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exauriente.
Preliminarmente, como toda palavra terminada em ‘ão’, o termo ‘cognição’ padece de uma
ambiguidade típica e, bem observada, inofensiva: a ambiguidade entre “processo” e
“produto”. Quer dizer, tanto se utiliza ‘cognição’ para se referir a um certo processo,
qualquer que seja ele, como para se referir ao produto desse processo, qualquer que seja ele.
Agora, é unânime a doutrina em afirmar que o juiz “conhece” de (pelo menos) três ordens
distintas de questões, o que é o mesmo que dizer que a cognição judicial pode ter como
objeto questões de três ordens: aquelas relativas aos pressupostos processuais, às condições
da ação e ao mérito. Nessa ordem, vale lembrar a definição clássica de “questão”, como
“ponto controvertido, de fato e de direito”, enquanto “ponto controvertido” é, por sua vez,
caracterizado como duas (ou mais) alegações relativas a “fatos” ou “direito”.
Vale observar que ao se dizer que o juiz “conhece”, já se está enfatizando a “cognição-
processo”. Ademais, já se está também pressupondo que este “processo” é “interno”, que ele
se dá, de alguma forma, na “mente” do juiz, embora deva tomar como base elementos
publicamente produzidos no processo. Já o resultado desse processo, embora também interno,
quando da conclusão do processo, deve ser tornado público, através de um ato processual –
uma decisão do juiz. De qualquer maneira, a “crença-produto” também é, primária e
primeiramente, uma ocorrência interna ou mental ou psicológica, relativa ao juiz, justamente
por ser a conclusão de um processo igualmente interno, mental ou psicológico.
Nessa perspectiva, o que significa dizer que o juiz “conhece” uma das questões mencionadas,
e qual seria o “produto” (a “cognição-produto”) dessa “cognição-processo”, uma vez firma a
premissa que ambas – cognição-produto e cognição-proceso se situam na esfera interna ou
psicológica do juiz? Ora, em se tratando das questões de fato, a resposta é trivil e sendo até
referida no texto do CPC: ao decidir uma questão de fato, o juiz forma um “convencimento”
sobre qual das alegações de fato controvertida é a verdadeira – ou há maior fundamento para
ser considerada verdadeira. Portanto, no que diz respeito à cognição quanto às questões de
fato, tem-se que a “cognição-produto” consiste num convencimento sobre a verdade de certa
alegação (fundado num convencimento sobre as provas que ambas as alegações
controvertidas).
E o que dizer sobre as demais questões? Não há razão para se postular que a cognição-
produto, enquanto primária e primeiramente ocorrência interna, fruto de uma processo
igualmente interno, seja diversa, nas demais hipóteses. Assim, também diante de duas
alegações controvertidas sobre a melhor interpretação de um texto legal, ou sobre a
subsunção ou não de fato alegado por uma das partes, como também sobre estarem ou não
presentes as condições da ação ou os pressupostos processuais, é impossível, à luz da própria
natueza humana, que o juiz, para decdir (publicamente) tais questões, não forme, íntima e
internamente, em sua esfera psicológica, um “convencimento” sobre a solução correta da
controvérsia, ou seja, sobre a interpretação correta, sobre ser ou não subsumível determinado
fato alegado, na norma invocada, sobre esta ou não presente esta ou aquela condição da ação,
este ou aquele pressuposto processual.
Registre-se que quanto a isso, não é minimamente relevante os elementos que servem a
justificar tais convencimentos, em cumprimento ao disposto no art. 489 e 371 do CPC, ou
seja, se se trata de argumentos probatórios ou hermenêuticos, como também o “grau” de
justificação exigida pela lei. O único que importa é que, em qualquer caso, o que se impõe
justificar é, nada mais, nada menos, do que o “convencimento” do juiz formado pelo seu
processo de formação interno, ou seja, o que se impões justificar é a “cognição-produto”,
fruto da “cognição-processo”.
