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PARTE I

Capítulo I – Ordem Jurídica e direitos fundamentais


1. Proteção da pessoa humana pelo Direito
Os direitos fundamentais servem para proteger a pessoa humana.

Outros ramos do Direito, contudo, também protegem os direitos fundamentais


além do DC:

• Direito penal (pune infrações contra bens jurídicos e oferece garantias


fundamentais de defesa penais e processuais) – princípio da proibição
da aplicação retroativa da lei penal incriminadora, reserva de lei e
tipicidade, princípio da culpa, proporcionalidade da pena à gravidade
do delito, proibição de penas abusivas para a dignidade da pessoa
humana, direitos de defesa dos arguidos.
• Direito administrativo (concretiza direitos fundamentais)
• Direito Civil (direitos de personalidade) – pode abranger até pessoas
coletivas. Art. 79º/1 CC estabelece uma tutela geral da personalidade.
• DIP (direitos humanos)
• DUE (Carta dos direitos fundamentais):
o 1º fase (até ao TUE) – escassez regulativa de diretios
fundamentais;
▪ TJUE desenvolveu um papel na construção do sistema de
direitos fundamentais da EU – ac. Stauder (reconhece
existência de direitos fundamentais nos pº gerais de
DUE), ac. Internationale Handelgesellschft (aceita as
tradições constitucionais comuns dos EM como parte do
DUE), Ac. Nold II (1º referência à CEDH – sistema europeu
de direitos - mais abrangente que UE).
o 2º fase (após TUE) – direitos fundamentais passam a estar
protegidos pelo tratado, tendo por base a jurisprudência anterior.
o 3º fase (Tratado de Lisboa) – remete vinculativamente para a
CDFUE.
▪ Ideia de Constituição Europeia – referendos negativos em
França e Holanda.
• Direito fiscal (garantias dos contribuintes)
• Direito do trabalho (direitos dos trabalhadores).

2. DIP e direitos humanos


Após a II GM os direitos do homem são protegidos no plano do DIP contra o
Estado e o poder público, gerando uma proteção internacional dos direitos do
homem, sendo os mecanismos mais expressivos, os seguintes:

• Proteção diplomática;
• Proteção humanitária (existe apenas mediante conflitos militares,
oferecendo proteção dos bens jurídicos da pessoa relacionados com
a vida, integridade pessoal e liberdade individual).
• Proteção dos refugiados e asilados.

A pessoa humana é reconhecida como sujeito internacional nos diferentes


sistemas de proteção de direitos humanos – sistema universal (DUDH), sistema
europeu (CDHC - TEDH), comunitário (CDFUE - TJUE), americano e africano.

Sistema Universal

Quanto ao sistema universal, suscitam problemas, nomeadamente, em


relação aos mecanismos adjetivos de defesa processual dos direitos humanos,
visto que não há um tribunal com a jurisdição deste sistema.

A cooperação internacional no respeito pelos direitos do homem está


consagrado, também, na CNU. Já a DUDH, foi aprovada em Assembleia Geral da
ONU e, embora desprovida de força jurídica, contribuiu para a
internacionalização dos direitos do homem – a sociedade internacional
reconheceu a relevância destes – e a sua universalização – ideia de que devem
ser interiorizados em qualquer parte do mundo. Deste modo, apesar de não
assegurar uma proteção efetiva, assumiu um papel importante na mesma.

A DUDH contém quatro grupos de direitos distintos:

• direitos pessoais (direito à vida, à liberdade, à segurança);


• direitos comunitários – dizem respeito à ideia de indivíduo inserido
numa comunidade (direito à intimidade, ao casamento, à cidadania,
à propriedade, liberdade de circulação e deslocação);
• direitos políticos (direito ao voto, ao acesso a cargos públicos);
• direitos económicos e sociais (educação, trabalho, saúde).

A DUDH foi influenciada filosoficamente por:


• jusnaturalismo – ideia de anterioridade e superioridade da pessoa
humana relativamente ao Estado/política. “Dignidade inata” referida
no preâmbulo;
• socialismo – presente nos direitos económicos e sociais e nos deveres
do indivíduo para com a sociedade;
• nacionalismo – o fator de internacionalização era, contudo, atenuado
pela salvaguarda da soberania nacional visível, nomeadamente, na
omissão relativamente aos direitos das minorias nacionais e no direito
de rebelião.

Tratados complementares à DUDH – Pacto Internacional de Direitos Civis e


Políticos (direitos de 1º geração) + Pacto Internacional de Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (direitos de 2º geração).

Sistema europeu (do Conselho da Europa):

Existem 16 protocolos adicionais à CEDH com vista ao seu


aperfeiçoamento e outros textos internacionais específicos, tais como: Carta
Social Europeia, Convenção europeia de extradição, para a repressão do
terrorismo, etc.

