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Outros Transtornos Psicó ticos

Martina Becker
R2 Psiquiatria
Caso Clínico
• Dados de Identificação: V.B.S., 56 anos, feminina, casada,
ensino fundamental incompleto, dona de casa, natural e
procedente de Alegrete, católica.

• Motivo da consulta: Trazida à Unidade de Pronto-


Atendimento após ter tirado a roupa no jardim de sua casa e,
quando repreendida pela filha, tornou-se agressiva acusando-
a de estar invadindo seu reino para tomar o poder.
Caso Clínico
• História da Doença Atual: Durante a manhã, a filha que reside no mesmo
terreno acordou com gritos da mãe. Quando foi até a frente da casa, se
deparou com a mãe nua e suas roupas espalhadas no pátio. Ao perceber
a presença da filha, V.B.S. voltou-se contra ela de forma agressiva
gritando que deixasse o seu reino, pois sabia que estava ali para tomar o
poder. Além disso, filha conta que a paciente ficava o tempo todo
olhando para os lados como se estivesse com medo de algo. Há dois dias
uma das filhas de V.B.S. mudou-se para Caxias do Sul em função de
oportunidade de emprego e junto com sua única neta de 3 anos a quem
paciente era muito apegada. Familiares negam qualquer episódio prévio
semelhantes; descrevem V.B.S. como uma pessoa calma e amável.
Caso Clínico
• Antecedentes Pessoais Fisiológicos e Patológicos:
História peri-natal e de neurodesenvolvimento
desconhecidas. Não possui comorbidades clínicas,
internações prévias, cirurgias ou alergias. Sem história de
uso prévio ou atual de substâncias psicoativas.
Caso Clínico
• Antecedentes familiares: Mãe com história de
transtorno depressivo e pai com história de transtorno
por uso de álcool, ambos falecidos. Desconhece
comorbidades psiquiátricas nos demais familiares.
Caso Clínico
• Aspectos Psicossociais: Nasceu na zona rural, onde permaneceu
até seus 16 anos quando veio para cidade para casar com seu
atual marido. É a terceira filha entre 4 irmãos. Teve uma infância
bastante pobre e com bastante violência por parte do pai que
bebia muito e ficava agressivo. Estudou até a terceira série, sabe
ler e escrever. Mora com marido; no mesmo terreno mora uma
das filha com esposo. Tem mais um filho e uma filha que moram
em Caxias do Sul. Nunca trabalhou fora de casa: passa o dia com
os afazeres da casa e cuidados com o jardim.
Caso Clínico
• Exame Físico: sem alterações.

• Exame Psíquico: Agitada, parcialmente despida, cabelos


desalinhados. Agressiva, desorientada auto e
alopsiquicamente, hipervigilante. Pensamento acelerado com
delírio de que é uma rainha muito importante, fala sobre
vozes que “lhe dizem quem deve morrer”. Apresenta fuga de
ideias.
Caso Clínico
• Exames complementares:
• Exames laboratoriais (Hemograma Completo, TSH,
Vitamina B12, TGO, TGO, Na, K, Creatinina, Ureia, Perfil
Lipídico, EQU e Urocultura): sem alterações.
• Rx de Tórax: normal.
• TC de Crânio: alterações compatíveis com faixa etária.
Caso Clínico
• Conduta: Encaminhada para internação em Unidade de Saúde
Mental onde se optou pelo início de Olanzapina 10mg VO à
noite + Diazepam 10mg VO se necessário + Haldol com
Prometazina IM se necessário. Por volta do sétimo dia de
internação, passou a apresentar melhora importante de
sintomas. Com aproximadamente 15 dias de tratamento,
apresentou remissão completa dos sintomas. Recebeu alta
melhorada no vigésimo dia de internação com orientação de
manter acompanhamento em CAPS II.
Caso Clínico
• Evolução: Paciente retorna ao CAPS II 30 dias após a alta
hospitalar negando novos quadros psicóticos. Conta que
retomou completamente suas atividade de vida diária, sente-
se feliz. Entretanto, queixou-se de muita sonolência diurna.
Diante disso, optou-se pela redução da Olanzapina para 5mg.
Em retorno posterior, manteve estabilidade, mas ainda
mantinha alguma sonolência. Optou-se, então, por redução de
Olanzapina para 2,5mg. Após última redução medicamentosa,
paciente vem estável há mais de 2 anos.
Outros Transtornos Psicó ticos

• Transtorno Esquizoafetivo
• Transtorno Esquizofreniforme
• Transtorno Delirante
• Transtorno Psicótico Breve
Transtorno Esquizoafetivo
• Características de esquizofrenia e de transtornos do humor.

