Você está na página 1de 7

HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

PROTOCOLO DE CETOACIDOSE DIABÉTICA


1. OBJETIVOS:

Aperfeiçoar e uniformizar o tratamento de cetoacidose diabética (CAD).

2. APLICAÇÃO:

Crianças e adolescentes atendidos no Hospital da Criança e do Adolescen-


te (HCA) com diagnóstico de CAD.

3. INTRODUÇÃO:

A CAD é uma complicação séria1, sendo a principal causa de morbidade e


mortalidade do Diabetes Melitus tipo 1 (DM1) e é a primeira forma de
apresentação da doença em até 30% dos casos 2. É resultado da deficiência de
insulina por uso irregular, pelo aumento da necessidade num episódio de
infecção, por obstrução do cateter de infusão quando em uso bomba de infusão
de contínua de insulina. Nestes casos, ocorre liberação dos hormônios contra-
reguladores (GH, glucagon, catecolaminas e cortisol), levando ao aumento de
ácidos graxos livres e formação de corpos cetônicos, que resultam no quadro
de cetoacidose3.
O excesso de glicose ocasiona aumento da osmolaridade plasmática e da
glicosúria, que leva a diurese osmótica e aos sintomas de poliúria e polidipsia
comumente apresentados nesses casos.
Outros sinais e sintomas comuns são perda de peso, vômitos, dispneia
(mecanismo compensatório da acidose metabólica), hálito cetônico e dor
abdominal. Nos casos de desidratação grave, pode haver hipotensão e choque
hipovolêmico3.

4. DIAGNÓSTICO:

O diagnóstico de CAD é feito na presença dos seguintes


critérios{Wolfsdorf, 2018, ISPAD Clinical Practice Consensus Guidelines 2018:
Diabetic ketoacidosis and the hyperglycemic hyperosmolar state;Glaser, 2022,
ISPAD clinical practice consensus guidelines 2022: Diabetic ketoacidosis and
hyperglycemic hyperosmolar state}:
- Glicemia > 200mg/dL
- pH <7,3 ou bicarbonato (BIC) <18
- Cetonemia (ß-hidroxibutirato ≥ 3mmol/L) ou cetonúria +++
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

5. CLASSIFICAÇÃO4:

- Leve: pH entre 7,2 e 7,3 e BIC entre 10 e 18;


- Moderada: pH ente 7,1 e 7,2 e BIC entre 5 e 9
- Grave: pH < 7,1e BIC < 5

6. EXECUÇÃO:

Equipe médica e enfermagem.

7. MANEJO4:

- Avaliação inicial:
 Seguir os passos iniciais de abordagem do Suporte Avançado de Vida em
Pediatria (PALS)5;
 Peso;
 Estimativa de desidratação:
o 5%: saliva espessa, filme lacrimal presente
o 7,5%; mucosa seca, ausência de filme lacrimal
o ≥10%: todos os outros, olhos fundos, alteração da prega cutânea
 Nível de consciência: escala de coma de Glasgow (tabela 1)

Tabela 1: Escala de coma de Glasgow. Adaptado de Wolfsdorf, 2018.

Resposta ocular Resposta verbal Resposta verbal Resposta motora


(para crianças não verbais)
Abertura Interage, sorri, Obedece à
4 Orientado 5 5 6
espontânea procura som comando
Abertura ao Consolável
3 Confuso 4 4 Localizador dor 5
comando quando chora
Inconsistente-
Discurso mente
Abertura à dor 2 3 3 Retirada à dor 4
incoerente consolável,
gemidos
Sons
Inconsolável,
incompreensí 2 2 Decorticação 3
Sem abertura irritado
1 veis
ocular
Descerebração 2
Sem resposta 1 Sem resposta 1
Sem resposta 1

 Dois acessos venosos periféricos;


 Exames:
o Hemograma
o Ionograma
o Ureia
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

o Creatinina
o Gasometria venosa
o Urina 1

 Internação na UTI: nos casos graves (vide classificação), ureia ou creati-


nina alterados.

- Reposição hídrica:
 Expansão inicial: SF0,9% 10 – 20ml/kg EV em 1 hora.

