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Cetoacidose diabética

Quadro Clínico
            Mulher de 26 anos de idade com antecedente de diabetes mellitus do tipo 1, em uso de insulina NPH 20 U SC cedo.
Evoluindo há 3 dias com poliúria, polidipsia e queda do estado geral. Há 1 dia com dor abdominal, vômitos e febre aferida pelo termômetro
de 38,3 graus.
 
Ao exame:
Regular estado geral, desidratada +/4+, corada, anictérica, acianótica
PA: 110/65 mmHg
FC:90 b.p.m
Ap Resp: MV+, sem RA
Ap CV:2BRNF, sem sopros
TGI: abdome flácido, doloroso, RHA+, DB negativa
MMII: Pulsos+, sem edema ou sinais de trombose venosa
 
Laboratório:
Glicemia capilar: 420mg/dl
Glicemia:450 mg/dl
Na: 137meq/l
K: 4,8 meq/l
Corpos cetônicos 4+/4+ na urina
Gasometria arterial: PH 7,22 PO2: 106mmHg PCO2:22 mmHg BIC: 15
 

Comentários
            Paciente diabético em uso de insulina, evoluindo com quadro de “polis”, queda do estado geral, dor abdominal e vômitos.
Os exames revelaram hiperglicemia, cetonemia e acidose metabólica definindo a presença de cetoacidose diabética.
            O paciente não apresenta quadro de Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico (EHH). Para se calcular a osmolaridade utiliza-se
a fórmula: 2 x Na + Glicemia/18. Portanto, teríamos 2 x 137 + 25 = 299 mosm, o que não caracteriza hiperosmolaridade. Os critérios para
o diagnóstico de cetoacidose e EHH se encontram á seguir:
 
Critérios diagnósticos
 
cetoacidose diabética:
 Glicemia > 250 mg/dl
 Presença de cetonemia (que pode ser inferida pela presença de corpos cetônicos na urina)
 PH<7,30
 Bicarbonato < 18 mEq/L
 
Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico:
         Glicemia > 600mg/dL
         pH >7,30
         Bicarbonato >18 mEq/L
         Osmolaridade >320 mOsm/kg
 
            O achado de febre não é freqüente em pacientes com cetoacidose, e mesmo se estiver ausente não se pode descartar que
o fator precipitante seja infeccioso. Mas, caso esteja presente, a febre tem um alto valor preditivo de que a descompensação ocorreu por
infecção. Logo, uma procura ativa de foco infeccioso com, no mínimo, uma radiografia torácica e exame de urina 1 é necessária neste
caso.
            A paciente em questão apresentou leucocitúria no exame de urina 1 com nitrito positivo, caracterizando provável infecção
urinária, sendo colhida urocultura. A radiografia de tórax não revelou alterações.
            Em relação a dor abdominal, é um achado muito característico de cetoacidose, ocorrendo em cerca de 30% dos casos, e
provavelmente tem correlação com alteração de prostaglandinas na parede muscular intestinal, e tende a melhorar muito com a
hidratação inicial do paciente. Neste paciente será necessário iniciar hidratação e, caso a dor abdominal persista, a investigação deverá
ser complementada com exame de imagem abdominal.
            Os princípios para o manejo do paciente com cetoacidose diabética seguem abaixo:
 
Indicações para UTI
1. Instabilidade hemodinâmica.
2. Necessidade de proteção de vias aéreas (p. ex: coma).
3. Distensão gástrica aguda.
4. Necessidade de ajustes de insulina e parâmetros laboratoriais de horário, caso estes procedimentos não
possam ser realizados fora da UTI
 
Reposição volêmica
 
Adultos
         Infundir 1000 a 2000 mL de SF a 0,9% na 1 a hora. Após 250 – 500 mL/h NaCl a 0,45% (se Na sérico normal ou alto) ou 0,9% (se Na
sérico baixo)
         Quando glicemia atingir 250 mg/dL na CAD e 300 mg/dL no EHH, mudar para soro ao meio (NaCl 0,45% e glicose a 5%) numa
velocidade de 150 a 250 mL/h para manter glicemia entre 150 a 250 mg/dL na CAD e 250 a 300 mg/dL no EHH.
 
Criancas e adolescentes (<20 anos)
         Infundir SF 0,9% - 10-20 ml/Kg/h. Não exceder 50 ml/Kg/h
         Continuar a infusão do déficit calculado por mais 48h (~ 5m/kg/h) com SF 0,9% ou 0,45%.
 
Insulinoterapia
            É realizada concomitantemente com a hidratação. Iniciar apenas após correção de hipotensão e hipocalemia (K < 3,3
mEq/l).
 
