Você está na página 1de 16

Exame crítico da distinção de Kazuo Watanabe entre cognição sumária e cognição

exauriente.

Há um ponto extremamente curioso na doutrina processual, tanto nacional como estrangeira,


relativa à noção de “cognição judicial”. Muito se fala sobre os possíveis “objetos” da
cognição, bem como suas “modalidades”, Porém, o conceito em si de cognição jamais foi
submetido a uma análise minimamente detalhada. Mesmo assim, não é difícil depreender, dos
próprios termos da doutrina tradicional ao tratar dos temais costumeiros mencionados, um
conceito claro de “cognição”, que ela própria, embora implícita e “inconscientemente”,
emprega.

Preliminarmente, como toda palavra terminada em ‘ão’, o termo ‘cognição’ padece de uma
ambiguidade típica e, bem observada, inofensiva: a ambiguidade entre “processo” e
“produto”. Quer dizer, tanto se utiliza ‘cognição’ para se referir a um certo processo,
qualquer que seja ele, como para se referir ao produto desse processo, qualquer que seja ele.
Agora, é unânime a doutrina em afirmar que o juiz “conhece” de (pelo menos) três ordens
distintas de questões, o que é o mesmo que dizer que a cognição judicial pode ter como
objeto questões de três ordens: aquelas relativas aos pressupostos processuais, às condições
da ação e ao mérito. Nessa ordem, vale lembrar a definição clássica de “questão”, como
“ponto controvertido, de fato e de direito”, enquanto “ponto controvertido” é, por sua vez,
caracterizado como duas (ou mais) alegações relativas a “fatos” ou “direito”.
Vale observar que ao se dizer que o juiz “conhece”, já se está enfatizando a “cognição-
processo”. Ademais, já se está também pressupondo que este “processo” é “interno”, que ele
se dá, de alguma forma, na “mente” do juiz, embora deva tomar como base elementos
publicamente produzidos no processo. Já o resultado desse processo, embora também interno,
quando da conclusão do processo, deve ser tornado público, através de um ato processual –
uma decisão do juiz. De qualquer maneira, a “crença-produto” também é, primária e
primeiramente, uma ocorrência interna ou mental ou psicológica, relativa ao juiz, justamente
por ser a conclusão de um processo igualmente interno, mental ou psicológico.
Nessa perspectiva, o que significa dizer que o juiz “conhece” uma das questões mencionadas,
e qual seria o “produto” (a “cognição-produto”) dessa “cognição-processo”, uma vez firma a
premissa que ambas – cognição-produto e cognição-proceso se situam na esfera interna ou
psicológica do juiz? Ora, em se tratando das questões de fato, a resposta é trivil e sendo até
referida no texto do CPC: ao decidir uma questão de fato, o juiz forma um “convencimento”
sobre qual das alegações de fato controvertida é a verdadeira – ou há maior fundamento para
ser considerada verdadeira. Portanto, no que diz respeito à cognição quanto às questões de
fato, tem-se que a “cognição-produto” consiste num convencimento sobre a verdade de certa
alegação (fundado num convencimento sobre as provas que ambas as alegações
controvertidas).
E o que dizer sobre as demais questões? Não há razão para se postular que a cognição-
produto, enquanto primária e primeiramente ocorrência interna, fruto de uma processo
igualmente interno, seja diversa, nas demais hipóteses. Assim, também diante de duas
alegações controvertidas sobre a melhor interpretação de um texto legal, ou sobre a
subsunção ou não de fato alegado por uma das partes, como também sobre estarem ou não
presentes as condições da ação ou os pressupostos processuais, é impossível, à luz da própria
natueza humana, que o juiz, para decdir (publicamente) tais questões, não forme, íntima e
internamente, em sua esfera psicológica, um “convencimento” sobre a solução correta da
controvérsia, ou seja, sobre a interpretação correta, sobre ser ou não subsumível determinado
fato alegado, na norma invocada, sobre esta ou não presente esta ou aquela condição da ação,
este ou aquele pressuposto processual.
Registre-se que quanto a isso, não é minimamente relevante os elementos que servem a
justificar tais convencimentos, em cumprimento ao disposto no art. 489 e 371 do CPC, ou
seja, se se trata de argumentos probatórios ou hermenêuticos, como também o “grau” de
justificação exigida pela lei. O único que importa é que, em qualquer caso, o que se impõe
justificar é, nada mais, nada menos, do que o “convencimento” do juiz formado pelo seu
processo de formação interno, ou seja, o que se impões justificar é a “cognição-produto”,
fruto da “cognição-processo”.
Nessa ordem, a distinção aqui estabelecida entre cognição-processo e cognição-
produto é de grande relevância para estabelecer uma correlação mais precisa entre “cognição”
e “fundamentação da decisão judicial”. O conceito obscuro de “cognição”, corrente na
doutrina, não permite perceber tal correlação, de modo que se tenha a exata compreensão de
que, afinal, há algo na “cognição” que deve ser fundamentado e algo que, na perspectiva da
lei processual, é inteiramente irrelevante. Com efeito, a cognição-produto, o
“convencimento” ao qual chega o juiz, em decidindo qualquer questão, deve ser
fundamentado, enquanto é irrelevante, na perspectiva da lei processual, a cognição-processo.
Tudo isso tem grande impacto na igualmente clássica distinção entre “cognição sumária x
cognição exauriente”, com referência à qual a doutrina tem procurado (sem êxito, como se
verá) definir noções como “fumus boni iuris” e, agora, “probabilidade”
Aliás, registre-se que a mesma doutrina, incorrendo numa tautologia, também busca definir a
própria noção de “cognição sumária”, recorrendo às noções de fumus boni iuris, e
probabilidade.
A insuficiência da doutrina quanto a essa temática é geral, dizendo respeito tanto à doutrina
nacional, como à estrangeira. Aqui se vai tomar como referência, inicialmente, tão somente a
obra de Watanabe, seja porque se trata, até onde se sabe, da única obra monográfica sobre o
assunto, seja por ser uma obra de ampla aceitação.
Watanabe identifica várias categorias de cognição judicial, além das três tradicionais já
mencionadas, com base em dois critérios, metaforicamente denominados por eles de
“planos”. Assim, no “plano” ZZZ (ou melhor, a luz de determinado critério) a cognição se
subdivide em XXX e YYY. Já na perspectiva do “plano” VVV (ou melhor, a luz de
determinado critério), a cognição judicial é classificada como BBB ou HHH. Em seguida, ele
superpõe tais critérios para gerar, diversas outras categorias mais específicas.
No presente texto, apenas será analisada as categorias da “cognição sumária” e da “cognição
exauriente”, por motivos óbvios.
A conhecida obra de Kazuo Watanabe sobre a cognição judicial angariou grande fortuna e
reconhecimento na doutrina nacional. Daí a importância de se realizar um exame crítico dela
mais atento, uma vez que seus pontos de vistas são amplamente aceitos e reproduzidos.
Watanabe categoriza as múltiplas modalidades de cognição judicial com o recurso a dois
critérios distintos, mas passíveis de serem superpostos, a saber: o plano horizontal e o plano
vertical. No plano horizontal as cognições se distinguem em razão de terem por objeto
quaisquer questões - cognição ampla – ou questões de um determinado tipo apenas, vedado o
exame de outras questões - cognição superficial.
Já as cognições exauriente e sumárias são diferenciadas na perspectiva do critério que
Watanabe denomina “plano vertical”, segundo o qual as cognições podem ser mais ou menos
“profundas”.
Tais critérios, considerados em abstratos, não deixam de ser úteis, se e na medida em que
sejam adequadamente definidos. Ocorre que, enquanto o critério da horizontalidade é
definido satisfatoriamente por Watanabe [Impõe-se observar, todavia, que tal critério,
justamente porque bem definido, se mostra inútil, na medida ele não seleciona “categorias”
de atividade cognitiva do juiz, em sentido próprio, mas sim especializações de procedimentos
ou módulos processuais. Isso, todavia, não constitui objeto da presente investigação, não
cabendo mais do que fazer este breve registro]1 , o critério da verticalidade, justamente aquele
que mais interessa ao presente trabalho e o que mais carece de definição adequada, não
recebe o tratamento devido por parte deste autor.
Dizer de tal cognição do juiz que ela é “profunda” e que outra é “menos profunda” que a
primeira é, indiscutivelmente, um linguajar metafórico. A cognição judicial não é,
certamente, o tipo de coisa do qual se possa predicar, de maneira literal, ser ou deixar de ser
“profunda”, nem “rasa”, em qualquer “grau” que seja.
Há de se reconhecer que o uso de um linguajar metafórico na compreensão teórica dos
fenômenos jurídicos - e mesmo nas ciências duras como a física - não é, em si mesmo, um
problema. Pense-se, por exemplo, na metáfora do “peso”, com a qual se tem tratado, com

