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Introdução

O presente trabalho intitulado O Pensamento filosófico de Hegel, propõe-se abordar, de forma


profunda e concisa, sobre as teses fundamentais do pensamento filosófico hegeliano. O
trabalho tem como objectivo geral “Compreender o Idealismo Hegeliano nas suas diversas
articulações”; e tem como objectivos específicos os seguintes: Analisar, a génese do
pensamento hegeliano; Identificar os momentos da dialéctica hegeliana; Caracterizar as
diversas manifestações do espírito na perspectiva hegeliana.

Hegel, idealista por excelência, é um filósofo de importância singular. Com ele o idealismo
atingiu o seu grau mais alto. Nenhum dos seus predecessores compreendeu o dinamismo da
razão, o que constitui a crítica fundamental de Hegel contra os seus predecessores. Sua
principal preocupação é encontrar a harmonia entre a tese e a antítese, mediante a síntese, é
esta que opera tal harmonia.

A dialéctica, em Hegel, é o movimento do espírito. Ela também constitui o processo e método


de estudo do espírito, cuja característica comum nada mais é do que a presença de contrastes.
Enquanto procedimento por meio do qual se desenvolve o espírito, a dialéctica apresenta três
momentos fundamentais: tese, antítese e síntese. A filosofia hegeliana é, toda ela, o
movimento do espírito.

Em se tratando de questões organizacionais, o trabalho segue a seguinte estrutura: (1) Vida e


Obras de Hegel; (2) Os Escritos Juvenis e a Formação do Pensamento Hegeliano; (3) A
Dialéctica Hegeliana; (4) Hegel e a Fenomenologia do Espírito; (5) O Sistema Hegeliano; (6)
Princípios Fundamentais do Sistema Hegeliano. O trabalho também apresenta a ficha
bibliográfica, que serviu de fonte para a sua elaboração.

Entre tanto a pesquisa bibliográfica, leitura, analise e reflexões são os métodos usados na
realização deste trabalho que obedece a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento,
conclusão e bibliografia.
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1. Vida e Obras de Hegel

Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Estugarda (Stugard), aos 27 de Agosto de 1770 e
faleceu em Berlim, aos 14 de Novembro de 1831, atacado de cólera. Terminados os estudos
ginasiais na cidade natal, Hegel entrou no Seminário Teológico de Tubinga (Tubingen), cujos
colegas foram o poeta Friedrich Holderin e o filósofo Schelling. Além do estudo teológico,
cultivou fervorosamente a filosofia moderna (Hume e Kant).

Em 1793 conseguiu a láurea em Teologia. Depois de ter-se tornado tutor em Berna e


Frankfurt, Hegel começou a leccionar na Universidade de Iena em 1799 onde trabalhou com
Schelling e onde permaneceu de 1801 até 1806. Neste último ano, a cidade de Iena foi
ocupada por Napoleão e a Universidade fechada. Hegel saiu de Iena, foi a Bamberg, onde
durante dois anos trabalhou como redactor do jornal local e, em 1808, a convite de um amigo,
passou a leccionar a filosofia num colégio de Nuremberg, permanecendo ali até 1816.

O seu ideal era de um dia ser professor na célebre universidade de Heidelberg, que era o
centro nacional do romantismo alemão. Enfim, 1816 alcançou os seus objectivos quando foi
chamado para suceder Fichte como professor na Universidade de Berlim em 1818, posto que
ocupou até sua morte.

Dotado de saber enciclopédico (excelente latinista e helenista), Hegel possuía amplos


conhecimentos das ciências da natureza e das matemáticas. Não era um grande orador, se
comparado Fichte e Schelling. Passou a vida inteira sem perturbações, dedicando-se aos
estudos.

Hegel redigiu muitas obras, dais quais mais importantes são três: “Fenomenologia do Espírito”
(1807); “A Ciência Lógica” (1812-13); e “Enciclopédia das ciências filosóficas” (1817).

2. Os Escritos Juvenis e a Formação do Pensamento Hegeliano

A estruturação do seu idealismo foi influenciada pela sua formação no Seminário Teológico
em Tubinga. Seus primeiros livros “Vida de Jesus” e “O Espírito do cristianismo e o seu
destino” têm um conteúdo teológico. Hegel começou a conceber o seu sistema filosófico
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quando ainda era bastante jovem, a ser assim, algumas de suas linhas basilares podem ser
compreendidas nesses seus escritos juvenis.