Nessa ordem, a distinção aqui estabelecida entre cognição-processo e cognição-
produto é de grande relevância para estabelecer uma correlação mais precisa entre “cognição”
e “fundamentação da decisão judicial”. O conceito obscuro de “cognição”, corrente na
doutrina, não permite perceber tal correlação, de modo que se tenha a exata compreensão de
que, afinal, há algo na “cognição” que deve ser fundamentado e algo que, na perspectiva da
lei processual, é inteiramente irrelevante. Com efeito, a cognição-produto, o
“convencimento” ao qual chega o juiz, em decidindo qualquer questão, deve ser
fundamentado, enquanto é irrelevante, na perspectiva da lei processual, a cognição-processo.
Tudo isso tem grande impacto na igualmente clássica distinção entre “cognição sumária x
cognição exauriente”, com referência à qual a doutrina tem procurado (sem êxito, como se
verá) definir noções como “fumus boni iuris” e, agora, “probabilidade”
Aliás, registre-se que a mesma doutrina, incorrendo numa tautologia, também busca definir a
própria noção de “cognição sumária”, recorrendo às noções de fumus boni iuris, e
probabilidade.
A insuficiência da doutrina quanto a essa temática é geral, dizendo respeito tanto à doutrina
nacional, como à estrangeira. Aqui se vai tomar como referência, inicialmente, tão somente a
obra de Watanabe, seja porque se trata, até onde se sabe, da única obra monográfica sobre o
assunto, seja por ser uma obra de ampla aceitação.
Watanabe identifica várias categorias de cognição judicial, além das três tradicionais já
mencionadas, com base em dois critérios, metaforicamente denominados por eles de
“planos”. Assim, no “plano” ZZZ (ou melhor, a luz de determinado critério) a cognição se
subdivide em XXX e YYY. Já na perspectiva do “plano” VVV (ou melhor, a luz de
determinado critério), a cognição judicial é classificada como BBB ou HHH. Em seguida, ele
superpõe tais critérios para gerar, diversas outras categorias mais específicas.
No presente texto, apenas será analisada as categorias da “cognição sumária” e da “cognição
exauriente”, por motivos óbvios.
A conhecida obra de Kazuo Watanabe sobre a cognição judicial angariou grande fortuna e
reconhecimento na doutrina nacional. Daí a importância de se realizar um exame crítico dela
mais atento, uma vez que seus pontos de vistas são amplamente aceitos e reproduzidos.
Watanabe categoriza as múltiplas modalidades de cognição judicial com o recurso a dois
critérios distintos, mas passíveis de serem superpostos, a saber: o plano horizontal e o plano
vertical. No plano horizontal as cognições se distinguem em razão de terem por objeto
quaisquer questões - cognição ampla – ou questões de um determinado tipo apenas, vedado o
exame de outras questões - cognição superficial.
Já as cognições exauriente e sumárias são diferenciadas na perspectiva do critério que
Watanabe denomina “plano vertical”, segundo o qual as cognições podem ser mais ou menos
“profundas”.
Tais critérios, considerados em abstratos, não deixam de ser úteis, se e na medida em que
sejam adequadamente definidos. Ocorre que, enquanto o critério da horizontalidade é
definido satisfatoriamente por Watanabe [Impõe-se observar, todavia, que tal critério,
justamente porque bem definido, se mostra inútil, na medida ele não seleciona “categorias”
de atividade cognitiva do juiz, em sentido próprio, mas sim especializações de procedimentos
ou módulos processuais. Isso, todavia, não constitui objeto da presente investigação, não
cabendo mais do que fazer este breve registro]1 , o critério da verticalidade, justamente aquele
que mais interessa ao presente trabalho e o que mais carece de definição adequada, não
recebe o tratamento devido por parte deste autor.
