não ocorra, o uso
contínuo de medicação é imprescindível. As evidências a favor do uso contínuo de me-
dicação antipsicótica são incontestáveis: a recorrência das crises é muito menor, e os
êxitos para normalização da vida são amplamente favoráveis.
O enfrentamento dos problemas do dia a dia pode ser complicado para os portadores
de esquizofrenia. Muitas vezes, são menos flexíveis em sua atitude de comportamento,
apresentam menor capacidade de rever suas intenções e posturas, o convívio com fami-
conlinua ...
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fiares e círculos sociais é restrito por sentirem insegurança no reconhecimento das ati-
tudes e intenções de outras pessoas. Assim, acumula-se tensão, o que é percebido com
desconforto tanto no físico quanto no emocional. O acúmulo de tensão deixa o paciente
vulnerável a recaídas e reagudizações. Acredita-se que o uso contínuo da medicação
antipsicótica exerça um fator protetor contrário a esse circulo vicioso, o que estabilizaria
a progressividade da evolução clínica.
Porém, como ocorre em todos os tratamentos de longo prazo, há tendência para o
abandono da med icação, ainda mais quando são percebidos efeitos colaterais descon-
fortáveis, como ocorre em relação à motricidade - os anti psicóticos, principalmente da
primeira geração, quando usados em dose elevada - , ao ganho de peso e em relação à
"perda no brilho e relevo" na percepção dos acontecimentos. No entanto, mesmo assim,
o balanço é amplamente favorável para aqueles que fazem uso da medicação, pois o
custo da recaída é incomensurável.
Para um tratamento eficaz, há a necessidade de um vínculo de confiança entre o
paciente e sua equipe clínica. Deve ser constituída uma base segura que suportará a
ação terapêutica . Esta, evidentemente, irá além da medicação - compatível com o bem-
-estar - , desenvolvendo estratégias, alternativas e recursos para o restabelecimento de
uma vida normalizada.

No mundo todo, existe um grande investimento por parte das agências governamentais
de pesquisa e da indústria farmacêutica para desenvolver novos medicamentos. Até o
momento, todos os medicamentos antipsicótícos disponíveis comercialmente agem no
sistema de um neurotransmissor chamado dopamina (um dos elementos da transmissão
de informação no cérebro). Esses med icamentos funcionam bem para a redução de sin-
tomas chamados positivos, tais como alucinações e delírios, e para evitar novos episódios
agudos da doença. No entanto, eles são menos eficazes em sintomas chamados nega-
tivos, como o isolamento e a dificu ldade de sociabi lização. Existem muitas pesqu isas
buscando medicamentos que atuem em outros sistemas de transmissão cerebral (como
o glutamato), que possam ser mais eficazes nos sintomas negativos.
Alguns pacientes apresentam dificuldades cognitivas, tais corno problemas para concen-
trar a atenção, manter informações na memória e coordenar o planejamento de uma tarefa.
Essas alterações dificultam o dia a dia, atrapalhando até mesmo a medicação e o acompa-
nhamento nas terapias. Existe urna série de medicamentos sendo desenvolvidos exatamente
com o propósito de melhorar o desempenho cognitivo das pessoas com esquizofrenia.
Outras pesqu isas concentram-se em testar medicamentos desenvolvidos para evitar
processos cerebrais que resultam na cronicidade da doença, chamados medicamentos
neuroprotetores. Caso essa nova classe de medicamentos venha a funcionar, imagina-se
que serão especialmente úteis nos estágios iniciais da doença ou até mesmo no período
que antecede os primeiros sinais, antes que todos os sintomas da doença se manifestem.
c<•11li1111u .••
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... conÍinuaciiu

Hoje, o psiquiatra lança mão dos medicamentos que estão disponíveis, aos quais a
pessoa tem acesso, sobretudo aqueles que ela pode retirar gratuitamente nas farmácias
do Estado. Muitos avanços estão ocorrendo e devem contribuir para o tratamento em
um futuro próximo, mas lembramos que os medicamentos disponíveis hoje em dia para
tratar esquizofrenia já são uma grande conquista, infelizmente não acessível a todos. É
fundamental que os portadores e as famílias conheçam seus efeitos para que possam
ajudar o méd ico e os terapeutas a encontrar a melhor opção para cada caso.

Marlene Apolinário - Psicóloga e pedagoga


A doença torna a pessoa frágil diante de situações estressantes da vida.
O que seria vivenciado como um sofrimento normal se torna insuportável para al-
guém com esquizofrenia. Dessa forma, as cobranças da vida, sejam familiares, profissio-
nais, escolares, dos amigos e de si mesmo, intensificam-se tanto que deixam a pessoa
confusa e desorganizada.
Sendo assim, é importante ter em mente que a psicoterapia, na esquizofrenia , será
direcionada a tratar a pessoa, dando um suporte mais compreensivo, contínuo e inten-
sivo. O portador, diante de seu sofrimento, necessita estabelecer relação de confiança
e de suporte para seus sintomas e suas inseguranças. Experimentar essa relação, na
qual ele consegue ser compreendido e ajudado a entender seus sentimentos, sintomas
e sensações, torna-se extremamente importante e o fortalece para enfrentar a doença.
A psicoterapia é uma forma de tratamento aplicado por meios psicológicos, em que
se criam condições necessárias para que se man ifeste o sentimento de unidade entre
duas pessoas. Ambiente acolhedor e espaço de experimentação com base no relaciona-
mento entre terapeuta e paciente produzem mudanças na cognição, nos sentimentos e
no comportamento.
A possibilidade de se sentir sustentado diante de sintomas que amedrontam não só o
paciente, mas também a própria familia, que acaba se fragili zando junto, ajuda a aliviar
e traz um sentimento de segurança. Com esse sentimento, é possível a conscientização
do paciente em se perceber mais sensível e vulnerável diante dos eventos ameaçadores
da vida e criar estratégias para se proteger e reduzir essa vu lnerabil idade.
A psicoterapia deve ser desenvolvida em direção das necessidades do paciente em
relação à doença e das características de sua personalidade, atingindo suas necessida-
des particulares e restabelecendo o contato com a realidade. Nesse processo, constrói-se
uma nova forma de existir no mundo, trazendo novos significados aos valores, aos objetos
e às metas que se ti nham antes da crise, percebendo que isso é possível.
A pessoa acometida pela esquizofrenia necessita de ajuda para construir a crítica em
relação à doença, à percepção dos sintomas e em relação a como lidar com eles junto
a seu jeito de ser. O terapeuta tem papel importante, pois ele recebe, pela confiança
estabelecida, o que é mais íntimo do paciente, e, j untos, paciente e terapeuta constroem
significados que ajudam a reorganização psíquica da pessoa.
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Tabela 4.1 Antipsicóticos de primeira geração


Nome comercial Doses médias
Substâncias (referência) Apresentações habituais

Clorpromazina Amplicti l Comprimidos: 25 e 100 mg


Gotas: 1 gota = 1 mg
Ampolas: 5 ml = 25 mg 50-1.200 mg
Haloperidol Haldol Comprimidos: 1 e 5 mg
Gotas: 2 mg/ml
Ampolas: 1 mU5 mg 5-15 mg
Levomepromazina Neozine Comprimidos: 25 e 100 mg
Gotas: 40 mg/ml
Ampolas: 5 mU25 mg 400-1.000 mg
Periciazi na Neoleptil Comprimidos: 10 mg
Gotas 4%: 1 gota = 1 mg 15-30 mg
Pimozida Orap Comprimidos: 1 e 4 mg 2-10 mg
Pipotiazina Pi parti 1 Comprimidos: 10 mg 10-20 mg
Sulpirida Equilid Comprimidos: 50 e 200 mg 50-150 mg
lioridazina Melleri 1 Comprimidos: 10, 25, 50 e
100 mg 300- 1.200 mg
Trifluoperazina Stelazine Comprimidos: 2 e 5 mg 5-30 mg
Zuclopentixol Clopixol Comprimidos: 10 e 25 mg
Ampolas: 50 mg/m l 10-75 mg

Reabilitação
A reabilitação na esquizofrenia é um processo que deve ser pensado
desde a primeira intervenção pelos profissionais da saúde, no sentido
de preparar o caminho para que a pessoa tenha condições para resta-
belecer uma vida com qualidade e com o mínimo possível de interfe-
rência dos sintomas. Esse foi o procedimento adotado com Gabriel
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Tabela 4.2 Antipsicóticos de segunda geração


Nome comercial
Substâncias (referência) Apresentações

Am isulprida Socian Comprimidos: 50 e 200 mg 200-900 mg


Aripiprazol Abilify Comprimidos: 10, 15, 20 10-30 mg
e 30 mg
Asenapina Saphris Comprimidos: 5 e 10 mg 10-20 mg
Clozapina Leponex Comprimidos: 25 e 100 mg 200- 900 mg
Olanzapina Zyprexa Comprimidos: 2,5, 5 e 10 mg
Ampolas: 10 mg 5-20 mg
Pal iperi dona lnvega Comprimidos: 3, 6 e 9 mg 3-12 mg
Quetiapina Seroquel Comprimidos: 25, 100 300-800 mg
e 200 mg
Rispetidona Risperdal Comprimidos: 1, 2 e 3 mg
Gotas: 1 mg/ml 4-8 mg
Ziprasidona Geodon Comprimidos: 40 e 80 mg
Ampolas: 20 mg/ml 80-160 mg

desde o início do tratamento, sendo retomado durante a internação. A


eficácia da reabilitação está relacionada a vários fatores, entre eles a
adesão ao tratamento, a conscientização da pessoa e da família e o
acesso a tratamentos bem estruturados. Vejamos, a seguir, como esse
processo se dá na vida de Gabriel.
Durante a internação, foi trabalhada uma rotina de autocuidado, que
incluiu horário das medicações, hábitos de higiene, momentos de lazer
e convivência. Essas são condições básicas para a continuidade do
tratamento depois da internação.
Ao sair da internação, Gabriel passa por um período de grande sofri-
mento relacionado ao sentimento de perda de sent ido para a vida.
Esse é um obstáculo que só pode ser transposto com a ajuda da família
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Tabela 4.3 Antipsicóticos de ação prolongada


Doses
médias habituais
Substâncias Apresentações (referência)

Enantato de Anatensol 25 mg/ampola 12,5-50 mg a


flufenazi na cada 14 dias
Flupentixol Depixol Ampolas: 20 e 200-400 mg a
100 mg/m l cada 14 dias
Decanoato de Haldol decanoato Ampolas: 50 mg/m l 50-200 mg a cada
haloperídol 28 dias
Paliperidona lnvega Sustenna Ampolas: 25, 50, 75, 50-1 50 mg a cada
100 e 150 mg/ml 28 dias
Penfluridol Semap Comprimidos: 20 mg 20-60 mg uma vez
por semana
Pipotiazina Piportíl Ampolas: 25 mg/ml 100 mg a cada
28 dias
Risperidona Risperdal Consta Ampolas de 25 e 25-50 mg a cada
37,5 mg 14 dias
Zuclopentixol Clopixol depot Ampolas: 200 mg/m l 200 a 400 mga
cada 14 a 28 dias

e dos profissionais da saúde. Trata-se de uma questão séria e difícil, e


muitas pessoas com esquizofrenia levam muito tempo para aprender a
lidar com ela.
Ele volta a fazer terapia ocupacional e inicia psicoterapia. A terapia
ocupacional ajuda Gabriel a voltar a estabelecer p rojetos e levá-los
a cabo e a elaborar su as questões em relação à vid a. A p sicoterapia
é também um espaço para ele elabora r suas qt1estões diante da
nova situação. Esses tratame ntos dão suporte para que se estabe-
leçam, ao longo dos meses, as doses de manu tenção dos medica-
mentos.
Nos meses que se seguem à internação, Gabriel vai, acompanhado de
um familiar, ao psiquiatra, à terapia ocupacional e à psicoterapia. Sua
Entre a razão e a ilusão 133

Tabela 4.4
Os principais efeitõs1
co latera is·i sã11:· O que é?

Sedação ou sonolência Aumento de sonolência e cansaço durante o dia.


Tende a melhorar como o uso de antipsicótico.
Sintomas extrapiramidais
Distonia aguda Contração muscular involuntária que pode resu ltar
em dor. Os sintomas podem se manifestar nos
braços, tronco, olhos, pescoço e na língua.
Parkinson ismo Lentificação dos movimentos, rigidez muscular e
tremor fino, combinados com postura paralisada,
passos curtos e aumento da salivação.
Acatisia Sensação subjetiva de agitação, inquietação das
pernas e impossibilidade de ficar parado no
mesmo lugar.
Discinesia tardia Ocorre somente com o uso crôn ico de antipsicóticos
e caracteriza-se por movimentos espontâneos que a
pessoa não consegue controlar.
Ganho de peso
Elevação da prolactína Um hormônio que afeta a menstruação e o desejo
sexual.

,
?bfe

família procura incluí-lo sempre nas atividades cotidianas e de lazer.


Nessa fase, ir aos tratamentos, tomar os medicamentos e assistir a uma
novela com a família, por ,
exemplo, são atividades que exigem de
Gabriel grande esforço. E, de fato, um "começar de novo".
Ele vai, ao longo do tempo, recuperando gradativamente suas capaci-
dades. Os profissionais da saúde e a família incentivam-no a enfrentar
os desafios dessa jornada. Sônia, a psicóloga, sabe que a literatura é
algo que pode ajudar Gabriel a superar as questões relacionadas à
esquizofrenia e o incentiva a ler primeiro livros mais populares e
134 • Assis, Villares & Bressan

simples e, depois, livros mais elaborados, acompanhando com o devido


cuidado esse processo.
Depois de um ano, Gabriel consegue ajudar sua mãe em pequenas
tarefas domésticas, fazer as refeições e assistir à televisão com a família
à noite na sala, ir sozinho aos tratamentos e se esforçar para ler. Estes
parecem resultados muito pequenos, mas na verdade são muito impor-
tantes: estabelecer uma rotina mínima, manter um relacionamento
familiar e ir aos tratamentos são as condições básicas, os alicerces
sobre os quais Gabriel poderá, ao longo do tempo, ir redesenhando seu
caminho de vida.
A lição que a experiência desse jovem nos ensina é que precisamos
entender o tempo necessário para que as mudanças aconteçam. Gabriel
não ficará para sempre com essa rotina; ele está dando o melhor de si,,
o que abrirá possibilidades para outras mudanças em sua vida. E
comum a pessoa com esquizofrenia se angustiar por não conseguir os
resultados qt1e espera em curto prazo, ficando com a impressão de que
as coisas não mudarão. A melhor postura é fazer o máximo que estiver
ao alcance. Isso, por si só, vai promovendo o caminho de mudança,
como veremos na história de Gabriel. Também é comum a família se
acomodar com a situação do indivíduo com esquizofrenia, por não ter

o o
Entre a razão e a ilusão 135

a percepção de que os resultados, por menores que pareçam, são o que


possibilita à pessoa readqt1irir sua força interior. O tempo é o melhor
aliado quando temos a paciência que o caminho de mudanças exige.

Recuperação
A esquizofrenia é t1ma doença qt1e apresenta graus diferentes de
comprometimento, e essa condição varia conforme o caso. Neste capí-
tulo, procuramos apresentar alguns aspectos do tratamento da doença.
Os profissionais da saúde sempre buscam trabalhar com o que é
possível para a pessoa, estabelecendo um plano terapêutico que visa
evitar perdas e promover a melhora na linha do tempo.
,
E fundamental manter a esperança mesmo nos momentos mais difí-
ceis, pois é pelo esforço continuado da pessoa e da família que as
melhoras podem ser construídas. Esse processo se dá em aspectos do
relacionamento cotidiano, como procurar manter relações com base
em respeito e em aceitação da pessoa, oferecendo condições para que
ela melhore.
,
E importante compreender que a pessoa com esquizofrenia mantém
suas qualidades humanas, e são estas que permitem estabelecer
relacionamentos, por meio dos qt1ais o crescimento se torna possível.
Muitas pessoas com esquizofrenia e familiares desanimam diante das
dificuldades imediatas, mas é preciso ter em mente que os resultados
são construídos com o tempo, como dissemos anteriormente. Sempre
é possível melhorar, independe11temente do número de crises agudas
que se tenha vivido ou do grau de comprometimento que elas
causaram.
Daremos, aqui, três exemplos:

1. Jorge, um dos autores deste livro, meses depois de sua terceira


crise, controlada com uma internação, passava o dia inteiro tentando
ler um livro de Machado de Assis e levou cinco meses para concluir
a leitttra; hoje, depois de sete anos, não tem dificuldades para ler.
136 • Assis, Villares & Bressan

2. Uma amiga, depois da internação, pensava em ser freira para não


dar trabalho para a família; hoje, alguns anos depois, ela é muito
competente no trabalho e está casada.
3. Um amigo ficou internado por aproximadamente dois anos; hoje,
uma década depois, cuida sozinho de sett tratamento e contribui
com muita lucidez e inteligência nas atividades da Associação Brasi-
leira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE).

Esses exemplos bem-sucedidos são o resultado de uma postura de


busca de melhorar o que é possível a cada dia. Isso não quer dizer que
não haja dificuldades e situações complicadas a serem superadas; elas
existem como na vida de qualquer pessoa.
Ainda não se conhece a cura para a esquizofrenia, uma doença consi-
derada grave, mas existem tratamentos que permitem seu controle. A
esquizofrenia é uma doença crônica e precisa de acompanhamento por
tempo indeterminado. Em muitos casos - como o de Jorge -, exige
acompanhamento pela vida toda. Isso não deve ser motivo para desâ-
nimo, pois é possível melhorar e ter uma vida com qualidade.
Estigma - como as
pessoas se sentem

Rótulos
A esquizofrenia e a forma como ela se manifesta são desconhecidas
para a grande maioria das pessoas. Corno consequência, elas rotulam
q11em tem a doença por seu comportamento diferente, sem perceber
que essa atitude gera sofrimento e isolamento. Nossa intenção em
abordar o estigma é apresentar uma série de questões pouco conver-
sadas, vividas pelas pessoas com esquizofrenia e seus familiares.

~
es uizofrênico
138 • Assis, Villares & Bressan

"Estigma" é uma palavra que significa uma marca negativa colocada


na pessoa. Vivemos, hoje, uma situação em que as pessoas com trans-
tornos mentais, em particular a esquizofrenia, mobilizam-se para ter
seus direitos reconhecidos. Infelizmente, essa é uma situação que não
se resolve unicamente com leis contra a discriminação. Trata-se de
uma questão mais profunda, que tem raízes na história e na maneira
como as pessoas aprendem seus valores na vida em sociedade. O
estigma em relação aos transtornos mentais tem grande impacto na
vida dos portadores, por isso vem sendo muito estudado e começa a
ser uma preocupação das autoridades em saúde.
Por um lado, é necessário diminuir a desinformação, por intermédio
de programas educativos e de movimentos sociais de defesa de direitos;
por outro, as pessoas afetadas pelo estigma podem ter sua vida mais
preservada se souberem como lidar com as situações que ele coloca.
Neste capítulo, continuamos a história de nossos personagens Gabriel,
Carlos e Francisca, portadores de esquizofrenia que passam por situa-
ções de vida que ilustram como as várias facetas do estigma afetam a
vida das pessoas com a doença e de seus familiares.
Nossa abordagem privilegia as vivências e como lidar com elas. Temos
a convicção de que mudanças só serão efetivadas com a conscienti-

R. V. L. - Portador
É muito triste ver as pessoas rotulando as outras de esquizofrênicas; estas podem ser
ótimas pessoas, simpáticas, compreensivas, dóceis. A expressão do rótulo é uma coisa re-
almente impressionante, as pessoas gostam de rotular. Eu li em um livro que o ser humano
é considerado um universo em miniatura, então, como você pode chegar a um universo e
ficar rotulando isso ou aquilo, e as outras coisas não contam? Por que não arrancar o rótu-
lo? Não precisa de mais nada, basta olhar para dentro do frasco para ver o que tem dentro.
Entre a razão e a ilusão 139

zação das pessoas com transtornos mentais e de seus familiares. Essas


pessoas têm grande responsabilidade, pois, por meio de suas atitudes,
mudarão a forma como a sociedade se comporta em relação à doença
mental.
Esperamos que, com este capítulo, nossos leitores possam perceber
que transtornos mentais como a esquizofrenia são doenças que têm
tratamento e devem ser vistas como qualquer outra doença física.
Esperamos, também, contribuir com informações úteis para melhorar
a qualidade de vida dos portadores e de seus familiares e reduzir um
sofrimento que, em grande parte, pode ser evitado.