• Etiologia
• Causa desconhecida.

• Pode ser um tipo de esquizofrenia, um tipo de transtorno do humor, a expressão


simultânea de ambos ou terceiro tipo distinto de psicose.

• Mais provável: grupo heterogêneo de condições que inclui todas essas


possibilidades.

• Mutação no gene DISC1, no cromossomo 1q42: possível envolvimento no transtorno


esquizoafetivo.

• Curso não tão deteriorante e melhor resposta ao lítio que na esquizofrenia.

• A hipótese de que tenham ao mesmo tempo esquizofrenia e transtorno do humor


não se sustenta.
Transtorno Esquizoafetivo
• Epidemiologia
• Prevalência ao longo da vida: menos de 1% (entre 0,5 e 0,8%).

• Tipo depressivo: mais comum em pessoas mais velhas (2x mais


mulheres).

• Tipo bipolar: mais comum em adultos jovens (homens = mulheres).

• Idade de início para mulheres é mais tardia que para homens.

• Homens tendem a exibir comportamento antissocial e a ter afeto


plano ou inadequado.
Transtorno Esquizoafetivo
Transtorno Esquizoafetivo
Transtorno Esquizoafetivo
• Diagnóstico Diferencial
• Inclui possibilidades consideradas para transtornos do humor e
para esquizofrenia.

• Exclusão de causas orgânicas.

• Exclusão de uso de substâncias.

• Se suspeita de anormalidade neurológica: exames de imagem e


EEG se possível transtorno convulsivo.
Transtorno Esquizoafetivo
• Curso e Prognóstico
• Difícil determinar o curso e o prognóstico a longo prazo.

• Sintomas crescentes de esquizofrenia: pior prognóstico.

• Sintomas predominantemente afetivos: melhor prognóstico.

• Sintomas predominantemente de esquizofrenia: pior prognóstico.

• Em geral, desfechos se assemelham mais a esquizofrenia do que


a transtorno do humor com aspectos psicóticos.
Transtorno Esquizoafetivo
• Tratamento
• Estabilizadores do humor: isoladamente ou com antipsicótico.

• Episódios maníacos: tratamento agressivo com dosagens de


estabilizador do humor na variação média a alta. Fase de
manutenção: variação baixa.
• Uso de antidepressivos: risco de virada.

• Se mania intratável: ECT deve ser considerado.

• Terapia familiar, treinamento de habilidades sociais e reabilitação


cognitiva.
Transtorno Esquizofreniforme
Gabriel Langfeldt, 1939: condição de início súbito e curso
benigno com sintomas de humor e obnubilação da consciência.

• Sintomas semelhantes aos da esquizofrenia,


contudo duram de 1 até 6 meses.
• Indivíduos retornam a seu nível basal de
funcionamento após a resolução do surto.
Transtorno Esquizofreniforme
• Epidemiologia
• Mais comum em adolescentes e adultos jovens.
• Incidência é menos da metade da esquizofrenia.
• Ocorre 5x mais em homens que em mulheres.
• Prevalência em um ano de 0,09% e ao longo da vida de 0,11%.
• Familiares de indivíduos com o transtorno têm alto risco de ter
outros transtornos psiquiátricos.
Transtorno Esquizofreniforme
• Etiologia
• Causa não conhecida

• Grupo heterogêneo: desfecho positivo se assemelha com a


natureza episódica de transtornos do humor
• Déficit de ativação relativo na região pré-frontal inferior do
cérebro enquanto paciente realiza tarefa psicológica específica da
região relatado na esquizofrenia, também é observado no
transtorno esquizofreniforme. Semelhança fisiológica?
Transtorno Esquizofreniforme
Transtorno Esquizofreniforme
Transtorno Esquizofreniforme
• Diagnóstico Diferencial
• Excluir psicoses de origem clínica.