Dizer de tal cognição do juiz que ela é “profunda” e que outra é “menos profunda” que a
primeira é, indiscutivelmente, um linguajar metafórico. A cognição judicial não é,
certamente, o tipo de coisa do qual se possa predicar, de maneira literal, ser ou deixar de ser
“profunda”, nem “rasa”, em qualquer “grau” que seja.
Há de se reconhecer que o uso de um linguajar metafórico na compreensão teórica dos
fenômenos jurídicos - e mesmo nas ciências duras como a física - não é, em si mesmo, um
problema. Pense-se, por exemplo, na metáfora do “peso”, com a qual se tem tratado, com
1
[Impõe-se observar, todavia, que tal critério, justamente porque
bem definido, se mostra inútil, na medida ele não seleciona
“categorias” de atividade cognitiva do juiz, em sentido próprio, mas
sim especializações de procedimentos ou módulos processuais.
Isso, todavia, não constitui objeto da presente investigação, não
cabendo mais do que fazer este breve registro]
êxito, o problema da relevância maior ou menor de um princípio em relação a outro.
Princípios, obviamente, não possuem, nem deixam de possuir, “peso” em sentido literal. Mas
quando se fala que um princípio tem maior peso do que outro, se sabe exatamente o que se
está dizendo, ainda que uma afirmação dessa possa ser (e costuma ser) objeto de intensas
controvérsias: se está a dizer que tais princípios, quando comparados na perspectiva de certos
atributos, são tais que um deles (de “maior peso”), num caso concreto, deve ser realizado, em
detrimento do outro (de “menor peso”). Assim, o uso de um linguajar metafórico é
perfeitamente legítimo, desde que se tenha uma compreensão específica do significado de tal
linguajar, em termos literais.
Feita essa observação, indaga-se: exatamente a que se está referindo, quando se fala em
“cognição profunda” ou “cognição mais ou menos profunda do que outra”? Como traduzir
estas metáforas, em termos mais objetivos e literais? Essas são questões cruciais, para as
quais não se encontra respostas minimamente satisfatória na obra de Watanabe, como
também na dos que o seguem, quanto a este ponto. E sem essa definição, cai por terra a
tentativa de distinguir a cognição sumária da cognição exauriente através do critério da maior
ou menor “profundidade”.
É verdade que Watanabe, mesmo sem definir expressamente a noção de “profundidade” da
cognição, nem na caracterização da cognição exauriente, nem naquela da cognição sumária,
cuida de dar uma definição de cognição sumária, agora em termos do costumeiro recurso à
noção de “probabilidade”. Contudo, também aqui o resultado é tão insatisfatório quanto
aqueles alcançados por outros autores.
O autor em tela limita-se a fazer uma compilação breve de algumas opiniões doutrinárias,
todas ultrapassadas pela nova literatura quanto a essa temática, em epistemologia, teoria da
probabilidade e direito probatório, de modo inteiramente acrítico. Sua contribuição limita-se
ao seguinte:
1. Reconhecer que a probabilidade possui graus
2. Negar que o grau máximo de probabilidade seja compatível com a cognição do
direito deduzido em juízo para fins de concessão de medidas urgentes
3. Afirmar que todos os outros (médio e mínimo) graus de probabilidade “estão
presentes” na cognição sumária.
Todavia, Watanabe não esclarece, minimamente, o que se deve entender por “graus de
probabilidade”, como se distinguiriam tais “grandezas”, com base em que elas seriam
mensuradas e, principalmente, qual seria o grau de probabilidade necessário e suficiente a ser
alcançado, na cognição sumária, como condição para a concessão de tutela de urgência.
Dessa forma, apesar dos esforços, a contribuição desse autor é tão inconclusiva quanto as
outras referidas anteriormente.
Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos:
horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade).
No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em
exauriente (completa) e sumária (incompleta).
A afirmação é verossímil, mas inteiramente arbitrária, uma vez que o autor não
fornece nenhuma justificativa para ela.