Miguel R. Jorge - Psiquiatra


A palavra "estigma" tem origem grega e significa marcar, pontuar. Os gregos marcavam
o corpo de pessoas quando buscavam evidenciar alguma coisa de extraordinári o ou mau
sobre seu status moral e, assim, possibilitavam que ela fosse facilmente identificada e
evitada. Um estigma é, na realidade, um tipo especial de relação entre um atributo da
pessoa e um estereótipo negativo e acaba sendo visto como algo que a define mais do
que um rótulo a ela aplicado. O estigma está relacionado a conhecimentos insuficien-
tes ou inadequados (estereótipos), o qual leva a preconceitos (pressupostos negativos},
discriminação (comportamentos de rejeição) e distanciamento social da pessoa estig-
matizada.
Est udos realizados desde os anos de 1950 demonstram que as pessoas, em geral,
apresentam grande desconhecimento sobre as doenças mentais e uma reação negativa
diante dos doentes mentais, considerando-os "relativamente perigosos, sujos, impre-
visíveis e sem valor". Essa percepção acaba por provocar sentimentos de "medo, des-
confiança e aversão" com relação aos portadores de doenças mentais. O processo de
desinstitucionalização dos doentes mentais - fechando hospitais psiquiátricos e abrindo
serviços comunitários e residências terapêuticas - infelizmente tem contribuído para o
crescimento do estigma, na medida em que a população fica mais exposta a contatos
com doentes mentais graves, sem o necessário incremento de informações sobre a real
situação deles. A ideia de que os doentes mentais são violentos é, muitas vezes, difundi-
da pela mídia e não encontra respaldo na real idade, uma vez que, na maioria das vezes,
os portadores são mais vítimas de violência que perpetradores desta.
co11li111ttL ..•
140 • Assis, Vil lares & Bressan

..• co11/i111ta,;iio

Assim, o estigma relacionado às doenças mentais, além de associar-se a uma vi-


são estereoti pada de imprevisibilidade e violência, associa-se, também, à negação de
direitos humanos dos portadores, frequentemente contribui para sua exclusão social e
coloca-os em posição de desvantagem quando buscam emprego, moradia, estudo, direi-
tos previdenciários e mesmo acesso a tratamento, além de produzir autoestigma e baixa
autoestima, contribuindo para pior qualidade de vida. Em geral, o estigma e a discri-
minação em relação aos portadores de doenças mentais estendem-se a família, amigos
e mesmo a profissionais e serviços da saúde mental, observando-se uma discriminação
orçamentária da saúde mental nas políticas de saúde pública.
As estratégias para mudar atitudes estigmatizadas costumam envolver educação
(informações sobre as doenças mentais e seus portadores) -, que não se mostra dura-
doura e não necessariamente muda atitudes; contato por meio da interação direta com
portadores; e protesto (buscando suprimir atitudes estigmatizadas, sobretudo na mídia),
sendo esta última a menos eficiente. Mais recen temente, estratégias favorecedoras de
empoderamento (empowerment) dos portadores têm sido preconizadas de forma a pro-
mover sua participação efeti va no planejamento terapêutico e na própria avaliação dos
serviços de saúde mental.

Desconhecimento, onde tudo começa ...


Aprendemos como as coisas e as pessoas são por intermédio do
convívio em sociedade, na família, na escola, no trabalho e entre
amigos. Aprendemos as relações por meio do hábito. E o qt1e é visto
como diferente está dentro do campo do desconhecido. Assim é com a
esquizofrenia - imagine como seria viver sem
,
que as outras pessoas
tivessem noção do que se passa com você! E isso o que acontece com
as pessoas com essa doença.
Gabriel, um ano depois da segtmda crise aguda com a esquizofrenia,
faz um grande esforço para manter a saúde e desenhar novos cami-
nhos para a vida. Seus familiares hoje entendem que a esquizofrenia é
uma doença que traz dificuldades a serem vencidas e o apoiam, acei-
tando também seu modo de lidar com as coisas cotidianas.
Entretanto, infelizmente não é assim no bairro onde Gabriel mora. Por
ter sido internado na ala psiquiátrica de um hospital e continuar em
tratamento, não sair muito de casa, ser mais retraído e tímido e não
trabalhar nem estudar, o jovem vai sendo rotulado como incapaz,
Entre a razão e a ilusão 141

alguém com quem não vale a pena se relacionar ou como um estranho,


<<menos gente que os outros".
Gabriel percebe quando as pessoas o evitam ou, pior, quando o tratam
como se ele não percebesse ou não entendesse as atitudes discrimina-
tórias. Isso o entristece, e é como se ele tivesse uma "marca" na testa
dizendo que é diferente dos outros. Para se defender e evitar essas
situações constrangedoras, ele fica a maior parte do tempo em casa, de
forma a diminuir um sofrimento desnecessário. O único lugar em que
ele é bem aceito é o local de tratamento, onde vai uma vez por semana.
Em uma consulta, ele trouxe essa decepção em sua feição, e o médico
procurou saber o que estava se passando. Gabriel contou uma série de
situações em que as atitudes discriminatórias das pessoas o feriram
mttito, dizendo com lágrimas nos olhos: ((Conviver com a doença e
seguir os tratamentos eu aceito, mas por que sou tratado desse jeito?".
O médico, percebendo a situação tão delicada, escolheu bem as pala-
vras para ajudá-lo: "Gabriel, as pessoas em geral só olham as aparên-
cias, elas não conseguem enxergar muito além de si mesmas. Essas
142 • Assis, Villares & Bressan

coisas que você está me contando têm um nome técnico, chama-se


estigma. Quando eu era criança, era gordinho e sempre era deixado de
lado nas brincadeiras das outras crianças na rua em que morava. Eu
não tenho uma solução para o estigma que você e eu vivemos, procuro
viver bem comigo mesmo e não dar importância para o desconheci-
mento das pessoas. Você é um bom rapaz e tem muitas qualidades, não
deixe que o estigma faça você se esquecer disso".
Gabriel ouviu o que o Dr. Marcelo contou com atenção e ficou pensando
nessa questão do estigma. Será que tem solução? Qual é o motivo da
discriminação? Dá para fazer algo para evitá-la? Dá para conviver com
isso? Será que um dia vou ser totalmente aceito?
Esperamos discutir algumas dessas questões levantadas ao longo deste
capítulo. Lembramos que o desconhecimento é uma das principais
causas de injustiças sociais e desigualdades. A maioria das pessoas
acredita que esse estado de coisas é culpa dos políticos e governantes,
mas não tem consciência de que a vida em sociedade se dá nas rela-
ções cotidianas. Informações que promovam mudanças no cotidiano,
possibilitando um convívio mais solidário e respeito pelos valores
humanos, podem tornar a vida melhor. No caso das questões que
Gabriel levanta, veremos que, em grande parte, as respostas que ele,
Carlos e Francisca encontrarão estão em suas mãos e serão atingidas
por meio de mudanças de postura.

Aceitação das limitações


A esquizofrenia é uma doença que, na maior parte dos casos, causa
limitações, decorrentes da perda de algumas habilidades, tais como
dificuldade para conversar, fazer e manter amigos e realizar algumas
tarefas do dia a dia. A percepção dessas perdas gera. a sensação de
incapacidade e um sentimento de inferioridade. Vivemos atravessados
por mt1itos sentimentos e situações; não dá para classificar o que é
cada coisa, mas sentimentos de constante inferioridade e baixa autoes-
tima fazem nossas limitações ficarem ainda maiores e parecerem
intransponíveis. No entanto, é preciso lembrar que todas as pessoas
Entre a razão e a ilusão • 143

têm limitações; essa é uma característica humana. O grande desafio é


aprender a lidar com as limitações que fazem parte de nossa vida.
Carlos, amigo que Gabriel conheceu no hospital, melhorou bastante da
esquizofrenia resistente com a clozapina. Hoje, não se sente perse-
guido, praticamente não ouve mais vozes e sabe distinguir quando elas
aparecem, deixou de falar sozinho e melhorou a forma de se vestir,
mas continua um pouco diferente do habitual. Entretanto, para Carlos,
todas as dificuldades que ele tem no cotidiano são associadas à esqui-
zofrenia, como se ela explicasse tudo. Muitas pessoas com esquizo-
frenia têm essa postura, principalmente porque as experiências vividas
com a doença são muito marcantes. Lembrando que cada pessoa é
única e evitando generalizar, cada uma tem seu tempo de amadureci-
mento para diferenciar o que são dificuldades da doença e o que são
dificuldades da vida, às quais todos estão sujeitos.
Francisca, a outra amiga que Gabriel conheceu durante a internação,
também melhorou muito. Os delírios e as alucinações praticamente
desapareceram, ela readquiriu a vaidade natural das moças de sua
idade e passou a cuidar da aparência. Entretanto, ela não desenvolveu
uma crítica da doença. Na verdade, ela não acha que está doente e
segue o tratamento em virtude da postura firme dos pais. Em muitas
situações, Francisca se considera incompreendida e reclama da insen-
sibilidade dos outros. Para muitas pessoas, as experiências vividas na
esquizofrenia são tão profundas que a maneira como elas conseguem
lidar com seus desdobramentos é pela negação da existência da
doença.
Gabriel vive uma questão existencial muito marcante e sabe que o
tratamento é necessário, pois passou pela experiência de desistir e teve
uma recaída. Isso, porém, trouxe a consciência de que as limitações
dificultam muito sua vida, e o fato de ainda não haver cura para a
esquizofrenia leva-o a uma profunda desilusão em relação à vida, além
da falta de perspectivas. Lembre-se de que o motivo da internação de
Gabriel foi o risco de suicídio. Pois bem, agora Gabriel não corre esse
risco, pois está sendo bem tratado e tem o acolhimento da famt1ia.
Entretanto, muitas pessoas com esquizofrenia não suportam essa
situação de "desmoralização crônica" vivida por Gabriel e veem no
144 • Assis, Villares & Bressan

suicídio a única alternativa para pôr fim ao sofrimento ou a uma vida


sem projetos e realizações. Infelizmente, algumas pessoas acabam de
fato se suicidando.
A prevenção do suicídio é uma preocupação constante no tratamento
da esquizofrenia. Ela se dá ao proporcionar espaços de acolhimento e
diálogo, que ajudam a pessoa a elaborar e compartilhar as profundas
questões existenciais colocadas pela doença em sua vida e ter melhor
aceitação das limitações.
Aceitar que a esquizofrenia é uma doença e que uma de suas consequên-
cias são as limitações nas atividades cotidianas pode ser um grande
problema, mas também pode ser compreendido e levar à busca de um
modo de vida com satisfação. A questão central é como aceitamos nosso
lugar no mundo e como encontramos sentido para nossa existência. Isso
só é possível quando olhamos para dentro, sem nos compararmos com
outras pessoas, isto é, quando nos ocupamos em construir relaciona-
mentos e vínculos com as pessoas sem nos deixar influenciar por exigên-
cias superficiais de nossa sociedade. Assim, conectamo-nos com as quali-
dades httmanas de cada um com quem convivemos. O crescimento indi-
vidual só acontece por intermédio do compartilhamento daquilo que
verdadeiramente somos com as pessoas que nos aceitam nessa perspec-
tiva.
Entre a razão e a ilusão 145

Loucura, uma palavra


que pode machucar
Ao longo dos séculos, pessoas como Gabriel, Carlos e Francisca foram
rotuladas de loucas e internadas en1 asilos pelo resto de suas vidas.
Felizmente, nos últimos 50 anos, foram desenvolvidos tratamentos
que permitem que essas pessoas vivam na comunidade. Alguns medi-
camentos mais att1ais até mesmo possibilitam t1ma vida com mais
qualidade. Acontece que o peso desse rótulo ainda é muito forte na
sociedade, a qual ainda apresenta muito desconhecimento e desinfor-
mação. O estigma é o resultado de como os transtornos mentais são
vistos em seu tempo; hoje, sabemos que transtornos mentais são
doenças que têm tratamento e devemos trabalhar para que sejam
vistos como qt1alquer outra doença física.
Ainda há muito a se fazer para que a sociedade trate com dignidade as
pessoas com transtornos mentais, para que se crie a consciência de que
esses transtornos são uma condição tão humana como tantas outras
que precisam de atenção no mundo atual. Rotular as pessoas de loucas
é uma atitude errada, pois com o rótulo vem a exclusão social. Não se
dá a devida atenção para o fato de qt1e os transtornos mentais são um
problema de saúde sério, que precisa de investimento assim como as
outras áreas da medicina, na medida em que essas doenças têm trata-
mento.
Hoje, enquanto escrevemos esta obra, há movimentos sociais em todo
o mundo trabalha,n do pelos direitos das pessoas com transtornos
mentais. Em muitos lugares, ainda hoje, essas pessoas são tratadas de
forma desumana. Um caminho importante a ser seguido é o do combate
ao estigma, e ele começa pela informação e pela educação dos indiví-
duos na sociedade, para que mudem o comportamento da discrimi-
nação para a aceitação e a tolerância, pois as pessoas com transtornos
mentais merecem os mesmos espaços que todos os cidadãos. Essa
mudança por si só contribui de forma decisiva para o respeito aos
direitos e tratamentos humanizados.
146 • Assis, Villares & Bressan

Apresentamos, aqui, como podem ser esses tratamentos


,
humanizados,
pela história de Gabriel, Carlos e Francisca. E nossa intenção escla-
recer que, mesmo com os melhores tratamentos e medicamentos, a
esquizofrenia é uma doença que exige cuidado constante e muita
perseverança e afirmar que a doença é uma situação humana como
tantas outras que as pessoas vivem e enfrentam. Para melhor conviver
e lidar com essa doença complexa, é necessário t1m esforço conjunto,
respeitadas as condições de cada um, tanto do portador e de sua
família quanto dos profissionais da saúde mental.
Muitas pessoas desinformadas ou sem o senso de respeito ao próximo
podem dizer palavras ou ter atitudes que ofendem e magoam as
pessoas com transtornos mentais. Quem passa por essas situações
pode se fortalecer interiormente, tanto para não acolher dentro de si
as ofensas que vêm de pessoas sem o senso de respeito ao próximo
quanto para perdoar a ignorância delas. Vivemos em um mundo em
que cada indivíduo tem seus problemas com a vida. Quando reconhe-
cemos nossos problemas, temos o bom senso de respeitar os das outras
pessoas. Quando isso não acontece e a pessoa nos rotula como loucos
ot1 usa termos pejorativos, é porque ela ainda não se deu conta de qt1e
a vida não é feita de aparências, e precisa de nossa compreensão. O
perdão é uma atitude qt1e nos protege e não permite que sentimentos
negativos dificultem o bem-estar interior.

Coitado, ele
é louco!!
- Que problema
ele tem?
Entre a razão e a ilusão 147

Não existem soluções prontas, mas acreditamos que elas podem ser
encontradas sempre com base no diálogo entre os envolvidos. O
diálogo nos fortalece até mesmo para lidar com o estigma em nossa
vida e contribuir para uma sociedade sem rótulos. Isso se dá na medida
em que existe a aceitação da presença da esquizofrenia, sem se enver-
gonhar ou ficar no lugar de vítima. Alguém já disse que é o oprimido
qt1em tem nas mãos o poder de libertar tanto a si mesmo quanto o
opressor. Vento a nosso favo r quem faz somos nós.

Uma consciência difícil


Há uma distância entre entender determinada situação e saber conviver
com ela. Conhecer o caminho é diferente de trilhá-lo. Conviver com a
esquizofrenia na própria pele coloca uma série de situações difíceis, e
o caminho para lidar com elas é um aprendizado constante. A esquizo-
frenia normalmente aparece entre o final da adolescência e o começo
da vida adulta, período em que a pessoa está definindo seu lugar no
mundo, e, a doença marca uma quebra de expectativas e acarreta várias
perdas. E mttito difícil distinguir quais questões são decorrências da
doença e quais são consequências das situações vividas pela pessoa. As
decorrências da doença precisam de tratamentos, em que os medica-
mentos são fundamentais. As situações vividas pela pessoa demandam
um aprendizado que ela própria deve construir. Vejamos como Gabriel
lida com o autoestigma.
Lembremos um pouco da história de nosso personagem: quando a
esquizofrenia apareceu em sua vida, estava no primeiro emprego, que
ele deixou para estudar para o vestibt1lar e não conseguiu passar;
depois de se recuperar, entrou em um cursinho pré-vestibular, no
decorrer do qual teve uma recaída e passou pela internação; desde a
internação, ele tem uma vida mais limitada pela doença e faz grande
esforço para manter uma rotina saudável.
Diante dessa história, Gabriel se sente diminuído quando olha para a
vida dos irmãos e dos antigos amigos de escola. Esse sentimento de
fracasso em relação à vida é algo que ele não controla, sempre aparece
148 • Assis, Villares & Bressan

dentro dele. Gabriel gostaria de ter uma vida como a de todas as outras
pessoas, mas não consegue. Não há medicamento para esse senti-
mento negativo em relação a si mesmo. Muitas pessoas com esquizo-
frenia vivem com ele pela vida toda, como se todos os dias fossem
nt1blados e cinzas.
Gabriel conversa sempre com Sônia, a psicóloga. Ela sabe que não
adianta fazer interpretações e proct1ra ajudá-lo a conhecer esses
sentimentos, pois vê nesse processo o caminho concreto para ele
mudá-los.
Júlia, sua irmã, sempre o convida para passear, mesmo sabendo qt1e
ele quase sempre recusa. Renato, seu irmão, todos os sábados, o
convida para jogar futebol, mesmo que ele frequentemente não aceite.
Seu pai deixott de trazer trabalho para casa e passot1 a assistir à tele-
visão com a família à noite e participar das conversas. Sua mãe sempre
puxa conversa com o filho durante o dia, mesmo com ele falando
pouco. Os familiares de Gabriel foram aprendendo com o tempo que
esse apoio cotidiano é mais efetivo do que dar conselhos ou obrigar a
pessoa a fazer o que não quer. O ambiente é fundamental para que as
mudanças ocorram em seu tempo certo.
As mudanças em nossa vida levam tempo, e as grandes são mais demo-
radas. Gabriel está construindo a base para seu crescimento interior.
Quem olha de longe uma pessoa com esquizofrenia falando de suas
questões normalmente não se dá conta de que ela está aprendendo e
mudando em seu próprio tempo. Na vivência com a esquizofrenia, é
necessário ter paciência, pois as transformações positivas vão insta-
lando-se aos poucos.
,
E preciso entender qt1e a pessoa com esquizofrenia enfrenta dificul-
dades e procura lidar com elas. Qualquer indivíduo que se encontrasse
na mesma situação iria se desestruturar e não saberia o que fazer.
Quando vemos t1ma pessoa com esquizofrenia, normalmente repa-
ramos nas limitações ou no comportamento diferente; o que não
conseguimos perceber é a força interior que ela precisa ter para se
manter estável e conviver em um mundo mttitas vezes hostil. Quando
deixamos nossos preconceitos e nossas expectativas pré-construídas
Entre a razão e a ilusão 149

Eu nunca serei
Autoestigma igual a eles!!
OR""\..._..,....,

de lado e passamos a conhecer essas pessoas, descobrimos que elas são


portadoras de valores humanos admiráveis.

Discriminação e ocultação
Existem várias formas de discriminação em relação aos portadores de
esquizofrenia com base em preconceitos (ou julgamentos prévios), ou
seja, mesmo que a pessoa não dê nenhum motivo para isso - por
exemplo, considerar que ela é incapaz ou não tem inteligência; jttlgar
que ela é perigosa ou não é confiável; achar que ela não percebe
qt1ando está sendo manipulada Oll que é lícito direcionar suas ações;
fazer piadas de mau gosto ou menosprezar o que a pessoa diz; entre
outras. Diante dessas situações, é válido ocultar que se tem esquizo-
frenia? Quando revelar e quando ocultar? Essas são questões difíceis,
pois não há t1ma resposta certa ou melhor postura a priori. A melhor
atitude varia de acordo com as circunstâncias e as pessoas para quem
se conta sobre a doença.
Alguns portadores de esquizofrenia contam para todas as pessoas que
os conhecem sobre sua condição, e quem os aceita para qualquer ativi-
150 • Assis, Villares & Bressan

dade ou relacionamento o faz ciente disso. Há outros portadores que


não contam para ninguém e dizem que essa é uma questão particular
e que ninguém precisa saber. Existe uma posição intermediária, ou
seja, abrir-se para pessoas com quem se sente confiança e tem intimi-
dade, mas não para outras, com quem se tem um contato profissional
ou superficial, tais como o gerente de sua conta no banco, o professor
ou o porteiro do prédio.
Entendemos qt1e não existe uma regra ou uma postura que seja a mais
correta. Atitudes discriminatórias dependem das pessoas e da dinâ-
mica que se estabelece nos relacionamentos, e não há uma fórmula
para prevê-las ou como evitá-las totalmente. E' difícil reduzir a rotu-
lação, que, como vimos, tem uma construção histórica; é, também,
difícil combater o preconceito, que é uma resposta emocional que as
pessoas têm diante daquelas com transtornos mentais. Mas é possível
reduzir a discriminação no comportamento das pessoas por meio de
informação e educação!
A prática nos mostra que, se a pessoa que tem esquizofrenia consegue
não se deixar afetar demais pelos comportamentos discriminatórios,
ela já deu um grande passo. Isso não é fácil nem simples, mas é o
caminho mais efetivo. Por meio da experiência, cada pessoa com esqui-
zofrenia aprende em quais situações e para quais pessoas é conve-
niente contar que tem a doença e para quais .n ão é.
Não se deixar paralisar pelos co1nportamentos discriminatórios só é
possível quando, dentro de nós, conseguimos entender que muitas
pessoas ignoram que suas atitudes podem ofender e prejudicar os
outros. Aprender a identificar quais pessoas nos compreendem e são
abertas para um relacionamento saudável nos permite construir uma
rede de relações na qual nos sentimos fortalecidos e passamos a dar
menor peso para o estigma em nossa vida.
Combater o estigma é uma necessidade fundamental para urna socie-
dade mais justa, para que as pessoas com transtornos mentais tenham
seu espaço respeitado. Entretanto, na vida cotidiana, devemos, para
viver bem, não deixar que o preconceito e a discriminação nos tornem
pessoas amargas, pois isso nos priva de aproveitar as relações gratifi-
cantes com aqueles que não nos estigmatizam.
Entre a razão e a ilusão 151

Olá!
prazer em conhecê-lo,

9 o que você faz??