• Duração de sintomas psicóticos diferencia transtorno


esquizofreniforme de outras síndromes.

• Esquizofrenia: duração das fases > 6 meses. Sintomas que


ocorrem < 1 mês: transtorno psicótico breve.

• Pode ser difícil diferenciar transtornos do humor com aspectos


psicóticos de transtorno esquizofreniforme.

• História longitudinal completa é importante para o diagnóstico.


Transtorno Esquizofreniforme
• Curso e Prognóstico
• Estimativas de progressão para esquizofrenia: 60 a 80%.

• 20 a 40% restantes: alguns terão um segundo ou terceiro


episódio durante o qual irão deteriorar para esquizofrenia.
• Poucos terão apenas um único episódio.
Transtorno Esquizofreniforme
• Tratamento
• Hospitalização: avaliação, tratamento e supervisão efetiva do comportamento.

• Curso de 3 a 6 meses de medicamentos antipsicóticos.

• Respondem com muito mais rapidez do que na esquizofrenia.

• Lítio, carbamazepina ou valproato podem ser indicados para tratamento e profilaxia

se episódio recorrente.

• Psicoterapia: integrar a experiência psicótica em sua compreensão de suas próprias

mentes e vidas.

• ECT indicada especialmente se pacientes catatônicos ou depressivos acentuados.

• A maioria dos pacientes progride para esquizofrenia apesar do tratamento.


Transtorno Psicó tico Breve
• Condição psicótica que envolve início súbito de sintomas

psicóticos que duram um dia ou mais, mas menos de um mês.

• A remissão é completa, e o indivíduo retorna ao nível de

funcionamento pré-mórbido.

• É uma síndrome psicótica aguda e transitória.


Transtorno Psicó tico Breve
• Epidemiologia
• Incidência e prevalência exatas não conhecidas, mas é considerado
incomum.
• Mais frequente entre indivíduos mais jovens.

• Mais comum em mulheres.

• Padrões epidemiológicos distintos da esquizofrenia.

• Classes socioeconômicas baixas ou que vivenciaram desastres ou


grandes mudanças culturais .
• Observado em pacientes com transtornos da personalidade
(histriônica, narcisista, paranoide, esquizotípica e borderline).
Transtorno Psicó tico Breve
• Etiologia
• Causa do transtorno psicótico breve é
desconhecida.
• Pacientes com transtorno da personalidade
podem apresentar uma vulnerabilidade
biológica ou psicológica.
• Teorias psicodinâmicas sugerem que sintomas
psicóticos sejam uma defesa contra fantasias
proibidas: satisfação de um desejo frustrado ou
uma fuga de uma situação psicossocial
estressante.
Transtorno Psicó tico Breve
Transtorno Psicó tico Breve
• Diagnóstico Diferencial
• Não se deve pressupor que diagnóstico é transtorno psicótico breve.

• Transtorno esquizofreniforme, transtorno esquizoafetivo,


esquizofrenia, transtornos do humor com características psicóticas,
transtorno delirante e transtorno psicótico sem outra especificação
devem ser considerados.

• Outros diagnósticos a serem considerados incluem transtorno factício


com sinais e sintomas predominantemente psicológicos, simulação,
transtorno psicótico causado por uma condição médica geral e
transtorno psicótico induzido por substâncias.
Transtorno Psicó tico Breve
• Curso e prognóstico
• Bom prognóstico - 50 a 80% não têm outros problemas
psiquiátricos maiores.
• Pode significar vulnerabilidade mental.

• Metade dos classificados com transtorno psicótico breve mais


tarde exibe síndromes psiquiátricas crônicas.
• Sintomas depressivos podem surgir pós resolução dos sintomas
psicóticos.
• Risco de suicídio durante a fase psicótica e fase depressiva pós-
psicótica.
Transtorno Psicó tico Breve
• Tratamento
• Antipsicóticos e benzodiazepínicos.

• BZD: recurso no tratamento de curto prazo.

• Outros agentes não foram ratificados em estudos de larga escala.

• Evitar o uso a longo prazo de qualquer medicação.