Nesta segunda obra, Hegel dedicou-se profundamente a uma análise do significado da


alienação, concebida como “uma experiência no plano da história em geral” (HRYNIEWICZ,
2002:417). Ademais, ele compreendeu que a alienação se dá no tipo de relação entre o
humano e o divino, no tipo de relação que o homem estabelece com Deus. Assim, ele apontou
três formas principais pelas quais o homem se relaciona com Deus: grega, judaica e cristã.

A primeira forma é propriamente do mundo grego, onde havia uma relação harmoniosa entre o
divino e o humano, ou seja, Deus e Homem eram a mesma coisa. Portanto, segundo Hegel, na
religião grega não havia separação entre Deus e os homens, e a consequência dessa relação era
a felicidade.

A segunda forma de relação era tipicamente judaica, marcada pela cisão entre o divino e o
humano, cuja consequência foi uma vida triste. Assim, a religião judaica serviu de ponte de
separação entre o homem e Deus. Há cisão entre o finito e o infinito. Para Hegel, os judeus
portavam-se como escravos diante do além.

Finalmente, a terceira forma de relação foi manifestada no Cristianismo, marcada pela


reconciliação entre o particular e o universal, cuja consequência consiste na experiência do
amor, o qual é regido pelo princípio racional. Importa realçar que Hegel se referia ao
verdadeiro cristianismo, o qual estava centrado sobre o princípio do amor, e não aquele
herdeiro do judaísmo, marcado pelo legalismo moralista.

Hegel é da ideia de que, enquanto princípio filosófico, a alienação toma a forma de


movimento dialéctico, em que da sua decorrência nunca se estabelece uma situação de
pacificação definitiva entre alienante e alienado.

Conforme estamos a ver, desta análise minuciosa dos três tipos de religião, Hegel fornece
bases para o futuro desenvolvimento do seu sistema. As três formas de manifestação religiosa
corresponderão aos três momentos da dialéctica ou do movimento do espírito; ou seja: a
religião grega é a tese; religião judaica, antítese; a religião cristã, síntese. A preocupação
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central de Hegel é buscar a harmonia entre a tese e a antítese, que é papel reservado para a
síntese.

3. A Dialéctica Hegeliana

A dialéctica constitui o fundamento do pensamento hegeliano. A realidade, para Hegel, é


perfeita racionalidade; uma racionalidade não estática, mas dinâmica, em constante
desenvolvimento. O único método adequado para o estudo de uma realidade em perpétuo
devir – em permanente vir-a-ser – é o método da lógica especulativa ou dialéctica.

De acordo com HRYNIEWICZ (2002:418), Hegel entendeu a dialéctica não como um


procedimento do pensamento externo, mas sim uma lei necessária e interna, tanto ao
pensamento quanto à realidade. O tratamento de qualquer questão, se quiser ser filosófico e
colher a verdade, não pode ser senão dialéctico.

O método dialéctico compõe-se de três momentos, a saber: tese, antítese e síntese. A ‘tese’
constitui o momento do ‘ser em si’; ela põe, afirma uma parte da realidade, negando de forma
implícita uma outra parte da realidade, pois toda afirmação inclui uma negação.

A ‘antítese’ é o momento do ‘ser outro’ ou ‘ser fora de si’. Ela contrapõe, afirmando-a, a parte
da realidade implicitamente negada pela tese. Hegelianamente falando, o papel da negação
consiste em manifestar o que foi obscurecido pela tese, libertar a realidade dos limites da
estaticidade e mostrar a sua riqueza interior.

A ‘síntese’, por fim, constitui o momento do ‘ser em si e para si’, momento da conciliação
entre a tese e a antítese, em um todo único, o qual anula as imperfeições dos momentos
anteriores, mas conserva a positividade deles.