MM's

Enfim, ter esquizofrenia não caracteriza o que se é como pessoa; assim,


nem sempre é necessário contar que se tem uma doença. Entendemos
que contar sobre o transtorno pode ser útil em certas ocasiões, nas
quais a outra pessoa possa nos entender melhor ou nos ajudar. Entre-
tanto, também entendemos que um caminho saudável é não se identi-
ficar com a doença a ponto de não saber viver sem tê-la como refe-
rência em todas as situações, isto é, procurar ser o que se é, sem a
necessidade de justificar as próprias ações, que é como a maioria das

pessoas vive.

Relações sociais difíceis


A forma como convivemos com o diagnóstico e o fato de contar ou não
para as outras pessoas que somos portadores de esquizofrenia são
q11estões muito importantes, pois afetam diretamente como somos
tratados. Apresentaremos, a seguir, algumas situações vividas por
Gabriel, Carlos e Francisca, a fim de melhor ilustrar esses pontos.
152 • Assis, Villares & Bressan

Um grupo de colegas de classe de Júlia se reuniu em casa para fazer


um trabalho da escola. Tratava-se de um assunto complicado, chamado
trigonometria. Gabriel, vendo que eles, apesar de consultarem o livro
várias vezes, não conseguiam resolver as questões, perguntou se eles
queriam ajuda. Sabendo do diagnóstico de Gabriel, eles disseram que
não, achando que seria muito difícil para ele entender. Ele não se
abateu: pegou a lista de exercícios, viu que era um assunto que tinha
aprendido bem quando fez cursinho e resolveu todos os exercícios sem
nem pegar o livro. Sua atitude, ao ignorar o preconceito dos garotos e
ajudá-los mesmo assim, fez ele se sentir bem (melhorou a autoestima)
e mudou a forma da irmã e de seus amigos o verem.
Carlos se veste de maneira incomum, e seu jeito de andar e se comportar
é um tanto diferente. Certa vez, ele estava voltando do hospital para
casa e resolveu parar para almoçar, pois sua mãe o havia avisado de
que não poderia fazer o almoço em casa. A moça que estava na porta
do restaurante entregando as comandas disse para ele que não havia
mesas disponíveis, mesmo havendo mesas sem ninguém, provavel-
mente em razão da forma como ele se apresentava. Carlos disse que
estava vendo mesas vazias, e a moça viro11 as costas e foi chamar o
gerente, que pediu a ele que se retirasse. Um rapaz que estava sentado
perto e presenciou a situação tomou uma atitude, aproximou-se e
pergunto11: "Qual é o problema? O dinheiro do moço aí é diferente do
dos outros aqui dentro? Ele vai almoçar, senão o senhor vai ter
problemas!". Carlos entrou, almoçou, pagou e foi satisfeito para casa,
pensando q11e não precisava "abaixar a cabeça para as pessoas".
A prima de Francisca estava se formando na faculdade e convidou a
familia dela. O tio pediu ao pai que não levasse Francisca na forma-
tura, com medo que ela se comportasse de forma inapropriada. O pai
da jovem falou que se ela não fosse, ele também não iria, pois, da
mesma forma que o irmão gostava da filha que estava se formando, ele
gostava de Francisca. O tio pediu desculpas, e Francisca, que nem
ficou sabendo da discussão, foi à formatura e aproveitou a festa. Seu
comportamento não foi diferente do das outras moças que estavam lá.
Entre a razão e a ilusão 153

NOSSA,
l ~omo você é
' bom nisso!!
E= mcl

As situações descritas anteriormente são pequenas amostras de situa-


ções cotidianas, nas quais o estigma se faz presente na vida das pessoas
com esquizofrenia e de seus familiares. Nossa experiência mostra que
esses tipos de acontecimentos, quando não são enfrentados e resol-
vidos no momento em que acontecem, vão minando a autoestima da
pessoa com esquizofrenia e de seus familiares, muitas vezes gerando
um distanciamento da vida em comunidade. Esse isolamento passa a
ser a única forma de defesa possível.
Essas situações mostram que há várias maneiras de combater o estigma
qt1ando ele nos afeta diretamente. Entretanto, nem sempre isso é fácil,
pois é preciso "não abaixar a cabeça" e enfrentar, ,
mesmo que seja
necessário pedir ajuda a amigos e conhecidos. E nas relações coti-
dianas na comunidade que o estigma pode ser desfeito, quando as
pessoas se dão conta, por meio de acontecimentos, de que o respeito e
a solidariedade são as posturas mais corretas. Essa consciência é cons-
truida nas relações, dai a importância de não se isolar e se posicionar
quando situações estigmatizantes se apresentam.
154 • Assis, Vil lares & Bressan

J .A.O.
Ser portador de uma doença mental é um fardo dos mais pesados, pois envolve, além
dos sintomas e problemas inerentes a esse transtorno, o preconceito, também chamado
de estigma. A esquizofrenia é, de certa forma, uma doença invisível, pois não pode ser
detectada por meio de exames, e o diagnóstico se faz pela sintomatologia relacionada
a perda cognitiva e sintomas negativos (depressão) e positi vos (dellrios e alucinações).
Pessoalmente, posso dizer que sou testemunha do problema que é ter esqu izofrenia,
pois percebi que muitos amigos se afastaram e, na minha família, percebo, sinto que
existe algo não dito, algo "escondido". Sei que falam às mi nhas costas, que se comenta
isso ou aquilo, mesmo porque eu engordei 35 kg com a medicação, e mu itos me pergun-
tam e até duvidam se eu estou realmente trabalhando. O mais incrível, para mim, é a
não aceitação da doença por parte de minha irmã, que, aliás, me ajudou muito quando
tive meus dois surtos nos Estados Unidos. Entretanto, quando voltei ao Brasil, em janeiro
de 2000, ela " lavou as mãos" e literalmente me abandonou para que minha mãe fosse
minha cuidadora exclusiva.
Tenho muita mágoa da atitude incompreensiva e egoísta das pessoas e não sei ex-
plicar esse comportamento, pois me pergunto o porquê das doenças mentais serem mais
condenáveis que as doenças físicas. Na luta contra o estigma, acredito na informação e
na educação do público, que pode pouco a pouco entender o universo lúdico da doença.
Filmes como Uma mente brilhante, Estamira, A prova e Spider, entre outros, podem, de
uma maneira ética , mostrar o lado humano e digno de pessoas que têm a doença.
Em minha maneira de pensar em relação ao estigma, sou otimista, pois acredito
que, no futuro, os transtornos mentais serão mais bem entendidos e encarados com mais
naturalidade. Nesse sentido, eu porto a bandeira de peito aberto, nunca escondendo das
pessoas que eu conheço que tenho esquizofrenia. Pode não ser a melhor ati tude, e mui-
tos colegas não fazem isso, mantendo-se no "anon imato", mas essa é a melhor maneira,
para mim, de combater o estigma da esquizofren ia.

Isolamento
As pessoas com esquizofrenia são, em geral, mais isoladas, em parte
por fatores da própria doença, mas também , pelas dificuldades que o
transtorno traz para a vivência cotidiana. E difícil separar essas duas
coisas; entretanto, é possível avaliar como acontecem e, assim,
entender melhor a situação de muitas pessoas que têm esquizofrenia.
Vejamos como se dá o isolamento na vida de Carlos.
Entre a razão e a ilusão 155

Lembremos a história desse personagem. Desde o aparecimento da


esquizofrenia, foram feitas várias tentativas de tratamentos com medi-
camentos e dosagens diferentes, sem resultados satisfatórios. Carlos
tem o que os médicos chamam de esquizofrenia refratária, e só
melhorou dos sintomas com o uso de um medicamento próprio para
esses casos, chamado clozapina.
Carlos tem um jeito de ser e de se comportar um pouco diferente do da
maioria das pessoas, e as dificuldades com a esquizofrenia refratária,
por suas ideias e crenças, acabaram por afastar as pessoas do bairro
onde ele mora. Ele passou por momentos e situações com a doença
contando apenas com o apoio da família. Atualmente, mesmo estando
melhor e com a esquizofrenia sob controle, Carlos tem dificuldade de
fazer amizades e praticar atividades fora de casa, saindo somente para
ir com a mãe ao mercado e para ir ao tratamento. A única pessoa com
quem ele conversa é Seu Fábio, o jornaleiro, que permite que ele leia
as revistas de sua banca.
Muitas pessoas com esquizofrenia, como Carlos, vivem de maneira
isolada, normalmente ,no próprio quarto. Conhecemos vários indiví-
duos com esse perfil. E importante dizer que são pessoas sensíveis e
boas amigas, mas, infelizmente, muito solitárias.
As pessoas não dão muita atenção para aquelas que não têm interesses
comuns aos seus, e isso é assim para todo mundo, tanto que há muitas
pessoas que se sentem solitárias. O estigma contribui muito para que
os indivíduos com esquizofrenia vivam isolados, com poucos amigos,
pois as pessoas não se dão conta das qualidades humanas dos porta-
dores e de que eles podem ser bons amigos e boas companhias, desde
q11e se respeite o jeito de ser de cada um.
A família pode contribuir para diminuir o isolamento da pessoa com
esquizofrenia, bem como algumas formas de tratamento, no sentido
de estimulá-la a praticar atividades que propiciem o contato social em
locais onde ela é aceita e tratada com o respeito que todos merecem.
A mãe de Carlos estava comentando com a diretora da escola infantil
do bairro que o jovem tem muito jeito com os sobrinhos pequenos, que
gostam muito dele, e a diretora o convidou para ser monitor na escola
156 • Assis, Villares & Bressan

nas atividades de fim de semana. Ele aceitott o convite e realmente se


dá bem no relacionamento com as crianças, que identificam nele um
adulto bondoso e compreensivo.
O isolamento social é ttm dos aspectos da esquizofrenia mais difíceis
de serem tratados. Entretanto, nossa experiência mostra que, quando
as pessoas com a doença se sentem aceitas e acolhidas, seu isolamento
diminui e na qualidade de vida melhora. Os profissionais da saúde
procuram incentivar a pessoa com esquizofrenia a não se isolar, entre-
tanto, é preciso muito esforço da parte dela para mudar uma situação
de vida em que a doença tem um peso grande. Observamos que as
pessoas que fazem esse percurso para sair do isolamento só o conse-
guem dando um passo de cada vez, pois só assim se sentem mais
seguras para dar o próximo passo. Ter apoio para melhorar a autoes-
tima ajuda a diminuir o isolamento, assim como consolidar de forma
gratificante os relacionamentos com pessoas com quem vão se criando
afinidades. Esses são movimentos importantes para que o indivíduo
com esquizofrenia tenha uma vida com qualidade.
Entre a razão e a ilusão 157

Oportunidades perdidas
A aceitação de que se tem esquizofrenia é um processo difícil, marcado
por perdas e desilusões. Muitas pessoas não aceitam e não seguem os
tratamentos. Esse processo é marcado por situações e experiências que
acabam por constituir o autoestigma, e a pessoa, muitas vezes, perde
boas oportunidades na vida por receio ou medo de q11e experiências
ruins do passado se repitam. Vejamos como isso se dá com Gabriel.
Se11 Paulo, pai de Gabriel, trabalha com contabilidade e tem muitas
empresas como clientes. Em uma conversa com um cliente antigo, ele
contou tanto as dificuldades quanto as qualidades do filho, entre elas
que ele lê m11ito e escreve muito bem. Em consideração a Seu Pa11lo, o
cliente ofereceu uma vaga de estágio para o jovem em sua empresa,
com a possibilidade de futura contratação como empregado.
O pai de Gabriel chego11 em casa e foi contar a novidade para o filho.
Disse: "O Dr. Elísio, um cliente antigo lá do escritório, tem uma vaga
de estágio para você. Gabriel, você vai poder ter um salário enquanto
aprende uma profissão. Essa é a oport11nidade de dar um novo passo
em sua vida!".
Gabriel, na verdade, se sentiu triste. Explicou para Seu Paulo o que ele
achava: "Pai, e11 não sou o mesmo de anos atrás, meu raciocínio é
lento, eu tenho vergonha de falar de minha vida para as pessoas. O
senhor já percebeu que eu não tenho amigos, eu não consigo fazer
amizades. Como é que eu vou trabalhar em uma firma grande desse
jeito que eu sou?".
Seu Paulo pediu a Gabriel que pensasse no assunto, mas foi para o
quarto muito entristecido com o que ouviu do filho. Dona Márcia, mãe
do javem, foi conversar com ele. Seu Paulo disse não saber mais o que
fazer para ajudar o filho. Ela, percebendo a decepção do marido, falou:
"Vamos ter fé, nosso filho vai encontrar o caminho dele, talvez não seja
o momento de ele começar a trabalhar''.
Muitos portadores de esquizofrenia perdem boas oportunidades na
vida, principalmente por se sentirem diminuídos ou incapazes. As
158 • Assis, Villares & Bressan

oportunidades sempre aparecem, seja um curso, um emprego, uma


viagem, enfim, coisas boas que poderiam melhorar sua vida. Entre-
tanto, a vivência da esquizofrenia e as situações que ela coloca na vida
da pessoa, em muitos casos, são como lentes cinzas que não permitem
que se vejam as cores da vida.
A situação vivida por Gabriel e por seus pais pode gerar um sentimento
de que não há saída para
,
a situação em que a pessoa com esquizo-
frenia se encontra. E difícil lidar com esse sentimento, pois, no
momento em que ele ,está aco11tecendo, as pessoas não conseguem ver
outras perspectivas. E preciso lembrar sempre que o futuro é feito de
possibilidades, e que a esquizofrenia não determina quais são nossos
limites; isso se dá experimentando as oportunidades e testando até
onde se consegue chegar a cada momento. Expectativas elevadas
podem gerar frustrações, e perder as expectativas pode levar a desper-
dício de oportunidades que contribuiriam para uma vida melhor.
Apesar de uma oferta de emprego ser positiva, é também bastante
estressante e traz consigo perguntas, tais como: "Eu vou conseguir?";
"Eu sou bom o suficiente para isso?". O autoestigma faz as pessoas

Eu não vou
conseguir... ,.__,,,
o
ºo......_,.. . . . .__,,
Entre a razão e a ilusão 159

pensarem que são mais limitadas do que na ,


realidade são. Ele dificulta
que a pessoa veja suas reais capacidades. E importante sempre lembrar
que, na esquizofrenia,
,
cada caso é um caso e cada situação é diferente
da outra. E importante procurar sempre melhorar, não se desanimar
ou achar que, porque se tem esquizofrenia, todas as portas estão
fechadas, como pensa Gabriel nessa situação que acabamos de
descrever.

Esquizofrenia e uso de drogas


As drogas são um problema grave de saúde pública, tanto as lícitas,
como bebidas alcoólicas e cigarro, quanto as ilícitas, como maconha,
cocaína, crack, ecstasy e outras. Mttitas pessoas com esqttizofrenia
fazem uso de drogas, o que dificulta ainda mais sua vida e o convívio
familiar. Não podemos rotular as pessoas como drogadas e virar a cara
para o problema, pois elas precisam de ajuda e compreensão. Apresen-
taremos uma experiência de Gabriel com o uso de drogas e como isso
afeta o fato de ele ter esquizofrenia.
Gabriel, no caminho de volta do tratamento, encontrot1 um antigo
amigo de colégio, e sentaram-se para conversar em um bar. Ficaram
tomando cervejas e relembrando os velhos tempos. Gabriel, não acos-
tumado a beber, logo sentiu os efeitos da cerveja, uma sensação de
descontração e facilidade para conversar. O amigo o apresentou para
vários rapazes qt1e frequentavam aquele bar, e todos o trataram "como
se fossem velhos amigos"; isso é comum nos bares espalhados pelos
bairros.
Essa primeira experiência passou a se repetir. Sempre qt1e Gabriel se
sentia triste, parava no bar e encontrava com os tais "amigos". Eles o
apresentaram à maconha, e Gabriel se deixou levar pela conversa
ilusória de que essa droga é uma erva natural e que não faz mal, que
todo mundo usa.
160 • Assis, Villares & Bressan

Com o uso da maconha, Gabriel voltou a se sentir perseguido, com


sentimento de culpa, e passou a se isolar da família, ficando trancado
no quarto. Sua mãe percebeu que o filho começou a beber e a usar
maconha e lembrou-se da palestra em que explicaram que tanto o
álcool quanto a cannabis agravam os sintomas da esquizofrenia e que
devem ser evitados pelos portadores. Ela aconselhou Gabriel a parar,
mas, ao mesmo tempo, escondeu a situação de seu marido, com medo
de sua reação e do conflito que geraria entre pai e filho.
Um amigo do pai de Gabriel, morador antigo do bairro, contou para
ele o que estava acontecendo e aconselhou-o a lidar com tato com o
filho, dizendo que brigar não ajudaria a resolver o problema.
Após receber essa informação, Seu Paulo teve uma conversa dura com
Dona Márcia, mãe de Gabriel. No dia seguinte, ligou para o Dr. Marcelo
e explicou o problema, pedindo ajuda para não tomar atitudes que
pudessem piorar a situação. O médico prontamente marcou uma
consulta com Gabriel e seus pais.
Foi uma consulta longa, e o Dr. Marcelo foi enérgico com o jovem;
explicou todos os efeitos das drogas e como elas afetam as pessoas

MM.,
Entre a razão e a ilusão 161

com esquizofrenia. Propôs procedimentos bem rígidos para tratar sua


dependência química e deixou bem claro que, se ele não seguisse, para
seu próprio bem, providenciaria uma nova internação.
Gabriel compreendeu que estava usando a maconha para sentir-se
aceito e para aliviar o sentimento de ser inferior ou diferente dos
outros. Percebeu que o uso de substâncias o estava prejudicando,
concordot1 em seguir o tratamento e afastou-se das drogas. Entretanto,
muitos portadores têm mais dificuldades para deixar esses tipos de
vícios e têm sua vida muito prejudicada. A dependência química, assim
como a esquizofrenia, é uma doença e precisa ser tratada. Há solução
para ela, mas é preciso muito esforço, disciplina interna e adesão aos
tratamentos.
Além de ser ttm problema de saúde, que precisa ,de tratamento, o uso
de drogas também é um problema vivencial. E difícil lidar com a
dependência do prazer que as drogas proporcionam, assim como é
difícil ter uma postura diferente daquela das pessoas conhecidas qt1e
também fazem uso delas.
Normalmente, as pessoas recaem no vício em razão de dois fatores: a
oferta da droga pelos conhecidos e o efeito prazeroso qt1e elas propor-
cionam. Entretanto, aquelas que se afastaram do uso de drogas relatam
qt1e o fizeram quando conseguiram perceber que problemas, sofri-
mentos e perdas causados por seu uso são mais significativos que o
prazer que elas proporcionam, isto é, que vivem melhor sem as subs-
tâncias. Ajuda muito entender que não se trata de uma questão moral,
mas de saúde mental e qualidade de vida.

