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Quando pensar no diagnóstico de leucemia

aguda?
11.1 DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA
As leucemias agudas formam um grupo heterogêneo de doenças que apresentam a
proliferação de um clone maligno originado da stem cell hematopoética, com a
produção de células imaturas que perderam a capacidade de diferenciação,
chamadas blastos. Esses blastos infiltram a medula óssea e, progressivamente, o
sangue periférico, ocasionando redução na produção de células sanguíneas normais.
A perda da função normal da medula óssea leva às complicações das leucemias
agudas: infecções, sangramento e anemia. Se a proliferação clonal for de precursor
mieloide, que origina granulócitos, eosinófilos, basófilos, monócitos, hemácias e
plaquetas, a doença será chamada Leucemia Mieloide Aguda (LMA); caso os blastos
tenham origem em precursor linfoide, que resultam em linfócitos B, T, células NK e
plasmócitos, é denominada Leucemia Linfoide Aguda (LLA). Ambas são fatais e
rapidamente progressivas, se não instituída terapêutica imediata, portanto, em caso
de suspeita, o hematologista deve ser consultado imediatamente.

A incidência anual de novos casos é de cerca de 8 a 10 por 10.000 habitantes,


representando cerca de 3% dos cânceres na população em geral.

A LLA é o câncer mais comum na infância, sendo de 20 a 30% dos casos de


neoplasia e 75 a 80% dos casos de leucemia, incidindo principalmente na faixa etária
de 2 a 10 anos, com excelente prognóstico, alcançando 80% de índice de cura. No
adulto, essa neoplasia incide à taxa de 20%, com prognóstico mais reservado,
alcançando sobrevida em 5 anos de 50%.

A LMA, por sua vez, representa somente cerca de 10% das leucemias em crianças
menores de 10 anos e 80% em adultos, aumentando gradativamente a incidência de
acordo com a idade – metade dos casos acontece em pacientes com menos de 50
anos –.

11.2 PATOGÊNESE
A maioria das leucemias agudas acontece “de novo”, ou seja, em consequência da
mutação genética de um precursor hematopoético sem motivo aparente, resultando
em proliferação maligna – sem controle – da célula anômala. Entre as alterações
genéticas envolvidas nesse processo, podem-se citar mutação em oncogene e
perda de gene supressor tumoral, com alteração de processos regulatórios do
controle e da diferenciação celular (Figura 11.1). Essas células perdem a capacidade
de diferenciação celular, produzindo um número elevado de células imaturas –
blastos – na medula óssea, que vão para o sangue periférico e podem infiltrar outros
órgãos – sistema reticuloendotelial, Sistema Nervoso Central (SNC) e outros tecidos
–.
Figura 11.1 - Genética das leucemias

A Célula-Tronco Hematopoética (CTH) origina, por meio de diversos estímulos, o


progenitor mieloide; tanto este quanto a própria CTH, porém, podem sofrer
mutações em seu material genético, ativando oncogene antes silencioso. Dessa
forma, existe parada de maturação das células, que não mais produzem células
maduras, como o granulócito, aumentando somente as formas imaturas –blastos –,
resultando na LMA. Para a LLA, o raciocínio é o mesmo, porém com células
progenitoras linfoides.

No entanto, sabe-se que alguns fatores genéticos e ambientais estão associados à


predisposição ao aparecimento dessas neoplasias, principalmente:

• Genéticos: anemia de Fanconi e síndromes de Down – trissomia 21 –, síndrome de


Patau – trissomia 13 – e síndrome Klinefelter – XXY –;

• Ambientais: exposição a agentes potencialmente mutagênicos, como radiação,


derivados de benzeno, solventes orgânicos, agentes alquilantes e epipodofilotoxinas
– para o tratamento de outras neoplasias, como etoposídeo e teniposídeo –;

• Doenças adquiridas: mielodisplasia, doenças mieloproliferativas crônicas,


hemoglobinúria paroxística noturna e anemia aplástica.
11.3 CLASSIFICAÇÃO
A distinção das linhagens celulares mieloide e linfoide pode ser feita por diferentes
métodos: morfológico, citoquímico, teniposídeo , citogenético e molecular.

11.4 LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA


11.4.1 Morfologia celular

Blastos mieloides apresentam, em grande parte dos casos, citoplasma claro,


abundante e frequentemente granular. Os grânulos, quando agrupados, formam os
chamados bastonetes de Auer, e sua presença é patognomônica de leucemia
mieloide aguda.

11.4.2 Citoquímica

Os blastos positivos para os métodos de Sudan Black B (SBB) e mieloperoxidase


(MPO) são característicos da linhagem mieloide.