A dialéctica hegeliana, a qual se dá através da tríade: tese, antítese e síntese, está ligada
sobretudo à ideia de progresso ou desenvolvimento; não de um progresso ilimitado, mas
concreto, através do qual tende ao real, superando as abstracções das contradições. Dialéctica
significa superação e conservação. A síntese dialéctica não significa a simples negação, mas a
conservação de algumas características daquilo que foi superado. Hegel apresenta a distinção
entre a negação externa e negação interna.
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“A negação externa é a que se dá entre duas realidades distintas entre si, onde
uma não depende da outra: a realidade da casa não depende da realidade do
pássaro. A negação interna é aquela na qual duas realidades são
interdependentes ou uma depende de outra: a realidade do escravo depende
da realidade do senhor ou vice-versa e a realidade da casa depende da
realidade do tijolo ou da madeira” (idem).

Outrossim, para se referir ao processo de superação, Hegel empregou o conceito ‘contradição’.


Esta, segundo Hegel, reside lá onde há possibilidade de duas realidades entrarem em
‘conflito’, dando origem ao processo dialéctico. E é lá onde a tese encontra a possibilidade de
ser negada e superada. Ao passo que o termo ‘oposição’ se dá entre duas realidades
internamente distintas. Entre a casa e o pássaro há oposição, enquanto entre o senhor e o
escravo há contradição. Ou seja: a realidade da casa não depende da realidade do pássaro; mas
a realidade do senhor e a do escravo dependem uma da outra, porque não há senhor sem
escravo, nem escravo sem senhor.

De tudo o ficou dito a respeito da dialéctica hegeliana, importa referir que tal constitui o
método da pesquisa científica do espírito. Ela constituiu, também, o processo e o movimento
da vida do espírito. Toda a filosofia de Hegel não passa do movimento do espírito.

3.1. A Concepção Hegeliana do Espírito como Infinito

Segundo HEGEL apud Reale & Antiseri (2005:102), “O espírito se auto-gera, gerando ao
mesmo tempo sua própria determinação, e superando-a plenamente”. Segundo ele, o espírito é
infinito que sempre actua e se realiza como contínua colocação do finito e, concomitantemente,
como superação do próprio finito.
O espírito, enquanto movimento, produz paulatinamente os conteúdos determinados e negativos. Na
perspectiva hegeliana, o movimento do espírito constitui o movimento de auto reflectir-se ou de
reflectir-se em si mesmo. Trata-se, pois, do sentido de circularidade em que princípio e fim coincidem
de forma dinâmica.
Nessa reflexão circular, Hegel apresenta três momentos distintos: “ser em si”; “ser outro” ou “ser fora
de si”; “retorno a si” ou “ser em si e para si”. A ser assim, o movimento ou o processo auto-
produtivo do absoluto tem ritmo triádico, que se expressa em um em si, em um fora de si e em
um em si e para si.
“Se (…) o embrião é em si o homem, ele, entretanto, não o é para si; para si
só o é como razão desdobrada (…) e somente essa é sua realidade efectiva. A
semente é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto,
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deve sair fora de si, a fim de poder se tornar, desdobrando-se, a planta para si
– ou em si e para si” (HEGEL apud REALE & ANTISERI, 2005:103).

4. Hegel e a Fenomenologia do Espírito

A fenomenologia do espírito constitui a grande obra de Hegel. O seu pensamento está


subjacente no movimento triádico da dialéctica. Na perspectiva hegeliana, a ciência não pode
ser uma ciência do finito, mas do infinito. E a dialéctica, conforme abordamos nos parágrafos
anteriores, outra coisa não é senão o método da manifestação do espírito ou do absoluto.
A fenomenologia do espírito busca estudar o modo como se movimenta o espírito. Assim, tem
como programa:

“Conduzir o espírito do estado de ignorância ao de saber, ou seja, à


compreensão científica e completa do espírito, não por meio do estudo de um
complexo mais ou menos vasto de eventos, de matéria ou de doutrinas, mas
percorrendo de novo os vários graus de consciência que o espírito adquire no
seu desenvolvimento histórico” (MONDIN, 1987:37).

O espírito se determina, se objectiva por meio do finito, para ser conhecido. Ele é determinado
e múltiplo; múltiplo porque se objectiva de maneiras diversificadas: natureza, homem, animal.
É por isso que Hegel define a filosofia como “redução do pensamento no tempo, ou seja, como
compreensão do espírito” (Cf. PRADEAU, 2012:358).