Enfrentando oestigma
O convívio com a esquizofrenia na própria vida, como vimos, é uma
mudança muito grande e que deixa marcas profundas. O estigma existe.
Ele exclui, magoa e diminui as chances de uma vida digna. Diante dessa
realidade, as pessoas que têm esquizofrenia e seus familiares, para viver
bem, têm de procurar em seu cotidiano e na comunidade espaços onde
1 o.L • Assis, v111ares & 1:1ressan

tenham a possibilidade de participar e serem aceitos. Isso só acontece


quando estamos abertos para aprender e crescer e quando não acei-
tamos o lugar de vítimas em que podem querer nos colocar.
Carlos vai aos tratamentos, mas justificar suas dificuldades pela esqui-
zofrenia é a maneira que ele encontrou para ter um lugar no mundo.
Isso não é certo nem errado. Além de passar horas na banca de jornal
de Se11 Luiz, conversando e olhando as revistas, ele também joga
dominó e cartas com os conhecidos no parque próximo a sua casa. Nos
fins de semana, ele ajuda como voluntário nas atividades recreativas
da escola infantil do bairro. Em casa, tem muito prazer em ver filmes
e seriados na televisão. Essa é a forma que ele encontra de viver bem.
As coisas sempre podem melhorar, mas isso só acontece com base no
que se vive diariamente.
Francisca vai aos tratamentos porque seus pais deixam claro que é
para seu bem. Ela não acha que tem uma doença, mas deixou de brigar
com os familiares e vizinh.o s para convencê-los de suas certezas; gosta
de escolher as roupas que vai usar cada dia e pede opinião para a mãe
e para a irmã. Sempre que pode, vai passear no shopping perto de sua
casa, sozinha ou com a irmã, para ver as novidades. Uma vez por
semana, pega o ônibus, vai ao centro cultural do bairro e faz um curso
de mosaico, que ocupa a tarde toda. Em casa, gosta de ouvir música e
ver os cantores nos programas de televisão.
Gabriel encontrou um caminho ao conversar com Seu Agostinho, o
marceneiro do bairro que o conhece desde criança. Conseguiu uma
atividade como aprendiz com um pequeno salário inicial e, agora,
todos os dias, vai à marcenaria, onde ajuda a fazer móveis, atividade
que exige disciplina e capricho. Ele gosta do trabalho, principalmente
do cheiro das madeiras e das conversas com Seu Agostinho. Quando
'
chega em casa, sempre conta como foi o dia para os pais e irmãos. As
vezes, sai com Júlia, em geral para ir ao cinema. Quando não está.
muito cansado, vai com o irmão jogar futebol aos sábados. Segue rigo-
rosamente os tratamentos, pois tomou consciência de que isso é neces-
sário para que a esq11izofrenia fiq11e controlada.
Podemos perceber que cada um de nossos personagens, Carlos, Fran-
cisca e Gabriel, encontrou formas de ter uma vida prod11tiva e com
Entre a razão e a ilusão 163

qualidade. Conseguiram espaços na comunidade nos quais a esquizo-


frenia não tem o peso do estigma e as pessoas os veem com as quali-
dades e respeitam o jeito de ser de cada um. Ser aceito é um processo
a ser trabalhado, uma construção que se consolida nos relaciona-
mentos por meio das possibilidades que eles vão oferecendo. Esse é
um aprendizado que vale para qualquer pessoa e, em especial, para
aquelas que têm esquizofrenia.
Ser totalmente aceito é uma condição ideal; ninguém o é. Entendemos
que a melhor forma de lidar com o estigma da esquizofrenia no dia a
dia é não deixar que ele nos paralise diante das possibilidades que a
vida oferece. Para isso, ajuda muito não nos compararmos com os
outros e cuidar dos relacionamentos de forma a sermos aceitos e acei-
tarmos as pessoas.

Dois aspectos do e_
stigma
Neste capítulo do livro, procuramos abordar as dificuldades que o
estigma traz para a vida das pessoas com esquizofrenia e de seus fami-
liares, mas também procuramos mostrar que é diante dos desafios
práticos do cotidiano que as soluções são possíveis para uma vida com
qt1alidade.
164 • Assis, Villares & Bressan

Os movimentos sociais de combate ao estigma dos transtornos mentais


são muito importantes, principalmente para incentivar uma cultura de
respeito e aceitação na sociedade, bem como para evidenciar a impor-
tância de investimento em tratamentos de saúde que respeitem a
dignidade e os direitos das pessoas afetadas e dos profissionais da
saúde mental.
Entretanto, é muito importante ter clareza de que devemos tanto
apoiar esses movimentos quanto cuidar para que nosso dia a dia possa
ser bom. São duas coisas diferentes e não devem ser confundidas, pois
ser um ativista dos movimentos sociais não resolve os problemas que
vivemos dentro de casa. Da mesma forma, ficar dentro de casa alie-
nado em relação ao que nos afeta na sociedade nos tira a identidade
como cidadãos, que têm direitos a serem respeitados.
Devem-se lutar batalhas quando se tem a possibilidade de vitória, pois
lutar sem saber para quê apenas nos torna pessoas mais amargas. Por
exemplo, Jorge, Llm dos autores deste livro, conviveu muitos anos com
o vício do álcool, mas se conscientizou de que há valores mais impor-
tantes, como o convívio com os irmãos e sobrinhos, e deixou o vício.
Da mesma forma, aprendeu, depois de sua última crise com a esquizo-

.....
Entre a razão e a ilusão 165

frenia, que os tratamentos são importantes não só para controlar a


doença, mas também para poder conviver bem com. a família e os
amigos, evitando situações que criam problemas e sofrimentos. Hoje,
participa ativamente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e
Portadores de Esquizofrenia (ABRE), pois acredita em uma sociedade
com menos estigma.
Sabemos das dificuldades que a esquizofrenia coloca na vida das
pessoas e de seus familiares e, diante disso, escolhemos situações com
base em histórias reais que podem ajudar nossos leitores a pensar
como construir uma vida com qualidade na linha do tempo, por meio
da esperança realista.
Vivemos em uma sociedade competitiva, e é muito fácil confundir
nossas qualidades pessoais com os padrões impostos por ela. Procu-
ramos mostrar, com as histórias de Gabriel, Carlos e Francisca, que um
entendimento importante é que temos valor pelo que somos em nosso
cotidiano, e não pelas aparências.
Lembramos que sempre existem caminhos diante das situações colo-
cadas pela esquizofrenia. O diálogo ajuda muito, e conversar com
pessoas que nos respeitam e saber ouvir e pensar sobre o que conver-
samos é fundamental para o crescimento pessoal necessário para lidar
com as sitttações.
Convívio familiar

Família
Abordaremos, neste capítulo, o tema do convívio familiar. Sem a
intenção de esgotar esse assunto, procuramos tratar de temas que
contribuam para que a pessoa com esquizofrenia e seus familiares
possam pensar sobre como construir formas boas de convivência.
Nosso propósito é que a leitura deste capítulo contribua para a reflexão
e o diálogo entre os membros da família, com a intenção de promover
168 • Assis, Villares & Bressan

mudanças onde se fizerem necessárias, melhorar os relacionamentos e


desfazer mal-entendidos. O caminho que escolhemos para atingir esse
propósito se fundamenta no diálogo estabelecido ao longo dos últimos
anos com muitas pessoas com esquizofrenia e seus familiares, ouvindo
e conversando sobre suas dúvidas e dificuldades cotidianas.
A maioria das abordagens familiares na esquizofrenia enfoca a orien-
tação de seus membros sobre como lidar com o portador da doença.
Algumas dessas abordagens partem do pressuposto de que a pessoa
com esquizofrenia precisa ser tutelada ou cuidada e que vai sempre
ocupar um lugar de doente dentro da própria casa. Entendemos que
essas abordagens ajudam em alguns aspectos, mas também podem
tornar mais difícil a aceitação do indivíduo com esquizofrenia, justa-
mente por parte daqueles que a amam verdadeiramente.
Nossa forma de ver a esquizofrenia e a família parte da compreensão
de que a doença não caracteriza o sujeito, e que ele, como qualquer
outra pessoa, tem seu jeito de ser, seus desejos, suas qualidades e seus
defeitos. Há situações em que o indivíduo com esquizofrenia necessita
tanto receber cuidados quanto compartilhar a vida com a família.
Muitas pessoas com a doença são exiladas dentro de sua própria casa.
Essa é uma situação que pode ser mudada.
Trabalharemos, ao longo deste capítulo, com o conceito de superação.
A esquizofrenia é uma doença que afeta várias áreas de funcionamento
da pessoa, dificulta os relacionamentos e desorienta os outros membros
da família. A superação é um processo de aprendizado com as situa-
ções e o convívio que permite aceitar as limitações e maximizar as
potencialidades de cada familiar, bem como ajuda a vencer os desafios
práticos do cotidiano na construção de projetos para o futuro. Nessa
perspectiva, a pessoa com esquizofrenia tem muito a ganhar e crescer
no convívio familiar.
Procuraremos apresentar o tema do convívio familiar por meio de
situações vividas pelos personagens descritos.
Muitas vezes, pensamos que somos os únicos que passam por situações
difíceis, mas nossa experiência mostra que, na maioria das vezes,
Entre a razão e a ilusão 169

temos muito a crescer compartilhando o que vivenciamos. Esperamos


contribuir para que você, nosso leitor, tenha novas ideias para melhorar
ainda mais a qualidade do convívio em sua família.

As questões de cada um
Quando um familiar adoece com a esquizofrenia, os demais se deso-
rientam, pois têm de lidar com dificuldades e exigências completa-
mente novas, que são marcadas por muito estresse e confusão,
,
e por
não saberem o que fazer para lidar com o problema. E importante
entender tanto o problema da pessoa com esquizofrenia quanto o de
cada familiar, porque as dificuldades e o sofrimento enfrentados pelos
familiares influem no bem-estar de cada um e afetam a vida do
portador de esquizofrenia. Vejamos alguns exemplos dessas questões
na família de Gabriel, que conseguiu tlm caminho de superação.
Quando Gabriel adoeceu, seu pai passou a trabalhar mais e a trazer
trabalho para casa; estar ocupado o tempo todo foi a melhor forma
que encontrou para lidar com sentimentos novos, confusos e contradi-
tórios, tais como culpa, impressão de que o problema não existe
(negação), desesperança e tristeza. Ele demorou um bom tempo para
perceber que o melhor para o filho e sua família era sua companhia e,
então, passou a estar mais presente na rotina da família.
A mãe de Gabriel se apegou à religião e ao cuidado do filho, tratando-o
como se ele fosse ainda um menino. Nos grupos da igreja, ela aprendeu
que a fé é importante, desde que edificante, por meio das ações do dia
a dia. Sua sensibilidade materna lhe permitiu perceber, com o tempo,
que o filho tem uma doença, e seu papel como mãe é incentivá-lo a
seguir sua vida olhando também para suas qualidades.
Os pais lidam com sentimentos difíceis, como o de serem responsáveis
e às vezes culpados pela situação, procurando ver "onde erraram" na
criação do filho. A esquizofrenia tem tun fator biológico mtúto forte;
procurar erros no passado não ajuda e só aumenta a tensão nos rela-
cionamentos.
170 • Assis, Villares & Bressan

Renato, o irmão mais velho de Gabriel, achava que o irmão era "proble-
mático" e responsável pelas frequentes discussões entre os dois. Ele
precisou de um bom tempo para entender o que Gabriel vivia com a
doença e perceber seu sofrimento. Demorou um tempo, mas conse-
guiu se colocar no lugar do irmão e perceber que ele mesmo poderia
passar por aquilo. Essa percepção trouxe receios e dúvidas a respeito
da própria saúde mental, mas também o ajudou a evitar discutir com
Gabriel e facilitou a aproximação de ambos, que se deu, por exemplo,
por convites para fazerem coisas agradáveis juntos, como ir a jogos de
futebol no estádio e jogar bola nos fins de semana.
Entre a razão e a ilusão 171

Júlia sempre aceitou o irmão, mesmo sabendo que suas ideias não
correspondiam à realidade e que seu comportamento era muito dife-
rente. Ela procurou ter uma postura de ajudá-lo, ainda que apenas
conversando com ele. Essa postura lhe deu tranquilidade interior para
estudar e ter amigos, para manter t1ma vida saudável.
Gabriel passou por situações muito duras, que marcaram profunda-
mente sua vida. Foram precisos tratamentos e cuidados constantes dos
profissionais da saúde para que, ao longo dos anos, ele conseguisse
redesenhar um cotidiano em que sua vida voltasse a fazer sentido.
Nesse processo, foi muito importante o aprendizado de sua farru1ia de
que juntos poderiam se fortalecer para superar as adversidades.
A superação das questões que a esquizofrenia coloca para a pessoa e
set1s familiares é fruto de um processo de mudança no modo de
entender e viver o cotidiano. Não se deve ficar voltado para o passado,
para o que poderia ter sido diferente; a postura mais produtiva é
procurar identificar as dificuldades atuais e procurar ajuda para
superá-las. Isso vale tanto para a pessoa com esquizofrenia quanto
para os familiares. Entendemos que as mudanças ocorrem com base
em posturas que visam um bom convívio e ttma boa qualidade de vida.
A superação é um aprendizado vivenciado ao longo do tempo, com
base no entendimento das experiências e das mudanças. Esse processo
pode ser iniciado pelo desejo de viver melhor, pois sempre é um bom
momento para empreendê-lo.
Vejamos, nas páginas seguintes, algumas dificuldades presentes no
caminho de superação da esquizofrenia e como transpô-las.

Qual é afórmula mágica?


Uma postura comum a todos nós, quando nos deparamos com um
problema sério, é desejar que exista uma solução que o faça desapa-
recer. Temos a tendência a procurar uma "fórmula mágica". No caso da
esquizofrenia, muitos familiares acreditam que darão conta do
problema sozinhos; quando isso não acontece, passam a acreditar que
172 • Assis, Villares & Bressan

o médico vai resolver a questão, que existe um remédio que fará os


problemas de seu familiar doente desaparecer.
Há um entendimento importante que pode substituir essa postura de
procurar "a solução pronta". Ele diz respeito ao fato de que a pessoa
com esquizofrenia tende a desenvolver L1ma maneira de funcionar e
reagir diferente daquela que as pessoas habitualmente esperam. As
posturas e atitt1des que os familiares concordam que sejam as mais
corretas para lidar com o indivíduo com esquizofrenia muitas vezes não
funcionam. Entender essa diferença de funcionamento é fundamental
para conseguir construir soluções com a pessoa portadora da doença.
Quando Gabriel e sua família conversaram com o psiquiatra, enten-
deram o que estava acontecendo e levaram para casa os medica-
mentos; parecia que haviam encontrado uma solução. Entretanto,
logo no início, o jovem se negou a tomar os medicamentos em conse-
quência das ideias delirantes de que eles estariam envenenados. Os
pais tentaram fazê-lo tomar e não conseguiram. Foi preciso a habili-
dade de Júlia para saber os motivos de Gabriel e, junto a ele, mudar
aquela certeza delirante para permitir que ele tomasse os medica-
mentos.
Entre a razão e a ilusão 173

Depois que ele passou a seguir os tratamentos, os problemas dimi-


nuíram, mas não desapareceram; os familiares também precisaram
buscar ajuda para entender a situação e se conscientizarem das ques-
tões de cada um, iniciando um caminho de mudanças. Isso permitiu
qt1e fossem elaboradas soluções com base nas questões cotidianas,
principalmente no entendimento das limitações que a doença trouxe
para Gabriel e como ajudá-lo a lidar e a superar, em seu tempo, as difi-
culd.ades.
Diante da esquizofrenia, não existe uma "fórmula mágica". O médico
não tem essa "fórmula". O que realmente existe é uma série de recursos
e tipos de medicamentos que podem ajudar a pessoa a conseguir a
estabilidade. Cada família precisa ir construindo as soluções ao lidar
com as questões práticas que se apresentam no convívio. Os profissio-
nais da saúde são aliados importantes, e sempre vale a pena dialogar
com eles sobre o que se passa com a pessoa e com a família.
As soluções vão tomando forma à medida que cada ttm dos envolvidos
consegue estabelecer canais de comunicação, em uma rede social que
forneça suporte, para estabelecer uma rotina que não fique centrada
na doença, em que haja, por exemplo, espaço para lazer e atividades
na comunidade. Ajuda muito acolher e entender as questões que a
pessoa com esqttizofrenia enfrenta, procurando diminuir o isolamento
e, na medida do possível, estabelecer um convívio acolhedor.
A postura de acreditar que existe urna "fórmula mágica" que resolverá
as questões impostas pela doença para a pessoa e seus familiares é
resultado de uma maneira muito comum de resolver outros problemas
do cotidiano, mas não funciona com a esquizofrenia. Conhecemos
muitos portadores e familiares qt1e gastam muito tempo e esforço
nesse sentido de encontrar uma solução pronta. A solução existe, mas
ela precisa ser construída, e cada um o faz de seu jeito, diante de sua
história e situação. A família de Gabriel encontrou seu jeito de lidar
com a esquizofrenia, as famílias de Carlos e Francisca encontraram
outros, e assim é para cada um.
Veremos, a segttir, exemplos que ilustram bem esse entendimento que
estamos propondo.
174 • Assis, Vil lares & Bressan

Acrise aguda de esquizofrenia


desorienta atodos
O período de crise na esquizofrenia pode desestabilizar toda a família
e gerar situações de conflito, que, por sua vez, contribuem para deses-
truturar os relacionamentos familiares por muito tempo. Não há
receitas de como lidar com situações de crise na esquizofrenia, mas há
várias dicas qt1e ajudam muito a lidar com as pessoas nessas condi-
ções. Vejamos como a família de Carlos, que teve vários momentos de
crise, lidou com sua primeira crise.
Devemos lembrar que, em momentos de crise, as pessoas com esquizo-
frenia, muitas vezes, perdem o controle porque estão enxergando a
realidade de maneira muito diferente e ameaçadora. Carlos ouvia
vozes que o ameaçavam e achava que tudo o que acontecia a st1a volta
tinha relação com ele. O que para os familiares eram acontecimentos
corriqueiros, para Carlos tinha t1m sentido especial, eram manifesta-
ções ligadas às suas vivências.

Não aguento mais


as mensagens
desta TV!!!!
Entre a razão e a ilusão 17 5

Na primeira crise, os familiares não sabiam como lidar com Carlos


dt1rante vários dias, e a situação só foi piorando. Sua mãe se desesta-
bilizou emocionalmente e tinha crises de choro frequentes. O irmão
não sabia como agir e procurou ficar longe de Carlos naquela
situação. O pai pensava que com uma atitude firme o filho sairia
daquela situação, foi ficando mais ríspido e acabou por piorar o
estado do jovem.
Um momento crucial foi quando Carlos estava diante da televisão
ligada e sentia que os personage11s estavam falando dele; em um gesto
de desespero, jogou a televisão no chão com força. O pai e o irmão
mais velho tentaram segurá-lo e foram agredidos a socos. Carlos,
sentindo-se ameaçado, saiu para a rua sem destino. O pai pediu ajuda
a um vizinho e ficou procurando o filho por várias horas de carro pelo
bairro, até o encontrar caminhando sozinho. Ele tentou fugir do pai, e
foi preciso pedir ajuda a uma viatura policial para contê-lo, pois ele
estava muito agitado e assustado. Carlos foi levado ao pronto-socorro
psiquiátrico, onde foi encaminhado à internação.
Infelizmente, situações como essa acontecem em muitas famílias, prin-
cipalmente por falta de conhecimento e orientação para lidar com
manifestações
,
que podem ocorrer em uma crise com a esquizofrenia.
E muito sofrido para todos na família quando a pessoa em crise precisa
ser internada e está desorientada e assustada.
,
E preciso entender que a pessoa em uma crise de esquizofrenia está
tendo percepções muito particulares (alucinações) e pensamentos
muito desorientadores
, e assustadores que não correspondem à reali-
dade (delírios). E preciso ter em mente que a esquizofrenia tem trata-
mento e controle e que há muitas maneiras de evitar ou tratar as crises
logo no começo, evitando situações extremas.
Um acompanhamento psiquiátrico cuidadoso pode identificar a crise
no início e propor maneiras de contornar a situação. Por esse motivo,
é uma atitude protetora relatar ao psiquiatra qualquer mudança perce-
bida pela pessoa ou por seus familiares e estar aberto para estabelecer
ttma estratégia com o médico para enfrentar a situação. Esse cuidado
faz parte do tratamento.
176 • Assis, Villares & Bressan

A seguir, apresentaremos algumas sugestões de como enfrentar uma


situação de crise, com base na experiência de muitos familiares que
foram ouvidos e consultados para escrever este livro.