1
[Impõe-se observar, todavia, que tal critério, justamente porque
bem definido, se mostra inútil, na medida ele não seleciona
“categorias” de atividade cognitiva do juiz, em sentido próprio, mas
sim especializações de procedimentos ou módulos processuais.
Isso, todavia, não constitui objeto da presente investigação, não
cabendo mais do que fazer este breve registro]
êxito, o problema da relevância maior ou menor de um princípio em relação a outro.
Princípios, obviamente, não possuem, nem deixam de possuir, “peso” em sentido literal. Mas
quando se fala que um princípio tem maior peso do que outro, se sabe exatamente o que se
está dizendo, ainda que uma afirmação dessa possa ser (e costuma ser) objeto de intensas
controvérsias: se está a dizer que tais princípios, quando comparados na perspectiva de certos
atributos, são tais que um deles (de “maior peso”), num caso concreto, deve ser realizado, em
detrimento do outro (de “menor peso”). Assim, o uso de um linguajar metafórico é
perfeitamente legítimo, desde que se tenha uma compreensão específica do significado de tal
linguajar, em termos literais.
Feita essa observação, indaga-se: exatamente a que se está referindo, quando se fala em
“cognição profunda” ou “cognição mais ou menos profunda do que outra”? Como traduzir
estas metáforas, em termos mais objetivos e literais? Essas são questões cruciais, para as
quais não se encontra respostas minimamente satisfatória na obra de Watanabe, como
também na dos que o seguem, quanto a este ponto. E sem essa definição, cai por terra a
tentativa de distinguir a cognição sumária da cognição exauriente através do critério da maior
ou menor “profundidade”.
É verdade que Watanabe, mesmo sem definir expressamente a noção de “profundidade” da
cognição, nem na caracterização da cognição exauriente, nem naquela da cognição sumária,
cuida de dar uma definição de cognição sumária, agora em termos do costumeiro recurso à
noção de “probabilidade”. Contudo, também aqui o resultado é tão insatisfatório quanto
aqueles alcançados por outros autores.
O autor em tela limita-se a fazer uma compilação breve de algumas opiniões doutrinárias,
todas ultrapassadas pela nova literatura quanto a essa temática, em epistemologia, teoria da
probabilidade e direito probatório, de modo inteiramente acrítico. Sua contribuição limita-se
ao seguinte:
1. Reconhecer que a probabilidade possui graus
2. Negar que o grau máximo de probabilidade seja compatível com a cognição do
direito deduzido em juízo para fins de concessão de medidas urgentes
3. Afirmar que todos os outros (médio e mínimo) graus de probabilidade “estão
presentes” na cognição sumária.
Todavia, Watanabe não esclarece, minimamente, o que se deve entender por “graus de
probabilidade”, como se distinguiriam tais “grandezas”, com base em que elas seriam
mensuradas e, principalmente, qual seria o grau de probabilidade necessário e suficiente a ser
alcançado, na cognição sumária, como condição para a concessão de tutela de urgência.
Dessa forma, apesar dos esforços, a contribuição desse autor é tão inconclusiva quanto as
outras referidas anteriormente.

Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos:
horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade).
No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em
exauriente (completa) e sumária (incompleta).

Na classificação acima apresentada, o vocábulo “sumária” ficou reservado, unicamente, à


cognição superficial que se realiza em relação ao objeto cognoscível constante de dado
processo. Portanto, traduz a ideia de limitação no plano vertical, no sentido da profundidade.
Cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical.

Watanabe sustenta que as modalidades de cognição judicial se distinguem à luz de dois


critérios distintos, mas que também se sobrepõem. Tais critérios são por ele denominados
“plano horizontal” e “plano vertical”. Segundo o primeiro, as modalidades de cognição se
diferenciam em função da amplidão do debate entre as partes, se limitado de alguma forma
pela lei, ou se ilimitado. Sendo o segundo, as modalidades de cognição se diferenciam em
função “verticalidade” da cognição, ou seja, se elas são mais “profundas” ou mais
“superficiais”.
Porém, urge indagar: exatamente o que é categorizado com a classificação de Watanabe:
processos ou produtos? É dizer: é o processo de cognição do direito subjetivo pelo juiz, que
se classifica ao longo dos planos horizontal e vertical, ou o produto desse processo? Qualquer
que seja a opção, como ela influencia na outra, ou seja: se for o processo, o que se extrai daí
para o produto?
Essas são questões cruciais, para as quais não se encontra resposta nem na obra de Watanabe,
nem daqueles que a adotam como referencial teórico.
Ademais, os próprios termos da classificação de Watanabe se mostram bastante obscuros e
mesmo contraditórios. Por exemplo, as categorias relativas ao “plano horizontal” são
inteiramente dispensáveis. Em primeiro lugar, observe-se que os exemplos que Watanabe
oferece, de situações em que o “debate das partes é limitado pela lei”, não se descreve bem,
em absoluto, como limitação de “debate”, ao menos quando pelo termo ‘debate’ se
compreenda algo próximo a seu sentido comum.
Com efeito, por ‘debate’ não se pode entender outra coisa (não sem uma redefinição explícita
do termo, o que não faz Watanabe) que uma “atividade”, em que duas ou mais pessoas
controvertem em torno a algum ponto, alguma proposta, alguma opinião etc. No campo
processual, a noção de debate não pode ser outra coisa que a atividade dos litigantes de,
exercendo as múltiplas possibilidades de participação e influência no resultado final do
processo, asseguradas pelo contraditório, controverterem sob os mais diversos pontos.
Ora, analisando-se as normas aplicáveis, em nenhum dos casos apontados por Watanabe
como exemplo de “imposição de limitação ao debate das partes”, se verifica tal limitação. Em
todos eles, o exercício do contraditório – que é o que seria lícito compreender como
“limitação do debate” – não sofre nenhuma restrição legal. O que ocorre, nos exemplos de
Watanabe, é uma especificação do objeto do debate. Sobre os objetos dos procedimentos
especiais apontados, o debate, enquanto atividade processual, é pleno, sem qualquer restrição.
Agora, a delimitação da matéria passível de discussão neste ou naquele procedimento
especializado, é uma questão de opção política do legislador e, rigorosamente, nenhuma
implicação traz para a cognição judicial, como quer que ela seja compreendida: qualquer que
seja o conceito de cognição, como processo ou como produto, pouco importará a matéria
específica sobre a qual ela verte. Dessa forma, essa classificação proposta por Watanabe se
mostra inteiramente irrelevante, pois nada se extrai, quanto à compreensão da cognição
judicial, se ela tem como objeto matérias dedutíveis no processo comum, ou aquelas
específicas de cada processo, procedimento ou ação especializada.
Por outro lado, a distinção entre cognição sumária e exauriente (ou plena), que ele oferece, se
mostra bastante útil na compreensão do ordenamento processual. Contudo, as noções de
“profundidade” e “superficialidade” de cognição não permitem, a bem da verdade, oferecer
nenhuma descrição minimamente plausível de fenômenos concretos, uma vez que sem uma
indicação minimamente precisa destas noções, jamais se poderá saber se uma determinada
“cognição” foi suficientemente profunda, como deveria ser, ou suficientemente “superficial”,
como, por outro lado, deveria ser.
Com efeito, Watanabe procura definir a cognição sumária, não sem algumas obscuridades, de
modo a associá-la à noção de probabilidade. Invoca a lição de Malatesta, que diferencia entre
probabilidade mínima, média e máxima. Contudo, Watanabe não fornece a mínima análise do
conceito de probabilidade, do que se deve entender por tal noção, de modo a que se possa ao
menos ter uma compreensão geral sobre o que está sendo afirmado, quando se fala em
probabilidade mínima, média ou alta. Da mesma forma, não oferece nenhum critério
mediante o qual se possa distinguir entre os três graus de probabilidade.
Enfim, afirma que no art. 273 do CPC/73, quando se fala em “verossimilhança”, e no art.
XXX da L. YYY, quando se fala em “verossímil”, ambas querem dizer “probabilidade alta”
sem oferecer, como tinha o dever epistêmico de oferecer, nenhuma justificativa para tal
afirmação. E o pior é que, além de arbitrária, tal afirmação é inteiramente vazia e impossível
de ser verificada, enquanto não se tenha um critério para distinguir os graus de probabilidade
indicados.