Predominam direitos de 1º geração – conceção liberal.

O TEDH existe permanentemente e a este cabe verificar situações de


violação dos direitos humanos presentes na CEDH, de acordo com o art. 19º. Tem
competência contenciosa (sentenças) e consultiva. Além de permitir queixas dos
Estados, tem a particularidade de permitir petições individuais, nos termos do art.
34º. Vigora o pº da subsidariedade – só é competente após esgotados todos os
meios internos (art. 35º).

3. Direitos fundamentais como categoria de DC


Os direitos fundamentais começam como uma criação específica do DC que
visa oferecer garantias ao indivíduo relativamente ao poder do Estado, com origem
na revolução constitucionalista e liberal e de feição negativa (não-interferência do
Estado + garantia das liberdades individuais contra o poder político) . Com o
desenvolvimento das relações internacionais, foram replicados no DIP como
instância superior de defesa contra os abusos do Estado.

Conceito de direitos fundamentais:


“Posições jurídicas ativas das pessoas integradas no Estado-sociedade,
exercidas por contraposição ao Estado-poder, positivadas na Constituição”. Há
três elementos que definem este conceito:

• Elemento subjetivo – diz respeito a serem posições jurídicas dos


sujeitos jurídicos que constituem o Estado-sociedade - os titulares
desses direito – e que são suscetíveis de serem exercidos contra o
poder do Estado.
• Elemento objetivo – vantagens o favor dos titulares de direitos
fundamentais, inerentes aos objetos e conteúdos protegidos pelos
mesmos;
• Elemento formal – estão consagrados na Constituição Formal que
ocupa o topo da hierarquia normativa no OJ.

Classificações de direitos fundamentais:

• Subjetivas:
o direitos fundamentais individuais (de pessoas físicas) v.
institucionais (de pessoas coletivas);
o direitos fundamentais comuns (de todas as pessoas) v. particulares
(apenas de certas categorias de sujeito, ex: cidadãos).
• Materiais (objeto e conteúdo):
o direitos fundamentais gerais (permanentes – presentes em qualquer
circunstância da vida) v. especiais (adequados apenas a certas
situações limitadas/pontuais).
o direitos fundamentais pessoais, políticos, laborais e sociais.
• Formais (estrutura formal dos direitos fundamentais):
o Direitos (direitos subjetivos), liberdades (espaço de autonomia) e
garantias (proteção de outro direito fundamental principal).
• Regimentais:
o Regime reforçado (direitos, liberdades e garantias) v. regime
enfraquecido (direitos económicos, sociais e culturais).

Figuras afins de direitos fundamentais:

• Garantias institucionais - trata-se da proteção constitucional de certas


instituições da realidade social e económica têm uma dimensão objetiva,
em vez de subjetiva. Estas instituições são protegidas pela imposição ao
poder público de um dever de as defender. Por vezes, garantias
institucionais podem ter também uma dimensão subjetiva, podendo, nesse
caso, ter o regime de direito fundamental (ex: casamento).
• Interesses difusos – posições jurídicas que são protegidas por uma tutela
pública, no sentido de prevenir ou reparar danos sociais (ex: ambiente,
saúde pública, património cultural).
• Situações funcionais – posições jurídicas inerentes à titularidade de um
órgão público;
• Deveres fundamentais – são posições de desvantagem para os titulares,
em nome da defesa de interesses gerais/da sociedade (defesa nacional,
pagamento de impostos);
• Direitos dos povos – posições subjetivas ativas que se destinam à proteção
de uma comunidade de pessoas ética, religiosa, linguística ou outra.

Características dos direitos fundamentais:

• Constitucionalidade – pertencem à Constituição formal;


• Absolutidade – prevalecem sobre quaisquer outros direitos por estarem no
escalão supremo do OJ;
• Universalidade - aplicam-se a todos;
• Inviolabilidade – defendidos pelo Direito Penal;
• Não-patrimonialidade – não são mensuráveis em dinheiro. Fazem parte da
Constituição material.
• Intransmissibilidade e Irrenunciabilidade.

Capítulo II – Os direitos fundamentais no tempo do


Constitucionalismo Contemporâneo
1. Idade Contemporânea e Estado constitucional
Estado contemporâneo – final do séc. XVIII até à atualidade. Ficou marcado
por várias fases de constitucionalismos durante a sua evolução histórica,
incluindo “anticonstitucionalismo” (fascismo e comunismo). Por isso fala-se de
diferentes tipos constitucionais de Estado:

• Liberal;
• Comunista;
• Fascista;
• Social.