1idando com um momento de crise


Como vimos, uma crise da esqttizofrenia pode ser mttito difícil para
toda a família, mas existe uma série de medidas que podem ser
tomadas para minimizar o sofrimento que ela provoca. Durante a
primeira internação de Carlos, seus familiares foram orientados sobre
os principais aspectos da esquizofrenia. Entenderam que é uma doença
que altera o funcionamento do cérebro, e, portanto, o tratamento com
medicamentos é fundamental. Parar de tomar a medicação é a prin-
cipal causa de crises agudas. Apesar de o medicamento ser necessário,
não é suficiente para tratar pessoas com esquizofrenia. Um convívio
familiar harmônico também é fundamental. Vejamos como a família
de Carlos aprendeu a lidar com outros momentos de crise.
Os familiares de Carlos aprenderam a manter a calma quando ele
entra em crise, a não se deixar envolver por seu estado, sem concordar
ou discordar do que ele está dizendo. Aprenderam, também, a não
impor atitudes e comportamentos que ele visivelmente não tem condi-
ções de entender e menos ainda de atender. Quando ele se descon-
trola, eles evitam responder à altura, procuram não gritar e, na medida
do possível, falam em voz baixa e com calma. Eles agora sabem qt1e
podem procurar ajuda dos profissionais da saúde caso seja necessário,
até mesmo do serviço de ambulância da cidade.
Eles aprenderam, nessa situação, a não criticá-lo, a não ameaçá-lo ou
tentar segurá-lo, pois ele pode reagir por estar assustado e amedron-
tado. Seus pais procuram fazer o que ele pede, desde que não seja
perigoso, o que facilita o relacionamento. Quando Carlos está em crise
aguda, os familiares procuram se revezar, de forma a sempre ficarem
duas pessoas com ele, para que, se for preciso pedir ajuda dos profis-
sionais da saúde, um possa fazer isso enqt1anto o outro fica com o
.
Jovem.
Entre a razão e a ilusão 177

Tenha calma, filho


isto já vai passar!!

MM'<

Com essas medidas, Carlos, mesmo em crise com delírios e alucina-


ções, não se sente frontalmente ameaçado em sua casa. Isso ajuda a
evitar situações de agressividade, tanto física quanto verbal, e, quando
elas acontecem, podem ser controladas sem consequências graves. Há
casos de esquizofrenia em que a agressividade é um elemento impor-
tante e precisa de atenção especial, mas não é a regra para a maioria
deles.
Diante dessa situação descrita, os pais de Carlos conversaram com o
psiqtliatra, reclamando que não enxergavam solução para a situação
do filho, pois ele tomava as medicações regularmente, mas tinha crises
frequentes. O psiquiatra explicou que estava seguindo o caminho certo
no tratamento do jovem e que o caso dele se configt1rava no que se
chama de "esquizofrenia refratária". O médico propôs a internação do
javem por um período mínimo necessário para iniciar o tratamento
com um medicamento específico, a clozapina.
Carlos melhorou com o novo tratamento. Entretanto, foram funda-
mentais a compreensão, o apoio e o ct1idado da família. Lembramos
que sempre podemos procurar melh.o rar a situação vivida e não
podemos perder a esperança diante de situações muito difíceis, como
178 • Assis, Villares & Bressan

as crises na esquizofrenia. Devemos dialogar com os profissionais da


saúde para juntos encontrarmos os melhores caminhos. Foi isso qt1e a
família de Carlos fez.
Sua família
,
aprendeu a importância da união para lidar com a esqui-
zofrenia. E Carlos que tem a doença, mas ela afeta a todos. Cada t1m
foi aprendendo como contribuir para que ele se sentisse acolhido em
sua casa. Saber que a família está empenhada em lidar com a doença
ajuda muito e conforta a pessoa com esquizofrenia, mesmo que ela
não saiba como expressar isso. Esse acolhimento é um fator que ajuda
. na recuperaçao.
muito ~

Quando a pessoa nega-se ase tratar


Muitas pessoas com esquizofrenia se negam a seguir, os tratamentos e
têm muitos argumentos para sustentar essa postura. E preciso entender
que a maior parte dos motivos dessa negação está relacionada com os
sintomas da doença. Lidar com essa situação no convívio familiar é um
desafio que requer paciência, negociação e uma dose de autoridade,
para que a pessoa com esquizofrenia saia dessa armadilha imposta
pela própria doença.
A familia tem que ter claro que o tratamento é condição necessária
para a melhora da pessoa com esquizofrenia. Nesse sentido, ela precisa
ajudar o paciente a entender essa necessidade. Muitas vezes, ele não
entende a necessidade do tratamento, e a família tem de enfrentar
.
esse impasse.
Convencer uma pessoa adulta a fazer o que não quer é uma situação
difícil. Muitos familiares escondem os medicamentos nos alimentos, e
a pessoa os ingere sem saber. Acreditamos que essa não é a melhor
conduta, pois pode dar à pessoa a impressão de ter melhorado sem a
necessidade dos medicamentos. O caminho do convencimento e da
negociação, mesmo sendo mais difícil, acaba sendo o mais efetivo.
Francisca, a amiga de Gabriel, não acha que tem uma doença. A família
não conseguia convencê-la a seguir os tratamentos, o que gerava
Entre a razão e a ilusão 179

graves problemas de relacionamento, principalmente por ela desafiar


a autoridade do pai. Depois da terceira internação, o pai a avisot1 que,
se ela piorasse, seria internada de novo e que ele não queria isso,
portanto ela precisava se cuidar. Ela não tomou os medicamentos e
teve uma recaída. O pai explicot1 que a estava levando para t1ma inter-
nação para o bem dela, mas Francisca achava que isso era uma arbitra-
riedade do pai. Entretanto, ele foi visitá-la no hospital todos os dias, e
ela pôde entender que ele de fato se preocupava com ela e estava
sofrendo com a situação. Essa percepção levou Francisca a aceitar ir
com o pai periodicamente às consultas com o psiquiatra e tomar a
injeção do medicamento de depósito. Depois de algum tempo, a ida ao
psiquiatra e a injeção foram tornando-se rotina, e o desgaste diminuiu
mt1ito.
O caso de Francisca representa uma situação extrema, não tão
incomum na esquizofrenia. Saber estabelecer limites por intermédio
de relacionamentos, deixando claro que certas atitudes não são aceitas,
é fundamental para qualquer pessoa ter referências do que pode e do
que não pode fazer nos relacionamentos. Tal postura é válida e impor-
tante também na relação com pessoas que têm esquizofrenia. Mostrar
o que se considera certo com o próprio exemplo ajuda muito no,
convencimento, na negociação e até na aceitação do tratamento. E
mt1ito importante aco.m panhar a pessoa com esqt1izofrenia nas
consultas e reafirmar as posturas que se tem no dia a dia, dando a
180 • Assis, Villares & Bressan

oportunidade para o médico intervir sobre as questões reais com as


quais se lidam em casa.
Quando a pessoa não quer se tratar, a família precisa agir de forma
firme, sempre procurando evitar situações de confronto. A atitude de
negação do portador precisa ser entendida como a única forma que ele
tem de lidar com a doença, e a família pode oferecer outras possibili-
dades. Quando a pessoa entende que os tratamentos possibilitam uma
vida melhor e com menos sofrimento, abre-se espaço para que o trata-
mento adquira o sentido de reconstrução de projetos para o futuro.
Cabe à família e aos profissionais da saúde facilitar esse entendimento.
A melhora com os tratamentos acaba sendo percebida pela pessoa com
esquizofrenia; mesmo ela não achando que tem uma doença, pode
concordar em tomar as medicações, em virtt1de dos resultados qt1e
percebe em seu estado e nos relacionamentos familiares. Esses relacio-
namentos são as referências de realidade que ela tem, daí a impor-
tância de cada membro da família contribuir para um cotidiano harmô-
nico e estruturado para a pessoa com esquizofrenia.

Prevenindo recaídas
A esquizofrenia é uma doença qt1e precisa de cttidados constantes.
Mesmo quando os sintomas melhoram ou parecem ter desaparecido,
há sempre o risco de uma recaída e do reaparecimento dos sintomas.
A família tem um papel mt1ito importante nesse cuidado e na prevenção
de recaídas. Apresentaremos alguns exemplos desse papel.
Muitas pessoas com esquizofrenia, quando se sentem melhor; param
de tornar os medicamentos, e essa é urna das principais causas de
recaídas. Os familiares têm um papel importante no monitoramento
da tomada de medicação.
Gabriel toma sozinho os medicamentos todas as noites; entretanto,
eles ficam em um móvel da sala, e sempre que ele esquece, alguém o
lembra; às vezes, os familiares lhe levam os medicamentos, mesmo
que ele já esteja dormindo. No caso de Carlos, sua mãe dá a medicação
Entre a razão e a ilusão 181

para ele tomar todos os dias. Francisca precisa ir ao psiquiatra para


tornar o medicamento de ação prolongada acompanhada de um fami-
liar.
Outro aspecto fundamental é que o ambiente familiar é muito impor-
tante para o bem-estar de todos, principalmente das pessoas com
esquizofrenia. Um an1biente harmônico é importante para prevenir
recaídas e evitar situações muito estressantes, como discussões,
cobranças de tarefas e responsabilidades que estão além da capaci-
dade da pessoa. Além disso, esse ambiente gera um grande apoio para
que a pessoa se sinta integrada no ambiente familiar. Sabemos que não
é uma tarefa fácil, e é preciso que todos se esforcem para cuidar da
rotina da família.
Os familiares podem ajudar a prevenir a recaída se observarem algt1ns
sinais, como mudanças no comportamento da pessoa - por exemplo,
insônia, irritabilidade acima do natural, perda de interesse por ativi-
dades que costumava fazer, ideias diferentes ou estranhas, enfim,
mudanças que apenas quem convive diariamente com a pessoa pode
perceber. Essa é a hora de procurar o psiquiatra para uma avaliação,
182 • Assis, Villares & Bressan

pois muitas vezes é possível evitar uma recaída com um ajuste na


medicação ou manejo de uma situação estressante.
Tanto no caso de Gabriel quanto no de Carlos e de Francisca, a família
foi aprendendo com o tempo a conviver com suas peculiaridades, de
forma que eles foram se sentindo cada vez mais queridos e conside-
rados por ela. Isso ajudou muito a lidar com as questões impostas pela
'
doença. As vezes, seus hábitos incomodam, suas conversas não
agradam ou são repetitivas, mas o importante é que eles possam ser
aceitos como são.
Também contribui para evitar recaídas a família incentivar que a
pessoa com esquizofrenia tenha projetos realistas, por meio dos quais
ela se sinta produtiva. Gabriel encontrou um projeto sendo aprendiz
de marcenaria com Sett Agostinho; Carlos, sendo monitor nos fins de
semana na escola infantil do bairro; e Francisca, fazendo um curso de
mosaico no centro cultural. Cada pessoa com esquizofrenia pode saber
quais projetos estão dentro de suas condições na medida em que os
realiza sem se sobrecarregar ou se estressar por longos períodos. Ao
realizar um projeto, a pessoa se sente mais preparada para dar um
passo mais longo com outro projeto mais arrojado. O importante é não
se entregar à doença.
Sabemos que os relacionamentos familiares nem sempre são harmo-
niosos. Muitas famílias convivem mal, com dificuldades sérias de rela-
cionamento e outros problemas anteriores e independentes da esqui-
zofrenia. Também sabemos que, muitas vezes, a pessoa com esquizo-
frenia tem um comportamento que dificulta a aproximação dos
familiares ou gera conflitos. Prevenir recaídas exige da família o exer-
cício da tolerância e do diálogo sempre que possível. Em muitos casos,
é preciso rever e cuidar de problemas anteriores para abrir espaço a
um relacionamento mais saudável. Isso exige dos familiares disposição
e abertura para abordar os problemas de todos.
A seguir, apresentaremos alguns hábitos que contribuem para um
ambiente familiar acolhedor para a pessoa com esquizofrenia e para
todos os membros da família.
Entre a razão e a ilusão 183

Criando um ambiente acolhedor


Um entendimento importante é o de que a esquizofrenia não é a única
causa das dificuldades no convívio familiar; há também certas posturas
individuais que podem gerar conflitos. Um ambiente acolhedor é
criado com base em uma relação afetiva entre os membros da família
marcada pela compreensão e pela confiança. Ele é um objetivo a se
alcançar com o tempo, por meio de mudanças e superação. Cada
família pode encontrar os próprios caminhos para lidar com as dificul-
dades cotidianas e criar um ambiente acolhedor. Apresentaremos
alguns elementos que contribuem muito para esse processo.
A empatia é uma postura que contribui muito. Júlia, a irmã de Gabriel,
tem essa qualidade inata, por isso ela sempre conseguiu ouvir e
entender o irmão, mesmo nos piores momentos. Para empatizar, é
preciso deixar de lado cobranças, possíveis mágoas e entender o senti-
mento do outro, o que passa a ser recíproco. Essa qualidade pode ser
exercitada; foi o que aconteceu com o Renato, irmão de Gabriel, que
mudou de uma postura de antipatia para encontrar novas maneiras de
184 • Assis, Villares & Bressan

continuar sendo amigo do irmão. Os pais de Carlos e os de Gabriel


aprenderam a ser menos autoritários e mais aconselhadores. O pai de
Francisca encontrou uma forma de ser firme sem ser ríspido. Em todos
esses exemplos, as pessoas conseguiram transformar as experiências
de sofrimento em coisas boas.
A empatia abre espaços para se estabelecer um "território" comum, no
qual as pessoas conseguem concordar. Isso acontece primeiro com
pequenas coisas e depois com questões maiores. Fra11cisca não acha
que tem uma doença, mas concorda em ir ao psiquiatra e tomar lá o
medicamento. Isso só foi possível porque em uma série de vivências
corriqueiras ela foi construindo seu espaço no relacionamento com
seus pais e irmã, e hoje ela tem a certeza de que eles querem o melhor
para ela e concorda com o tratamento, mesmo não estando conven-
cida de que precisa dele. Concordamos com pessoas que confiamos, e
não necessariamente com aquelas que julgamos terem razão.
Um ambiente acolhedor é construído pelo hábito de conversar. ,
As
conversas são a prática da empatia e de um território comum. E preciso
saber escutar ativamente para poder entender o outro, perguntar para
compreender as razões do outro e contribuir para que o assunto se
desenvolva. Existem momentos em que procuramos uma conversa, e é
bom ser acolhido, assim como em outros somos procurados, e acolher
ajuda muito.
Cultivar esses hábitos é fundamental para que as pessoas com esquizo-
frenia sintam-se acolhidas no ambiente familiar e também para que a
família não coloque a doença com.o o centro das questões do convívio
entre os membros. Esses hábitos ajudam na superação dos problemas
sem dar um tamanho maior do que merecem.
Criar um ambiente familiar acolhedor é fruto de um aprendizado com
o cotidiano, que parte da boa vontade e da paciência para que os resul-
tados apareçam. Lembramos que os exemplos de nossos personagens
necessitaram de um tempo de amadurecimento de cada familiar e de
uma postura de busca permanente de resolução de problemas. Esse é
um entendimento fundamental, que jttstifica porque não existe a
"fórmula mágica". Entendemos que o melhor caminho para enfrentar
Entre a razão e a ilusão 185

as questões familiares e as da esquizofrenia é persistir sempre no


acolhimento como base para lidar com as difict1ldades que a vida de
cada um coloca. Cada pessoa pode escolher as melhores maneiras de
fazer esse caminho.

El aine Vieira - Assistente social e terapeuta de família


Se o pensar sobre relações fami liares em contextos de saúde e normalidade já não é ta-
refa simples, remeter o olhar para f amílias com um portador de transtorno mental grave
como a esquizofrenia mostra -nos, além dessa complexidade, como as relações podem se
tornar frágeis ao longo da convivência com a doença.
Em geral, quando um ind ivíduo jovem apresenta alterações importantes em seu com-
portamento, os familiares percebem que há algo errado e iniciam uma busca para enten-
der e solucionar o problema. Nesse percurso, é comum que busquem vários serviços de
saúde ou consultórios médicos e recebam informações diversas, como: "seu fi lho teve
um surto psicótico, tem esquizofrenia, o tratamento é longo, não pode parar de tomar -a
med icação .. .". Tais informações frequentemente suscitam mais dúvidas, e os famil iares
vão acumulando, ao longo dessa busca, sentimentos de perplexidade, tristeza, desam-
paro, vergonha e culpa. Essas circunstâncias podem provocar ou aumentar o isolamento
do paciente com relação a sua família, seus parentes, seus amigos e suas redes sociais.
Com o passar do tempo, os fam iliares vão aprendendo a enfrentar o problema, as
crises agudas, as melhoras e as recaídas que fazem parte do percurso da doença. Essa
experiência de equ ilíbrio tão frágil e de tanto sofrimento costuma resu ltar em uma so-
brecarga que pode levar o cu idador a adoecer. Diante da necessidade de reestruturação
e readaptação do cot idiano na convivência familiar e das dificuldades dos familiares em
relação ao tratamento e reconhecimento da doença, pode ser útil buscar amparo espe-
cífico para desenvolver recursos para lidar com a situação da maneira mais adequada
e saudável. O atendimento familiar geralmente tem como objet ivos: o acolhimento, a
informação, a orientação, o comparti lhamento de situações pessoais e a construção de
novas possibilidades para enfrentar a situação vivida.

Encontrando recursos na comunidade


Quando os familiares enfrentam dificuldades para conviver com um
membro com esquizofrenia, podem se afastar ou se isolar do convívio
em comt1nidade, deixando de frequentar lugares públicos e evitan do
eventos sociais. Isso se dá tanto pelo estigma da doença quanto pelas
186 • Assis, Villares & Bressan

questões cotidianas que mudam a própria dinâmica da família. Entre-


tanto, para uma vida com qualidade, é fundamental afastar as ques-
tões relativas à doença do centro das preocupações e buscar ativa-
mente recursos na comunidade que contribuam para diminuir esse
isolamento.
Um recurso da comunidade que pode ser bem aproveitado é o local de
tratamento, seja para o acolhimento das questões familiares, seja
quando oferecem palestras ou grupos de ajuda mútua.
Há outros recursos da comunidade que podem ser acessados pela
família. Cada membro pode encontrar lugares e eventos da cidade q11e
lhe façam bem. Gabriel, que gosta de escrever, foi incentivado por sua
terapeuta ocupacional a frequentar a oficina de redação oferecida na
biblioteca municipal, o que contribui11 muito em seu processo de recu-
peração. Seus pais frequentam a igreja, mas também passaram a fazer
passeios no parque e, de vez em quando, ir ao cinema.
Francisca vai uma vez por semana ao centro cultural fazer um curso de
mosaico. Além das amizades que fez no grupo e das horas agradáveis
que passa, ela vê as exposições e fica por dentro da programação
cultural da cidade. Chega até a convidar a irmã para ir a algumas
delas.
Carlos aprende11 a jogar bem cartas e dominó no hospital e fez amizade
com as pessoas que jogam na praça perto de sua casa. Essa é uma ativi-
dade que lhe é muito prazerosa, e ele se sente bem com os amigos da
praça. Nos fins de semana, é monitor nas atividades de recreação da
escola infantil de seu bairro. Ele tem jeito com as crianças e é respei-
tado por elas, o que contribui muito para sua a11toestima.
A mãe de Carlos faz parte de um grupo de senhoras q11e se reúnem
para fazer crochê e conversar aos sábados em uma loja de artesanato
de seu bairro. Ela produz peças muito bonitas, com que presenteia
parentes e amigos.
Estes são alguns exemplos. A cidade sempre
, tem muitos recursos para
um convívio saudável e prazeroso. E importante que as famílias
compreendam que não é saudável colocar os problemas da esquizo-
frenia sempre em primeiro lugar. Para poder lidar bem com a doença,
Entre a razão e a ilusão 187

é preciso buscar atividades que façam bem para cada membro da


família. Conhecer o que a cidade oferece e experimentar sair de casa
para se integrar com outras pessoas e atividades pode ser uma inicia-
tiva muito útil para se buscar equilíbrio e bem-estar.
Para muitas pessoas com esquizofrenia, o local de tratamento é o único
lugar de convívio social. Normalmente, é o lugar onde se sentem
acolhidas e tratadas com respeito. Entretanto, esse não deve ser o obje-
tivo final de nenhuma abordagem terapêutica. Retomar as atividades
na comunidade pode ser um processo lento para muitos, e as ativi-
dades com a família contribuem muito para que as pessoas com esqui-
zofrenia consigam, ao longo do tempo, encontrar espaços na cidade
para voltar a transitar com tranquilidade e confiança.
Um dos sintomas difíceis de se superar na esquizofrenia é o isolamento
social, que muitas vezes acaba afetando também os outros membros
d.a família. Um passo muito importante no processo de recuperação é
a reinserção social, que se dá encontrando os recursos da comunidade
que fazem bem para cada pessoa. Fazer atividades sociais ou participar
delas favorece a criação de laços de amizade e revitaliza as aptidões
que a pessoa tem e que ficaram obscurecidas pela doença, trazendo
11m novo vigor para s11a vida e novas oportunidades. Os familiares
também se beneficiam usufruindo os recursos da comunidade, favore-
cendo uma vida mais leve e uma disposição melhor para lidar com as
questões e os problemas cotidianos.
188 • Assis, Villares & Bressan