É de se notar que Watanabe ignora a vasta literatura sobre probabilidade, inclusive obras de
grande fortuna, como a Prova Civil, de Michele Taruffo. Embora o recurso à autoridade seja
inevitável na ciência jurídica, Malatesta não pode, em absoluta, ser considerado autoridade
sobre uma matéria que tanto evoluiu depois dele.
Como quer que seja, é plausível que a obra de Watanabe, mesmo sem resolver minimamente
o problema da determinação dos critérios a serem observados pelo juiz na cognição do direito
que o autor alega ter e que alega estar ameaçado, tenha influenciado o legislador de 2015,
para substituir a tradicional referência a “direito”, pela expressão ‘probabilidade do direito’.
È tradicional, na doutrina brasileira, reconhecer que a cognição do juiz pode ter como objeto
questões de três ordens distintas: condições da ação, pressupostos processuais e mérito.
Superpondo esta diferenciação à classificação de Watanabe se percebe, claramente, sérias
definições desta última.
Com efeito, não é correto afirmar que a cognição relativa às condições da ação é exauriente,
pela simples razão de ela também não ser sumária. Da mesma forma, ela não é ampla, porque
não é limitada. A cognição dessas questões é o que ela é e se faz de uma só forma, nem
exauriente, nem limitada, nem ampla, nem limitada. Ela não se enquadra, portanto, em
nenhuma das categorias de Watanabe. E exatamente o mesmo se impõe concluir quanto à
cognição dos pressupostos processuais.
Em princípio, questões de direito também não admitem duas formas de cognição. O que
ocorre, em significativo número de casos, é que ela é complexa e pode demandar um lapso
temporal de tempo e, inclusive, de argumentação pelas partes, para ser decidida. Quando este
não for o caso, ela pode mesmo ser decidida de plano.
Já no que diz com as questões de fato, a situação é inversa. Salvo a hipótese de fatos
incontroversos e fatos notórios, o deslinde de uma questão de fato desafia a realizaçãode
atividade probatória. É justamente quanto à questão de fato que caba falar de uma cognição
exauriente ou de uma cognição sumária.
O critério geral que Watanabe utiliza para caracterizar sua oção de “plano vertical” é, por um
lado, equivocado, e por outro, obscuro. É equivocado ao considerar que a cognição relativa às
condições da ação e os pressupostos processuais podem ser objeto de cognição exauriente ou
cognição sumária, quando isso não é verddeiro. É obscura na medida em que, sendo as
questões relativas ao mérito as únicas que podem ser objeto quer de uma cognição exauriente,
quer de uma cognição sumária, e tendo ainda definido o mérito, nos termos da doutrina
tradicional, tanto as “questões de fato”, como as “questões de direito”, não cuidou de
especificar as eventuais diferenças que podem existir – e existem – entre “cognição
exauriente/sumária sobre questões de fato” e “cognição exauriente/sumária sobre questões de
fato”.
É à análise e esclarecimento desse ponto que se volta o presente trabalho.
“Questões de fato” é noção sabidamente complexa e vaga. Mesmo naquilo que ela tem de
mais incontroverso, ela é complexa: a impugnação da ocorrência do fato constitutivo do
direito deduzido em juízo, a alegação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito, a impugnação de um fato cuja ocorrência é pressuposto lógico para a existência do
direito deduzido em juízo, alegações sobre a suspeição de uma testemunha, todas elas se
enquadram, não problematicamente, no conceito de “questões de fato”.
“Questões de direito” é, da mesma forma, noção complexa e sabidamente ambígua, mesmo
naquela que pode ser dita como sua “zona de clareza”: questões sobre a constitucionalidade
de determinada norma, sobre a norma aplicável ao caso, numa situação de antinomia, em
particular no contexto do direito intemporal, qual é a norma “mais correta” a se extrair de
determinado texto legal, qual o alcance de determinada norma, no sentido de estabelecer se
um fato alegado se enquadra ou não dela (hipótese que, rigorosamente, se resolve na
anterior), são todas elas questões de direito.
