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PERTURBAÇÃO

BIPOLAR
João Miguel Brás
Interno de Formação Específica em Psiquiatria
Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Tondela
Viseu

| Covilhã, setembro de 2020 | 1


PERTURBAÇÃO BIPOLAR
• Entidade psiquiátrica comum, com etiologia multifatorial (+hereditabilidade) e com
taxas de morbilidade e mortalidade precoce assinaláveis

Variações excessivas (amplitude ou frequência) do ESTADO DE HUMOR, ENERGIA e


ATIVIDADE, que se podem manter no tempo e têm graves consequências no
funcionamento do doente.

• Fases agudas podem ser acompanhadas de sintomas psicóticos.


• Períodos interepisódios de estabilidade (nem sempre)
• Patologia heterogénea (evolução, gravidade e formas de apresentação)

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HISTÓRIA
• Arateus da Capadócia (sec. I d.C.) → dos primeiros a
registar estados patológicos de alegria juntos com períodos
de melancolia profundos
• Falret (1794-1870) e Baillager (1809-1870) descrevem uma condição
que se apresenta com diferentes fases → Folie Circulaire /
Folie à Double Forme
• Kraepelin propõe uma divisão entre Psicose Maníaco-
Depressiva e Dementia Preacox.
• Wasserman (1906) observou que quadros de mau
prognostico teriam como base uma infeção por treponema
pallidum.
• Ideia de vulnerabilidade biológica
• Lítio

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EPIDEMIOLOGIA
• Prevalência:
• 0,6% para PB I
• 0,4% para PB II
• 1,4% para PB subsindrómica
• 2,4% para espetro bipolar

• Prevalência H=M

• Adolescência e idade adulta (25 anos)

• Sem padrão geográfico concreto nem diferenças sociodemográficas a nível de


gravidade, impacto ou comorbilidades.

• Alta comorbilidade com outras doenças: perturbações da ansiedade, abuso de


substâncias e também orgânicas (doenças cardiovasculares)
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EPIDEMIOLOGIA

FATORES DE RISCO
• Período pós-parto
• História familiar de PB
• Final da primavera e início
• Mulheres
• Período pós-parto do verão
• Hx complicações obstétricas • Eventos adversos de vida
• Baixa condição • Disrupção dos ritmos
socioeconómica circadianos
• Solteiro • Tratamento com AD
• Nascimento no inverno ou • Doença orgânica
primavera
• Eventos negativos na infância
ou recentes AGUDIZAÇÕES
• Lesões do SNC

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO MANÍACO
Estados de elevação do humor são marca característica da perturbação bipolar.
• Aumento da atividade
• Ideias de autoimportância
• Comportamento inapropriado (gastos excessivos, negócios perigosos, decisões
impulsivas, ações perigosas)

EXAME DO ESTADO MENTAL:


Aspeto e atitude:
• Extravagante, roupa colorida e mal conjugada. Contacto desinibido e hiperfamiliar.
• + severo → aparência descuidada e desarranjada.
Atenção:
• Distractibilidade 6
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO MANÍACO
Motricidade:
• Hiperativos. Pode levar a exaustão física.
• Iniciam as ações e não as terminam.

Discurso:
• Discurso prolixo e até verborreico.

Humor:
• Eufórico. Paciente alegre e otimista. Alegria infeciosa.
• Irritável. Esta irritabilidade pode conduzir a agressividade.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO MANÍACO
Pensamento:
• Taquipsiquismo. Poderá existir fuga de ideias e afrouxamento das associações que se
fazem por sonoridade e ecofenómenos.
• Ideias de grandiosidade, com aumento da autoestima.
• Delírios de grandiosidade, religiosos ou místicos.
• Delírio persecutório.

Delírios desaparecem ou mudam de conteúdo rapidamente.

Sensoperceção:
• Alucinações auditivo-verbais ou visuais (concordantes com o humor).
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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO MANÍACO
Ritmos cronobiológicos:
• Sono reduzido.
• Apetite aumentado.

Insight:
• Por vezes comprometido, particularmente nos casos mais graves.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO HIPOMANÍACO
• Forma mais leve que a mania, sem características psicóticas.
• Sintomas influenciam o funcionamento ainda que de forma menos grave.
• Pode evoluir para quadros maníacos mais graves.