Incentivando a autonomia
Uma maneira de contribuir para que a pessoa com esquizofrenia se
sinta integrada no ambiente familiar é incentivando sua autonomia
nas tarefas cotidianas em que ela tem capacidade para mostrar sua
eficiência. Isso pode contribuir muito para que ela se sinta capaz de
enfrentar novas situações. Vejamos um exemplo vivido por Gabriel.
O pai de Gabriel pedi11 a ele que fosse ao banco e pagasse uma conta,
deixando com ele o cartão do banco e a senha de acesso. O jovem
nunca tinha utilizado o caixa eletrônico do banco para pagar contas e
passo11 o dia ang11stiado, com a certeza de que iria cometer 11m erro na
tarefa que seu pai lhe incumbiu, sentindo-se um incompetente.
Quando o pai chegou do trabalho, perguntou se Gabriel tinha pagado
a conta. Ele se justificou dizendo que não havia feito por receio de
cometer um erro. Seu pai não ficou bravo, mas conversou sério com
ele, dizendo: "Filho, pagar essa conta era responsabilidade sua, não dá
para fugir de nossas responsabilidades. Amanhã s11a mãe vai ao banco
com você e o ensinará a pagar a conta".
No dia seguinte, Gabriel e s11a mãe foram ao banco. Ele prestou
bastante atenção nos procedimentos para pagar a conta. Além disso,
pôde observar que várias pessoas pedem ajuda à funcionária do banco
para utilizar os caixas eletrônicos. Percebeu que seu medo de errar era
exagerado. Quando o pai chegou, à noite, Gabriel contou satisfeito
que agora era capaz de pagar as contas no banco.
A partir desse dia, Gabriel passou a pagar todas as contas da casa no
banco, até mesmo fazer depósitos, retirar extratos bancários e retirar
dinheiro quando s11a mãe lhe pede. Ele gosta de realizar essas tarefas,
principalmente porque elas representam a confiança que o pai tem
nele para cuidar de uma atividade importante da vida familiar.
Incentivar a autonomia da pessoa com esquizofrenia é muito impor-
tante para a man11tenção da autoestima. Algumas atividades podem
exigir um acompanhamento por determinado tempo, sendo gradual-
mente delegadas à pessoa como reconhecimento de sua capacidade.
As atividades escolhidas dependem muito das condições e aptidões de
Entre a razão e a ilusão 189

cada pessoa, mas sempre é possível achar aquelas mais adequadas


para o momento.
O exemplo utilizado pode ser considerado simples, mas é muito signi-
ficativo para qualquer tarefa. Cecília, uma das autoras deste livro,
acompanhoL1, com Jorge, a coordenação de um grupo de atividades da
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizo-
frenia (ABRE) por mais de dois anos e, gradativamente, foi passando
a tarefa para ele, que hoje consegue desempenhá-la de modo satisfa-
tório.
Essa postura por parte dos familiares também é importante para que,
ao longo do tempo, a pessoa com esquizofrenia consiga uma reinte-
gração social, sinta-se capaz e participe da vida em comunidade.
Insistimos, ao longo deste capít11lo, na importância da integração da
pessoa com esquizofrenia na dinâmica da família. Para incentivar a
autonomia, é preciso primeiro que a própria família possa perceber
que o indivíduo é maior do que a doença, por mais debilitante que esta
possa se apresentar. Quando isso não acontece, a pessoa com esquizo-
frenia tende a se isolar mais, e a recuperação fica comprometida. O
contato com os profissionais da saúde e o local de tratamento são um
bom incentivo para exercitar a autonomia do portador, que pode ser
ampliada cada vez mais na rotina da família. Não se pode dizer, a prin-
cípio, até onde a pessoa poderá chegar, mas com certeza ela alcançará
melhor recuperação se for cotidianamente incentivada.

o o
190 • Assis, Villares & Bressan

Relato de uma mãe


Bruno foi o primeiro filho de uma famíl ia de quatro irmãos. Até a pré-adolescência, foi
uma criança dócil, terna, sensível, alegre, bom aluno e muito tímido. A música foi sem-
pre um meio de comunicação que o fazia vencer a timidez e que também aproximou um
grupo de amigos alternativos da escola.
As experiências com drogas nunca foram compensadoras para ele. Não traziam con-
forto nem alegria. Ao contrário, com elas, veio a conhecer a tristeza e a depressão. E nem
mesmo a formação que parecia consistente, a estrutura famil iar, os princípios, os valores
e o amor puderam salvá-lo do abismo que o esperava.
Assistíamos como estranhos, sem acesso, sem linguagem , sem a menor ideia do que
nos esperava. O grande sofrimento era vê-lo sofrer, seu deslocamento, sua inqu ietação,
sua divisão, seu desconforto e não sabermos do que se tratava. Quando veio o primeiro
diagnóstico de esquizofrenia, depois de longa peregrinação por médicos especialistas
e psiquiatras, nós, famil iares, desmoronamos, pois já estávamos desnorteados e sem
forças.
O pai já sofria há algum tempo da doença de Parkinson, a qual progredia a passos
longos. O sofrimento do filho acelerava o processo. As mudanças de comportamento de
ambos foram ficando cada vez mais claras.
Bruno foi se tornando um "estranho", com atitudes inesperadas, olhares descon-
fiados, alucinações auditivas e gritos atormentados, e veio a agressividade... E era o
momento decisivo de sua vida, da escolha da profissão, do caminho a segu ir, do futuro ...
Quantas incertezas e quanta insegurança!
A dificuldade do primeiro tratamento devem-se aos efeitos colaterais dos medica-
mentos, que eram muito semelhantes aos sintomas da doença do pai, principalmente
os tremores das mãos. E veio a rejeição à ajuda, o medo e o agravamento da doença.
Aí aconteceu a primeira crise psicótica, que resultou em sua primeira internação. Os
métodos uti lizados na ocasião eram quase medievais, o que nos fez transferi-lo para ou-
tra clínica, fora de São Paulo, que buscava a cura não só pela medicação na dose ideal,
mas também pelas atividades de trabalho. Era o caminho que se abria e se iluminava.
No entanto, o afastamento da família trouxe muito sofrimento para todos. Pais e
irmãos buscaram terapia familiar para tentar reunir os pedaços e acolher nosso querido
Bruno de volta ...
Quando finalmente ele foi reintegrado no seio familiar, estávamos mais bem prepara-
dos para entender a esquizofrenia e para ajudá-lo a viver em harmonia com seu destino.
E foi assim que encontramos o médico certo, o medicamento certo, a dose certa. A hu-
mildade da aceitação da doença, as palavras francas, o tratamento cada vez mais natural
dos irmãos e dos parentes e, principalmente, o amor daqueles que o cercavam passaram
a ser o caminho para a retomada de uma vida normal.
Com a dor da perda do pai, veio o entendimento de que era preciso cumprir religio-
samente o que os médicos estabeleciam como conduta do tratamento e não falhar com
os medicamentos para que se pudessem medir os resultados.
Depois veio o trabalho. A interrupção dos estudos reduziu as alternativas, que já
eram limitadas. Assim, Bruno começou ajudando em casa, conhecendo os recursos da
c<•11li1111u .••
Entre a razão e a ilusão 191

.. . conÍinuaciiu
'

computação, dando um suporte precioso para meu trabalho como consultora que se
iniciava. Em seguida, foi ajudante de cozinha, trabalhou em fábrica de papel reciclado,
também como auxi liar de escritóri o, com a primeira pessoa que acreditou em sua capa-
cidade. Desenvolveu-se e, hoje, dedica seus dias ao estudo, pois conseguiu , aos 44 anos,
ser aprovado no vestibular, além de levar a vida de trabalhador a sério, como qualquer
um de nós. E é respeitado por isso.
A música, a leitura, o cinema e a famíl ia serão sempre sua companhia e sua f elicida-
de, e essa fe licidade se completa agora com a sobrinhada que aos poucos passa a conhe-
cer o grande homem que é o tio Bruno. Com ele, aprenderão que a vida pode ser si mples
e completa, mas sempre uma vida a se viver com dignidade. Esse é seu destino ...

Caminhos de superação
A esquizofrenia traz para a vida dos portadores e suas famílias ques-
tões e situações novas e difíceis, q11e não têm solução imediata. Em
boa parte dos casos, a esquizofrenia causa uma sensação de que não
existem saídas para as enormes dificuldades enfrentadas. Buscar a
superação é uma escolha, e pode ser feita independentemente do
estágio ou do tempo em que a doença apareceu. Confiar que ela é
possível e procurar constantemente caminhos de melhora é a postura
mais adequada em relação aos desafios práticos que a esquizofrenia
coloca. As soluções serão construídas pelo aprendizado e pelas
mudanças ao longo do tempo.
Quando a esquizofrenia apareceu na vida de Gabriel, os familiares
esperavam que ele superasse a situação "naturalmente", como uma
crise da adolescência. Mesmo depois de passar por um psiquiatra,
ainda ficaram com dúvidas e não sustentaram o tratamento. Foi neces-
sário vencer essas dúvidas para que os tratamentos fossem efetiva-
mente implementados. Muitas famílias não superam essa etapa, e, em
consequência, a pessoa com esquizofrenia fica muito tempo sem trata-
mento, o que contribui para deteriorar as relações familiares e deter-
minar pior evol11ção da doença.
Depois da doença estabilizada, Gabriel resolveu parar os tratamentos,
e a família aceitou essa decisão. Como consequência, ele teve uma
192 • Assis, Villares & Bressan

recaída e precisou ser internado. Esse fato ensinou para para ele e para
sua família que não se pode descuidar dos tratamentos ou parar de
tomar os medicamentos. Todos sofreram com essa experiência, mas
cresceram ao encontrar soluções para as questões práticas que
passaram. Muitas pessoas com esquizofrenia têm várias recaídas
porque param de tornar os medicamentos e não conseguem encontrar
soluções do tipo que a família de Gabriel encontrou.
Depois da internação, nosso personagem passou mais de um ano
fazendo um grande esforço para superar as dificuldades. Foi muito
difícil para todos manter a esperança e aprender a aceitar as limitações
que a esquizofrenia trouxe para vida dele. De toda forma, ao longo
desse tempo, ele pôde contar com grande apoio da família e, aos
poucos, foi conseguindo reencontrar um caminho em sua vida. Muitas
pessoas com esquizofrenia e suas famílias desistem de tentar superar
as dificuldades práticas quando não veem melhora para a doença.
A superação é um processo que cada pessoa e cada família constrói
com base na confiança de que há maneiras melhores de lidar com as
situações e aprender com elas. Isso exige a aceitação das limitações
Entre a razão e a ilusão 193

impostas pela doença, mas também determinação, esperança e


confiança nos recursos que vão adquirindo ao longo do caminho.
Superar a esquizofrenia não significa conseguir que seus efeitos e
sintomas desapareçam completamente, pois este é um evento raro, e
não se deve alimentar demais essa esperança. A superação se dá ao
encontrar soluções práticas e cotidianas para melhorar o que é possível
e procurar maneiras de ter uma vida com qualidade. Essa é uma espe-
rança realista e possível.
Uma boa qualidade de vida é o principal resultado da superação.
Entendemos que a qualidade de vida é mais ampla que o conforto
material e, seguindo os tratamentos, ela se caracteriza por relações
familiares harmônicas, integração social e uma vida produtiva. Esses
elementos são muito importantes para que a vida tenha sentido. A
aceitação da doença, o autocuidado e a tranquilidade interior só são
alcançados por intermédio desse sentido que cada um encontra para a
própria vida. Nele, as estratégias e mudanças para a superação da
esquizofrenia servem também para todas as pessoas que são compro-
metidas com a realidade que a vida lhes coloca.

Aprendendo com a convivência


Apresentamos, neste capítulo, alguns temas que consideramos funda-
mentais para o convívio familiar. Procuramos mostrar que a recupe-
ração e a superação são processos possíveis na esquizofrenia, mas para
que aconteçam é fundamental o aprendizado constante no que
concer11e às questões cotidianas da família.
A esquizofrenia é uma doença crônica, e como tal necessita de cuidados
continuados. Uma diferença importante entre esse transtorno e outras
doenças orgânicas é que, no caso da esquizofrenia, não basta tomar as
medicações ou fazer t1ma dieta para manter a doença sob controle.
Além do cuidado medicamentoso, é necessário o cuidado das relações
entre os membros da família, pois são elas que dão o suporte neces-
194 • Assis, Villares & Bressan

sário para se alcançar estabilidade. No caso da esquizofrenia, como em


todas as doenças crônicas, a qualidade de vida não é uma opção: é
uma necessidade.
Partindo de alguns exemplos, apresentamos maneiras de aprender
com as dificuldades e construir outras opções para lidar com as ques-
tões colocadas pela esquizofrenia. Para que haja a superação, é neces-
sário manter uma esperança realista que permita uma atitude de cons-
tante reavaliação e diálogo, a qual vai se refletir em uma melhora do
ambiente familiar.
Um bom convívio familiar pode ser alcançado quando seus membros
conhecem as características da esq11izofrenia. Isso permite q11e cada
um trabalhe suas questões individuais de maneira a não estigmatizar,
afastar ou culpar o portador por situações de que ele não dá conta.
Com base nessa perspectiva, os familiares vão sentindo-se capazes e à
vontade para ajudar nas questões prioritárias dos tratamentos da
pessoa com esquizofrenia, propiciando, assim, um ambiente acolhedor.
A experiência nos mostra que a esquizofrenia .n ão precisa ocupar o
papel principal na vida das pessoas. Jorge, um dos autores deste livro,
Entre a razão e a ilusão 195

passou pela experiência de identificar sintomas da esquizofrenia em


tudo que lhe acontecia, e isso virou uma forma de justificar suas ques-
tões mal resolvidas com a própria vida. Ele precisou de anos para
perceber que a doença não justifica muitas coisas de sua história.
Seguindo os tratamentos, aprendet1 a avaliar que a doença interfere
em sua vida e como lidar com as limitações para minimizar o impacto
no dia a dia. Nesse perct1rso, o apoio de sua família foi fundamental
para que esse aprendizado fosse amadurecendo com o tempo.
Uma mudança de postura diante da esquizofrenia é sempre possível,
não importa a situação que se tenha vivido. Buscamos fornecer
elementos para você, nosso leitor, pensar em maneiras de olhar suas
questões pessoais. Esperamos ter trazido algumas contribuições que se
tornem 1iteis em seu convívio familiar.
Recuperação e
novas perspectivas

Rec11peração
A esquizofrenia é uma doença que modifica a vida da pessoa e de seus
familiares. Entendemos que a recuperação não significa voltar a um
estado anterior ao aparecimento da doença, mas aprender a conviver
com o transtorno e viver com qualidade, individualmente e em famI1ia.
Com base nessa visão, apresentamos como se deu esse processo para
os personagens Gabriel, Carlos e Francisca.

Recuperação de Carlos
A esquizofrenia apareceu na vida de Carlos de forma grave, pois,
mesmo com os medicamentos, os sintomas continuaram a dificultar
suas relações familiares e sociais, causando desentendimentos e isola-
mento. Essa situação só pôde ser contornada com um tratamento espe-
cífico para esquizofrenia refratária. Entretanto, no caso de Carlos, a
doença acarretou perdas em áreas importantes de seu funcionamento.
Para ele, a recuperação consistiu em um processo de aprendizado com
base nas condições de estabilização que os tratamentos proporcio-
naram, com o controle dos sintomas.
198 • Assis, Villares & Bressan

No início de seu percurso de tratamento, o local onde se tratava era o


único espaço público que Carlos frequentava. Considerando tal
restrição de vida, os profissionais da saúde foram
, incentivando-o e
criando condições para ampliar sua rede social. E importante lembrar
que certas atividades qt1e para a maioria das pessoas parecem simples
podem demandar grande esforço para o portador de esquizofrenia.
Por exemplo, Carlos já conhecia há anos Seu Fábio, o jornaleiro, mas
foi preciso muito esforço para tomar a iniciativa de falar com ele e
pedir para olhar algumas revistas de seu interesse. Esse foi um grande
passo, que abriu caminho, com o tempo, para outros passos maiores,
como fazer amizade e jogar com as pessoas da praça. Aos poucos, o
convívio desfez a imagem negativa da doença como algo perigoso na
comunidade, e Carlos passou a atuar como monitor na escola infantil
do bairro nos fins de semana.
Sua familia aprendeu, tanto com as experiências como no diálogo com
os profissionais da saúde, que ele tem certas limitações que precisam
ser respeitadas e que em muitas coisas precisa ser cuidado. Ao mesmo
tempo, Carlos também foi descobrindo novas maneiras de viver e estar
com as pessoas, de corresponder ao acolhimento da família e encon-
trar seu lugar no mundo.
Entre a razão e a ilusão 199

Este é o sentido da recuperação de Carlos: superar a perda das referên-


cias do que é a realidade e construir seu espaço entre as pessoas. Para
quem olha de fora, parece que as mudanças foram pequenas, mas
quem já viveu um período de completa desorientação na vida pode
entender o verdadeiro crescimento humano q11e esse jovem experi-
mentou ao longo de sua recuperação.
Nos últimos anos, Carlos vem aprendendo pint11ra com uma terapeuta
ocupacional que tem formação em artes. No início, os quadros eram
pouco expressivos, mas ele foi aprendendo com ela 11oções de estética
e técnicas de pintura e desenvolveu um potencial que até então não
sabia ter. Essa terapeuta mostrou os trabalhos dele para um especia-
lista, que reconheceu seu valor artístico e propôs a ele expor alguns de
se11s quadros em uma galeria de arte. Carlos, pela primeira vez em
tanto tempo, sentiu-se muito realizado!
A recuperação é um longo percurso, e todos podem construir esse
caminho, não importa quantas crises vividas ou dificuldades enfren-
tadas. O que realmente importa é criar e restabelecer relações signifi-
cativas com as pessoas e procurar realizar coisas que estejam a seu
alcance. Entendemos que as q11estões importantes para q11alquer
pessoa que procura viver bem valem também para o portador de esqui-
zofrenia.

Recuperação de Francisca
Francisca foi afetada pela esquizofrenia de maneira que as experiên-
cias que ela teve sempre foram percebidas como reais. Ela nunca viveu
o estranhamento que permite pôr em dúvida se as coisas realmente
estão acontecendo ou não. Sua recuperação foi dando-se com base em
mudanças que foram possíveis a partir do controle dos sintomas, à
medida que ela, depois de várias crises, passou a confiar e concordar
com seu pai e seguir os tratamentos propostos.
O fato de Francisca nunca ter aceitado portar uma doença mental
levou-a a tentar sempre impor suas certezas aos familiares. Uma vez
200 • Assis, Villares & Bressan

que tais certezas eram fruto de seus sintomas, esse processo dificultou
o relacionamento familiar e social e exigiu muita paciência dos pais e
da irmã, por quase dois anos, até Francisca aceitar o tratamento com
medicação de depósito ministrada nas consultas com o psiquiatra. Ela
só aceitou se tratar quando percebe11 a dedicação sincera da família e
confiou que o tratamento que estavam propondo seria bom para ela e
para todos.
Os demais profissionais do serviço onde Francisca se tratava, perce-
bendo sua dificuldade para aderir ao plano terapêutico, incentivaram-
-na a seguir o acompanhamento com o psiquiatra e recomendaram um
curso de mosaico em um centro cultural. Com a medicação sendo
administrada mensalmente, foi garantida sua tomada, o que fez os
conflitos com a família diminuírem muito. A medicação de longa ação
permite níveis estáveis do tratamento, o que possibilitou um ótimo
controle da doença e quase remissão dos sintomas. O apoio da família
e o curso de mosaico proporcionaram a ela fazer novas amizades; com
isso, Francisca foi reencontrando caminhos para viver melhor.
No centro cultural, ela conheceu um rapaz, Alexandre, e logo se criou
grande afinidade entre eles. Depois de alguns meses de amizade
Entre a razão e a ilusão 201

próxima e atividades de lazer em comum, Francisca e Alexandre come-


çaram a namorar. Esse relacionamento trouxe um novo colorido para
a vida de Francisca, um tipo de troca especial marcada por cumplici-
dade de sentimentos e afetos que deram novo significado para sua
vida. Todas as dificuldades que ela viveu até então passaram a ter
menos importância em seu cotidiano. Hoje em dia, Francisca faz outros
cursos oferecidos no centro cultural, participa da vida familiar princi-
palmente com a mãe e a irmã e divide sua intimidade com o namo-
rado.
A recuperação de Francisca mostra que quando a pessoa não se
compreende doente é importante procurar caminhos de negociação
para construir um sentido para o tratamento, já que este não é enten-
dido como necessário pelo indivíduo. Nesse percurso, é importante
preservar os laços de confiança, por mais difícil que seja o relaciona-
mento com a pessoa doente. A confiança é a ponte para a aceitação,
pois é mais fácil concordar com as pessoas em quem confiamos.
A pessoa que não aceita que tem esquizofrenia porque não se vê doente
precisa de uma atenção especial,
para seguir os tratamentos e construir
Llm processo de recuperação. E importante entender qLte isso também
é um sintoma da esquizofrerlia que precisa de cuidado e acompanha-
mento. Há muitos portadores nessa condição, e a história de Francisca
é um exemplo de que, com. os cuidados da família e dos profissionais
da saúde, é possível, com o tempo, buscar um caminho de recuperação.