11.4.3 Imunofenotipagem

A imunofenotipagem é um método mais preciso do que a citoquímica e foi


incorporado ao diagnóstico, à classificação, ao prognóstico e, em alguns casos, à
monitorização das leucemias agudas.

A citometria de fluxo é um método que utiliza anticorpos monoclonais fluorescentes


para analisar padrões de expressão de antígenos – Cluster of Differentiation (CD) –
em populações celulares específicas. Existe um tipo de anticorpo monoclonal para
cada tipo de CD; caso haja ligação CD versus anticorpo, pela capacidade
fluorescente deste, há a emissão de luz registrada por um aparelho especial, o
citômetro, o qual traduz esses sinais em gráficos. Da avaliação desses gráficos, ou
seja, da positividade ou negatividade dos diferentes CDs, surge o diagnóstico
específico da linhagem acometida.

11.4.4 Citogenética

Leucemias são doenças que apresentam alterações cromossômicas numéricas e, ou


estruturais frequentes e, muitas vezes, específicas de determinados subtipos,
envolvendo genes que, uma vez alterados qualitativa ou quantitativamente, atuam
como fatores de iniciação e progressão neoplásicas. Anormalidades cromossômicas
caracterizadas por translocações balanceadas e por perda e ganho de cromossomos
são encontradas em mais de 65% dos casos.

A avaliação pode ser feita pelo cariótipo convencional ou pelo método de


hibridização fluorescente in situ (FISH), e a aplicação clínica é de contribuição
diagnóstica e prognóstica, já utilizada desde a classificação concentração inibitória
mínima (MIC) para LMA: Morfológica, Imunofenotípica e Citogenética.
Na estratificação prognóstica, os achados no estudo citogenético são divididos em
cariótipos favorável, intermediário e desfavorável – Quadro 11.1 –.

Como regra geral, as translocações apresentam bom prognóstico, enquanto as


deleções e inversões – salvo se inversão 16 – são de mau prognóstico.

Quadro 11.1 - Estratificação de risco dos achados citogenéticos

Quadro 11.2 - Estratificação de risco genético em LMA

Fonte: Nation Comprehensive Cancer Network, 2020

11.4.5 Pesquisa genética molecular

#importante
A pesquisa genética molecular é feita por meio de
Polymerase Chain Reaction (PCR) e tem sua
importância no diagnóstico e no prognóstico do
paciente, uma vez que pode ser utilizada para
acompanhamento da resposta terapêutica.

Recentemente, têm sido estudadas algumas mutações ou expressões gênicas com


importância prognóstica, o que teve vital importância, em especial nos pacientes
com cariótipo normal. Observa-se que, neste grupo, alguns evoluem de forma
melhor, com maior resposta à quimioterapia e sem recidiva de doença, do que
outros. Foram, assim, detectadas por meio de pesquisa molecular mutações de mau
e bom prognósticos, justificando as diversas respostas desse grupo. As alterações
moleculares são muito importantes na classificação do prognóstico da leucemia
mieloide aguda. Com base nelas, planeja-se o tratamento quimioterápico e avalia-se
a indicação de transplante de medula óssea.

As mutações consideradas de mau prognóstico são FLT3 e c-Kit, e as de bom


prognóstico são NPM1 e CEBPA.

11.4.6 Classificação da leucemia mieloide aguda

Encontram-se, em grande parte das LMAs, características morfológicas sugestivas


da linhagem afetada, por exemplo, células de aspecto monocitoide nas leucemias
mielomonocíticas ou promielócitos anômalos na Leucemia Promielocítica Aguda
(LPA). Assim, de acordo com a classificação Franco-Americana-Britânica (FAB),
usam-se critérios morfológicos para classificar a LMA em M0 a M7. Essa
classificação vem sendo cada vez menos utilizada na prática clínica. Em 2017, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) reformulou os critérios e a nomenclatura da
classificação da LMA, levando em conta, em especial, a alteração genética
encontrada e a origem da leucemia, sendo a classificação de escolha. O Quadro 11.3
mostra a classificação da OMS e a classificação correspondente da FAB.