Obs.: Se paciente em choque, fazer 20ml/kg EV 2m 20min e seguir protocolo


de choque.

 Reposição de perdas: de acordo com o grau de desidratação


o Peso x 10 x estimativa de perda % = volume a ser reposto em ml,
de SF0,9% (descontar volume infundido na expansão inicial) +
Potássio*
o *Potássio: 40mEq/L se K < 4,5
20mEq/L se K > 4,5
Obs.: Se potássio maior ou igual 5,5: adiar a reposição até próxima aferição de
K. Se potássio < 3: fazer reposição rápida de K com 0,5mEq/kg/hora e
reavaliar.
o Infundir reposição de perdas em 8 horas e reavaliar sinais de
hidratação após.
o Fazer reposição em blocos de 2 horas.
o Se queda de HGT >100mg/dL em 1 hora ou HGT < 250mg/dL ->
trocar SF0,9%, acrescentando SG 50%: 1ml a cada 10 ml de SF0,9%
e manter volume (concentração final: glicose 5%)
o Se mantiver queda na próxima avaliação: trocar soro
acrescentando 1,5ml de SG 50% a cada 10ml de SF0,9% e manter
volume (concentração final: glicose 7,5%)
o Se mantiver desidratação, repor mais 2-3% do peso e reavaliar
após.

 Manutenção:
o Iniciar após reposição de perdas;
o Holliday 100%, Na 136mEq/L e K 40mEq/L até aceitação plena da
dieta.

Ex.: Paciente de 10kg, com estimativa de perdas de 10%, K 3,8


- Expansão inicial: 200ml de SF0,9%
- Estimativa de perdas: 10kg x 10 x 10% = 1000ml
Reposição de perdas: estimativa (1000ml) - expansão inicial (200ml) = 800ml EV
em 8 horas
Potássio: repor 40mEq/L
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

--> Prescrição: SF0,9% 200ml +KCL 19,1% 3,2ml (40mEq/L) EV em BIC em 2


horas (4x)
Ex2: Queda de HGT para 220
- CD: trocar soro
--> Prescrição: SF0,9% 200ml + SG50% 20ml + KCL 19,1% 3,2ml (40mEq/L) EV em
BIC em 2 horas

- Insulina:
 Iniciar 1 hora após expansão inicial, juntamente com a reposição de
perdas.
 Dose: Insulina regular 0,1UI/Kg, subcutâneo, a cada 1 hora ou
0,1UI/kg/h EV em BIC (para casos graves, em UTI).
 Reduzir dose de insulina para 0,05UI/kg apenas quando soro com glicose
7,5% com persistência de queda da glicemia.

Obs.: Para insulina EV: Insulina regular 1,8ml + SF 0,9% 118,2ml. Desprezar
50ml e trocar a solução a cada 6 horas.

- Bicarbonato:
 A reposição de bicarbonato não deve ser feita de forma rotineira pois
causa acidose paradoxal em sistema nervoso central.
 Tem indicação nos casos de:
o Hipercalemia grave
o pH < 6,9 com evidência de contratilidade cardíaca comprometida
 Cálculo: 0,3 x BE (base excess) x peso = BIC em mEq -> infundir metade
do volume em 1 hora.

- Monitoramento:
 Sinais vitais: 1/1h
 Avaliação neurológica: 1/1h (observar surgimento ou piora de cefaleia,
vômitos frequentes, redução inapropriada de frequência cardíaca,
paralisia de nervo craniano, aumento de PA, redução da oxigenação);
registrar avaliação Glasgow.
 Glicemia capilar: 1/1h
 Gasometria venosa 2/2h.

- EDEMA CEREBRAL{Glaser, 2022, ISPAD clinical practice consensus


guidelines 2022: Diabetic ketoacidosis and hyperglycemic
hyperosmolar state}

 Fatores de risco:
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

o Idades menores
o Grau de hipocapnia
o Gravidade da acidose
o Reposição de bicarbonato
o Insulina na primeira hora

 Diagnóstico: 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 2 menores


o Critérios Maiores:

- Alteração mental / confusão mental


- Redução da FC (- 20bpm)
- Incontinência
o Critérios Menores:

- Vômitos
- Cefaleia
- Letargia
- PAD > 90mmHg
- Idade < 5 anos

Obs.: Não é necessária neuroimagem para diagnóstico!