A fenomenologia do espírito estuda o espírito enquanto objecto. Porém, a razão ou o espírito,


quando investiga, torna-se sujeito e objecto de si mesmo. O espírito se manifesta em quatro
fases: consciência, autoconsciência, razão e espírito.

Na “consciência” o espírito está na perspectiva gnosiológica; conhece o mundo como uma


realidade independente e distinta dele. Aqui o espírito tem uma identidade abstracta.
Outrossim, Hegel preconiza que a característica da “autoconsciência” é a situação paradoxal
na qual o homem conhece os outros homens, que são também espíritos como ele, mas não
percebe que está conhecendo a si mesmo e julga estar conhecendo alguma coisa diferente de si
mesmo.

Como consequência, a autoconsciência não consegue elevar-se acima do nível da consciência


simples e, com isso, permanece insatisfeita, logo, infeliz. Ora, o primeiro episódio da
autoconsciência enquanto consciência infeliz é a dialéctica senhor-escravo.
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A consciência infeliz é a consciência de si enquanto duplicada, isto é, o espírito apresenta


duas realidades: uma é transcendental e a outra é o homem. Aqui a consciência não encontra a
base de si mesmo no concreto.

O senhor é senhor porque é triunfante, e realiza seu desejo de ser reconhecido como tal pelo
escravo, sobre o qual tem poder de vida e morte. Porém, a relação senhor-escravo é dinâmica,
e o escravo não é um elemento meramente passivo. É a consciência do escravo que reconhece
o senhor como tal; por isso este necessita do outro para afirmar-se e manter-se como senhor.
Em princípio, o escravo depende do senhor, tornando-se senhor da consciência de seu próprio
amo.

Ademais, Hegel também define o escravo como a consciência que atinge sua verdade pela
mediação do trabalho – que forma e cria objecto – depois de travar a luta de vida e morte. Para
ele, o escravo é aquele que transforma a natureza e que, pelo seu trabalho, liberta-se de toda a
opressão e de todo o estado de escravidão e, por isso, atinge a verdade de certeza de si, ou
seja, como ser-para-si. Portanto, a história constitui a história do escravo trabalhador; daquele
que, ao dominar a natureza pelo seu trabalho, recobra a sua liberdade (Cf. ABBAGNANO,
1970:125-126).

Quanto à “razão”, esta constitui, segundo Hegel, a fase em que o espírito se identifica nas
coisas; a consciência adquire a certeza de ser razão e apresenta as seguintes características: a
natureza é penetrável pela razão; a razão é agente, ela realiza-se como indivíduo, buscando
superar os limites da individualidade para alcançar a uma união espiritual dos indivíduos, isto
é, para alcançar a universalidade; a consciência de ser espírito é o momento representado pelo
homem que se volta a si, por aquilo que ele mesmo realiza (é a autocrítica).

Por fim, o “espírito” é a razão que se realiza em um povo livre e nas instituições. Aqui o
espírito apresenta três momentos: “espírito em si”, que é a harmonia imediata, mas que
culmina com a desobediência de leis humanas; “espírito que se aliena a si mesmo”, constitui o
momento da cisão, onde há fragmentação ou divisão da humanidade consigo mesma; “espírito
que adquire a certeza de si”, é o momento de conciliação entre o dever abstracto (de Kant) e o
dever histórico do povo.
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5. O Sistema Hegeliano

O sistema hegeliano é a resplandecente apresentação de todo o real e de todo o cognoscível


enquanto expressão de auto-manifestação do Absoluto por meio das três etapas da dialéctica.
O Absoluto se desenvolve, a priori, numa tríade dialéctica basilar, a saber: a ideia em si, ou
seja, a estrutura ideal do absoluto considerado em seu pôr-se na existência efectiva; a ideia
fora de si, ou seja, o Absoluto pondo-se na natureza como facto, como ideia que se alheia e se
esquece; enfim, a ideia em si e para si, que é o Absoluto que retorna a si após ter reconhecido
a natureza como seu momento propício.