#importante
Na classificação FAB, as LMAs ditas “do meio” são de
bom prognóstico – M2, M3 e M4 –; as demais são de
mau prognóstico. E deve-se dar atenção especial à
LMA M3, de características e tratamento diferentes
das demais.
Quadro 11.3 - Classificação das leucemias agudas – Organização Mundial da Saúde (2008) e
classificação Franco-Americana-Britânica

Nota: Para a OMS de 2016, as Leucemias agudas são classificadas em:

• LMA com anormalidades genéticas recorrentes:

• LMA com t(8;21) (q22;q22.1), RUNX1-RUNX1T1 (AML1-ETO);


• LMA com inv(16) (p13.1q22) or t(16;16) (p13.1;q22), CBFβ-MYH11;
• Leucemia promielocítica aguda (LPA) com PML-RARα;
• LMA com t(9;11)(p21.3;q23.3), MLLT3-KMT2A;
• LMA com t(6;9)(p23;q34.1), DEK-NUP214;
• LMA com inv(3) (q21.3q26.2) ou t(3;3) (q21.3;q26.2), GATA2, MECOM;
• LMA (megacarioblástica) com t(1;22) (p13.3;q13.3), RBM15-MKL1;
• Entidade provisória: LMA com BCR-ABL1+e LMA com mutação RUNX1;
• LMA com mutação NPM1;
• LMA com mutação bialélica em CEBPA.

• LMA relacionadas a alterações mielodisplásicas;

• LMA não anteriormente especificadas, classificadas morfologicamente em:

• LMA minimamente diferenciada (equivalente à LMA M0 da FAB);


• LMA sem maturação (equivalente à LMA M1 da FAB);
• LMA com maturação (equivalente à LMA M2 da FAB);
• Leucemia mielomonocítica aguda (equivalente à LMA M4 da FAB);
• Leucemia monoblástica/monocítica aguda (equivalente à LMA M5 da FAB);
• Leucemia eritroide pura (equivalente à LMA M6 pura da FAB, sendo excluída a
antiga LMA M6 mieloide/eritroide);
• Leucemia mega carioblástica aguda (equivalente à LMA M7 da FAB);
• Leucemia basofílica aguda;
• Panmielose aguda com mielofibrose.

• Leucemia aguda indiferenciada (AUL);

• Leucemia aguda com fenótipo misto ou ambíguo com t(9;22) (q34.1;q11.2), BCR/
ABL1+;

• Leucemia aguda com fenótipo misto com t(v;11q23.3), rearranjo KMT2A;

• Leucemia aguda com fenótipo misto Bmieloide não caracterizada por outros
critérios;

• Leucemia aguda com fenótipo misto Tmieloide não caracterizada por outros
critérios.

11.4.7 Manifestações clínicas

O quadro clínico das leucemias agudas é secundário à falência medular e à infiltração


orgânica pelos blastos. As manifestações clínicas da leucemia mieloide aguda são
decorrentes da anemia, neutropenia e plaquetopenia e envolvem palidez cutânea,
astenia, dispneia aos esforços, infecções oportunistas e sangramentos que se
manifestam por meio de petéquias, equimoses e hematomas, podendo ocorrer
hemorragias mais graves. Raramente, na leucemia mieloide aguda, há infiltração
linfonodal ou hepatoesplenomegalia. Quando presentes, a primeira suspeita
diagnóstica é a leucemia da série monocítica, após descartar leucemia linfoide
aguda.

As leucemias apresentam, inicialmente, sintomas e sinais inespecíficos, que podem


simular o quadro clínico de muitas patologias: artrite reumatoide juvenil, febre
reumática, lúpus eritematoso sistêmico, púrpura trombocitopênica idiopática,
aplasia medular e mononucleose infecciosa, entre outras.
A ocupação medular pelos blastos leva à deficiência de produção de elementos
normais do sangue, ocasionando anemia, neutropenia e plaquetopenia graves. Os
sintomas principais são decorrentes das alterações hematológicas:

• Anemia: astenia, dispneia aos esforços, palidez cutânea e taquicardia, podendo


chegar à cor anêmico;

• Leucopenia e neutropenia: febre e infecções oportunistas, como candidíase e


micoses profundas – pela neutropenia severa e prolongada –. É muito rara a
manifestação de febre como sinal da própria leucemia, portanto, quando presente,
deve ser investigada e tratada como secundária à infecção; o termo neutropenia
febril é utilizado para definir a presença de febre, com temperatura oral acima de 38,3
°C – ou temperatura axilar em torno dos 37,8 °C – ou persistência de temperatura
entre 38 e 38,3 °C por mais de 1 hora. Já a neutropenia é definida por contagem de
neutrófilos em torno de 500/mm3 ou entre 500 e 1.000/mm3 e com tendência à
queda;

• Sangramentos: desde petéquias, equimoses e hematomas, passando por


sangramentos de mucosas, até hemorragias cranianas ou pulmonares – pela
plaquetopenia severa –;