Quadro que passa despercebido muitas vezes mas com importantes


implicações!

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
EPISÓDIO DEPRESSIVO
Na maioria dos doentes é o episódio inaugural.

• Difícil prever quais os doentes com depressão que irão evoluir para PAB. História familiar de PAB
pode ser uma ajuda.

QUADRO CLÍNICO
• Declínio do estado de humor com ideias ruminativas de desesperança e desvalorização pessoal,
tendência ao isolamento e culpabilidade.
• Energia e atividade diminuídas com fadiga, abulia e anedonia.
• Queixas de sono, apetite e líbido.
• Dificuldade de concentração e esquecimentos.
• Ansiedade muitas vezes presente.
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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
ESTADOS MISTOS
• Especificador

Mistura ou alternância rápida de sintomas depressivos e maníacos.

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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
SINTOMAS PSICÓTICOS
• Podem coexistir sintomas psicóticos (delírios, alucinações, desorganização do
comportamento, discurso e/ou pensamento).

Conteúdo destes sintomas é geralmente coincidente com o estado de


humor, são pouco sistematizados e remitem com a
neutralização do estado de humor.

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DIAGNÓSTICO
PERTURBAÇÃO BIPOLAR I
Um único episódio maníaco

A. Período >/= 1 semana de elevação anormal e persistente de humor, expansivo ou irritável,


bem como da energia ou atividade, durante todo o dia, a maioria dos dias.
B. Presença, durante esse período de 3 ou mais dos seguintes sintomas (ou 4 se humor irritável):
• Aumento da autoestima ou grandiosidade
• Diminuição da necessidade de sono
• Verborreia
• Fuga de ideias ou vivência subjetiva de taquipsiquismo
• Distractibilidade
• Aumento da atividade dirigida ou agitação psicomotora
• Envolvimento excessivo em atividades de risco
C. Distúrbio suficientemente grave de modo a interferir com o funcionamento do doente,
justificar hospitalização para prevenir danos ou evidenciar sintomatologia psicótica.
D. Episódio não atribuível a efeitos psicotrópicos de uma substância ou outra condição médica. 14
DIAGNÓSTICO
PERTURBAÇÃO BIPOLAR II
Um ou mais episódios de depressão E pelo menos um episódio hipomaníaco

• Critérios A e B sobreponíveis ao episódio maníaco mas com duração >/= a 4 dias.


• Alteração do funcionamento não característica do doente quando assintomático (C), observável
por outros.
• Esta alteração no funcionamento não é grave para causar diminuição marcada do funcionamento
ou necessitar hospitalização e existem características psicóticas. (E)
• Episódio não atribuível a efeitos psicotrópicos de uma substância ou outra condição médica. (F)

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DIAGNÓSTICO
CICLOTIMIA
Períodos com sintomas hipomaníacos e depressivos, que nunca chegam a atingir
limiar diagnóstico de hipomania ou depressão.

• Devem estar presentes mais de metade do tempo num total de 2 anos, sem períodos livres
superiores a 2 meses entre os estados.

• Não é raro que episódios de alteração de humor mais graves ocorram no curso desta
perturbação.

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DIAGNÓSTICO
CICLOS RÁPIDOS
4 episódios ou mais num ano. Podem ser diferenciados por um período de
remissão superior a 2 meses ou pela ocorrência sucessiva, em viragem.

• Recorrência frequente dos distúrbios de humor nos doentes bipolares.


• Episódios podem ser hipomaníacos, maníacos ou depressivos, com ou sem características
mistas.
• Mulheres
• Hiportiroidismo concomitante
• Pode ser desencadeado pelo tratamento com antidepressivos.
• De difícil compensação clínica.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
DEPRESSÃO
• Atenção ao sintomas de mania ou hipomania no passado.
• Nem sempre é fácil identificar períodos de hipomania ou estes podem nem sempre ser
lembrados claramente pelo doente.
• Na altura do diagnóstico os sintomas de mania/hipomania podem ainda não se ter
desenvolvido e serem subsequentes.
• Pacientes com PAB II normalmente procuram tratamento para os sintomas depressivos, não
identificando os sintomas de hipomania como prejudiciais.