Admitindo a premissa que a cognição dessas questões tanto pode ser exauriente, como
sumário, parece razoável prever que tais “modos de cognição”, como diz Watanabe,
apresentariam diferenças relevantes. Mais precisamente, tomando a noção de “cognição
sumária” como aquela carecedora de uma definição adequada, até agora não fornecida pela
doutrina, é de se supor que a cognição sumária das questões de fato e aquela das questões de
direito apresentam diferenças marcantes. O exame dessas diferenças é o que se faz a seguir.
Mas a importância da cognição não decorre somente desse fato. Resulta ela muito mais da
própria natureza da atividade do juiz, que para conceder a prestação jurisdicional precisa,
na condição de terceiro que se interpõe entre as partes, conhecer primeiro das razões (em
profundidade, ou apenas superficialmente, ou parcialmente, ou definitivamente, ou em
caráter provisório; tudo isso se põe no plano da técnica de utilização da cognição) para
depois adotar as providências voltadas à realização prática do direito da parte. E decorre
também da intensa utilização que o legislador dela faz para conceber procedimentos
diferenciados para a melhor e efetiva tutela de direitos.
Também hoje o termo “cognição” é empregado para designar o próprio processo, e não
apenas a atividade do juiz. Nesse sentido é que se usa a expressão “processo de
conhecimento” ou “processo de cognição” (v. ns. 7 e 10). Mas o termo é utilizado também
para indicar a natureza da atividade do órgão judiciário e é nessa acepção que será
analisado ao longo deste trabalho.
Ao longo de toda a exposição, ‘cognição’ é termo utilizado para designar um processo, “uma
atividade intelectual”, que deságua num juízi.
Contudo, ao abordar as modalidade de “cognição”, o mesmo termo é, claramente, utilizado
para designar o “produto”.
A convicção do juiz, na cognição sumária, apresenta todos esses graus. Deve haver
adequação da intensidade do juízo de probabilidade ao momento procedimental da
avaliação, à natureza do direito alegado, à espécie dos fatos afirmados, à natureza do
provimento a ser concedido, enfim, à especificidade do caso concreto. Em razão da função
que cumpre a cognição sumária, mero instrumento para a tutela de um direito, e não para a
declaração de sua certeza, o grau máximo de probabilidade é excessivo, inoportuno e inútil
ao fim a que se destina
No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em
exauriente (completa) e sumária (incompleta).
De sorte que, segundo a nossa visão, se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é
horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à
profundidade. Seria, então, cognição ampla em extensão, mas sumária em profundidade.
Assim, há que se fazer a distinção entre critérios de probabilidade no que diz com a decisão
relativa às questões de direito (cf. a concessão de efeito suspensivo a recurso no STJ, onde a
matéria é sempre de direito), e os critérios de probabilidade no que diz com a decisão relativa
às questões de fato.
O caso prototípico em que surge a mora processual e para o qual se faz necessário verificar
sua existência, em particular no que diz com a probabilidade da existência do direito
deduzido em juízo, é aquele em que a questão de fato se mostra predominante.
Sobre o conceito de cognição judicial, diz Watanabe, inicialmente, o seguinte:
A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar
as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que
são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento
do objeto litigioso do processo. “O juízo – observa Frederico Marques – é fruto e resultado,
sobretudo, da cognição do juiz, o que vale dizer que o elemento lógico e intelectual constitui o seu
traço predominante e fundamental”.
Como daí se vê, Watanabe reconhece a distinção entre “cognição-processo” – que seria o
“ato de inteligência” – e a “cognição-produto” – que corresponderia ao “alicerce, o
fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”. Nenhuma dessas
noções, lamentavelmente, cuida o autor de oferecer uma análise adequada. Menos ainda,
como se verá, Watanabe esclarece, ao longo de sua obra, de qual delas está tratando, ao
empregar o termo ‘cognição’, ao longo de sua obra.