• Leucostase: grandes contagens de leucócitos no sangue periférico, geralmente


acima de 100.000/mm3, estão associadas ao aumento da viscosidade sanguínea e à
síndrome de leucostase – caracterizada por lentificação e obstrução da
microcirculação pelos blastos circulantes, em geral, maior do que 100.000/mm 3 –,
que podem levar à insuficiência respiratória, alterações neurológicas graves,
evoluindo, muitas vezes, para o coma ou o sangramento cerebral, priapismo e
fenômenos trombóticos. O mecanismo ainda não é bem compreendido, pois, se
evidencia falha na capacidade de reduzir os efeitos da leucostase apenas por meio da
remoção mecânica das células – leucoaférese –, e há casos em que se instala a
síndrome com contagens não tão elevadas de leucócitos. O tamanho, a
deformabilidade e os receptores celulares, além da capacidade de liberação de
citocinas pelas células neoplásicas, parecem estar relacionados ao quadro;

• Infiltração extramedular: a infiltração extramedular por blastos é conhecida como


cloroma ou sarcoma granulocítico. Os sítios mais comuns são pele – leukemia cútis –
e mucosa – hiperplasia gengival –, mais frequentes na LMA de linhagem monocítica.
O cloroma – mais comum no subtipo M2 – pode aparecer virtualmente em qualquer
tecido e é também descrito atrás dos olhos e na meninge – particularmente
relacionado à LMA promielocítica –, epidural, ovário, intestino e mediastino. É pouco
comum o seu aparecimento sem a detecção da doença medular, mas é possível – daí
a classificação da OMS separadamente de sarcoma mieloide –, e o tratamento é
igual.

Dor óssea, principalmente no esterno e em ossos longos, é pouco comum entre


adultos com LMA e corresponde à expansão leucêmica na cavidade medular.
Figura 11.2 - Hiperplasia gengival por infiltração leucêmica na leucemia mieloide aguda M5
Fonte: Gingival Hyperplasia as an Early Diagnostic Oral Manifestation in Acute Monocytic
Leukemia: A Case Report, 2007.
Figura 11.3 - Leukemia cutis
Figura 11.4 - Cloroma retro-orbitário

Fonte: Sarcoma granulocítico em órbita: relato de caso, 2005.

11.4.7.1 Leucemia promielocítica aguda ou LMA M3

De acordo com a classificação FAB, a LPA ou LMA M3 representa de 10 a 15% das


LMAs. Pela classificação da OMS, é conhecida como LMA t(15;17) com a fusão
gênica PML/RARa. É uma variante clínica e biológica distinta das LMAs. Esse tipo de
leucemia apresenta morfologia celular característica, com promielócitos anormais,
núcleo excêntrico e abundantes granulações no citoplasma. Caracteriza-se também
pela presença de múltiplos bastonetes de Auer no citoplasma, formando feixes,
conferindo a essas células a denominação de faggot cells – células com maços ou
feixes, mostrado na Figura 11.5 –.

Os indivíduos com LPA apresentavam alta taxa de mortalidade devido à


coagulopatia que lhe é característica, sendo, por isso, uma emergência médica. Tal
complicação é consequente à liberação de substâncias fibrinolíticas pelos grânulos
dos promielócitos, que resulta em quadro de coagulação intravascular disseminada
(CIVD). Os pacientes beneficiam-se do uso do ácido transretinoico (ATRA), que leva à
maturação dos blastos por ação direta no ponto de bloqueio induzido pela
translocação, com diminuição dos promielócitos anômalos e consequente melhora
da coagulopatia. O uso do ATRA levou a LMA t(15;17) a ser um dos subtipos mais
curáveis, devendo esse medicamento ser iniciado prontamente após a suspeita
diagnóstica.
Nas raras situações de LPA em que não se observa tal translocação (15;17) ou seu
equivalente molecular, o rearranjo PML/RARa, pode haver translocações variantes,
como t(5;17), t(11;17) ou outras que também respondem ao ATRA, exceto a t(11;17)
(q23;q22).

Figura 11.5 - Promielócitos anômalos e faggot cells de leucemia promielocítica aguda

11.5 LEUCEMIA LINFOIDE AGUDA


11.5.1 Morfologia celular

Os blastos de linhagem linfoide geralmente são de dimensões menores do que os


mieloides e apresentam, em sua maior parte, citoplasma basófilo e sem granulações.
Podem ser monomórficos ou pleomórficos e não apresentam grânulos ou
bastonetes de Auer. A classificação morfológica das LLAs da FAB em L1, L2 e L3,
muito utilizada anteriormente, é pouco específica e não fornece dados precisos
sobre o subtipo leucêmico e os índices prognósticos. Deve-se destacar morfologia
para a LLA L3, atualmente conhecida como LLA Burkitt, que tem vacúolos
citoplasmáticos bastante característicos e prognóstico reservado – Figura 11.6 –.
Quadro 11.4 - Classificação Franco-Americana-Britânica de leucemia linfoide aguda
Figura 11.6 - Leucemias linfoides agudas

Legenda: (A) L1; (B) L3.


