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LESÃO RENAL AGUDA

Manejo prático
Por Lucas Germano F. Vieira e Matheus Vieira Falcão
DEFINIÇÃO (KDIGO)

• Aumento de ≥0.3 mg/dL de Creatinina em 48h, ou;


• Aumento de 1,5x de Creatinina do valor prévio de 7 dias, ou;
• Diurese <0,5 mL/Kg/h por 6h.

CLASSIFICAÇÃO (KDIGO)

Aumento da Creatinina basal em 1,5 – 1,9x ou aumento de ≥0,3 mg/dL ou diurese <0,5 mL/Kg/h
Estágio 1) em 6 – 12h

Aumento da Creatinina basal em 2,0 – 2,9x ou diurese <0,5 mL/Kg/h em ≥12h


Estágio 2)
Aumento da Creatinina basal em >3,0x ou aumento de ≥4,0 mg/dL ou diurese <0,3 mL/Kg/h em
Estágio 3) 24h ou anúria ≥12h ou necessidade de diálise

Obs.: A creatinina demora certo tempo para se alterar, portanto, reflete a função renal de 24h - 48h atrás.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA-LABORATORIAL

§ Hipercalemia (leptospirose e NTA por aminoglicosídeos e anfotericina B podem cursar com HIPOcalemia)
§ Hipervolemia (congestão pulmonar)
§ Acidose metabólica
§ Hiperfosfatemia
§ Hiponatremia
§ Hipocalcemia
§ Uremia (confusão mental, sonolência, encefalopatia, pericardite, hemorragia)

CAUSAS

1) Pré-renal (Hipovolemia) – 21%


Choque
Desidratação

2) Renal (NTA)* – 45%


Sepse
Drogas
Contraste (dupla lesão: pré-renal e NTA)
Insuficiência cardíaca (congestão renal)
Evolução de uma LRA pré-renal não tratada a tempo – 13%

3) Pós-renal (Obstrução) – 10% *Outras causas renais: glomerulopatias,


HPB doenças túbulo-intersticiais, doença
renal vascular.
Neoplasia

RENAL (NTA) X PRÉ-RENAL


Renal (NTA) Pré-renal
Presença de cilindros granulosos no EAS Presença de cilindros hialinos no EAS
Aumento progressivo da Creatinina (~0,3 mg/dL por dia) Valor da Creatinina com flutuações
Ureia geralmente não se eleva tanto Aumento mais pronunciado da Ureia
Relação U/Cr < 20 Relação U/Cr > 40
Não responde à volume Responde à volume
FENa >1% FENa <1%

Obs.: As duas causas podem estar presentes simultaneamente.


Lucas Germano F. Vieira – Médico UFCG
Matheus Vieira Falcão – MR Nefrologia EPM/UNIFESP

MANEJO

1) Descartar/tratar obstrução
§ Estilar/trocar SVD
§ Bexigoma
§ Hidronefrose

2) Solicitar eletrólitos, gasometria e EAS

3) Avaliar estado volêmico e balanço hídrico (BH) acumulado


a. Paciente hipovolêmico = expansão volêmica com cristaloide (SRL) 1 a 3 litros*
§ Alvo: diurese >0,5 mL/Kg/h nas próximas 2h
§ Resposta positiva = manutenção com cristaloide 1500-2500 mL/dia* (manter conforme resposta na
diurese; reduzir fluidoterapia visando BH neutro após estabilização volêmica) - ROSE
§ Resposta negativa = provável NTA: suspender hidratação venosa (fazer diurético apenas se
apresentar sinais de congestão)
b. Paciente hipervolêmico = teste de estresse com Furosemida
§ 1mg/Kg (ou 1,5mg/kg se uso domiciliar) de Furosemida EV
§ Alvo: diurese 200 mL nas próximas 2h
§ Resposta positiva: iniciar diureticoterapia
§ Resposta negativa: repetir o dobro da dose de Furosemida (máx. 200mg) e, se diurese ausente,
indicar diálise (hipervolemia refratária) e suspender diurético
c. Duvidoso = expansão volêmica com cristaloide (SRL) 500-1000 mL
§ Vigiar diurese e sinais de congestão
§ Seguir conforme “a” ou “b”

Obs.1: Pacientes com edema (cirrose ou síndrome nefrótica), apesar da “congestão” aparente, apresentam baixo
volume intravascular, portanto, no contexto de LRA, são considerados hipovolêmicos. O volume nesses casos
deve ser feito com muita cautela devido a hipoalbuminemia (perda para o terceiro espaço).