Recuperação de Gabriel
Gabriel teve seu caminho de vida mudado pela esqLtizofrenia, que o
levou a urna experiência interior muito sofrida e deixou marcas
profundas em sua maneira de ver o mundo. Seu caminho de recupe-
ração, além dos tratamentos e controle dos sintomas, passou também
por um processo de achar seu lugar na vida e se desfazer do sofri-
mento de saber-se diferente das outras pessoas por causa de seu trans-
torno mental. A consciência da doença pode ser um fardo muito pesado
para alguns portadores. Esse foi o caso de Gabriel.
202 • Assis, Villares & Bressan

Ao longo do tempo, Gabriel foi estabelecendo relacionamentos com


seus familiares e com os profissionais da saúde, que tornaram sua vida
possível de ser suportada. Os irmãos e os pais foram aprendendo como
ser acolhedores com ele. O psiquiatra, Dr. Marcelo, pôde sempre ser
receptivo às queixas e questões do jovem e mostrar caminhos para que
ele entendesse as experiências e melhorasse. Fátima, a terapeuta
ocupacional, ajudou-o a manter algumas atividades e a procurar novas,
auxiliando-o a perceber a importância destas para dar sentido ao dia a
dia. Sônia, a psicóloga, acompanhou o processo de sofrimento de
Gabriel e ajudou-o a ir desfazendo-se dele, apontando possibilidades e
servindo de suporte para que essa superação se tornasse possível.
Gabriel passou um tempo trabalhando como aprendiz de marceneiro
com Seu Agostinho, um senhor com a sabedoria da vida que o acolheu
e lhe deu bons conselhos, convencendo-o a voltar a estudar. Seu pai
passou para ele a tarefa de cuidar do orçamento da casa, até mesmo
dos pagamentos no banco, o que ajudou muito a resgatar sua autoes-
tima. Gabriel descobriu que lidava bem com números; após assistir a
algumas aulas de introdução à estatística na faculdade do irmão,
decidiu fazer um curso de estatística. Prestot1 o vestibular, foi apro-
vado e, durante o curso, foi, aos poucos, conseguindo reencontrar seu

-
MM';
Entre a razão e a ilusão 203

lugar no mundo, com novas amizades e superação de suas dificul-


dades intelectuais.
Hoje, Gabriel está trabalhando com estatística em uma empresa, utiliza
as habilidades práticas aprendidas com Fátima, o bom senso apren-
dido com Dr. Marcelo e Seu Agostinho, tem a tranquilidade interior
construída
,
com Sônia e a responsabilidade que aprendeu com seu pai.
E 11m bom funcionário e trabalha com atividades que gosta de desen-
volver. Tem um cuidado responsável com seus tratamentos, vai regu-
larmente ao psiquiatra e toma os medicamentos todos os dias.
A recuperação de Gabriel mostra que a esquizofrenia é uma doença,
mas também uma experiência humana com possibilidades de supe-
ração. Se olharmos tudo apenas como sintomas da doença, não conse-
guiremos ver 011tras possibilidades que a vida oferece. Gabriel teve um
longo caminho de aprendizado com a esquizofrenia e entendeu como
encontrar um caminho para sua vida. Esse é o sentido da esperança
realista na superação das dificuldades impostas pela esquizofrenia.

F. P.
Tenho 32 anos e faço tratamento da esquizofrenia há 10 anos. O quadro que eviden-
ciou a necessidade do tratamento ocorreu no fim de 1997. Até então, tinha uma vida
relati vamente normal, e a sensibilidade que tinha já me acompanhava desde pequeno.
Em 1994, fui admitido em uma multinacional e desenhava meu futuro. Conseguia ter
meus relacionamentos e desenvolvia minhas habilidades de forma absolutamente nor-
mal. Em 1996, comecei a me sentir observado e, por estar trabalhando de forma correta,
imaginava-me sendo promovido de alguma forma. A princípio, esse contexto me motivou
durante algum tempo. Nessa mesma época, tive uma história amorosa intensa e cheia de
benefícios que foi interrompida por mim, talvez por medo de crescer.
Sentir-se observado e a expectativa de promoção tornaram-se momentos desgastan-
tes. Em todo esse tempo, morava sozinho desde os 18 anos (1994) e longe da famíl ia.
Sentia pressão de meu pai para que cursasse uma universidade para dar sequência aos
estudos iniciados com o curso técn ico integral concluído em 1993. Nesse momento,
tudo ficou muito Intenso. Os jornais começaram a noticiar uma enorme corrupção de
polít icos brasi leiros - Os Anões do Orçamento. Esse caso me deixou indignado, a tal

conlinua ...
204 • Assis, Villares & Bressan

. . • co11/i111ta,;iio

ponto que conversava com os amigos de forma muito intensa e talvez até os assustasse,
pois até então sempre fora muito tranquilo e esperançoso. Juros nacionais exorbitantes
também me tiravam a tranquilidade. Eram assuntos que não sinalizavam bons desfe.
chos; eram e ainda são fatos que dificilmente punem culpados ou promovem uma meta
para resolução dos problemas. Então, iniciei mudanças para que conseguisse resgatar a
calma e resolvi pedir demissão da empresa, porém, visando dar sequência aos estudos
e reaproximar-me da família.
Sempre senti admiração enorme por meu pai, não só por ser ótimo pai, mas também
em virtude de seu caráter humanitário, social e profissional. Ele foi contra meu pedido
de demissão. Os sentidos de audição e a sensação de ser observado e de ser especial não
terminaram com a demissão. Nesse momento, a apresentadora de televisão Xuxa estava
grávida, e as associações que eu fazia trouxeram-me a possibilidade de ser o pai da
criança. Confuso e resolvendo essas questões ind ividualmente, resolvi pegar um avião,
só com documentos, e ir para o Rio de Janeiro. Toda a minha família é desse Estado,
mas o que eu procurava era a Xuxa. Caminhei muitos quilômetros pela cidade dormindo
na rua à procura da apresentadora. Durante a caminhada, via muita semelhança entre as
pessoas da rua e meus fami liares.
Era Natal de 1997, e dia 28 de dezembro resolvi procurar minha familia. Fui até a
casa de minha avó materna, cheguei maltrapi lho. Ela, assustada, cuidou de mim. Na pri-
meira noite, sonhei com meus avós paternos que já haviam falecido e, quando acordei,
resolvi ligar para meu pai, que morava no interior de São Paulo. Então, fui ao encontro
dele na cidade de ltu . Meu pai fazia psicoterapia com um médico da cidade e resolveu
me levar para ser atendido. Em todo esse tempo, a sensação de ser especial e estar sen-
do observado era impressionantemente intensa. Dr. Ney, então, me medicou, e iniciei o
tratamento. Morando com meu pai, escutava muita música e tentava fazer as atividades
que ele pedia, mas era muito difícil. Gostava muito de escutar Beatles e John Lennon, e
com a música vinham mensagens associadas a rneu pensamento. Meditava a todo tempo
sobre a vida, e um simples inseto morto levava-me a um momento de reflexão. Estava sob
tratamento psiquiátrico com Dr. Ney e psicológico com Dra. Miriam, indicada por ele.
Infelizmente, meu pai adoeceu em maio e veio a falecer em junho de 1998, na
data de seu aniversário. Interrompi o tratamento por seis meses. No fina l de 1998, sob
tratamento, prestei vestibular e, em 1999, iniciei a faculdade. A audição muito intensa
e as associações tornaram as atividades dificultadas, e a psicóloga me orientou a trancar
a matrícu la no fim de 1999. Com a experiência de técn ico e quase um ano de faculdade,
verifiquei a possibilidade de dar aulas particulares para alunos do Ensino Méd io, e foi o
que fiz até 2002. Em maio de 2001 , minha avó materna veio a falecer. No firn de 2002,
resolvi prestar o vestibular novamente e iniciei o curso em 2003.
Em momentos de sintomas mais e menos intensos, dizia para mim mesmo que desta
vez não desistiria, e foi o que fiz. O último ano da graduação (2006) foi muito diflci 1. O
laço de amizades na faculdade ia terminar, e isso me incomodava. Em janeiro de 2007 ,
colei grau e já pensava em novas amizades que poderia formar. Iniciei a pós-graduação
em março de 2007 e já conquistei novos e bons amigos. Hoje, continuo sob tratamento,
convivendo com os sintomas; quando estes se tornam mais intensos, o acompanhamento
psiquiátrico e o psicológico fazem prevalecer uma interpretação mais positiva deles.
Entre a razão e a ilusão 205

Medicamentos: novas perspectivas


No mundo todo, existe um grande investimento por parte das agências
governamentais de pesquisa e da indústria farmacêutica para desen-
volver novos medicamentos. Até o momento, todos os medicamentos
antipsicóticos disponíveis comercialmente agem no sistema de um
neurotransmissor chamado dopamina (um dos elementos da trans-
missão de informação no cérebro). Esses medicamentos funcionam
bem para a redução de sintomas chamados positivos, tais como alt1ci-
nações e delírios, e para evitar novos episódios agudos da doença. No
entanto, eles são menos eficazes em sintomas chamados negativos,
como o isolamento e a dificuldade de sociabilização. Existem muitas
pesquisas buscando medicamentos que atuem em outros sistemas de
transmissão cerebral (como o glutamato), que possam ser mais eficazes
nos sintomas negativos.
Alguns pacientes apresentam dificuldades cognitivas, tais como
problemas para concentrar a atenção, manter informações na memória
e coordenar o planejamento de uma tarefa. Essa.s alterações dificultam
o dia a dia, atrapalhando até mesmo a medicação e o acompanha-
mento nas terapias. Existe uma série de medicamentos sendo desen-
volvidos exatamente com o propósito de melhorar o desempenho
cognitivo das pessoas com esquizofrenia.
Outras pesquisas concentram-se em testar medicamentos desenvol-
vidos para evitar processos cerebrais que resultam na cronicidade da
doença, chamados medicamentos neuroprotetores. Caso essa nova
classe de medicamentos venha a funcionar, imagina-se que serão espe-
cialmente úteis nos estágios iniciais da doença ou até mesmo no
período que antecede os primeiros sinais, antes que todos os sintomas
do transtorno se manifestem.
Hoje, o psiquiatra lança mão dos medicamentos que estão disponíveis,
aos quais a pessoa tem acesso, sobretudo aqueles que ela pode retirar
gratuitamente nas farmácias do Estado. Muitos avanços estão ocor-
rendo e devem contribuir para o tratamento em um futuro próximo,
206 • Assis, Villares & Bressan

mas lembramos que os medicamentos disponíveis hoje em dia para


tratar a esquizofrenia
,
já são uma grande conquista, infelizmente não
acessível a todos. E fundamental que os portadores e as famílias
conheçam seus efeitos para que possam ajudar o médico e os tera-
peutas a encontrar a melhor opção para cada caso.

Juntos, ocaminho fica mais fácil


Apresentamos, até aqui, os avanços da ciência em relação à esquizo-
frenia e o percurso de nossos protagonistas rumo à recuperação. Enfa-
tizaremos a importância do apoio à família, pois sabemos que as ques-
tões que os familiares das pessoas com esquizofrenia enfrentam são
também complexas e centrais para a recuperação de seus entes
queridos.
Vimos, até agora, como os familiares de Gabriel, Carlos e Francisca
foram aprendendo a lidar com os altos e baixos da doença e desenvol-
veram maneiras de se aproximar para melhor compreendê-los. Mas
novas dúvidas e inquietações surgem no decorrer da vida da família,
como, por exemplo, questões relativas ao futuro de seLts filhos. Os
familiares de nossos protagonistas encontraram formas de comparti-
lhar suas qL1estões por meio de grupos de apoio em encontros promo-
vidos por associações de familiares de sua cidade. Nesses espaços de
troca, entenderam também que tão importante quanto seguir o trata-
mento e buscar informações sobre novas perspectivas é se associar
para a troca de experiências, o apoio mútuo e a defesa de direitos.
Nesses encontros, os familiares de nossos protagonistas encontraram:

• outros familiares com histórias semelhantes e soluções criativas


para as dificuldades;
• familiares com histórias muito diferentes e problemas mais agudos
ou complicados, o que os ajudou a ver que eles têm recursos para
ajudar essas pessoas solitárias, exaustas e sem esperança;
• profissionais com quem aprender sobre vários aspectos da convi-
vência com a doença e sobre cuidados com a saúde;
Entre a razão e a ilusão 207

• amigos com quem partilhar bons e maus momentos;


• alternativas de atividades na comunidade;
• informações sobre tratamentos existentes, sobre o funcionamento
da rede pública de atenção em saúde mental e sobre direitos e bene-
fícios dos portadores de transtornos mentais.

Diante dos desafios da esquizofrenia, é preciso vencer o isolamento, a


vergonha e a sensação de impotência. Muitas questões qt1e a família
vive podem ter resoluções mais fáceis e efetivas quando comparti-
lhadas com outras pessoas que vivem situações semelhantes.
A experiência dos autores deste livro na organização de uma asso-
ciação de portadores e familiares desde 2002 é de que juntos temos
mais força para lidar com questões práticas, nos desfazer de senti-
mentos negativos, entender e aceitar a esqt1izofrenia. Juntos, profis-
sionais, familiares e portadores, podemos nos fortalecer para encon-
trar caminhos e construir novas compreensões e soluções para os desa-
fios impostos pela esquizofrenia.
O momento atual é de grandes mudanças no atendimento à saúde
mental no Brasil, por isso é tão importante promover novas aborda-

1
....
208 • Assis, Villares & Bressan

gens de tratamento e disseminar as experiências bem-sucedidas , entre


familiares, portadores e profissionais da saúde de todo o País. E essa
união de esforços que propiciará que os avanços no conhecimento
tornem-se práticas que mudem o cenário da esquizofrenia no Brasil.

Participação e defesa de direitos


A esquizofrenia, como todas as doenças de longa evolução, demanda
tratamento continuado ao paciente e apoio à família para que todos
desenvolvam recursos para enfrentar seus desafios e dificuldades.
Entretanto, uma parte considerável das dificuldades não se deve à
doença em si, mas ao desconhecimento, ao preconceito e à falta de
recursos para o tratamento na rede pública. Nesse sentido, é impor-
tante que pacientes e familiares conheçam mais sobre seus direitos e
exijam que eles sejam cumpridos.
O Brasil tem uma política nacional de saúde mental que vem sendo apli-
cada por meio de legislação específica. Familiares e portadores podem e
devem conhecer mais sobre essa política - suas leis, portarias, seus
dados e serviços - acessando na internet o portal do Ministério da Saúde
(http://portal.saude.gov. br/ portal/ saude/ area.cfm?id_area =925).

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divi!ib:>&
Entre a razão e a ilusão 209

Os familiares também podem atuar nas decisões sobre os procedi-


mentos cotidianos relativos ao sistema de tratamento de saúde em
seus municípios pela participação nos conselhos de saúde. Há muitas
maneiras de participar: saber o que está acontecendo na comunidade,
buscar recursos e juntar-se aos outros para demandar melhorias e
mudanças são exemplos de atividade civil nessa área.
Existem, hoje, no Brasil, dezenas de grupos e associações trabalhando
para qt1e as pessoas que têm transtornos mentais recebam tratamento
e apoio dignos em suas comunidades. Apresentamos, neste livro, a
atuação da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores
de Esquizofrenia (ABRE) para ilustrar como as organizações da socie-
dade civil podem se unir para gerar mudanças na comunidade.
A ABRE, fundada em São Paulo, em 2002, por um grupo de familiares,
portadores de esquizofrenia e amigos, prioriza ações que possibilitem
a set1s membros serem protagonistas que gerem o diálogo entre todos
os participantes. Entre as principais atividades, desenvolve: grupos de
apoio para familiares e para portadores; encontros públicos para
conversar sobre questões relacionadas à esquizofrenia com a partici-
pação de profissionais, familiares e portadores; estratégias de infor-
mação por meio de informativos, boletins, materiais impressos e um
site (www.abrebrasil.org.br).
Além disso, a ABRE tem atuado na construção de uma rede de inter-
câmbio, apoio e defesa de direitos junto a outras associações e movi-
mentos nacionais e internacionais, buscando contribuir para fortalecer
ações em parceria e disseminar informação e esperança às pessoas, aos
grupos e às associações afins no Brasil e na América Latina. Saiba mais
e participe dessa iniciativa acessa11do o portal da Rede de Associações
em Saúde Mental (http://redesm.org.br).
Este livro é também uma iniciativa que visa contribuir para que as
pessoas afetadas pela esqttizofrenia fortaleçam-se para vencer o isola-
mento e combater o estigma em relação à doença e aos transtornos
mentais em geral. Queremos trocar experiências e incentivar as pessoas
a conhecer, apoiar e atuar em suas comunidades pelo fortalecimento
das associações já constituídas.
21 O • Assis, Villares & Bressan

Ofuturo - detecção precoce


Uma das frentes de pesquisa inovadoras relacionadas à esqt1izofrenia
dedica-se a detectar o aparecimento da doença em suas fases iniciais,
também chamadas de pródromos. Quando isso é possível, o início do
tratamento pode diminuir sensivelmente as chances de uma primeira
crise, evitando perdas nos relacionamentos da pessoa e minimizando
os efeitos da doença no cérebro, o que melhora muito o prognóstico da
esquizofrenia.
Sabe-se, hoje, que, antes de a esquizofrenia aparecer, há um conjunto
específico de mudanças no funcionamento da pessoa. Ter essas
mt1danças não significa que a doença irá aparecer, mas que a pessoa
tem um risco alto de ter esquizofrenia. O que os cientistas fazem? Eles
desenvolveram testes elaborados que detectam essas mudanças e
aplicam-nos na população jovem, na faixa etária em que normalmente
a esquizofrenia aparece (de 16 a 25 anos). Aquelas pessoas que têm
um risco alto são convidadas a seguir um acompanhame11to periódico
sem nenhttm uso de medicamento. As pessoas desse grupo que apre-
sentarem os sintomas iniciais da esquizofrenia começam um trata-
mento logo no surgimento da doença.
A detecção precoce na população em geral é tlffi processo mttito traba-
lhoso, exige entrevistar e aplicar os testes em muitas pessoas para
encontrar apenas algt1mas que têm o risco de desenvolver a doença.
Esse tipo de pesquisa se justifica por dois motivos: o acompanhamento
precoce da esquizofrenia pode contribuir para que as pessoas tenham
um futuro melhor e com menos sofrimento; e os avanços nessas
pesqt1isas poderão fornecer aos futt1ros médicos conhecimentos e
procedimentos para reconhecer em seus pacientes casos de esquizo-
frenia em sua fase inicial.
Outra linha de pesquisa que se relaciona com a detecção precoce é o
desenvolvimento de medicamentos neuroprotetores que evitem os
processos cerebrais que afetam o cérebro da pessoa com esquizofrenia.
Caso esses medicamentos venham a funcionar, no futuro, será possível
desenvolver procedimentos de prevenção da doença.
Entre a razão e a ilusão 211

Um aspecto muito positivo dessas pesquisas em detecção precoce é


que elas são acompanhadas de um trabalho educativo com os jovens
sobre a importância da saúde mental. Com isso, espera-se que eles
aprendam que a esquizofrenia é uma doença e que tem tratamento, e
q11e esse entendimento contribua para diminuir o preconceito e a
discriminação sofridos pelos portadores.
Hoje, podemos vislumbrar 11m fttturo melhor para as pessoas que
poderão ter esquizofrenia - de serem acolhidas e tratadas nas fases
iniciais da doença com medicações cada vez mais eficazes e prote-
toras. Esse é o grande investimento dos cientistas para descobrir novas
maneiras de tratar e minimizar os efeitos da doença.

Perspectivas
Os avanços da ciência no conhecimento da esquizofrenia e as alterna-
tivas possíveis para a recuperação fornecem novas perspectivas para a
compreensão mais aprofundada e o tratamento da doença. Procuramos
apresentar, em linguagem acessível, alguns achados-chave, científicos,
para o entendimento da esquizofrenia. Acreditamos que esses novos
conhecimentos podem contribuir para melhorar os tratamentos e
212 • Assis, Villares & Bressan

também para diminuir o preconceito da população em relação aos trans-


tornos mentais.
Os grandes avanços no desenvolvimento de medicamentos podem
melhorar a vida das pessoas com esquizofrenia, trazendo perspectiva
animadora para o futuro; mas, para que isso ocorra, medicamentos e
intervenções psicossociais precisam ser oferecidos de forma consis-
tente e coordenada.
Para gerar práticas integradas e socialmente responsáveis, o conheci-
mento científico deve promover diálogo entre os vários profissionais
da saúde e entre profissionais, pacientes e seus familiares. Nesse
sentido, apresentamos também como os familiares e portadores podem
se organizar para ter acesso a tratamentos atuais, bem como se inte-
grar na comunidade, seja por meio de gr11pos de ajuda mútua, seja por
meio da participação em movimentos pela defesa de direitos.