Fonte: Leucemia linfoide aguda e seus principais conceitos, 2017.

11.5.2 Citoquímica

Nas LMAs, o advento da citoquímica, por meio de colorações capazes de aproveitar


a atividade enzimática celular, possibilita diferenciar as LMAs das LLAs – com
exceção da LMA M0 e, algumas vezes, da M1 –. Os blastos linfoides são positivos
para o ácido periódico de Schiff (PAS) e negativos para MPO e Sudan Black.
11.5.3 Imunofenotipagem

A determinação do CD na LLA é fundamental para:

• Diferenciar a linhagem linfocitária B da T;

• Determinar o ponto de parada de maturação do linfócito neoplásico;

• Diferenciar da linhagem mieloide, principalmente nos casos de LMA M0 e M1 e,


algumas vezes, LMA M6 e M7;

• Determinar prognósticos e auxiliar a indicação da terapêutica.

Quadro 11.5 - Perfil imunofenotípico das leucemias linfoides B


Quadro 11.6 - Perfil imunofenotípico das leucemias linfoides T

11.5.4 Citogenética

Na LLA, anormalidades citogenéticas são encontradas em cerca de 60 a 85% dos


casos; algumas delas apresentam implicações prognósticas importantes. Em 30%
dos casos das LLAs nos adultos, encontra-se a translocação entre os cromossomos
9 e 22, formando o cromossomo Filadélfia – o mesmo da LMC –, conferindo mau
prognóstico a esse tipo de LLA.

Quadro 11.7 - Anormalidades citogenéticas e implicação prognóstica

De forma semelhante às LMAs, a OMS organizou, também em 2008, a classificação


das LLAs, mais uma vez levando em extrema consideração as alterações cariotípicas
dessa doença:

• Leucemia/linfoma linfoblástico B com anormalidades citogenéticas recorrentes:

• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(9;22); BCR-ABL1;


• Leucemia/linfoma linfoblástico com t(v;11q23); rearranjo MLL;
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(12;21); TEL-AML1;
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com hiper/hipodiploidia;
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(5;14); IL3-IGH;
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(1;19); E2A-PBX1.

• Leucemia/linfoma linfoblástico B não especificado;

• Leucemia/linfoma linfoblástico T.

• Leucemia/linfoma linfoblástico de células B:

• Leucemia/linfoma linfoblástico B não caracterizada por outros critérios


• Leucemia/linfoma linfoblástico B com anormalidades genéticas recorrentes:

■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(9;22)(q34.1;q11.2), BCR-ABL1+;


■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(v;11q23.3), rearranjo KMT2A;
■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(12;21)(p13.2;q22.1), ETV6-RUNX1;
■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com hiperdiploidia;
■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com hipodiploidia;
■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(5;14)(q31.1;q32.3), IL3-IGH;
■ Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(1;19)(q23;p13.3), TCF3-PBX1;
■ Entidade provisória: Leucemia/linfoma linfoblástico B “BCR-ABL1–like”; Leucemia/
linfoma linfoblástico B com iAMP21.

• Leucemia /linfoma linfoblástico de células T:

■ Entidade provisória: leucemia/linfoma linfoblástico de células T precoces (early T


cells); leucemia/linfoma linfoblástico de células NK.

11.5.5 Pesquisa genética molecular

A pesquisa genética molecular visa identificar a presença do cromossomo Filadélfia


– translocação entre os cromossomos 9 e 22 –. A principal pesquisa molecular nas
LLAs é da fusão gênica BCR-ABL, correspondente à alteração cromossômica da
t(9;22), que, algumas vezes, pode não ser detectada pelo método de cariótipo
comum. A PCR e a Reverse Transaction Polymerase Chain Reaction (RT-PCR) são
métodos mais sensíveis e, inclusive, utilizados para o seguimento da resposta
terapêutica. Pacientes com essa alteração constituem um grupo distinto no
tratamento das LLAs.