O Estado Contemporâneo é concebido como um Estado de Direito em que “o


poder político estadual se submete materialmente ao Direito e este contém o
respetivo poder”, marcando um rutura com o absolutismo régio que era marcado
por arbitrariedade no exercício do poder. Assim, o poder passou a estar submetido
formal e materialmente ao Direito. A este fenómeno designa-se
“constitucionalismo”.

Cada Estado tem o seu constitucionalismo, embora sejam comuns as


influências de tradições constitucionais de outros Estados.

Caracteriza-se por:

• Legalidade constitucional, voluntária e escrita, numa lei com


superioridade hierárquica – Estado de Constituição;
• Conjunto de direitos fundamentais reconhecidos superiores e
anteriores ao poder político – Estado de direitos fundamentais;
• Estado laico;
• Poder político democrático e liberal, baseado na soberania popular,
representatividade e Chefia de Estado democrática e temporalmente
designada – Estado democrático e republicano.

A primeira Constituição foi a norte-americana – 1787.

A Constituição tem duas vertentes:

• Formal:
o escrita e legal;
o aprovada por um processo formal rígido que dificulta a sua
modificação e revogação;
• Material (princípios):
o Separação de poderes;
o Representação liberal da soberania nacional;
o Direitos fundamentais liberais que protegem o indivíduo
contra a ação do Estado.

Deram-se três fases nas relações Estado-Religião:

• Combate da religião pelo poder político;


• Separação colaborante/cooperativa;
• Separação neutral.

Os direitos fundamentais políticos nascem a par da ideia de governo


representativo e de soberania popular, em que os cidadãos são os titulares do
poder político e materializam-se no momento constituinte e com a elaboração de
leis ordinárias por parlamentos eleitos.

2. Evolução & Crises do Constitucionalismo Contemporâneo


Constitucionalismo liberal (fim do séc. XVIII – início do séc. XX) – com o fim do
Antigo Regime, o indivíduo passa a ser reconhecido de forma autónoma e livre do
Estado e separado dos papéis sociais da sociedade estratificada, logo a
capacidade e personalidade jurídicas passaram a ser reconhecidas.
Desenvolveram-se alguns direitos fundamentais, em especial direitos civis, mas
também direitos políticos devido à transição de regime absolutista para um
regime mais democrático, caracterizado pela soberania popular e representação
política (direito ao sufrágio, ainda que limitado por ser censitário e capacitário).
Assim, surgem liberdades públicas, como liberdade de expressão, de reunião e
de associação. Predominam liberdades individuais negativas que tem como
corolário um dever geral de abstenção do Estado e de não-interferência nessa
esfera individual de liberdade geral de ação dos cidadãos, liberdade política e, em
especial, liberdade económica.

No que diz respeito à organização política, além da soberania popular, o


princípio da separação de poderes, também com origem em ideias iluministas,
marcou a organização política do constitucionalismo liberal, implicando uma
separação funcional do poder público entre órgãos diferentes, numa lógica
contrária à concentração de poderes na figura do monarca que se verificava no
Antigo Regime. Também o princípio aristocrático foi substituído pelo princípio
democrático no parlamento, numa logica de representatividade da soberania
popular.

Do ponto de vista económico-social, ficou consagrado o modelo do


liberalismo económico, numa lógica de que o poder público deve se abster de
intervir na economia e deixar o mercado funcionar naturalmente.

Constitucionalismo social e democrático (século XX) – após a II GM


desenvolveu-se o Estado de Direito social e democrático, em que se desenvolve
um Estado prestador e regular e uma maior participação dos cidadãos na
definição da sua governação. O Estado social emerge numa conjuntura política e
social de pós-guerra, em que a Europa se encontrava destruída, tendo-se
mostrado necessário para a sua reconstrução. Apareceram novos direitos
fundamentais (de 2ª geração) baseados na igualdade social, os mecanismos de
participação democrática foram aperfeiçoados, a separação de poderes tornou-se
mais flexível e há mais intervenção na economia.

Os direitos fundamentais (de 2ª geração) que surgem com este


constitucionalismo são mais de pendor económico, social e cultural e
relacionam-se com direitos a prestações por parte do Estado, tais como acesso
à saúde, à educação, à segurança social, habitação, etc. Há, ainda, uma
limitação da liberdade individual atinente aos “direitos de defesa”, como a
propriedade, que passam a estar limitados, em certa medida, em função dos
interesses gerais da comunidade.

Em termos de organização política, a democracia torna-se verdadeiramente


representativa com o sufrágio universal e são instituídos outros mecanismos de
participação democrática, como os referendos e iniciativas legislativas populares.

No plano económico, surgem as Constituições económicas, que, num


contexto de liberalismo económico eram inexistentes. O Estado passa a ordenar a
atividade económica.