Hegel sustenta que tudo é desenvolvimento da ideia ou do pensamento, e a sua famosa frase
segundo a qua1 “tudo aquilo que é real é racional e tudo aquilo que é racional é real” indica
justamente que a realidade constitui o próprio desenvolver-se da ideia, e vice-versa. Em Hegel,
a realidade é devir dialéctico da ideia e o papel da filosofia consiste em articular e
esquematizar as fases dessa evolução. O estudo da tríade fundamental reconduz às três partes
principais do sistema hegeliano – lógica, filosofia da natureza e filosofia do espírito.

5.1. A Lógica

A lógica não é senão a ciência da ideia pura, da ideia no elemento abstracto do pensamento.
Ela é ciência do pensamento, de suas determinações, de suas leis, isto é, é o pensamento
desenvolvendo suas próprias leis e determinações, que dá a si mesmo, tirando de si mesmo. A
lógica hegeliana segue uma divisão triádica, por isso apresenta três momentos: lógica do ser,
lógica da essência e lógica do conceito (HRYNIEWICZ, 2002:422).

A “lógica do ser” é a doutrina do pensamento em seu estado imediato, do conceito em si. A


“lógica da essência” é a doutrina do pensamento em sua mediação e reflexão. Nesse momento
o ser percebe suas próprias relações e se reconhece como idêntico e diverso, descobrindo sua
razão suficiente. Finalmente, a “lógica do conceito” constitui a doutrina do pensamento que
retorna a si mesmo. É o momento da verdade.
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5.2. A Filosofia da Natureza

A filosofia da natureza tem por objecto de estudo a ideia em sua exterioridade ou em seu
estado de decadência. Ela estuda a alienação da ideia de si mesmo ou a ideia fora de si, ou
seja, a natureza. A natureza representa a degradação ou um modo de ser inferior no devir do
Espírito; e é essencialmente a exterioridade desse mesmo Espírito:

“A Ideia se produz na natureza sob a forma de uma existência estranha a ela


mesma. A natureza é, portanto, uma deterioração do espírito inicial, a cara
negativa do Absoluto, uma decadência necessária, mas humilhante, e forma
de vida secundária da vida do espírito universal” (HEGEL apud
HRYNIEWICZ, 2002:422).

A natureza somente é necessária e, por isso, importante, enquanto Espírito precisa sair de si
para poder retornar, superando as suas próprias limitações. A filosofia da natureza desdobra-
se, como a lógica, em três momentos dialécticos: mecânica, física e física orgânica. A primeira
considera os elementos constitutivos da natureza em estado de perfeita abstracção ou
exterioridade ainda não individualizada. A segunda propõe-se investigar a matéria dotada de
individualidade. A terceira dedica-se ao estudo da vida sob forma de individualidade em suas
três etapas de desenvolvimento – organismo geológico, organismo vegetal e organismo
animal.

Em outras palavras, a mecânica constitui a ideia alienada através dos limites do espaço e do
tempo; a física constitui a ideia alienada por meio das formas da individualidade; a física
orgânica (biologia) constitui a ideia alienada por causa da geração da morte (MONDIN,
1987:42).

5.3. A Filosofia do Espírito

A filosofia do espírito constitui o âmago de todo o sistema hegeliano. Hegel dedicou a ela a
maioria de seus escritos. Ademais, Hegel atribui à filosofia do espírito o papel de estudar a
Ideia em seu caminho de retorno a si mesma através de todas as obras do espírito. Embora
tenha tomado a teologia cristã como símbolo de sua filosofia do espírito, Hegel concebe o
Espírito humanizado e imanente do mundo.

“Depois de exteriorizar-se na natureza, o Espírito retorna a si mesmo por


meio da actividade do espírito presente no homem. Não há outra natureza
pensante senão o homem e, por isso, o homem não é natureza, mas espírito.
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Assim, a Filosofia do Espírito se desenvolve como um tratado sobre o


homem como consciência que pensa a si mesmo e a todas as produções do
seu espírito” (HRYNIEWICZ, 2002:423).