• Se for necessário agente de manutenção: reconsiderar o


diagnóstico.
• Psicoterapia é útil para discutir os estressores e o episódio
psicótico. O envolvimento da família no processo de tratamento
pode ser crucial para um desfecho bem-sucedido.
Transtorno Delirante
Delírios são crenças fixas, falsas, que não estão de acordo
com a cultura.

• O diagnóstico é feito quando uma pessoa exibe delírios


não bizarros por pelo menos um mês não atribuídos a
outros transtornos psiquiátricos.
• Delírio deve ser sobre situações que podem ocorrer na
vida real: ser seguido, infectado, amado à distância.
• Vários tipos de delírios podem estar presentes, e o tipo
predominante é especificado quando o diagnóstico é
feito.
Transtorno Delirante
• Epidemiologia
• Não é comum.

• Sub-relatado: raramente buscam ajuda psiquiátrica.

• Prevalência nos Estados Unidos 0,2 a 0,3%.

• Incidência anual é de 1 a 3 novos casos por 100 mil pessoas.

• Idade média de início é 40 anos (18-90 anos)

• Leve preponderância do sexo feminino.

• Homens: delírios paranoides.

• Mulheres: delírios de erotomania.

• Pode haver alguma associação com imigração recente e condição


socioeconômica baixa.
Transtorno Delirante
• Etiologia
• Causa do desconhecida.

• Grupo heterogêneo de condições em que os delírios são o


sintoma predominante.
• Não é estágio inicial do desenvolvimento de outros transtornos.

• As teorias psicodinâmicas : suposições a respeito de pessoas


hipersensíveis e de mecanismos de defesa do ego, tais como
formação reativa, projeção e negação.
Transtorno Delirante
Transtorno Delirante
Transtorno Delirante
• Tipos
• Persecutório: convencidos de que estão sendo perseguidos ou prejudicados.

• Ciumento: em geral afeta os homens, muitas vezes aqueles sem nenhuma história
psiquiátrica.

• Erotomaníaco: o indivíduo tem a convicção delirante de que outra pessoa, em geral de


condição social superior, está apaixonada por ele.

• Somático: delírio é fixo, indiscutível e apresentado de forma intensa, pois o paciente está
totalmente convencido de sua natureza física.

• Grandioso: delírios de grandeza (megalomania).

• Misto: pacientes com dois ou mais temas delirantes. Esse diagnóstico deve ser reservado
para casos em que não predomine um único tipo de delírio.

• Não especificado: categoria é reservada para casos em que o delírio predominante não se
encaixa nas categorias anteriores.
Transtorno Delirante
• Diagnóstico Diferencial
• Eliminar transtornos clínicos como uma causa potencial de
delírios.
• Condições tóxico-metabólicas e transtornos que afetam o sistema
límbico e os gânglios da base são mais frequentemente
associados com o surgimento de crenças delirantes.
• Delirium, demência e transtornos relacionados a substâncias
Transtorno Delirante
• Curso e Prognóstico
• As desconfianças ou preocupações iniciais da pessoa aos poucos
vão ficando mais elaboradas, consomem grande parte de sua
atenção e, por fim, se tornam delirantes.
• Cerca de 50% dos pacientes se recuperaram com
acompanhamento a longo prazo, 20% mostram diminuição dos
sintomas, e 30% não exibem mudanças.
• Prognóstico positivo: altos níveis de adaptação ocupacional, social
e funcional; sexo feminino; início antes dos 30 anos; início súbito;
duração curta da doença; e presença de fatores precipitantes.
Transtorno Delirante
• Tratamento
• Terapias orientadas ao insight, de apoio, cognitiva e comportamental.

• Antipsicóticos: tratamento de escolha.

• Pacientes tendem a recusar a medicação

• Pimozida parece eficaz no transtorno delirante, sobretudo em pacientes com


delírios somáticos.

• Se o paciente não obtiver benefícios com a medicação antipsicótica, seu uso deve
ser descontinuado.

• Em pacientes que respondem: doses de manutenção mais baixas.

• Antidepressivos, lítio ou anticonvulsivantes podem ser justificadas naqueles que não


respondem a medicamentos antipsicóticos, bem como no caso de um paciente que
tenha aspectos ou história familiar de transtornos do humor.
Obrigada

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