Atualmente, fala-se do Estado pós-social e democrático, devido às crises que


o constitucionalismo contemporâneo foi sofrendo:

• Crise do Estado social e a Regulação da Economia – surgem duas novas


gerações de direitos fundamentais “pós-modernos”, como direitos de
proteção do ambiente, direitos de proteção da pessoa na bioética e
direitos de defesa das minorias. Uma mudança que ocorre é a de o
Estado se ter tornado menos interventivo e mais regulador de direitos
económicos e sociais – o poder público, em vez de gerar ele próprio
os bens e serviços associados a esses direitos, garante-os ao
regular a atividade económica de esquemas de iniciativa pública e
privada (em vez de exclusivamente pública) quer em termos de
concorrência, quer em termos de assegurar o próprio bom
funcionamento dessa atividade através da Administração Pública
(Estado-garantia).
• Crise do Estado Democrático e a nova Democracia de Participação – a
crise na democracia representativa relaciona-se com novos esquemas
de participação dos cidadãos que tem vindo a remodelar a
democracia, por exemplo, através do reforço do uso de instrumentos
de democracia semidirecta (referendos em resposta a bloqueios
parlamentares, direito de petição e iniciativa legislativa popular).
• Crise do Estado Nacional e a Globalização – A ideia de soberania
estadual plena tem sido cada vez mais mitigada pela existência de um
DIP cada vez mais imperativo e que se faz aplicar acima da vontade
dos Estados, em particular no que é atinente a direitos humanos e ao
uso de força, assim como: pela expansão em número de tribunais
internacionais, o surgimento de organizações supranacionais como a
EU que se impõe ao Direito Nacional, incluído o DC, e de outras
organizações internacionais.
• Crise do Estado Seguro e o Risco – os ataques terroristas do 11 de
setembro revelam a fragilização do Estado “com a inevitabilidade de a
cidadania passar a exercer-se em sociedades de risco” e a sociedade
de risco tornou-se numa comunidade internacional de risco. O
conceito de risco tem uma componente de futuro, virada para a
previsão de destruições que são iminentes. Com o desenvolvimento
científico-tecnológico novos riscos, distintos dos riscos tradicionais,
emergem e também necessitam de resposta do DC, em particular da
Constituição da Segurança, falando-se em “segurança da normalidade”
em contraposição à “segurança da exceção”. Outro risco a considerar é
a criminalidade, devido à metropolização das cidades.

3. Gerações de direitos fundamentais


Os direitos fundamentais foram-se alterando conforme as mudanças e
desafios, incluindo crises, que o constitucionalismo contemporâneo foi
enfrentando.

• Direitos de primeira geração -> direitos civis e políticos -> período


liberal: são direitos de natureza defensiva/negativa, na medida em que
garantem um espaço de autonomia aos cidadãos e defendem contra o
poder público que se deve abster de interferir nesse espaço. As
principais liberdades públicas pertencem a este grupo. Por outro lado,
deu-se a “humanização do Direito Penal” com o surgimento de
garantias penais e processuais.
• Direitos de segunda geração -> económicos e sociais -> período social:
são direitos fundamentais a prestações do Estado, que se assume
como prestador de serviços públicos.
• Novas gerações de direitos fundamentais -> 3ª e 4ª geração: formam-se
no contexto da sociedade atual que é uma sociedade global, de risco,
de informação e multicultural:
o Ambiente – direitos e deveres fundamentais e interesses difusos
relacionados com proteção do bem-estar animal e dos recursos
naturais.
o Manipulação genética – adoção de mecanismos de segurança
da identidade genética humana;
o Direitos de grupos vulneráveis - mulheres; minorias religiosas,
étnicas, culturais, linguísticas; minorias de orientação sexual;
idosos; pessoas com deficiência; etc.

Quanto ao futuro dos direitos fundamentais, estes enfrentam alguns perigos:


• Banalização da sua singularidade garantística – verifica-se uma
adulteração da hierarquia de valores que faz crer que todos os direitos
fundamentais valem o mesmo dado o crescimento do número de direitos
fundamentais, conduzindo à sua vulgarização;
• Eventual uniformização dos direitos fundamentais, como já ocorreu a
nível de proteção internacional dos direitos humanos – a globalização tem
um reverso negativo porque pode ser usada como um instrumento de
domínio ao impor um único modo de ver o mundo e que não deixa espaço
para direitos fundamentais diferentes que espelhem diferentes povos e
culturas. Assim, há um desafio de heterogeneização dos direitos
fundamentais, em resposta às diversidades culturais que também devem
ser defendidas.
• Processualização dos direitos fundamentais – substituição de uma
fundamentação material dos direitos fundamentais, por uma
fundamentação meramente processual com base no processo decisório
democrático. As opções deixam de valer pelo seu conteúdo material, e
passam a valer pelo número de “adeptos que reúnem”, ou seja, apenas
porque a maioria quer. Além disso, deixar as decisões para as maiorias
levam à sub-representação das minorias que acabam por não conseguir
obter os seus direitos fundamentais legítimos.