ANSIEDADE
• Comorbilidade marcada com perturbações de ansiedade.
• A ansiedade enquanto sintoma é altamente frequente nos doentes com PAB, mesmo
fora dos períodos de exacerbação.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
ESQUIZOFRENIA
• Alucinações e delírios persecutórios podem também ocorrer em episódios maníacos,
complicando o diagnóstico diferencial com esquizofrenia, principalmente nos 1ºs
episódios.
• Normalmente na mania não são persistentes e existe uma agitação psicomotora marcada.
• Anamnese e evolução longitudinal
• Esquizofrenia tende a apresentar um ajustamento pré-mórbido deficitário com distúrbios da
personalidade.

Perturbação Esquizoafetiva: tem características das 2 síndromes.


• Nesta perturbação têm de existir sintomas psicóticos isoladamente durante pelo menos 2 semanas, sem
alterações no humor.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
PERSONALIDADE BORDERLINE
• Pode ser difícil pois os doente com personalidade borderline também apresentam
marcada instabilidade emocional e impulsividade.
• História familiar de PAB é uma pista a favor de PAB.
• As alterações de humor são muito rápidas (horas a dias).
• Episódios de mania não são característicos.

USO DE SUBSTÂNCIAS, DEMÊNCIA E OUTRAS CAUSAS


ORGÂNICAS
• O abuso e dependência de substâncias pode mimetizar, precipitar ou agravar a PAB.
• Na PAB o abuso de álcool é a condição mais prevalente, seguido da dependência e do
abuso e dependência de substâncias ilícitas.
• Diferenciar PAB de demência é importante nos casos de inicio tardio com nas fases mais
avançadas, em que pode ocorrer défice cognitivo.
• Patologia do lobo frontal; TCE; HIV
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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• Hemograma
• Ionograma
• Função renal
• Função hepática
• Pesquisa de drogas na urina
• TC-CE
• Parâmetros inflamatórios • ECG
• Função tiroideia • EEG

• Perfil lipídico • VDRL


• HIV
• Glicemia • Estudo autoimune

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FISIOPATOLOGIA
• Aspetos fisiopatológicos não estão completamente esclarecidos.

Hereditariedade Neurobiologia

As alterações cerebrais descobertas até agora não são suficientemente distintivas e


confiáveis para serem usadas como biomarcador diagnóstico.

Fatores ambientais

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FISIOPATOLOGIA
Fatores Genéticos
• Risco de perturbações de humor aumentado em familiares de 1º grau de
doentes bipolares (5-10%)
• Também apresentam risco aumentado de perturbação esquizoafetiva

• Taxa de concordância de 60% entre gémeos monozigóticos.


• Taxa de concordância de 20% entre gémeos dizigóticos.

Grande hereditabilidade: 85%

• Hereditabilidade poligénica (ação combinada de múltiplos genes exercendo um


efeito modesto ou pequeno). Fatores ambientais também importantes.
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FISIOPATOLOGIA
Fatores Ambientais
A maioria dos fatores ambientais identificados não são específicos para
perturbação bipolar mas conferem sim um risco aumentado de doença
mental!
• Historia de abuso sexual na infância
• Eventos de vida
• Suporte social

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FISIOPATOLOGIA
Neurobiologia
• Estados maníacos poderão ser atribuídos a uma atividade aumentada da dopamina.
• Drogas de abuso (que aumentam a atividade da dopamina) estão associadas a sintomas de mania
• Fármacos que bloqueiam os recetores da dopamina são utilizadas no tratamento da mania aguda
• Níveis de glutamato cerebrais poderão estar aumentados nos doentes bipolares.

• Hipersecreção de cortisol foi observada em doentes bipolares


• Inclusive estudos ligam esta secreção à presença de declínio cognitivo nestes doentes, com efeitos
positivos na cognição reportados ao tratamento com antagonistas dos glicocorticoides.
• Administração de corticosteroides pode originar um episódio maníaco.
• O pós-parto imediato é um período de risco aumento para o desenvolvimento de
doenças psicóticas nas mães
• Porém, não se identificou correlação com os níveis de estrogénio ou progesterona.