11.5.6 Quadro clínico

Além do quadro clínico decorrente das citopenias – anemia, plaquetopenia e


neutropenia –, com fadiga, sangramentos e infecção, não é rara a ocorrência de
sintomas B. Sintomas B são definidos como febre – temperatura acima de 38 °C –,
emagrecimento – perda de superior a 10% do peso corpóreo em 6 meses – e
sudorese noturna.

Adenomegalia e hepatoesplenomegalia podem ser vistas em 50% dos pacientes ao


diagnóstico. Os locais extranodais mais acometidos na leucemia linfoide aguda são o
sistema nervoso central e o testículo. O envolvimento do SNC é comum e pode ser
acompanhado por sintomas de neuropatia de par craniano, hipertensão
intracraniana, crise convulsiva e sintomas meníngeos.
A LLA T é mais comum na infância tardia, nos adolescentes e nos adultos jovens.
Além dos sintomas já citados, particularmente apresentam-se adenomegalias
cervical, supraclavicular e axilar, inclusive com massa mediastinal em 50 a 75% dos
casos, cuja manifestação clínica é tosse seca – Figura 11.7 –. Como complicação
desse quadro, é possível haver derrame pleural, derrame pericárdico (com ou sem
tamponamento), obstrução traqueal ou compressão da veia cava superior.

O SNC e os testículos, pela presença das barreiras hematoencefálica e


hematotesticular, respectivamente, são considerados “santuários”, em que a
quimioterapia tem mais dificuldade para infiltração, tornando esses locais possíveis
fontes de recidiva, se não tratados adequadamente. A presença de infiltração
meníngea ou testicular sugere uma doença mais agressiva.

Figura 11.7 - Massa mediastinal anterior na leucemia linfoide aguda T

Legenda: (A) à radiografia; (B) à tomografia computadorizada.

11.5.7 Leucemia linfoide aguda na infância

O pico de incidência está entre os 2 e os 5 anos, com predomínio no sexo masculino.

Na manifestação clínica, além dos sintomas inespecíficos de astenia, inapetência,


febre e sangramento cutâneo-mucoso, destaca-se a dor óssea, particularmente em
ossos longos, como consequência da infiltração leucêmica do periósteo, da metáfise
e da região articular ou, ainda, de osteonecrose asséptica por células leucêmicas.
Acomete de 20 a 30% das crianças, e, em metade dos casos, é possível encontrar
imagem radiológica: tarja leucêmica – imagem radiotranslúcida na região metafisária
–, periostite, osteólise e osteoporose.

É importante salientar que a tarja leucêmica não é patognomônica da leucemia


aguda e que, em casos bastante precoces – raro –, o hemograma pode ser normal,
com manifestação exclusiva de dor osteomuscular. Trata-se de diagnóstico
diferencial importante da artrite reumatoide e da febre reumática.
#importante
Toda criança com dor osteomuscular e alteração no
hemograma deve ser avaliada quanto à possibilidade
de leucemia aguda.

11.5.7.1 Diagnóstico

O diagnóstico das leucemias agudas é feito por meio da detecção de mais de 20%
de blastos na medula óssea, pelos novos critérios da OMS (em detrimento da já
antiquada classificação FAB, que considerava como ponto de corte 30% de blastos).
O exame que possibilita esse diagnóstico é o mielograma. Para “medulas secas”, em
que a aspiração de sangue medular durante o mielograma não é produtiva (dry tap), a
infiltração deve ser confirmada pela análise histológica do tecido (biópsia de medula
óssea). Esses casos têm como diagnóstico diferencial as aplasias medulares e a
mielofibrose. O diagnóstico também pode ser feito pela avaliação do hemograma,
com número de blastos maior do que 20% da contagem diferencial de leucócitos.

Para a definição da linhagem acometida e do subtipo de leucemia, utiliza-se de


imunofenotipagem, citogenética e pesquisa molecular, conforme explicado nos itens
anteriores. Atualmente, para o correto diagnóstico e o manejo terapêutico das
leucemias agudas, são imprescindíveis mielograma ou biópsia de medula óssea,
imunofenotipagem e cariótipo (ao menos, pelo método convencional).

Outras alterações laboratoriais frequentemente encontradas são:

• Hemograma:

• Citopenias, como plaquetopenia, anemia e leucopenia;


• Leucocitose, à custa de blastos, promielócitos anômalos ou monócitos;
• Eritroblastose (rara).

• Bioquímica:

• Hiperuricemia, acidose metabólica, hiperpotassemia ou hipopotassemia,


hipocalcemia, hiperfosfatemia, aumento de ureia e creatinina, elevação de enzimas
hepáticas, DHL aumentada (principalmente nas LLAs);
• Particularmente na LMA promielocítica (M3): alargamento de Tempo de
Protrombina (TP) e Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) e diminuição do
fibrinogênio;
• Hematúria, cilindrúria, pH ácido, cristais de urato.