Capítulo III – Direitos fundamentais, Princípio do Estado


de Direito e Dignidade da Pessoa Humana
1. Princípio do Estado de Direito
O Estado de Direito possui três dimensões:

• Material -> este princípio transcende o poder público, impondo-lhe uma


axiologia (valores) aos quais aquele deve obediência;
• Normativa -> ao nível das fontes normativas do OJ, tendo a Constituição
uma função específica;
• Organizatória -> a nível de limitação do poder público através da
distribuição do poder por diferentes órgãos e do controlo da
constitucionalidade.

Tem origem na Lei Fundamental de Bona, que influenciou a CRP.

É composto por diversos sub-princípios que o densificam: dignidade da


pessoa humana, juridicidade e constitucionalidade, separação de poderes,
segurança jurídica e proteção da confiança, igualdade, proporcionalidade, tutela
jurisdicional, responsabilidade jurídica e transparência.

Este princípio é mencionado no preâmbulo (3º e 4º parágrafos), na cláusula


geral do art. 2º (bem como no art. 7º/6, 8º/4 e 9º/al.b)) e é concretizado, depois,
em múltiplas disposições.

2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


É uma manifestação material do princípio do Estado de Direito e significa que
“a pessoa é colocada como o fim supremo do Estado e do Direito”.

É critério de fundamentação do Direito em geral e dos direitos fundamentais.

Tem como características/pressupostos que a pessoa humana é livre,


racional e inserida numa sociedade que garante o seu desenvolvimento
pessoal.

A filosofia kantiana (ideia de pessoa como um fim em si mesma) e o


cristianismo (ideia pessoa criada à imagem e semelhança de Deus e Deus
escolheu fazer-se humano através de Jesus Cristo) estão ligados ao
desenvolvimento desta conceção de dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana relaciona-se com uma conceção


jusnaturalista do Direito, de acordo com a qual este decorre da objetividade da
natureza humana não voluntariamente criada, e, por essa razão, imutável
relativamente a circunstancialismos de tempo e lugar. Segundo esta conceção, o
Direito é limitado objetiva e externamente, independentemente do sujeito e da sua
vontade.

De acordo com Norberto Bobbio, esta conceção dos limites do Direito permite
lutar contra três problemas: i) luta contra o voluntarismo jurídico; ii) contra o
formalismo jurídico; iii) e contra o legalismo jurídico.

O Direito positivo deve conformar-se ao Direito natural.

Nesta conceção de dignidade da pessoa humana, a “pessoa” é:

• pessoa concreta (e não o indivíduo abstrato do liberalismo);


• solidária (em relação com os outros na sociedade, com desejo de
promoção social, estando o Direito atento às desigualdades reais e não
apenas da lei);
• pessoa-fim (em vez de ser um meio/instrumento do Estado e do Direito,
é o seu fim último);
• e pessoa-essência.

Na Constituição, manifesta-se enquanto:

• conceito suprapositivo -> a dignidade da pessoa humana pode conduzir a


orientações metapositivas/axiológicas;
• conceito normativo-legalista -> quando se expressa uma conceção de
poder e de organização de sociedade de acordo com opções políticas
inteiramente livres;
• conceito sociológico -> quando reflete a consciência social dominante.

E desempenha cinco funções (assim como os restantes princípios, em geral):

• Função legitimadora – o Direito positivo é subordinado ao Direito


suprapositivo. O Direito deve servir a pessoa humana, concreta e
socialmente situada para ser legítimo, caso contrário, considera-se
“Não-Direito” ou “Torto” (Nicht-Recht).
• Função positivadora – é um critério de consagração de direitos
fundamentais na ausência ou contra normas de Direito positivo se for
necessário. Assim, ultrapassa o carácter filosófico/valorativo ao ser
uma fonte direta de alguns direitos fundamentais, cuja violação
acarreta invalidade/ilegitimidade das normas infratoras.
• Função integradora – pode-se recorrer a este princípio para invocar
outros tipos de direitos fundamentais que não estejam consagrados
nos catálogos constitucionais, alargando, assim, os mesmos.
• Função interpretativa – serve como critério interpretativo auxiliar.
• Função prospetiva – enquanto princípio, o OJ deve-se desenvolver no
sentido da sua maximização e concretização progressiva, tendo em
conta as circunstâncias socias e económicas do momento.