O trecho supracitado pode ser resumido da seguinte maneira: para Hegel, Pensamento é
Espírito, é actividade interior presente no homem. O espírito é a Ideia que retorna a si a partir
de sua alteridade, e a mais alta manifestação do Absoluto, o auto-realizar-se e o autoconhecer-
se de Deus. Nesta perspectiva, ideia 1ógica e natureza são vistas como pólos dialécticos dos
quais o espírito constitui a síntese viva. A filosofia do espírito desdobra-se de maneira triádica,
e segue os três momentos da dialéctica: Espírito Subjectivo; Espírito Objectivo; Espírito
Absoluto.

a) Espírito Subjectivo – actua nos indivíduos; a vida do espírito se inicia como


subjectividade, como espírito individual a evolução do espírito subjectivo passa por
três fases: antropológica, fenomenológica e psicológica.
 Antropologia – constitui a primeira etapa do aparecimento da alma (alma natural,
alma sensitiva);
 Fenomenologia do Espírito – o espírito aparece ou se manifesta como capacidade
de autoconsciência;
 Psicologia – por fim, o espírito aparece como capacidade de conhecimento. Esta
fase desdobra-se, também, em três momentos: espírito teorético, espírito prático
(vontade) e espírito livre.
b) Espírito Objectivo – actua nos vários povos; com o aparecimento da liberdade, o
espírito sai da sua subjectividade e entra no mundo concreto das manifestações
objectivas: criação racional das instituições sociais e jurídicas. A formação do espírito
objectivo passa por diversas etapas: primeiro aparece o indivíduo como proprietário
(Direito); seguidamente aparece o sujeito livre (Moral).

Porém, a relação entre o indivíduo proprietário e sujeito livre abre uma contradição entre
moral e direito. Segundo Hegel, a solução dessa contradição se dá em dois momentos:
primeiro, na família e, depois, na sociedade civil. A família constitui propriamente o primeiro
momento da vida do espírito objectivo; nela as contradições entre proprietário e sujeito livre se
conciliam.
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Entrementes, a contradição reabre-se por causa da diversidade das famílias; mas ela será
solucionada pelo aparecimento das classes sociais. Ademais, tal contradição se reabre por
causa dos interesses divergentes entre as classes. A ser assim, a síntese final do espírito
objectivo dá-se através do Estado, que concilia a totalidade dos interesses individuais,
familiares, colectivos, privados e públicos. Portanto, em um certo sentido, o Estado pode
designar-se “Espírito Objectivo”(Ibidem, p. 424).

c) Espírito Absoluto – constitui a esfera mais sublime em toda a trajectória de


interiorização do Espírito. As actividades supremas do homem correspondem às
actividades supremas do Espírito. Assim sendo, o homem e o Espírito Absoluto estão
em peso de igualdade em suas realizações. Mais ainda, as mais altas realizações do
espírito humano dão-se por meio do “saber absoluto”. Este constitui-se da Arte, da
Religião e da Filosofia.
 “A Arte” – por meio desta, o espírito exterioriza-se em formas objectivas de intuição,
ou forma sensível de beleza. A beleza é a manifestação sensível da ideia. O belo é a
ideia concreta e realizada, inseparável da forma. Os traços fundamentais da beleza são
a regularidade, a simetria e a harmonia. Na perspectiva hegeliana, a verdadeira beleza
não é a beleza natural, mas a beleza produzida pelo homem.

Segundo Hegel, a função da arte não é senão expressar o Absoluto. Uma obra é artística
somente e quando é manifestação concreta do Absoluto. O valor artístico da obra é
proporcional à sua capacidade de tornar visível o Absoluto. Hegel chama de “belo ideal”, o
belo artístico. Ora a necessidade da arte por parte do Espírito consiste no facto de a beleza
natural ser limitada. A arte se desenvolve em três modos fundamentais: arte simbólica, arte
clássica e arte romântica.

A arte simbólica caracteriza-se pelo desequilíbrio entre a ideia infinita e sua forma sensível.
Esta dá origem ao sublime, que é mais desmensurado que sublime. No que concerne à arte
clássica, esta caracteriza-se pela unidade e harmonia perfeita da ideia e sua manifestação
exterior, ou seja, este desequilíbrio desaparece e a forma se adapta perfeitamente ao conceito.
Por fim, na arte romântica, tomando o artista plena consciência da natureza espiritual e não
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física da beleza, a forma assume o papel de instrumento do manifestar-se do Absoluto. A


beleza, então, não é a corpórea mas aquela espiritual.