No direito brasileiro, temos alguns dispositivos de lei que acolhem as


terminologias “verossimilhança” (art. 273 do CPC) e “verossímil” (art. 6o,
VIII, do CDC), em que esses vocábulos são utilizados no sentido de
probabilidade elevada de ser verdadeiro, não no de probabilidade mínima.

A afirmação é verossímil, mas inteiramente arbitrária, uma vez que o autor não
fornece nenhuma justificativa para ela.
É de se notar que Watanabe ignora a vasta literatura sobre probabilidade, inclusive obras de
grande fortuna, como a Prova Civil, de Michele Taruffo. Embora o recurso à autoridade seja
inevitável na ciência jurídica, Malatesta não pode, em absoluta, ser considerado autoridade
sobre uma matéria que tanto evoluiu depois dele.
Como quer que seja, é plausível que a obra de Watanabe, mesmo sem resolver minimamente
o problema da determinação dos critérios a serem observados pelo juiz na cognição do direito
que o autor alega ter e que alega estar ameaçado, tenha influenciado o legislador de 2015,
para substituir a tradicional referência a “direito”, pela expressão ‘probabilidade do direito’.

È tradicional, na doutrina brasileira, reconhecer que a cognição do juiz pode ter como objeto
questões de três ordens distintas: condições da ação, pressupostos processuais e mérito.
Superpondo esta diferenciação à classificação de Watanabe se percebe, claramente, sérias
definições desta última.
Com efeito, não é correto afirmar que a cognição relativa às condições da ação é exauriente,
pela simples razão de ela também não ser sumária. Da mesma forma, ela não é ampla, porque
não é limitada. A cognição dessas questões é o que ela é e se faz de uma só forma, nem
exauriente, nem limitada, nem ampla, nem limitada. Ela não se enquadra, portanto, em
nenhuma das categorias de Watanabe. E exatamente o mesmo se impõe concluir quanto à
cognição dos pressupostos processuais.

Resta examinar, enfim, como se comportam as categorias de Watanabe, quando se toma em


consideração a cognição do juiz sobre o mérito. Apenas aqui, na realidade, tais categorias
encontram o seu ambiente “natural” de aplicação.
No âmbito do mérito é onde, prototipicamente, se reconhece a complicada e debatida
distinção entre “questões de fato” e “questões de direito”. Tal distinção, por inservível que
possa ser como critério absoluto, tem a sua razão de ser na própria ontologia dos direitos
subjetivos.

Em princípio, questões de direito também não admitem duas formas de cognição. O que
ocorre, em significativo número de casos, é que ela é complexa e pode demandar um lapso
temporal de tempo e, inclusive, de argumentação pelas partes, para ser decidida. Quando este
não for o caso, ela pode mesmo ser decidida de plano.
Já no que diz com as questões de fato, a situação é inversa. Salvo a hipótese de fatos
incontroversos e fatos notórios, o deslinde de uma questão de fato desafia a realizaçãode
atividade probatória. É justamente quanto à questão de fato que caba falar de uma cognição
exauriente ou de uma cognição sumária.
O critério geral que Watanabe utiliza para caracterizar sua oção de “plano vertical” é, por um
lado, equivocado, e por outro, obscuro. É equivocado ao considerar que a cognição relativa às
condições da ação e os pressupostos processuais podem ser objeto de cognição exauriente ou
cognição sumária, quando isso não é verddeiro. É obscura na medida em que, sendo as
questões relativas ao mérito as únicas que podem ser objeto quer de uma cognição exauriente,
quer de uma cognição sumária, e tendo ainda definido o mérito, nos termos da doutrina
tradicional, tanto as “questões de fato”, como as “questões de direito”, não cuidou de
especificar as eventuais diferenças que podem existir – e existem – entre “cognição
exauriente/sumária sobre questões de fato” e “cognição exauriente/sumária sobre questões de
fato”.
É à análise e esclarecimento desse ponto que se volta o presente trabalho.
“Questões de fato” é noção sabidamente complexa e vaga. Mesmo naquilo que ela tem de
mais incontroverso, ela é complexa: a impugnação da ocorrência do fato constitutivo do
direito deduzido em juízo, a alegação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito, a impugnação de um fato cuja ocorrência é pressuposto lógico para a existência do
direito deduzido em juízo, alegações sobre a suspeição de uma testemunha, todas elas se
enquadram, não problematicamente, no conceito de “questões de fato”.
“Questões de direito” é, da mesma forma, noção complexa e sabidamente ambígua, mesmo
naquela que pode ser dita como sua “zona de clareza”: questões sobre a constitucionalidade
de determinada norma, sobre a norma aplicável ao caso, numa situação de antinomia, em
particular no contexto do direito intemporal, qual é a norma “mais correta” a se extrair de
determinado texto legal, qual o alcance de determinada norma, no sentido de estabelecer se
um fato alegado se enquadra ou não dela (hipótese que, rigorosamente, se resolve na
anterior), são todas elas questões de direito.
Admitindo a premissa que a cognição dessas questões tanto pode ser exauriente, como
sumário, parece razoável prever que tais “modos de cognição”, como diz Watanabe,
apresentariam diferenças relevantes. Mais precisamente, tomando a noção de “cognição
sumária” como aquela carecedora de uma definição adequada, até agora não fornecida pela
doutrina, é de se supor que a cognição sumária das questões de fato e aquela das questões de
direito apresentam diferenças marcantes. O exame dessas diferenças é o que se faz a seguir.