Na Constituição encontramos referências literais a este princípio nas


seguintes disposições:

• Em preceitos iniciais -> art. 1º, primeira parte;


• Em preceitos sobre direitos fundamentais -> arts. 26º/2 e 3;
• Em preceitos orgaizatórios -> arts. 67º/1/e) + 206º;
• Na DUDH (arts. 1º e 5º) que se aplica ex vi art. 16º/2.
Num sentido não-literal, encontramos, ainda, a dignidade da pessoa humana
vertida na graduação da importância dos direitos fundamentais, nomeadamente,
nos direitos fundamentais invioláveis e nos insuspensíveis.

Na jurisprudência constitucional portuguesa, tem sido referido em


diferentes sentidos:

• Num sentido limitador do poder público – este princípio é usado como


uma barreira que evita atuações que violem os valores que encerra;
• Num sentido de reconhecer o direito a uma assistência material
mínima, que assegure uma subsistência condigna -> próximo à vertente
prestadora do direito à vida.
o Ex: ac. 509/2002 – fiscalização preventiva sobre a redução que
se propunha ao regime do rendimento mínimo garantido.

3. Outros Princípios decorrentes do Princípio do Estado de


Direito

Princípio da Igualdade

É uma concretização material do pº do Estado de Direito.

Além da sua dimensão material, é um princípio constitutivo do OJ e sem o qual


o OJ nem sequer poderia existir.

Possui duas dimensões distintas, mas complementares:

• Dimensão igualizadora -> tratar igualmente o que é igual;


• Dimensão diferenciadora -> tratar diferentemente o que é desigual.

A diferença ou identidade das situações deve ser apreciada materialmente e não


meramente naturalísitcamente.

A imposição geral de igualdade encontra-se no art. 13º/1, enquanto o nº2,


primeira parte, faz referência à proibição do tratamento arbitrário e
discriminatório, quer positivo (vantagens) ou negativo (desvantagens).

Inclui ainda uma listagem de critérios que, a priori, o legislador


constituinte não considera legítimos para fundamentar um tratamento
diferenciado, que dão uma ajuda ao intérprete-aplicador. Trata-se de um elenco
exemplificativo podendo se aplicar outros critérios, quer através do conceito geral
de igualdade, quer recorrendo a outros preceitos pertinentes em matéria de
igualdade – por exemplo, com recurso à DUDH, art. 2º, 1º parágrafo, permite
ampliar a lista.

Princípio da Proporcionalidade

É uma limitação material interna à atuação jurídico-pública de carácter


discricionário, que visa conter os efeitos excessivos para os respetivos
destinatários.

“Um ato do poder público é proporcionado se a finalidade que a ordem


constitucional lhe comete se afigura cabalmente medida no confronto com as
opções de seleção e de modelação de intervenção prática que esse meio
oferece.”

Proíbe uma atuação jurídico-pública excessiva, desdobrando-se em três


vertentes:

• Adequação – a providência/medida que se pretende tomar deve ser idónea


(apta) para atingir o fim que se pretende alcançar.
• Necessidade – uma providência (adequada) deve ser indispensável, ou
seja, dentro das alternativas possíveis que permitem alcançar o fim visado,
deve ser a menos lesiva/gravosa.
• Proporcionalidade em sentido estrito – deve existir um equilíbrio entre os
custos a suportar e os benefícios atingir com a providência (não pode haver
um desequilíbrio manifesto entre o bem jurídico sacrificado e o protegido).

Princípio da Tutela Jurisdicional

Prende-se com “a possibilidade de o poder jurisdicional intervir, não lhe sendo


vedado o controlo dos outros poderes públicos, acesso que se deve fazer em
condições adequadas e não-discriminatórias”.

O Estado de Direito tem uma vertente muito importante que é a do combate à


imunidade do poder público - os órgãos e atos do poder públicos não devem
poder estar acima ou fora do Direito, mas antes devem poder ser sindicáveis e
alvo de controlo jurisdicional.

A existência de imunidades põe em causa o Estado de Direito porque gera


uma impossibilidade de o poder jurisdicional intervir e afirmar o Direito sobre
a atuação dos restantes poderes públicos.
Este princípio assume relevância do ponto de vista dos direitos fundamentais
processuais de acesso e de atuação na justiça e encontra-se presente na CRP nas
seguintes disposições:

• Art. 20º/1 -> acesso ao Direito e à justiça, sem discriminações, nem


mesmo por razões económicas;
• Art. 20º/4 -> direitos a um processo adequado e célere;
• Art. 20º/5 -> direito a mecanismos especiais de tutela judicial quando
estão em causa direitos, liberdades e garantias.