São necessários, em alguns casos, outros exames complementares, a depender dos


sintomas, com o intuito de avaliar o comprometimento de outros órgãos e sistemas.
Exames de imagem, a depender da suspeita clínica, liquor com pesquisa de células
neoplásicas em todas as LLAs e nas LMAs que apresentam sintomas no SNC,
avaliação de fundo de olho nas suspeitas de leucostase, biópsia testicular para
avaliação de infiltração em testículo.
11.6 PROGNÓSTICO E EVOLUÇÃO
Como em todas as neoplasias, as LMAs e as LLAs apresentam fatores prognósticos
que contribuem para a decisão de terapêutica mais ou menos agressiva e para a
distinção daqueles que terão maior chance de resposta completa, sustentada ou
não.

As leucemias de melhor prognóstico são a LMA promielocítica com t(15;17) e as


LLAs na infância.

Quadro 11.8 - Fatores prognósticos das leucemias mieloides agudas

1 Sem patologia prévia que predispõe à leucemia.

2 Proteína de resistência a multidrogas, que confere maior resistência aos quimioterápicos.

3 Existe previamente alguma patologia que predispõe à leucemia, como SMD,


mieloproliferação crônica ou tratamento com quimioterapia/radioterapia.

A idade e o performance status são os melhores preditores de mortalidade,


enquanto os demais fatores são preditores de doença refratária ou recidiva precoce.
Figura 11.8 - Performance status ECOG

São fatores prognósticos desfavoráveis na leucemia linfoide aguda em adultos:

• Idade acima de 30 anos;

• Mais de 30.000 leucócitos na LLA B;

• Tempo para alcançar remissão completa superior 4 semanas;

• Imunofenótipo pró-B, T precoce e T madura;

• t(9;22); t(4;11).

Quanto maior o número de fatores desfavoráveis na LLA, pior a sobrevida em 3 anos,


variando entre 21 e 91%.

A taxa de remissão completa e a sobrevida livre da doença em 5 anos dependem do


tipo e do subtipo da leucemia e dos fatores prognósticos, sendo as leucemias de
melhor prognóstico a LMA promielocítica com t(15;17) e as LLAs na infância.
11.7 TRATAMENTO
O tratamento das leucemias pode ser feito de forma específica, por meio de
poliquimioterapia, seguindo as etapas de indução da remissão, pós-remissão
(intensificação/consolidação) e manutenção, ou de forma inespecífica, na qual se
devem fazer hidratação vigorosa, prescrição de alopurinol, controle diário de
hemograma, eletrólitos, TP, TTPA e fibrinogênio.

11.7.1 Específico

É feito por meio de esquemas de poliquimioterapia, diferentes para cada tipo de


leucemia. Para a escolha do tratamento adequado, é importante o diagnóstico do
tipo e do subtipo da leucemia e da estratificação de risco por intermédio dos fatores
prognósticos. Com isso, os pacientes de baixo risco são preservados dos efeitos
tóxicos da quimioterapia e há a tendência a ser mais agressivo na tentativa de obter
maior êxito naqueles de alto risco.

Vale lembrar o importante papel do ATRA, especificamente no subtipo M3/


promielocítico, transformando uma das leucemias de maior mortalidade na leucemia
de melhor prognóstico atualmente.

A radioterapia está indicada a situações específicas, não sendo amplamente


utilizada.

Mais recentemente, a inclusão de medicações alvo, a depender do perfil


imunofenotípico, proteico e molecular – alvos: CD20, CD33, CD19, FLT3, IDH, BCL-2
entre outros –.

O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH) alogênico nas leucemias


agudas, de um modo geral, apresenta as seguintes indicações: pacientes cuja
doença se caracteriza por alto risco assim que entram em remissão; pacientes de
qualquer risco diante da recidiva ou refratariedade da doença; e, finalmente,
pacientes com LMA secundária. Por sua vez, o TCTH autólogo pode, ainda, ser
utilizado na LMA de baixo risco ou na LMA de risco intermediário ou alto na ausência
de doador compatível para realização de procedimento alogênico. Já na LLA, o TCTH
autólogo encontra-se em desuso, pois essa modalidade de transplante apresentou
resultados inferiores aos da quimioterapia isoladamente.

11.7.2 Inespecífico

A profilaxia e o tratamento das infecções são fundamentais para a sobrevivência,


visto que a imunossupressão é muito severa e prolongada, tanto pela doença quanto
pelo tratamento.