Mas a importância da cognição não decorre somente desse fato. Resulta ela muito mais da
própria natureza da atividade do juiz, que para conceder a prestação jurisdicional precisa,
na condição de terceiro que se interpõe entre as partes, conhecer primeiro das razões (em
profundidade, ou apenas superficialmente, ou parcialmente, ou definitivamente, ou em
caráter provisório; tudo isso se põe no plano da técnica de utilização da cognição) para
depois adotar as providências voltadas à realização prática do direito da parte. E decorre
também da intensa utilização que o legislador dela faz para conceber procedimentos
diferenciados para a melhor e efetiva tutela de direitos.

Também hoje o termo “cognição” é empregado para designar o próprio processo, e não
apenas a atividade do juiz. Nesse sentido é que se usa a expressão “processo de
conhecimento” ou “processo de cognição” (v. ns. 7 e 10). Mas o termo é utilizado também
para indicar a natureza da atividade do órgão judiciário e é nessa acepção que será
analisado ao longo deste trabalho.

Critica Pontes de Miranda a sinonímia entre “cognição” e “conhecimento”, advertindo que


isso equivaleria a não distinguir “descobrimento” de “descoberta”[54]. A verdade, porém, é
que a equiparação é de uso correntio e pouco alcance prático haveria em se estabelecer a
diferenciação. Mesmo examinando-se o resultado, que seria a descoberta, haveria sempre a
necessidade de se examinar o iter que o antecede, que é o descobrimento, e vice-versa, e
no estudo da “cognição” interessam ambas as perspectivas. Relevância maior está na
distinção entre cognição como iter ou mecanismo e como resultado, e o ato consequente,
que é o judicium (juízo)[55] ou o decisum[56], isto é, o julgamento. 12. Conceito de cogniç

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e


valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as
de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do
judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo. “O juízo – observa Frederico
Marques – é fruto e resultado, sobretudo, da cognição do juiz, o que vale dizer que o
elemento lógico e intelectual constitui o seu traço predominante e fundamental.”

Ao longo de toda a exposição, ‘cognição’ é termo utilizado para designar um processo, “uma
atividade intelectual”, que deságua num juízi.
Contudo, ao abordar as modalidade de “cognição”, o mesmo termo é, claramente, utilizado
para designar o “produto”.

“Cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical”


Por meio dela se busca, no dizer de Calamandrei, “un giudizio di probabilità e di
verosimiglianza”

A probabilidade e a verossimilhança têm graus.


Em matéria criminal, Malatesta estabelece a seguinte graduação: relativamente a
determinado objeto, é possível uma mínima probabilidade, que denomina verossímil, uma
probabilidade média, que chama de provável, e a probabilidade máxima, que seria o
probabilíssimo[185]. Hernando Devis Echandía fala em graus de eficácia probatória e adota
a mesma classificação de Malatesta, lembrando que esse autor adverte
“que es más correcto hablar de credibilidad que de posibilidad o de verosimilitud, y que
‘verosímil no es lo que puede ser verdad real, sino lo que tiene apariencia de serlo, no lo que
se nos presente simplemente como posible, sino lo que, por razones más o menos
determinadas, nos inclinamos a creer que es real’; por lo cual hace coincidir la verosimilitud
con el primer grado de la probabilidad, que tiene tres: lo verosímil, lo probable y lo
probabilísimo”[186
Dizer que a “a probabilidade tem graus” ainda não é dizer muita coisa. Afinal, o que,
exatamente, seria objeto de alguma “gradação”?
Por exemplo,Echandia é mais específico sobre o tema, ao sustentar que o objeto da gradação,
a que se referiria que afirma que a probabilidade tem graus, é a eficácia probatória.

A convicção do juiz, na cognição sumária, apresenta todos esses graus. Deve haver
adequação da intensidade do juízo de probabilidade ao momento procedimental da
avaliação, à natureza do direito alegado, à espécie dos fatos afirmados, à natureza do
provimento a ser concedido, enfim, à especificidade do caso concreto. Em razão da função
que cumpre a cognição sumária, mero instrumento para a tutela de um direito, e não para a
declaração de sua certeza, o grau máximo de probabilidade é excessivo, inoportuno e inútil
ao fim a que se destina

No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em
exauriente (completa) e sumária (incompleta).