Princípio da Responsabilidade Jurídica

É fundamental do ponto de vista do Direito Sancionatório. Reflete a


aplicação de consequências desfavoráveis sobre o autor do ato ilícito (em vez de
ser sobre o ato em si). Pode ocorrer em dois cenários:

• Cumulativo -> fazendo-se acrescer à consequência sobre o ato ilícito;


• Disjuntivo -> apenas há responsabilidade, pois a desvalorização
(consequência sobre o ato) não é operativa.

Fala-se em responsabilidade penal, contraordenacional, financeira, civil,


disciplinar e política.

Capítulo IV – Direitos fundamentais em conspecto


Histórico-Comparatístico
1. Os Direitos Fundamentais no Constitucionalismo Português
Constituição de 1822

Surge no seguimento da Revolução Liberal de 1820. Com o liberalismo deu-se


a abolição do regime monárquico de tipo senhorial até então vigente.

Com a Constituição de 1822 passou a existir um texto constitucional a ocupar


o topo de uma nova hierarquia formal no OJ e a regular e limitar o exercício do
poder público, que passou a estar subjugado ao princípio da separação de
poderes (existindo representação parlamentar nas Cortes). Foram consagrados
direitos fundamentais dos cidadãos.

Antes da Constituição foi escrito um esboço (as “Bases da Constituição”),


que proclamava vários princípios e definia um conjunto de orientações que
condicionariam as opções a serem tomadas posteriormente em termos
definitivos na Constituição. Dividia-se em duas secções onde se resumia as
matérias principais que viriam a constar do texto definitivo:

• Secção I – Dos direitos individuais do cidadão:


o Fixam o primeiro elenco de direitos fundamentais consagrados
em Portugal, com especial relevância para as garantias criminais
e com fundamento na ideologia liberal.
o “Liberdade, segurança e propriedade”, princípio da liberdade,
princípio da culpa no D. Penal, proibição de pena sem culpa
formada, liberdades de opinião, de expressão e de imprensa,
sigilo da correspondência, humanização das penas (proibição de
penas infamantes/desumanas -> proporcionalidade), etc.
• Secção II – Da nação portuguesa, sua religião, governo e dinastia ->
nova organização política constitucional:
o Monarquia constitucional;
o Religião católica como religião oficial do Estado;
o Separação de poderes -> conceção tripartida (poderes
legislativo, executivo e judiciário);
o Princípio da soberania nacional.

A Constituição foi influenciada pelas Constituições Francesas de 1791 e 95 e


pela Constituição espanhola de Cádiz. A sua vigência foi interrompida pela Vila-
Francada e resposta pela revolução setembrista.

Um dos seus grandes marcos foi a positivação de direitos fundamentais,


que se encontravam incorporados no articulado (diferentemente das
Constituições de onde receberam influência que tinham os direitos dispersos). Os
direitos presentes nas Bases passaram a estar na C1822 (arts. 1º a 18º) e acresce:
inviolabilidade do domicílio, indemnização no caso de expropriação, liberdade de
acesso a cargos públicos, etc. Em síntese, os principais domínios foram:

• Humanização do D. Penal e do D. Processo Penal;


• Consagração do direito de propriedade e da liberdade económica;
• Abolição dos privilégios e pº da igualdade formal;
• Reconhecimento de liberdades públicas – de opinião e associação;
• Participação democrática na escolha dos deputados às Cortes.

Refere, ainda, alguns direitos sociais: instrução primária e gratuita,


existência de estabelecimentos de ensino das ciências, letras e artes e os
socorros públicos.

Continha, ainda, deveres fundamentais (que voltam a surgir no regime


autoritário e no atual regime democrático-social):
• Venerar a religião;
• Amar e defender a pátria;
• Obedecer à Constituição e às leis;
• Respeitar as autoridades públicas;
• Contribuir para as despesas do Estado -> impostos.

Carta Constitucional de 1826

A Carta Constitucional representa um texto de carácter compromissório entre


os legitimistas (D. Miguel) e os liberais (D. Pedro IV).

Teve três vigências: de 1826 a 1828 (até Guerra Civil) + de 1834 a 1836
(Convenção Évora-Monte repõe CC1826 em 1834) + de 1842 a 1910 (República).