Dose de insulina R
Via
endovenosa Via SC ou IM OBSERVACOES
0,1 – 0,15 Bolus 0.4 U/Kg A via SC/IM pode ser
Bolus U/Kg (1/2  EV e ½ IM  ou SC usada em CAD leve
0.1U/Kg a cada
Manutenção 0.1U/Kg/h hora SC ou IM  
Queda da glicemia < Dobrar dose a 10 U EV a cada
50-70 mg/dL/h cada hora hora  
Queda da glicemia > Diminuir dose Diminuir dose
70 a 100 mg/dL/h pela metade pela metade  
Glicemia < 250 mg na 0.05 a 0.1 Mudar para soro ao
Ajuste CAD ou < 300 mg/dL no EHH U/Kg/h 3-6 U/h meio
 
Transição de insulina EV para SC
            Quando o paciente conseguir alimentar-se normalmente, continuar infusão endovenosa até 2h após dose de insulina rápida
associada à NPH na dose habitual, se o paciente já fazia uso. Na primo-descompensação calcular dose em 0.4 a 0,6 U/Kg, 50% na forma
de insulna basal e 50% na forma de bolus.
           
Reposicao de Potássio
            Iniciar infusão de K após resultado de K e função renal. Pode ser reposto como KCl ou KPO 4, conforme K sérico inicial e a
cada 2h, conforme esquema:
                                   
Nível serico de K (mEq/L) Quantidadade de K adicionado no soro de reposição (mEq/L)
>5 Não repor
4-5 20
3-4 30-40
=3 40-60
 
Reposicao de Bicarbonato
         Indicada na acidose metabólica grave (pH <6.9-7,0).
         Deve ser administrada com solução hipotônica. Acrescentar 50 a 100mEq de bicarbonato em 1 litro de NaCl a 0,45% num período de
1h. Esta dose pode ser repetida a cada 2h e/ou ate pH > 7,0.
         Não repor bicarbonato se pH inicial >7,0
 
Reposição de Fósforo
         Geralmente a reposição não é necessária. Repor na CAD se houver disfunção ventricular esquerda, ausência de melhora do nível de
consciência, apesar do tratamento da cetoacidose, PO3- < 1,0 mg/dl, anemia ou insuficiência respiratória. Não há estudos de reposição de
PO3 no EHH.
         Adicionar 20-30 mEq/L no soro de manutenção.
 
Terapia Adjuvante
         Tratamento da causa base
         Antibioticoterapia de largo espectro se infecção presente
         Heparina de baixo peso molecular para prevenção de trombose
         Anti-eméticos
 
Critérios de resolução da CAD
         Glicemia <200 mg/dL
         Bicarbonato sérico > 18
         PH >7.3.
 
Monitorização laboratorial
         Na fase inicial do tratamento avaliar a glicemia capilar a cada hora e eletrólitos, gasometria venosa, osmolaridade, e glicemia
plasmática a cada 2 horas.

Prescrição
Prescrição Comentário
1-Jejum Inicialmente o paciente deve ser mantido em jejum. A expectativa é de resolução do
  quadro com a medicação apropriada em poucas horas.
A hidratação inicial é com 1000 ml de solução fisiológica na primeira hora. Depois,
conforme comentado no texto, esta hidratação será realizada com 250-500 ml por hora de
solução fisiológica à 0,9 ou 0,45%, de acordo com o sódio sérico. Como o paciente
encontra-se em normocalemia, mas provavelmente com perda de potássio corporal total
2-SF0,9% 1000 ml + KCl19,1 % pode-se repor uma ampola de KCl ou 25 meq de potássio em cada litro de soro
10 ml em 1 hora administrado.
A insulinoterapia recomendada inicialmente é com um bolus endovenoso de 0,15 U/
3 - Insulina Regular 9 U EV Kg de peso. Estamos pressupondo uma paciente de 60 Kg e, portanto, a dose inicial é de 9
agora unidades. Em seguida, o paciente é mantido em solução de infusão contínua de insulina.
4 - Insulina Regular 25 U + 250 Nesta diluição sugerida teremos em 10 ml infundido 1 unidade de insulina e a taxa de
ml de solução fisiológica em BIC iniciar infusão de insulina será de 6 unidades de insulina/hora. Ajustes da dose de insulina foram
com 60 ml hora especificados no texto.
É necessário realizar o tratamento da infecção urinária concomitante da paciente,
que possivelmente foi o fator precipitante da cetoacidose. O ceftriaxone é uma opção boa
5-Ceftriaxone 2 gramas EV 1 x para este tratamento. Outra opção seria uma quinolona como a ciprofloxacina. A presença
ao dia. de febre indica ITU alta, portanto não é apropriado usar norfloxacina.

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