De sorte que, segundo a nossa visão, se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é
horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à
profundidade. Seria, então, cognição ampla em extensão, mas sumária em profundidade.

Uma distinção fundamental entre a decisão de questões de fato e a decisão de questões de


direito, diz respeito à natureza e à complexidade da atividade processual necessária, ou
melhor, normativamente exigida para preparar cada uma delas. Assim, para resolver uma
questão de direito, é suficiente, para atender ao contraditório, a realização de poucos atos
processuais: petição inicial, contestação, réplica, ou ainda, no que diz com os recursos,
apresentação de razões e contrarrazões. Já para resolver uma questão de fato, o contraditório
exige a produção de provas, as quais, à exceção da hipótese de provas documentais
relativamente simples, pode consistir numa atividade de grande complexidade, a ser
desenvolvida num lapso temporal longo.

Assim, há que se fazer a distinção entre critérios de probabilidade no que diz com a decisão
relativa às questões de direito (cf. a concessão de efeito suspensivo a recurso no STJ, onde a
matéria é sempre de direito), e os critérios de probabilidade no que diz com a decisão relativa
às questões de fato.

O caso prototípico em que surge a mora processual e para o qual se faz necessário verificar
sua existência, em particular no que diz com a probabilidade da existência do direito
deduzido em juízo, é aquele em que a questão de fato se mostra predominante.
Sobre o conceito de cognição judicial, diz Watanabe, inicialmente, o seguinte:
A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar
as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que
são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento
do objeto litigioso do processo. “O juízo – observa Frederico Marques – é fruto e resultado,
sobretudo, da cognição do juiz, o que vale dizer que o elemento lógico e intelectual constitui o seu
traço predominante e fundamental”.

Como daí se vê, Watanabe reconhece a distinção entre “cognição-processo” – que seria o
“ato de inteligência” – e a “cognição-produto” – que corresponderia ao “alicerce, o
fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”. Nenhuma dessas
noções, lamentavelmente, cuida o autor de oferecer uma análise adequada. Menos ainda,
como se verá, Watanabe esclarece, ao longo de sua obra, de qual delas está tratando, ao
empregar o termo ‘cognição’, ao longo de sua obra.
É certo que Watanabe reproduz várias considerações de outros autores sobre a “cognição-
processo”, todas elas no sentido de evidenciar a “complexidade” da cognição processo, no
sentido de envolver, rigorosamente, a realização de vários atos, de ordens distintas. É o que
faz, por exemplo, quando invoca o magistério de Liebman:

Tais opiniões, todavia, devem ser reconhecidas como inteiramente superadas pelo que se
sabe, atualmente, tanto no que diz aos processos cognitivos, à luz da psicologia cognitiva e
das ciências cognitivas, disciplinas que têm tais processos como seus objetos específicos –
quanto no que diz com a lógica e a teoria da argumentação, as quais refutam a concepção
ingênua no sentido de que se possa falar em “deduções lógicas” na fundamentação de uma
decisão judicial e menos ainda, obviamente, no âmbito dos processos cognitivos.
Como quer que seja, quanto à cognição-resultado, Watanabe diz menos ainda. Basicamente,
diz ele o seguinte:
A cognição está voltada à produção do resultado final, que é a decisão ou o provimento jurisdicional.
Ao longo do iter percorrido, o magistrado enfrenta e resolve inúmeras questões de fato e de direito,
e o esquema do silogismo final e os aspectos mais importantes para a justificação lógica da
conclusão última devem ficar expressos na “motivação”

Invoca, ainda, a lição de Botelho de Mesquita:


A natureza da motivação, anota Botelho de Mesquita, “é a de um juízo lógico que reproduz na
sentença a conclusão formada na mente do juiz sobre o material da causa”, e sua função “é a de dar
vida às condições necessárias à resolução da lide, ou, mais especificamente, à prolação do comando”

De qualquer maneira, apesar das insuficiências apontadas, o ponto de interesse, aqui, é que
Watanabe, mesmo sem utilizar tais termos, distingue entre “cognição processo”, ou seja, o
“ato de inteligência”, e a “cognição-produto”, isto é, o “juízo”. Esse é um ponto de grande
importância para a crítica que se fará a seguir da distinção entre cognição sumária e cognição
exauriente, estabelecida por este autor, e adotada por boa parte da doutrina.

Importante notar que antes de apresentar suas classificações para a cognição judicial, e até
como preparação para isso, Watanabe relembra a clássica lição da doutrina processual que
distingue três ordens de questões passíveis de ser objeto da cognição judicial. O ponto de
relevo, aí, é que tais questões são objeto da cognição-processo, algo que se reflete,
claramente, nos próprios termos com que Watanabe discorre sobre o assunto.
Em seguida, Watanabe vale-se da noção de “planos” – a qual não resulta definida – para
efetuar duas classificação distintas, cada uma delas relativa a um “plano” igualmente distinta:
o que ele denomina “plano horizontal” e o que ele denomina “plano vertical”, o que faz nos
seguintes termos:

Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos:
horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição
tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capítulo precedente
(trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive questões de mérito;
para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação; para Celso Neves: quadrinômio,
distinguindo pressuposto dos supostos processuais). Nesse plano, a cognição pode ser plena
ou limitada (ou parcial), segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode
ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária
(incompleta).