É certo que Watanabe reproduz várias considerações de outros autores sobre a “cognição-
processo”, todas elas no sentido de evidenciar a “complexidade” da cognição processo, no
sentido de envolver, rigorosamente, a realização de vários atos, de ordens distintas. É o que
faz, por exemplo, quando invoca o magistério de Liebman:
Tais opiniões, todavia, devem ser reconhecidas como inteiramente superadas pelo que se
sabe, atualmente, tanto no que diz aos processos cognitivos, à luz da psicologia cognitiva e
das ciências cognitivas, disciplinas que têm tais processos como seus objetos específicos –
quanto no que diz com a lógica e a teoria da argumentação, as quais refutam a concepção
ingênua no sentido de que se possa falar em “deduções lógicas” na fundamentação de uma
decisão judicial e menos ainda, obviamente, no âmbito dos processos cognitivos.
Como quer que seja, quanto à cognição-resultado, Watanabe diz menos ainda. Basicamente,
diz ele o seguinte:
A cognição está voltada à produção do resultado final, que é a decisão ou o provimento jurisdicional.
Ao longo do iter percorrido, o magistrado enfrenta e resolve inúmeras questões de fato e de direito,
e o esquema do silogismo final e os aspectos mais importantes para a justificação lógica da
conclusão última devem ficar expressos na “motivação”
De qualquer maneira, apesar das insuficiências apontadas, o ponto de interesse, aqui, é que
Watanabe, mesmo sem utilizar tais termos, distingue entre “cognição processo”, ou seja, o
“ato de inteligência”, e a “cognição-produto”, isto é, o “juízo”. Esse é um ponto de grande
importância para a crítica que se fará a seguir da distinção entre cognição sumária e cognição
exauriente, estabelecida por este autor, e adotada por boa parte da doutrina.
Importante notar que antes de apresentar suas classificações para a cognição judicial, e até
como preparação para isso, Watanabe relembra a clássica lição da doutrina processual que
distingue três ordens de questões passíveis de ser objeto da cognição judicial. O ponto de
relevo, aí, é que tais questões são objeto da cognição-processo, algo que se reflete,
claramente, nos próprios termos com que Watanabe discorre sobre o assunto.
Em seguida, Watanabe vale-se da noção de “planos” – a qual não resulta definida – para
efetuar duas classificação distintas, cada uma delas relativa a um “plano” igualmente distinta:
o que ele denomina “plano horizontal” e o que ele denomina “plano vertical”, o que faz nos
seguintes termos:
Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos:
horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No plano horizontal, a cognição
tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capítulo precedente
(trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive questões de mérito;
para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação; para Celso Neves: quadrinômio,
distinguindo pressuposto dos supostos processuais). Nesse plano, a cognição pode ser plena
ou limitada (ou parcial), segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode
ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária
(incompleta).
De início, confirma-se que aquilo que está sendo categorizado, com tais classificações, é a
cognição-processo: no caso do plano horizontal, a extensão da atividade cognitiva quanto às
questões possíveis, se ilimitada ou limitada; no caso do plano vertical, a extensão da atividade
cognitiva, quanto à sua “profundidade”, o que quer que isso signifique, coisa que Watanabe,
lamentavelmente, não define.
Aqui interessa a distinção entre cognição sumária e exauriente.
Daí se infere, pelo menos, duas coisas, a título de definição das noções cognição exauriente e
cognição sumária:
1) A cognição exauriente é aquela cognição-processo que propicia, como decisão-
produto, (uma decisão que propicia) um juízo com índice de segurança maior quanto à
certeza do direito controvertido.
2) A cognição sumária é aquela cognição-processo que propicia, como decisão-produto,
(uma decisão que propicia) um juízo com índice de segurança menor quanto à certeza
do direito controvertido.