 “A Religião” – constitui o segundo momento do saber absoluto. Nela o Absoluto


adquire consciência de si mesmo como espírito. De acordo com Hegel, a filosofia e a
religião têm como objecto a mesma realidade, o Absoluto. Enquanto a filosofia faz uso
da razão, a consciência religiosa se apoia no sentimento, na intuição e na
representação.

Segundo ele, o aspecto mais sublime da experiência religiosa é a representação, porque


permite formar uma imagem elevada do universal. A religião pode transformar-se num
verdadeiro saber enquanto cata o Absoluto mediante a fé e o representa de modos mais
diversificados. Em Hegel, três são os momentos religiosos: religião natural, na qual Deus se
manifesta como expressão máxima dos poderes naturais; religião da individualidade espiritual,
em que Deus é percebido em forma humana ou pessoas individuais; religião absoluta, aquela
que concebe Deus como Espírito Absoluto.

A religião cristã representa a união entre Deus e o homem, a reconciliação de ambos por meio
da encarnação de Cristo. O mistério do Cristianismo, porém, não é a encarnação de Cristo,
mas a Trindade: “Deus Pai representa o permanecer imutável da Ideia em si; Deus Filho
representa a sua manifestação na natureza; e o Espírito Santo representa o retorno do mundo a
Deus e sua reconciliação com ele” (Ibidem, p. 425).

 “A Filosofia” – representa o culminar e a forma perfeita do espírito. É a unidade da


arte e da religião, mediante o conceito. No momento filosófico do saber, o Absoluto
toma consciência de si em forma conceitual reflexa. A filosofia, “é a ideia que pensa a
si mesma, a verdade que sabe, é a ideia eterna, em si e por si, que se actua, se produz e
se frui eternamente, como espírito absoluto” (HEGEL apud Mondin, 1987:43-44).

6. Princípios Fundamentais do Sistema Hegeliano

MONDIN (1987:37) afirma que Hegel tem a intenção de construir um sistema rigorosamente
científico, ou seja, um sistema que aproveite todos os dados inegavelmente adquiridos pelas
ciências, organizando-os de forma a extrair deles a história universal do Espírito Absoluto. É
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daí que ele precisa postular alguns princípios supremos pertencentes à esfera filosófica,
ultrapassando assim a esfera científica.

O “Princípio da identidade do ideal e do real”sustenta que tudo o que é racional é real e tudo o
que é real é racional. Pensamento e coisa não podem ser considerados como esferas opostas,
porque se assim fosse, a realidade seria incognoscível. Uma vez que o pensamento é capaz de
apreender as coisas, as leis da mente (da lógica) são também leis da realidade. Portanto, lógica
e metafísica são a mesma coisa.

O “Princípio de contradição” preconiza que na realidade não existe nada que seja idêntico a si
mesmo, mas que tudo está sujeito à dialéctica da afirmação e da negação. Seguidamente,
Hegel apresenta o princípio ontológico, que é o “Absoluto” (o Pensamento, a Ideia, a Razão, o
Espírito). O Absoluto não é senão a realidade suprema, origem de toda outra realidade. Os
dois princípios supracitados se realizam nele.

O ser do Absoluto consiste no produzir-se, no fazer-se aquilo que é. O ser do Absoluto é


actualidade, e não potência. O escopo do seu devir consiste em manifestar-se a si, não fora de
si. A história é a manifestação do Absoluto, a representação do divino, processo absoluto do
espírito, que nas formas mais altas atinge auto-consciência de si mesmo. Essas formas
constituem os espíritos dos povos.

Ademais, “mediação” “relação” e “historicismo” constituem outros princípios fundamentais


do sistema hegeliano. No concernente ao “princípio de mediação”, este afirma que o Absoluto
não se manifesta imediatamente, mas mediatamente. O Absoluto se apresenta, diz Hegel,
unicamente por meio de realizações parciais e progressivas.