De início, confirma-se que aquilo que está sendo categorizado, com tais classificações, é a
cognição-processo: no caso do plano horizontal, a extensão da atividade cognitiva quanto às
questões possíveis, se ilimitada ou limitada; no caso do plano vertical, a extensão da atividade
cognitiva, quanto à sua “profundidade”, o que quer que isso signifique, coisa que Watanabe,
lamentavelmente, não define.
Aqui interessa a distinção entre cognição sumária e exauriente.

Afinal, um “ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as


provas produzidas pelas partes” ( a cognição, como define Watanabe) não é, por óbvio, o tipo
de coisa que possa, literalmente, ser “profundo” e nem ser “superficial”. Incumbiria a
Watanabe prover um maior esclarecimento dessas metáforas, por ele utilizadas. Isso, todavia,
ele não o faz nem direta e nem satisfatoriamente.
Com efeito, ao discorrer sobre as várias combinações possíveis das quatro categorias de
cognição que ele identifica, Watanabe, sistematicamente, quer quanto à cognição exauriente,
quer quanto à cognição sumária, se limita se referir a elas nesses mesmos termos metafóricos
e, à falta de maiores explicações, incompreensíveis.2 Contudo, No tocante à cognição
exauriente, ele faz uma ligeira alusão, também sem o tratamento conceitual que era de se
esperar, de uma “associação” entre esta modalidade de cognição e a “certeza” quanto ao
direito:
Em linha de princípio, pode-se afirmar que a solução definitiva do conflito de
interesses é buscada por provimento que se assente em cognição plena e
exauriente, vale dizer, em procedimento plenário quanto à extensão do debate das
partes e da cognição do juiz, e completo quanto à profundidade dessa cognição.
Decisão proferida com base em semelhante cognição propicia um juízo com índice de
segurança maior quanto à certeza do direito controvertido[159], de sorte que a ela o
Estado confere a autoridade de coisa julgada.

Daí se infere, pelo menos, duas coisas, a título de definição das noções cognição exauriente e
cognição sumária:
1) A cognição exauriente é aquela cognição-processo que propicia, como decisão-
produto, (uma decisão que propicia) um juízo com índice de segurança maior quanto à
certeza do direito controvertido.
2) A cognição sumária é aquela cognição-processo que propicia, como decisão-produto,
(uma decisão que propicia) um juízo com índice de segurança menor quanto à certeza
do direito controvertido.
Agora, como mensurar o “índice de segurança quanto à certeza do direito controvertido”? Ou
melhor, tal índice, que pode ser maior ou menor, é índice de que? Como se deixa analisar de
modo minimamente claro, a noção de “índice de segurança quanto à certeza do direito
controvertido”? Sem essa análise, sequer se pode cogitar, óbvia e racionalmente, de indagar
como se realiza essa mensuração e qual a natureza dos critérios a serem utilizados para tanto.
Forçoso reconhecer que, sem algum esclarecimento dessas noções, todo o discurso doutrina
se reduz a uma cortina de fumaça retórica, incapaz de ar qualquer apoio, de prover qualquer
subsídio para decisões racionais dos juízes, bem como da oferta das respectivas impugnações
pelas partes.

Seja como for, sendo isso tudo o que Watanabe diz sobre cognição exauriente – além de
repetir, como um mantra, que ela é “profunda” – cumpre examinar o que ele diz sobre
cognição sumária, o que era de se esperar ser algo mais substancial, tendo em vista que há um
tópico de sua obra inteiramente dedicado a ela.
Cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical.
2
“De sorte que, segundo a nossa visão, se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é
horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à
profundidade. Seria, então, cognição ampla em extensão, mas sumária em profundidade.” (p.) “Porém, se a
cognição é eliminada “de uma área toda de questões”, seria limitada quanto à extensão, mas se quanto ao
objeto cognoscível a perquirição do juiz não sofre limitação, ela é exauriente quanto à profundidade. Ter-se-ia,
na hipótese, cognição limitada em extensão e exauriente em profundidade.” (p.) “Na classificação acima
apresentada, o vocábulo “sumária” ficou reservado, unicamente, à cognição superficial que se realiza em
relação ao objeto cognoscível constante de dado processo. Portanto, traduz a ideia de limitação no plano
vertical, no sentido da profundidade.”
E acrescenta:
Por meio dela se busca, no dizer de Calamandrei, “un giudizio di probabilità e di
verosimiglianza”.Aqui se tem uma definição – ou um princípio de definição – de cognição sumária: é
aquela por meio da qual se busca um “juízo de probabilidade”.

Em seguida, observa que “A probabilidade e a verossimilhança têm graus.”

Após citar várias opiniões sobre probabilidade e verossimilhança, assim conclui Watanabe:

Os magistérios, como se vê, não são unívocos quanto às terminologias adequadas e à significação de
cada uma delas.

No direito brasileiro, temos alguns dispositivos de lei que acolhem as terminologias


“verossimilhança” (art. 273 do CPC) e “verossímil” (art. 6 o , VIII, do CDC), em que esses vocábulos
são utilizados no sentido de probabilidade elevada de ser verdadeiro, não no de probabilidade
mínima.

São, portanto, mais adequadas, para o nosso direito, as terminologias utilizadas por Calamandrei.