Obs.2: Pacientes idosos ou cardiopatas, fazer alíquotas menores 250-500 mL e sempre auscultando o paciente.

Obs.3: Não fazer expansão volêmica seguida de diurético na ausência de sinais de congestão, pois dificulta o
diagnóstico etiológico da LRA e, consequentemente, o tratamento. Nada de “1000ml de SF + 60mg Furosemida”.

Obs.4: Volume + diurético só deve ser feito em situações que necessitam de alto débito urinário, como na
síndrome de Lise Tumoral ou na rabdomiólise, com objetivo de diurese > 2ml/Kg/h.

Princípios da fluidoterapia (mnemônico ROSE)

R – Ressuscitação (minutos):
expansão volêmica inicial 1000-3000ml.

O – Otimização (horas):
manutenção após expansão 1500-2500ml/dia.

S – Stabilisation (dias seguintes):


ajuste de fluido visando manter BH neutro.

E – Evacuation:
negativar balanço, se necessário, para BHa
neutro ou pouco negativo.

4) Corrigir DHE e AB

Obs.: Corrigir Acidose apenas se pH <7,2. Cuidados com uso do bicarbonato: hipervolemia, hipernatremia,
hipocalcemia, hipocalemia.
Lucas Germano F. Vieira – Médico UFCG
Matheus Vieira Falcão – MR Nefrologia EPM/UNIFESP

5) Suspender ou ajustar a dose de drogas nefrotóxicas (principalmente antibióticos,


anticonvulsivantes, alopurinol, AINES...)

Obs.1: O manejo da dor deve ser realizado preferencialmente com analgésicos simples e/ou opioides.

Obs.2: Pacientes com hipertensão devem ser manejados com BCC, atenolol ou vasodilatadores, devendo-se
suspender IECA/BRA na vigência de LRA.

Obs.3: Nos casos de sepse, fazer dose cheia do ATB nas primeiras 24-48h (a LRA pode ser em decorrência da
própria sepse); ajustar para função renal nos dias seguintes.

Obs.4: Atentar para os pacientes em anticoagulação profilática; se TGF <30% = Clexane 20mg SC 1x/dia ou
HNF 5000UI SC 12/12h ou 8/8h.

DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

MANEJO DA ACIDOSE METABÓLICA

1) Quando utilizar Bicarbonato de Sódio?


§ Acidose metabólica com pH < 7,1 e/ou BIC < 10
§ LRA KDIGO 2 ou 3: pH < 7,2 + BIC < 20 + pCO2 < 45
§ Cetoacidose diabética com pH < 6,9
§ PCR na suspeita de causa por acidose metabólica ou após muitos ciclos de RCP (>20min)
§ Hipercalemia associada a acidose metabólica

2) Apresentação
§ Bicarbonato de sódio 8,4% = 1mEq/mL
§ Diluição em SG 5% na proporção de 1:1 (puro se PCR, paciente grave ou em acesso venoso central)
§ Velocidade máxima de infusão: 1mEq/Kg/h
Lucas Germano F. Vieira – Médico UFCG
Matheus Vieira Falcão – MR Nefrologia EPM/UNIFESP

3) Efeitos colaterais
§ Hipervolemia
§ Hipernatremia
§ Hipocalcemia
§ Alcalose metabólica

4) Cálculo de Déficit de BIC


Déficit de BIC = 0,5 x Peso x Variação desejada do BIC

5) Doses
§ Acidose metabólica: de acordo com déficit de BIC (Alvo: pH 7,2 ~ 7,3 e BIC entre 10 e 20) – média de
2-5mEq/kg em 4-8h (ou dose-resposta de 50ml em 50ml)
§ CAD: 100ml + 400ml AD + 10ml KCL 2/2h até pH > 7,0
§ PCR: 1mEq/kg (puro)
§ Hipercalemia: 1mEq/kg até 4/4h

Obs.: Nunca tentar corrigir a acidose com objetivo de normalizar o valor do pH ou do BIC! Alto de risco de efeitos
colaterais e de alcalose de rebote.