Esperança realista
Neste livro, proc11ramos abordar vários aspectos da esq11izofrenia,
escolhendo apresentar,
atitudes e entendimentos que sejam. í1teis para
você, nosso leitor. E preciso dizer que escrever o livro exigiu muito
diálogo entre os autores, negociação entre nossos diferentes pontos de
vista e, às vezes, superação das divergências para construir acordos,
semelhante ao que ocorre no percurso de negociação com a doença, na
vivência do portador e entre ele e as outras pessoas envolvidas. Esse
processo também nos proporcionou crescimento. Esperamos que este
livro contribua para esclarecer os aspectos vivenciais da esquizofrenia
e para melhorar a qualidade de vida tanto sua, nosso leitor, como a de
seus familiares.
Um dos nossos objetivos foi apresentar temas e situações em que os
nossos leitores pudessem se reconhecer, enxergando o lado humano
do convívio com a esquizofrenia, pois sabemos que esta é uma grande
dificuldade. Outro objetivo foi convidar
,
nossos leitores a procurar
conhecer suas questões particulares. E importante o reconhecimento
Entre a razão e a ilusão • 213

como ponto de partida, para, por meio dele, procurar entender as


questões individuais que se vive, os caminhos e as soluções.
As histórias de Gabriel, Carlos e Francisca, seus familiares e amigos
baseiam-se em pessoas com quem convivemos. Sabíamos desde o
início que não daríamos conta de todas as histórias que conhecemos,
então nos orientamos pela esperança realista para apresentar alguns
caminhos possíveis. Mas que esperança é esta? Certamente não é
aquela que apenas espera que as coisas mudem um dia, pois essa
postura nos paralisa na vida. Diante de uma doença tão complexa,
muitas pessoas cultivam a esperança de que a medicina encontre uma
cura para a esquizofrenia, mas não fazem nenhum movimento para
mudar sua condição perante a doença. A esperança realista não é
passiva e não apenas espera, mas caracteriza-se pela busca constante
de melhoras e resolução de problemas, isto é, baseia-se na certeza de
que o futuro pode ser melhor a partir das mudanças que são possíveis
hoje na realidade em que se está inserido.
Temos consciência das dificuldades reais que muitas pessoas com
esquizofrenia e seus familiares enfrentam no seu dia a dia. Nesse
sentido, procuramos reunir entendimentos baseados na nossa expe-
riência e apontar as possibilidades diante da doença, porque o sofri-
214 • Assis, Villares & Bressan

mente e os problemas imensos que as pessoas vivem as tornam frequen-


temente prisioneiras da doença, e dificultam o reconhecimento de
alternativas.
Desejamos sinceramente que o nosso trabalho possa cumprir o papel
de promover o diálogo entre todas as pessoas envolvidas e interes-
sadas na questão da esquizofrenia. Muitas dificuldades só podem ser
superadas quando conseguimos ver o mundo com os olhos do outro, ,
para entender os porquês de suas atitudes e seu comportamento. E um
exercício necessário e constante na esquizofrenia, seja para entender o
que acontece com o portador, seja para o portador entender que os
profissionais da saúde e familiares querem o melhor para ele. Este é o
verdadeiro papel do diálogo.
O Brasil passa, atualmente, por um processo de consolidar o trata-
mento dos transtornos mentais na comunidade, deixando para trás o
modelo de exclusão representado pelas longas internações para
doenças como a esquizofrenia. Entendemos que este livro se soma a
esse esforço de esclarecer as pessoas, para que os tratamentos sejam os
melhores possíveis, nas condições de cada comunidade e de cada um.
Sabemos que não esgotamos o tema. Muitas histórias são diferentes
daquelas que contamos neste livro, e mesmo aqueles que tenham reco-
nhecido nas trajetórias de Gabriel, Francisca, Carlos e seus familiares
histórias muito semelhantes às suas próprias terão outras questões que
não foram abordadas neste livro. Portanto, reconhecendo a impor-
tância de informar com qualidade e escutar os nossos leitores,
formamos uma equipe que mantém uma página de psicoeducação
sobre a esquizofrenia na internet, na qual pretendemos ampliar a
proposta do nosso livro e continuar conversando sobre esse transtorno
mental.
Faça-nos uma visita!
www.proesq.org.br
www.abrebrasil.org. br
Glossário

Entendendo alguns termos usados por profissionais.

Alucinação
Urna alteração da percepção. Ver, ouvir, cheirar, sentir o gosto ou sentir
o toque de coisas que não estão presentes.

Antipsicóticos
Também chamados de neurolépticos ou tranquilizantes maiores, são
medicamentos específicos utilizados no tratamento de transtornos
mentais e agem controlando sintomas psicóticos corno delírios e aluei-
~
naçoes.

Delírio
Urna crença fixa que não tem base na realidade. Pessoas que sofrem de
delírios geralmente estão convencidas de que são famosas, estão
sofrendo perseguição ou são capazes de feitos notáveis.
21 6 • Glossário

Diagnóstico
Diagnóstico médico: é conhecimento ou juízo ao momento, feito pelo
médico, com relação às características de uma doença ou de um quadro
clínico que comumente suscita um prognóstico médico, com base nas
possibilidades terapêuticas, segundo o estado da arte, acerca da
dt1ração, da evolução e do eventual termo da doença ou do quadro
clínico sob seu cuidado ou orientação. Os diagnósticos são categori-
zados de acordo com a Classificação internacional de doenças (CID), e
a esquizofrenia é uma das possíveis categorias diagnósticas utilizadas
em psiquiatria.

Discinesia tardia
Este efeito colateral afeta o sistema motor extrapiramidal e é caracte-
rizado por movimentos anormais involuntários, súbitos e rápidos, tais
como piscar irregular dos olhos, caretas, movimentos da língua e
colocar a língua para fora, além de movimentos vermiformes dos
dedos dos pés e das mãos.

Distonia aguda
,
E um efeito colateral das medicações antipsicóticas que acomete o
sistema motor voluntário (trato extrapiramidal) . A distonia é a
contração dolorosa, persistente e involuntária de alguns músculos do
corpo. Os mais acometidos são músculos do pescoço, dos olhos e
aqueles responsáveis pela postura. Além dos sintomas motores, a
pessoa pode também ter um desconforto mental e incapacidade de
pensar. A distonia aguda ocorre geralmente nas primeiras horas após
a ingestão do medicamento antipsicótico.
Glossário • 217

Doença mental/transtorno mental


Anormalidade fisiológica e/ou irregularidade bioquímica no cérebro
que causa considerável transtorno do pensamento, do humor, da
percepção, da orientação ou da memória, prejudicando seriamente o
discernimento, o comportamento, a capacidade de raciocínio ou a
capacidade de desempenhar as atividades comuns da vida.

Efeitos colaterais
Efeitos colaterais ocorrem quando há uma reação medicamentosa que
vai além ou não está relacionada ao efeito terapêutico da medicação.
Alguns efeitos colaterais são toleráveis, mas algtms são tão fortes que
a medicação deve ser suspensa. Efeitos colaterais menos graves
incluem boca seca, i11quietação, rigidez muscular e co11stipação. Efeitos
colaterais mais graves incluem visão turva, salivação excessiva,
tremores no corpo, nervosismo, insônia, discinesia tardia e alterações
,
sangu1neas.
Algumas
,
medicações estão disponíveis para controlar os efeitos colate-
rais. E importante aprender a reconhecer esses efeitos porque, às
vezes, eles são confundidos com sintomas da enfermidade. Um médico,
farmacêutico ou agente de saúde mental pode explicar a diferença
entre os sintomas da doença e os efeitos colaterais devidos à medi-
~
caçao.

Eletroconvulsoterapia (ECT)
Utilizada principalmente em pessoas que vivenciam depressão extrema
por longos períodos, com tendências suicidas e que não respondem à
medicação ou a mudanças ambientais.
21 8 • Glossário

Equipe de tratamento
(ou equipe de atendimento)
Refere-se a profissionais da saúde mental, assistentes sociais, entre
outros profissionais, que trabalham para oferecer serviços à pessoa
doente, de acordo com o plano de tratamento.

Esquizofrenia
A esquizofrenia é 11m diagnóstico médico para um transtorno mental
que cursa com sintomas psicóticos e que, em geral, tem curso crônico.
São sintomas comuns desse transtorno: alucinações, delírios, distúrbios
do pensamento e da fala e alterações de comportamento, inclttindo o
retraimento social.

Internação involuntária
O processo de ingressar no hospital chama-se internação. Internação
voluntária significa que as pessoas doentes solicitam tratamento e são
livres para deixar o hospital quando quiserem.
Pessoas q11e estão muito doentes podem ser internadas em ttma insti-
tuição de saúde contra sua vontade ou compulsoriamente. Há duas
formas em que isso pode ocorrer:

• por meio de pedidos de internação médica ou de renovação de


. ~
mternaçao;
• por meio de ordens judiciais especiais quando a pessoa tenha sido
acusada ou condenada por um crime.

No Brasil, é necessário que o psiquiatra preencha uma autorização de


internação involuntária, que é assinada por este e por um familiar
responsável. O Ministério da Saúde recebe essas autorizações e veri-
Glossário • 219
fica se a justificativa de internação involuntária foi correta. As justifi-
cativas para internação involuntária são o paciente ser incapaz de
compreender por completo e de adotar uma decisão consciente em
relação ao tratamento, à atenção e à supervisão e/ ou apresentar risco
de causar danos a si próprio ou aos demais, bem como sofrer deterio-
ração mental ou física substancial se não for internado.

1egislação de saúde mental


Legislação para a atenção médica e a proteção das pessoas com doença
mental. As leis asseguram ta1nbém os direitos dos pacientes que são
internados compulsoriamente no hospital e descrevem os procedi-
mentos de defesa e de revisão. No Brasil, a principal lei na saúde
mental é a Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001.

Medicamentos
Em psiquiatria, a medicação é geralmente prescrita em comprimidos
ou na forma injetável. Vários tipos diferentes de medicamentos podem
ser utilizados, dependendo do diagnóstico. Você deve pedir para o
médico explicar os nomes, as dosagens e as funções de todas as medi-
cações e separar os nomes genéricos dos nomes de marca, a fim de
diminuir a conft1são.

1. Antipsicóticos (ver Tabs. 4.1, 4.2 e 4.3) reduzem a agitação, dimi-


nuem as alucinações e o comportamento destrutivo e podem propor-
cionar alguma correção das outras alterações do pensamento. Os
efeitos colaterais incluem alterações no sistema nervoso central,
afetando a fala e os movimentos, e reações que causam lesões no
sangue, na pele, no fígado e nos olhos. Aconselham-se monitoração
periódica com exames de sangue e avaliação da função hepática.
2. Antidepressivos: são geralmente medicações de ação lenta - mas, se
não houver melhora após três semanas, podem não ter nenhuma
eficácia.
220 • Glossário

3. Estabilizadores do humor: como exemplo, o carbonato de lítio é


utilizado em estados maníacos e maníaco-depressivos para ajudar a
estabilizar as grandes oscilações de humor que são parte da doença.
São necessários exames de sangue regulares para assegurar níveis
apropriados da medicação. Podem ocorrer alguns efeitos colaterais,
como sede e formigamento, turvação visual e náuseas.
4. Calmantes: Valium, Lorax, Frontal, Lexotan, Rivotril. São chamados
geralmente de benzodiazepínicos. Essas medicações podem auxiliar
a acalmar a agitação e a ansiedade.
5. Medicamentos para efeitos colaterais: também denominados anti-
colinérgicos. Nomes de marca: Cinetol, Akineton. Nomes genéricos:
biperideno.

Paranoia
Tendência a desconfiança não justificada de pessoas e situações.
As pessoas com paranoia podem pensar que os outros estão ridiculari-
zando-as ou armando algum complô contra elas. A paranoia é classifi-
cada como um transtorno delirante.

Parkinson ismo
Outro efeito colateral que acomete o sistema motor extrapiramidal, o
parkinsonismo é dividido em dt1as categorias: hipocinético e hiperci-
nético. Os sintomas hipocinéticos incluem movimento muscular dimi-
nuído, rigidez, movimentos faciais desajeitados e rígidos e possivel-
mente depressão e apatia. Os sintomas hipercinéticos consistem em
agitação das extremidades inferiores, inquietação, tensão, tremores,
movimentos rítmicos rápidos das extremidades superiores. Esses
sintomas ocorrem geralmente entre poucos dias e algumas semanas
após o início do tratamento de uma fase aguda.
Glossário • 221

Plano de tratamento
Refere-se à terapia ou à medicação destinadas a curar o transtorno ou
aliviar os sintomas. Em psiquiatria, o tratamento geralmente consiste
em urna combinação de medicação, orientação (conselhos) e ativi-
dades recomendadas, que, em conjunto, compõem o plano de trata-
mento da pessoa.

Pródromos
Período de tempo que antecede urna crise aguda com a esquizofrenia
no qual há alterações sutis de comportamento, pensamentos e emoções.
Pode durar meses ou anos.

Psicose
Grupo de transtornos mentais caracterizados por alt1cinações, delírios
e perda de contato com a realidade.

Psicoterapeuta
Profissional especializado em psicoterapia para conflitos emocionais
e/ou tratamento de transtornos mentais.

Psiquiatra
Médico que se especializa no tratamento de transtornos mentais e
. .
emoc1ona1s.
222 • Glossário

Reabilitação
Programas desenhados para auxiliar as pessoas a retomar o funciona-
mento normal após ttma enfermidade incapacitante, ttm ferimento ou
dependência de drogas. São desenhados para ajudar as pessoas com
enfermidade mental a viver da forma mais independente possível.

Receptores
Lugares especiais nos neurônios que respondem a mensagens químicas
específicas entre as células.

Saúde mental
Descreve um equilíbrio apropriado entre o indivíduo, seu grupo social
e o meio ambiente mais amplo. Esses três componentes se combinam
para promover a h.a rmonia psicológica e social, um sentimento de
bem-estar, autorrealização e controle do ambiente circundante.

Sintomas extrapiramidais (SEPs)


Efeitos colaterais causados por antipsicóticos. lnclt1em movimentos
incontroláveis na face, nos braços e nas pernas. Parkinsonismo, distonia
aguda, discinesia e distonia tardia estão inclusos nesse grupo de
sintomas.
Podem ser normalmente controlados por meio da diminuição da dose
da medicação antipsicótica ou pela introdução de outras medicações
bloqueadoras.
Glossário • 223

Terapeuta ocupacional
Profissional da área da saúde; trabalha com atividades humanas,
planeja e organiza o cotidiano (dia a dia), possibilitando melhor quali-
dade de vida.

Transtornos afetivos
ou transtornos do humor
Transtorno mental caracterizado por polarização afetiva exagerada e
oscilações do humor. No transtorno bipolar (conhecido anteriormente
como transtorno maníaco-depressivo), pode ocorrer a mudança de
uma grande euforia para uma depressão profunda ao longo de dias ou
semanas. Algumas pessoas apresentam somente mania, e outras,
somente depressão. Essas polarizações do humor são reações a estí-
mulos positivos ou negativos do a.mbiente.
Apêndice

Links para sites, serviços, projetos, associações, publicações e outros.

Associações nacionais
ABRE - www.abrebrasil.org.br
ABRATA -. www.abrata.org.br
Projeto Fênix - www.fenix.org.br

Associações internacionais - esquizofrenia


WFSAD (World Fellowship for Schizophrenia and Allied Disorders) -
www.world-schizophrenia.org (texto em espanhol)
Schizophrenia Society of Canada - www.schizophrenia.ca
The Schizophrenia Association of Great Britain-www.sagb.co.uk

Defesa de direitos e inclusão social


Nev Cidadão - Guia de Direitos - www.guiadedireitos.org
Observatório de Saúde Mental e Direitos Humanos - www.osm.org.br/
osrn
Rede de Saúde Mental e Economia Solidária - http:/ / saudeecosol.org
226 • Apêndíce

Cartilha: Saúde Mental e Direitos Humanos


Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizo-
frenia e Centro de Direitos Humanos. São Paulo, 2009. Disponível no
site da ABRE (www.abrebrasil.org.br).

Serviços de assistência, ensino e


pesquisa especializados em esquizofrenia
PROESQ - Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP) - www.proesq.org.br
PROJESQ - Projeto Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria do
HCFMUSP- São Paulo -http://ipqhc.org.br/pag_detalhe.php?categ=
Hospital&id = 24 7

Organizações internacionais - saúde mental


Encontrar-se - www.encontrarse.pt
World Federation for Mental Health - www.wfmh.org
National Alliance for the Mentally 111- www.nami.org
National Mental Health Association - www.nmha.org
SANE (Austrália) - www.sane.org
Mental Health Foundation of New Zealand - www.mentalhealth.org.nz
MIND - http://www.mind.org.uk
RETHINI< - http://www.rethink.org
EUFAMI - European Federation of Associations of Families of People
with Mental illness - www.eufami.org

Outros links de interesse


Entendendo a Esquizofrenia - um portal para familiares e pacientes
com informações e acesso a grupos de autoajuda e fóruns de discussão
- www.entendendoaesquizofrenia.com. br
Apêndice • 227
MGMH - Movement for Global Mental Health -
http://www.globalmentalhealth.org
Saúde da Mente - portal do Projeto do Y-MIND - Center for Prevention
of Mental Disorders - www.saudedamente.com.br
Schizophrenia Research Society- www.schizophreniaresearchsociety.org
Schizophrenia Research Forum - www.schizophreniaforum.org
Schizophrenia.Com - A Not-for-Profit Support, Information and
Education Center - www.schizophrenia.com

Sites, blogs, grupos virtuais e livros


sobre superação (recovery) e empoderamento
www.researchintorecovery.com
www.power2u.org

The roots of the recovery movement in psychiatry - lessons learned.


Larry Davidson, Jaak Rakfeldt, and John Strauss.
Wiley-Blackwell, 2010

Blog do Tiago Ribeiro - Empoderamento e superação


http :/ / empoderamentoesuperacao. blogspot.com. br

Blog do Dayan Paiva http://dayanpaiva.blogspot.com.br


Blog do Julio Cesar dos Santos
http:/ / memoriasdeumesquizofrenico.blogspot.com.br

Grupo Virtual ABRE Brasil:


http:/ / br.groups.yahoo.com/ group/ abre_brasil

Livros sobre esquizofrenia


Romances e biografias
BARROS, L. F. Anjo carteiro: a correspondência da psicose. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
BARROS, L. F. Memórias do delírio: confissões de un1 esquizofrênico. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
228 • Apêndíce

GREEN, H. Nunca lhe prometi um jardim de rosas. 3. ed. Rio de Janeiro: In1ago, 1987.
LAMB, W. Eu conheço a verdade. [S. I.]: Record, 2002.
LIMBERTE, M. S. Cadê a minha sorte? São Paulo: Scortecci, 2009.
LOPEZ, S. O solista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
NASAR, S. Urna 1nente brilhante. [S. l.] : Best Seller, 2008.
NORTH, C. Bem vindo, silêncio. Rio de Janeiro: In1ago, 1988.
O'BRIEN, B. A vida íntima de urna esquizofrênica: operadores e coisas. Rio de Janeiro: Imago,
1982.
POMPEU, R. Memórias da loucura. São Paulo: Alfa 01nega, 1976.
ROCHA, A. B. Meu convívio corn a esquizofrenia: uma história real de descoberta e superação.
Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2012.
WAGNER, P. S.; SPIRO, C. S. Vidas divididas: a batalha de duas irmãs para vencer a esquizofre-
nja. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

Livros técnicos
ANDREASEN, N. C. Adrnirável cérebro novo: vencendo a doença mental na era do genoma.
Porto Alegre: Artined, 2005.
BRESSAN, R. A.; ELKIS, H. Esquizofrenia refratária. Campo Belo: Segmento Farma, 2007.
DEL NERO, H. S. O sítio da mente: pensatnento, emoção e vontade no cérebro hun1ano. São
Paulo: Collegium Cognitio, 1997.
FIKS, J. P. Delírio: u1n novo conceito projetado em cine1nas. Perdizes: Via Lettera, 2002.
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Disponível para download ou con1pra em: http://\WTW.vidapress.com/the-books/i-am-not-
sick-I-do11t-need-help.
Apêndice • 229
Livro disponível tan1bérn em espanhol, en1: http://\vww.vidapress.com/no-estoy-enferrno-no-
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LOUZÃ NETO, M. R. Convivendo co1n a esquizofrenia.: um guia para portadores e familiares.
São Paulo: Prestígio, 2006.
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