A convicção do juiz, na cognição sumária, apresenta todos esses graus. Deve haver adequação da
intensidade do juízo de probabilidade ao momento procedimental da avaliação, à natureza do
direito alegado, à espécie dos fatos afirmados, à natureza do provimento a ser concedido, enfim, à
especificidade do caso concreto. Em razão da função que cumpre a cognição sumária, mero
instrumento para a tutela de um direito, e não para a declaração de sua certeza, o grau máximo de
probabilidade é excessivo, inoportuno e inútil ao fim a que se destina.

É de se observar que, embora no início de sua breve exposição, Watanabe tenha se referido à
“probabilidade” – ou melhor, ao “juízo de probabilidade” – como o resultado da cognição, ou seja,
como cognição-produto, na terminologia aqui introduzida, em sua conclusão ele se refere à
probabilidade, de modo confuso, como uma qualiade ou atributo da cognição, enquanto “ato”, ou
seja, da cognição-processo.

Do que se extrai da obra de Watanabe, sobre a cognição sumária, resume-se ao seguinte:

A cognição conduz (ou produz) um juízo de probabilidade.

A probabilidade tem graus.

A probabilidade em grau máximo não se coaduna com a finalidade da cognição sumária.

A cognição sumária conduz a um juízo de probabilidade de grau médio ou de grau mínimo

Quem fala em “grau”, fala em grau de alguma “grandeza”.


Assim, cumpre indagar:
Que tipo de grandeza diria respeito a “probabilidade”, que pode ter diversos graus?
Que tipo de “medida”, consiste um “grau de probabilidade”?
Em que consiste a atividade de identificar e diferenciar diferentes graus de probabilidade?
Com base em que critérios tal diferenciação é de ser feita?

Tais questões se aplicam, obviamente, ao caso da noção de “probabilidade do direito”,


unanimemente reconhecida pela doutrina como possuindo “graus”:
Que tipo de grandeza diria respeito a “probabilidade do direito”, que pode ter diversos graus?
Que tipo de “medida”, consiste um “grau de probabilidade do direito”?
Em que consiste a atividade de identificar e diferenciar diferentes graus de probabilidade do
direito?
Com base em que critérios tal diferenciação é de ser feita?

Por mais difícil que seja realizar a “mensuração” da probabilidade, é indispensável que se
tenha, ao menos, uma noção do que se está ao menos tentando diferenciar.

Preliminarmente, é indispensável fixar, brevemente, algumas noções (e termos) da teoria da


definição.
Uma definição pode ser vista como uma relação entre dois termos:
O definendum, que é o termo a ser definido
O definies, que é o termo que define o primeiro.
Princípio elementar de qualquer definição é que o definiens não pode incluir o definiendum.
Quando isso ocorre tem-se uma pseudodefinição, uma definição “circular”, algo que parece
uma definição, mas definição não é.
Também se caracteriza como pseudodefinição uma definição em que o definiens carece de
definição e a definição dele é dado utilizando o próprio definiendum.
Muito próximo a essas hipóteses, tem-se aquela em que se emprega, como definiens, o termo
obviamente carecedor de definição, por ser vago ou ambíguo ou obscuro, sem que nenhuma
definição seja dada a ele.

e) o de cognição sumária ou superficial: em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de


difícil reparação, ou para a antecipação do provimento final, nos casos permitidos em lei, ou ainda
em virtude da particular disciplina da lei material, faz-se suficiente a cognição superficial para a
concessão da tutela reclamada;
Por meio dela se busca, no dizer de Calamandrei, “un giudizio di probabilità e di
verosimiglianza”[183]. Também Liebman, analisando a ação cautelar, alude a “giudizio di
probabilità”, que equipara a “verosimiglianza”, mas estabelece graus, pois esclarece que “sul diritto
il giudice deve formarsi una semplice opinione di credibilità, senza attarsi a raggiungere una vera
sicurezza della sua esistenza” e “sul pericolo nel ritardo invece si tratta di considerare
sufficientemente verosimile la minaccia di un evento dannoso futuro, allo scopo di prevenirlo e
impedirne l’accadimento”,

A probabilidade e a verossimilhança têm graus. Em matéria criminal, Malatesta estabelece a


seguinte graduação: relativamente a determinado objeto, é possível uma mínima probabilidade, que
denomina verossímil, uma probabilidade média, que chama de provável, e a probabilidade máxima,
que seria o probabilíssimo[

Ao fazer referência a essas ideias, de forma acrítica e um tanto irrefletida, a doutrina se revela
sustentando um ponto de vista que, ao fim e ao cabe, se configura como tautológico. Isso
porque entender que por ‘probabilidade’, no art. 300 do CPC, se deve entender “cognição
sumária”, é o mesmo que defender uma de duas coisas:
Que “probabilidade” significa cognição que conduz a juízo de probabilidade
Que “probabilidade” significa “juízo de probabilidade”

Se cognição é “ato” (= processo) e juízo é “resultado” [p que poderia ser o resultado de um


ato psíquico, ou de intelecção?], a qual dos dois o qualificativo “de probabilidade” diz
respeito, na expressão “juízo de probabilidade”: à cognição ou ao seu produto?
No primeiro caso, o que haveria na cognição para que seu produto fosse um juízo de
probabilidade?
No segundo caso, o que haveria no próprio juízo, como produto de uma cognição, para se
qualificasse como “juízo de probabilidade”?

Você também pode gostar