Outras medidas são a hidratação vigorosa durante a quimioterapia e o uso de


medicações para evitar a síndrome de lise tumoral –alopurinol ou rasburicase –.
11.8 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS
11.8.1 Hiperleucocitose e leucostase

Pacientes com leucemia aguda podem apresentar o quadro inicial com contagens
muito elevadas de leucócitos no sangue periférico, o que caracteriza a chamada
hiperleucocitose – Mais de 100.000 leucócitos/mm 3 –. No adulto, a hiperleucocitose
pode ocorrer em 10 a 30% das LLAs e em 5 a 20% das LMAs. É mais comum entre
crianças e em certas variantes das leucemias agudas – por exemplo: M3, M4, M5 e
LLA T –. Também é muito frequente hiperleucocitose em leucemias crônicas
indolentes, como a Leucemia Mieloide Crônica (LMC) e a Leucemia Linfoide Crônica
(LLC).

Entre os pacientes com hiperleucocitose, alguns podem manifestar uma síndrome


chamada leucostase, em que há lentificação e obstrução da microcirculação pelos
blastos circulantes. A viscosidade na hiperleucocitose aumenta principalmente em
situações de baixo fluxo sanguíneo, daí o predomínio de manifestações em território
microvascular. A leucostase está, em geral, associada a contagens elevadas de
blastos, sendo mais comum nas leucemias agudas e incomum nas leucemias
crônicas, como a LLC. Em geral, tem-se leucostase com mais de 100.000 blastos/
mm3 nas LMAs e mais de300.000 blastos/mm 3 nas LLAs, porém já foram descritos
casos com menos de 50.000 blastos/mm 3, apontando que outros fatores, como
possível interação do blasto com a célula endotelial, devem ter seus papéis na
patogênese dessa condição.

A leucostase apresenta sintomas predominantemente nos territórios pulmonar e


cerebral, sendo insuficiência respiratória e hemorragia intracerebral as principais
causas de morte. No entanto, qualquer órgão pode ser afetado pela contagem
excessiva de blastos. A suspeita diagnóstica de leucostase deve ser feita em
indivíduos com quadro neurológico ou pulmonar que apresentam contagens
elevadas de blastos no sangue periférico.

Quadro 11.9 - Sintomas da síndrome de leucostase


Deve-se fazer avaliação laboratorial com hemograma, funções renal e hepática,
eletrólitos e coagulograma.

O exame de fundo de olho pode ser muito útil, assim como em todas as síndromes
de hiperviscosidade, demonstrando dilatação e tortuosidade de veias retinianas,
hemorragias retinianas, papiledema etc.

A leucostase é uma emergência médica e deve ser tratada como tal. A mortalidade
pode ser muito alta, chegando a 34 a 40% em 1 semana em algumas séries de casos,
devendo a terapêutica ser iniciada prontamente em caso de suspeita clínica.

O tratamento da leucostase envolve leucoaférese – medida de efeito mais imediato


–, uso de hidroxiureia e quimioterapia. O tratamento de suporte envolve hidratação
vigorosa, uso de alopurinol para evitar síndrome de lise tumoral e transfusão de
hemoderivados, caso necessário.

11.8.2 Síndrome do ácido transretinoico

A síndrome ATRA é uma complicação possivelmente fatal, causada pela liberação de


citocinas pelos promielócitos. Tem ocorrência bimodal, podendo surgir logo na
primeira semana após o início do tratamento, ou entre a terceira e a quarta semana,
acometendo cerca de 25% dos pacientes submetidos à terapia. Os achados mais
comuns são dispneia, infiltrado pulmonar, edema periférico, febre inexplicada e
hipotensão; casos graves podem cursar com hipoxemia, disfunção hepática e renal,
edema cerebral e serosites – derrame pericárdico e pleural –. O tratamento baseia-
se na corticoterapia com dexametasona, 10 mg, 2x/d, por pelo menos 3 dias, ou até o
desaparecimento dos sintomas. A suspeita precoce da síndrome é fundamental para
que seja iniciado o tratamento, visto que a mortalidade pode chegar a mais de 30%
em pacientes com insuficiência respiratória e edema cerebral.

Quando pensar no diagnóstico de leucemia


aguda?
Principalmente em pacientes jovens – crianças ou adultos jovens –, com
leucocitose de grande monta – linfocitose ou neutrofilia –, associado
aos blastos no sangue periférico, podendo estar associado a anemia e
plaquetopenia. Febre, fadiga e sintomas constitucionais acompanham o
quadro.

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