INDICAÇÕES DE DIÁLISE

§ Hipercalemia REFRATÁRIA
§ Hipervolemia REFRATÁRIA Nenhum valor de
§ Acidose metabólica grave (pH <7,1) REFRATÁRIA Ureia ou Creatinina
§ Intoxicações exógenas por drogas dialisáveis indica diálise!
§ Uremia grave (pericardite, encefalopatia, hemorragia)

CUIDADOS NO PACIENTE EM DIÁLISE

§ Atentar para as medidas de PA a cada 15 minutos / HGT a cada 1 hora


§ Hipotensão na diálise (alvo PAM > 65) – Possibilidades:
o Fazer 150ml de soro
o Posição de Trendelenburg (se não piorar ou causar dispneia)
o Aumentar sódio em 3mEq na máquina
o Reduzir 0,5ºC na temperatura da máquina
o Iniciar ou aumentar dose de drogas vasoativas
o Encerrar sessão
§ Hipertensão na diálise: administrar anti-hipertensivos VO habituais, principalmente BCC e atenolol que não
são dialisáveis.
§ Medicar para náuseas e cefaleia de maneira padrão se presente
§ Câimbras podem ser tratadas com bolus 50ml de SF3% ou 20ml SG50%
Lucas Germano F. Vieira – Médico UFCG
Matheus Vieira Falcão – MR Nefrologia EPM/UNIFESP
FLUXOGRAMA – MANEJO VOLÊMICO NA LESÃO RENAL AGUDA

• Aumento de ≥0,3 mg/dL de Creatinina em 48h;


• Aumento de 1,5x de Creatinina do valor prévio de 7 dias;
• Diurese <0,5 mL/Kg/h por 6h.

Coletar exames (ionograma, gasometria, EAS)


Checar drogas nefrotóxicas

LRA oligúrica LRA não-oligúrica

NTA?
Descartar/tratar obstrução

§ Suporte
Avaliar estado volêmico e BH § Afastar causa

Hipovolemia Dúvida/normovolemia Hipervolemia

NTA?

Expansão volêmica Expansão volêmica


com cristaloide (SRL) com cristaloide (SRL)
1 a 3 litros 500 a 1000 mL Teste de estresse com
Furosemida
(1mg/Kg)

Diurese >0,5 mL/Kg/h em 2h?


Diurese >200 mL em 2h?

SIM NÃO SIM NÃO

LRA pré-renal NTA


Manter Teste de estresse com
Furosemida
diureticoterapia
(2mg/Kg – máx 200mg)

Fluidoterapia de § Suporte
manutenção § Afastar causa
1500-2500 mL/24h*
SIM Diurese >200 mL em 2h?

*Levar em consideração a
função cardíaca do paciente,
infusão de medicações e SEMPRE VISAR O BH NEUTRO
perdas. após estabilização do quadro!
Diálise NÃO
Lucas Germano F. Vieira – Médico UFCG
Matheus Vieira Falcão – MR Nefrologia EPM/UNIFESP

REFERÊNCIAS

§ AZEVEDO, Luciano, et al. Medicina intensiva: abordagem prática. 3ed. Barueri: Manole, 2018.
§ GOMES, Carlos; et al. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base: Diagnóstico e
tratamento da Sociedade Brasileira de Nefrologia. Manole, 2021.
§ Etiology and diagnosis of prerenal disease and acute tubular necrosis in acute kidney injury
in adults. UpToDate, 2021.
§ Definition and staging criteria of acute kidney injury in adults. UpToDate, 2021.
§ Overview of the management of acute kidney injury (AKI) in adults. UpToDate, 2021.
§ Evaluation of acute kidney injury among hospitalized adult patients. UpToDate, 2021.
§ Maintenance and replacement fluid therapy in adults. UpToDate, 2021.
§ Treatment of severe hypovolemia or hypovolemic shock in adults. UpToDate, 2021.
§ Kidney replacement therapy (dialysis) in acute kidney injury in adults: Indications, timing,
and dialysis dose. UpToDate, 2021.
§ Approach to the adult with metabolic acidosis. UpToDate, 2021.
§ Koyner JL, Davison DL, Brasha-Mitchell E, et al. Furosemide Stress Test and Biomarkers for
the Prediction of AKI Severity. J Am Soc Nephrol 2015; 26:2023.

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