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FISIOPATOLOGIA
Neurobiologia
Imagiologia estrutural
• Achados inespecíficos.
• Alargamento dos ventrículos laterais
• Anomalias na substância branca
• Atrofias corticais locorregionais com maior consistência nas regiões pré-frontal direta e
temporal.
• Parece existir uma redução no volume cerebral ao longo da doença.
Imagiologia funcional
• Hiperativação na amígdala e atividade reduzida nas regiões pré-frontais corticais em resposta
a estímulos emocionais negativas e positivas.
• Hiperativação do circuito de recompensa em tarefas que envolvam o processamento de
recompensas.

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FISIOPATOLOGIA
Neurobiologia
• Défices cognitivos presentes na PAB tanto em episódios agudos como na remissão.
• Aparentes em doentes no primeiro episódio.
• Comparativamente à esquizofrenia são mais leves
• Envolvem a função executiva, memória verbal, atenção e velocidade de processamento.

Ainda não se sabe se estes défices aumentam ao longo do curso da doença.

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TRATAMENTO
• Caracterização clínica
• Identificação de sintomas
• Duração, grau e impacto no funcionamento
• Fatores precipitantes e de manutenção
• Avaliar risco de auto e heteroagressividade
• Antecedentes pessoais, familiares, hábitos, medicação
habitual.
• Diagnóstico diferencial
• Tratamento
• Suporte psicossocial
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TRATAMENTO
EPISÓDIO MANÍACO
• Habitualmente em contexto hospitalar
• Primeiro lugar: assegurar um local calmo e seguro
• Injetáveis de ação rápida (antipsicóticos típicos ou atípicos e benzodiazepinas)

FÁRMACOS
• Optar sempre que possível pela monoterapia (menos efeitos adversos,
menos interações, maior adesão)
• Escolha do fármaco:
• Perfil: balanço risco/benefício
• Rapidez de ação
• Perfil de sintomas.
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TRATAMENTO
EPISÓDIO MANÍACO
Estabilizadores de humor

Valproato de
Lítio Lamotrigina Carbamazepina
sódio

Antipsicóticos típicos e atípicos

Haloperidol Risperidona Paliperidona

Olanzapina Quetiapina Aripiprazol


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TRATAMENTO
EPISÓDIO DEPRESSIVO
• Habitualmente em contexto ambulatório
• Internamento:
• Casos graves por vezes com componente psicótico
• Risco de suicídio
• Inexistência de rede de suporte

Antidepressivos
• Monoterapia com antidepressivos não é recomendada
• Preferir ISRS e bupropiom em combinação com estabilizador de humor.
Descontinuar em 6 a 8 semanas.
• Não usar em doentes com sintomas mistos ou ciclos rápidos.
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EVOLUÇÃO
• Começa na adolescência ou no início da idade adulta.
• Quanto menor a idade de início, pior o prognóstico.
• Frequentemente inicia-se por depressão
• Apresentações maníacas ou com sintomatologia psicótica predizm uma maior morbilidade.
• Duração média dos episódios é de 14 semanas para a mania e o dobro para a
depressão
• Remissão incompleta é frequente; recuperação funcional mais lenta que a funcional
• Nos primeiros episódios os fatores de risco precipitantes enquadram alguma
compreensão para o desenvolvimento dos quadros de mania ou depressão
• Tendência natural para a autonomização da doença e descompensações.
• Períodos interepisódicos mais curtos
• Limiar de sensibilidade à influencia de fatores externos mais baixo.
• Recorrências podem aumentar o risco de demência.
• Apenas 16% recuperam definitivamente, sem recorrências e com boa adaptação social.32
EVOLUÇÃO
FATORES DE MAU PROGNÓSTICO
• Persistência de quadros subsindrómicos e recuperação
incompleta
• Predominância de sintomas depressivos
• Episódios mistos
• Padrão de ciclos rápidos
• Sintomas psicóticos
• Comorbilidade com perturbação da personalidade ou
abuso de substâncias
• Má adesão terapêutica
• Tentativas de suicídio prévias.

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