No tocante ao “princípio de relação”, este assevera que se uma coisa não pode jamais ser
idêntica a si mesma, mas é concomitantemente também o seu oposto, existe, logicamente, uma
relação entre os dois momentos, positivo e negativo. Trata-se, pois, da relação interna, cuja
presença ou ausência transforma substancialmente a natureza da coisa. Na visão hegeliana,
“tudo na história tem significado apenas pela sua relação com algum facto geral e pela sua
ligação com ele: descobrir este facto chama-se compreender o seu significado” (Ibidem, p. 40).
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Enfim, o “princípio do historicismo” defende que toda a realidade se resolve na história. Fora
da história não existe nenhuma outra realidade e, por isso, a história e o Absoluto são uma e
mesma coisa: a história é a auto manifestação do Absoluto. A história é o devir do Absoluto.
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Considerações Finais

A dialéctica constitui o fundamento do pensamento hegeliano. A dialéctica hegeliana é


essencialmente o movimento do espírito. Ela constitui o método privilegiado para a
investigação do Absoluto. Sua característica comum é a presença de contraste (tese - antítese;
afirmação - negação); e sua novidade é o elemento especulativo (síntese). Assim, a dialéctica
desdobra-se em três momentos: tese, antítese e síntese.

Em Hegel, a fenomenologia do espírito é a ciência do Espírito enquanto fenómeno, enquanto


algo que se manifesta, numa expressão, ela é o estudo científico das diversas epifanias
(manifestações) do Espírito. O movimento do Espírito também apresenta a tríade dos
momentos da dialéctica: ser em si (tese); ser fora de si/ser outro (antítese); ser em si e para si
(síntese). Porém, o mesmo Espírito manifesta-se em quatro etapas: consciência,
autoconsciência, razão e Espírito.

Hegel é “panlogista” (reduz tudo ao pensamento) ou idealista por excelência. O seu idealismo
pode ser resumido na seguinte expressão: “o real é racional, e o racional é real”. Tudo é
pensamento; tudo é manifestação da Ideia ou do Absoluto. Somente pode considerar-se
verdadeira realidade a que realiza as demandas da razão.

Em Hegel, o Sistema é essencialmente a ciência do Absoluto. Ela é a ciência da auto-


manifestação do Absoluto, mediante as etapas triádicas da dialéctica: a “Ideia em si”, a “Ideia
fora de si” e a “Ideia em si e para si”. A investigação desta tríade fundamental desenvolve-se
em três componentes do sistema hegeliano: a Ideia em si é estudada pela lógica; a Ideia fora
de si é estudada pela filosofia da natureza; a Ideia em si e para si é estudada pela filosofia do
espírito.

Portanto, o sistema hegeliano significou a redução de toda a realidade às diversas epifanias da


Razão (Pensamento, Ideia, Espírito ou Absoluto). A sua dialéctica revolucionista deu sentido a
toda a espécie de acontecimento, bem como ao irracional: tudo na história tem sentido, mesmo
o mal, pois também está dentro do processo de exteriorização (alienação) e interiorização
(conscientização) da Ideia.
18

Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Vol. 9. 2ª edição. Lisboa, Ed. Presença, 1970.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na História: Uma Introdução geral à Filosofia
da História. 2ª edição. São Paulo, Centauro, 2001.

HRYNIEWICZ, Severo. Para Filosofar Hoje. 5ª edição. Rio de Janeiro, Edição do Autor,
2002.

MONDIN, Baptista. Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente. Vol. 3. 3ª edição. São


Paulo, Ed. Paulinas, 1987.

PRADEAU, Jean-François. História da Filosofia. 2ª edição. Petrópolis, Ed. Vozes, 2012.

REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo ao


Empiriocriticismo. Vol. 5. São Paulo, Ed. Paulus, 2005.
ii
19

Índice

Introdução....................................................................................................................................3
1. Vida e Obras de Hegel..........................................................................................................4
2. Os Escritos Juvenis e a Formação do Pensamento Hegeliano.............................................4
3. A Dialéctica Hegeliana.........................................................................................................6
4. Hegel e a Fenomenologia do Espírito..................................................................................8
5. O Sistema Hegeliano..........................................................................................................10
5.1. A Lógica.........................................................................................................................10
5.2. A Filosofia da Natureza..................................................................................................11
5.3. A Filosofia do Espírito....................................................................................................11
6. Princípios Fundamentais do Sistema Hegeliano................................................................14
Considerações Finais.................................................................................................................17
Bibliografia................................................................................................................................18

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