Agora, como mensurar o “índice de segurança quanto à certeza do direito controvertido”? Ou
melhor, tal índice, que pode ser maior ou menor, é índice de que? Como se deixa analisar de
modo minimamente claro, a noção de “índice de segurança quanto à certeza do direito
controvertido”? Sem essa análise, sequer se pode cogitar, óbvia e racionalmente, de indagar
como se realiza essa mensuração e qual a natureza dos critérios a serem utilizados para tanto.
Forçoso reconhecer que, sem algum esclarecimento dessas noções, todo o discurso doutrina
se reduz a uma cortina de fumaça retórica, incapaz de ar qualquer apoio, de prover qualquer
subsídio para decisões racionais dos juízes, bem como da oferta das respectivas impugnações
pelas partes.
Seja como for, sendo isso tudo o que Watanabe diz sobre cognição exauriente – além de
repetir, como um mantra, que ela é “profunda” – cumpre examinar o que ele diz sobre
cognição sumária, o que era de se esperar ser algo mais substancial, tendo em vista que há um
tópico de sua obra inteiramente dedicado a ela.
Cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical.
2
“De sorte que, segundo a nossa visão, se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é
horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à
profundidade. Seria, então, cognição ampla em extensão, mas sumária em profundidade.” (p.) “Porém, se a
cognição é eliminada “de uma área toda de questões”, seria limitada quanto à extensão, mas se quanto ao
objeto cognoscível a perquirição do juiz não sofre limitação, ela é exauriente quanto à profundidade. Ter-se-ia,
na hipótese, cognição limitada em extensão e exauriente em profundidade.” (p.) “Na classificação acima
apresentada, o vocábulo “sumária” ficou reservado, unicamente, à cognição superficial que se realiza em
relação ao objeto cognoscível constante de dado processo. Portanto, traduz a ideia de limitação no plano
vertical, no sentido da profundidade.”
E acrescenta:
Por meio dela se busca, no dizer de Calamandrei, “un giudizio di probabilità e di
verosimiglianza”.Aqui se tem uma definição – ou um princípio de definição – de cognição sumária: é
aquela por meio da qual se busca um “juízo de probabilidade”.
Após citar várias opiniões sobre probabilidade e verossimilhança, assim conclui Watanabe:
Os magistérios, como se vê, não são unívocos quanto às terminologias adequadas e à significação de
cada uma delas.
São, portanto, mais adequadas, para o nosso direito, as terminologias utilizadas por Calamandrei.
A convicção do juiz, na cognição sumária, apresenta todos esses graus. Deve haver adequação da
intensidade do juízo de probabilidade ao momento procedimental da avaliação, à natureza do
direito alegado, à espécie dos fatos afirmados, à natureza do provimento a ser concedido, enfim, à
especificidade do caso concreto. Em razão da função que cumpre a cognição sumária, mero
instrumento para a tutela de um direito, e não para a declaração de sua certeza, o grau máximo de
probabilidade é excessivo, inoportuno e inútil ao fim a que se destina.
É de se observar que, embora no início de sua breve exposição, Watanabe tenha se referido à
“probabilidade” – ou melhor, ao “juízo de probabilidade” – como o resultado da cognição, ou seja,
como cognição-produto, na terminologia aqui introduzida, em sua conclusão ele se refere à
probabilidade, de modo confuso, como uma qualiade ou atributo da cognição, enquanto “ato”, ou
seja, da cognição-processo.
Por mais difícil que seja realizar a “mensuração” da probabilidade, é indispensável que se
tenha, ao menos, uma noção do que se está ao menos tentando diferenciar.
Ao fazer referência a essas ideias, de forma acrítica e um tanto irrefletida, a doutrina se revela
sustentando um ponto de vista que, ao fim e ao cabe, se configura como tautológico. Isso
porque entender que por ‘probabilidade’, no art. 300 do CPC, se deve entender “cognição
sumária”, é o mesmo que defender uma de duas coisas:
Que “probabilidade” significa cognição que conduz a juízo de probabilidade
Que “probabilidade” significa “juízo de probabilidade”