Obs2: A presença dos seguintes achados basta para fechar o diagnóstico:
- Postura de descerebração ou decorticação;
- Resposta a dor, verbal ou motora, anormal;
- Paralisia de nervo craniano (especialmente III, IV e VI);

 Tratamento:
Manitol 0,5 – 1 g/kg EV, correr em 30 minutos
 2ª dose em 30 min S/N
NaCl 3% 5 - 10 ml/kg em 30 minutos
 Prescrição: dividir volume total por 6,7 -> fazer 1 parte de
NACL20% + o restante de AD
Ex: Paciente 20kg: receber salina 3% 5ml/kg -> 100ml de Nacl3%
= 100/6,7 = 15ml -> NaCL20% 15ml + AD 85ml
Elevar a cabeceira para 30°.
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

- RESOLUÇÃO DA CAD
Quando pH > 7,3 e BIC > 15 o protocolo pode ser encerrado.
Iniciar insulina na dose de uso habitual, com ajuste posterior ou se
primodescompensação, seguir esquema abaixo:
Esquema inicial: dose diária total de insulina: 1UI/kg/dia
Basal: Glargina 0,5UI/kg/dia -> dose única, pela manhã
Ou NPH: 0,5UI/kg/dia -> 50% da dose pela manhã, 25% dose no almoço e
25% às 22h.
Bolus: Insulina regular 30min antes das refeições (café, almoço e jantar)
ou insulina novorapid 15 min antes das refeições (café, almoço e jantar)
Aferir HGT: antes do café e 2 horas após; antes do almoço e 2 horas após,
antes do jantar, às 22 horas e às 3 horas.

X. REFERÊNCIAS:

• Glaser, N, Fritsch, M, Priyambada, L, et al. ISPAD clinical practice consensus


guidelines 2022: Diabetic ketoacidosis and hyperglycemic hyperosmolar
state. Pediatr Diabetes. 2022; 23( 7): 835- 856. doi:10.1111/pedi.13406

Elaborado em XXX; Próxima revisão em (2 ANOS DA ELABORAÇÃO)

Elaborado por: Aprovado por: Aprovado por:

Mariana Monteiro Gurjão Tais Andrade Dantas Dagjane Martins Frazão


Endocrinologista Pediatra Diretora Clínica Diretora Técnica
Vanessa de Arruda Santos
Coordenadora da UTI Pediátrica

1
AGWU, J. C.; NG, S. M. Fluid and electrolyte therapy in childhood diabetic ketoacidosis
management: A rationale for new national guideline. Diabet Med, v. 38, n. 8, p. e14595,
08 2021. ISSN 1464-5491. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33963601 >.
HOSPITAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
DR. SEVERINO BEZERRA DE CARVALHO

2
EHRMANN, D. et al. Risk factors and prevention strategies for diabetic ketoacidosis in
people with established type 1 diabetes. Lancet Diabetes Endocrinol, v. 8, n. 5, p. 436-
446, 05 2020. ISSN 2213-8595. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32333879 >.

3
WESTERBERG, D. P. Diabetic ketoacidosis: evaluation and treatment. Am Fam Physician,
v. 87, n. 5, p. 337-46, Mar 01 2013. ISSN 1532-0650. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23547550 >.

4
WOLFSDORF, J. I. et al. ISPAD Clinical Practice Consensus Guidelines 2018: Diabetic
ketoacidosis and the hyperglycemic hyperosmolar state. Pediatr Diabetes, v. 19 Suppl 27,
p. 155-177, 10 2018. ISSN 1399-5448. Disponível em: <
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29900641 >.

5
TOPJIAN, A. A. et al. Part 4: Pediatric Basic and Advanced Life Support 2020 American
Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency
Cardiovascular Care. Pediatrics, v. 147, n. Suppl 1, 01 2021. ISSN 1098-4275. Disponível
em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33087552 >.

Você também pode gostar