Representou ambos avanços e recuos do ponto de vista dos direitos


fundamentais:

• Os direitos fundamentais anteriormente previstos mantiveram-se;


• Adicionaram-se novos direitos (art. 145º): pº da não-retroatividade
das leis em geral (2º parágrafo), abertura a uma liberdade religiosa
limitada, liberdade de deslocação e emigração (para. 5), necessidade
de decretação da prisão por uma autoridade legítima (paras. 7 e ss.),
independência judicial e pº do caso julgado (para. 11), liberdade de
trabalho e de empresa; defesa da propriedade intelectual (para. 24).
o A sistematização dos direitos todos num art. só, contudo,
simbolizam uma desvalorização sistemática dos mesmos,
contudo, a proteção da pessoa (em termos regulativos)
expandiu-se com estes aditamentos.
• Ato Adicional de 1885 -> direito de reunião.

Constituição de 1838

Surge após a Revolução de Setembro de 1826, interrompendo a vigência da


CC1826. As suas opções marcam um compromisso entre o cartismo e o
vintismo e das influências estrangeiras acolhidas, nomeadamente Constituição
francesa de 1830 (feição monárquica e parlamentar), Belga de 1831 (novas
liberdades) e Espanhola de 1837. Teve uma vigência de apenas 4 anos,
terminando com o golpe de Costa Cabral.

Gozava de uma dupla legitimidade parlamentar/democrática (aprovada


pelas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes) e régia/monárquica
(sancionado pela Rainha D. Maria que aceitou e jurou o seu texto). Assim, trata-se
de uma Constituição Pactuada.

Em matéria de direitos fundamentais, retomou a localização sistemática


anterior à CC, que voltaram a constar da parte inicial do articulado. Registou-se,
ainda, uma preocupação em garantir os direitos sociais anteriormente garantidos.

Foram positivados novos direitos fundamentais e o reforço de alguns que já


existiam:

• Direito de associação;
• Direito de reunião;
• Direito de resistência;
• Liberdade de ensino público.

Constituição de 1911

A Revolução Republicana foi a mais programática, no sentido em que se


apoiou no programa republicano, que era fundado em três vetores fundamentais:

• Forma de governo republicana -> abolição da monarquia e


substituição da figura do rei pela presidência da república + pº
democrático;
• Laicização social do Estado -> separação absoluta entre Estado e
Igreja + redução da influência social da Igreja Católica;
• Municipalismo -> importância do poder dos concelhos como forma de
expressão mais próxima da vontade das populações locais.

Foi influenciada pela Constituição brasileira de 1891, da qual se adotou o


habeas corpus e a judicial review, mas também pela Suiça (adoção do referendo
local) e França.

A nível das mudanças em matéria de direitos fundamentais:

• Maior garantia dos direitos fundamentais:


o A nível sistemático -> parte inicial do articulado -> contudo,
concentrados em dois arts. -> arts. 3º e 4º;
o Consagração de novos tipos de direitos:
▪ Plena liberdade religiosa – art. 3, paras. 4-5 + 7-8;
▪ Abolição da pena de morte e de penas
perpétuas/ilimitadas – art. 3º, para. 22;
▪ Direito de revisão de sentenças condenatórias – art. 3º,
para. 24;
▪ Pº da legalidade dos impostos + direito de resistência
contra o seu pagamento ilícito – art. 3º, para. 27;
▪ Garantia do habeas corpus – art. 3º, para. 31;
▪ Garantia do emprego durante o cumprimento do serviço
militar obrigatório – art. 3º, para. 32;
▪ Etc.

Contudo, houve escassos progressos a nível de direitos sociais – apenas o


ensino primário tornou-se, além de gratuito, obrigatório – art. 3º/11/2ª parte. Outra
crítica que se faz relaciona-se com a ausência de igualdade política entre
homens e mulheres que, embora formalmente consagrada no texto
constitucional, era destorcida pela legislação ordinária eleitoral, não existindo
sufrágio universal.

Foi introduzida uma cláusula de abertura ou de não tipicidade do catálogo de


direitos fundamentais, reconhecendo direitos fundamentais atípicos, com os
seguintes limites:

• Consagração prévia numa fonte legal;


• Limite material -> direitos atípicos devem se identificar com princípios
constitucionais republicanos;
• Ser-lhes aplicado apenas parcialmente o regime dos direitos
fundamentais enumerados.

Constituição de 1933

É a Constituição do período do Estado Novo, de inspiração autoritária e


fascizante. O novo regime constitucional que visava impor era:

• Antiliberal – fundava-se no corporativismo, rejeitando o liberalismo;


• Antiparlamentar – a força política do parlamento era menorizada e
sobressaía o executivo (neste caso, o Presidente do Conselho);
• Antipartidário – partido único;
• Antidemocrático – regime autoritário em vez de democrático, com
fortes limitações às liberdades fundamentais.

A Constituição não foi elaborada democraticamente, pois foi sujeita a um


plebiscito (autoritário) e não a um verdadeiro referendo, dado o voto obrigatório e
as abstenções serem consideradas votos a favor.

Teve como influências a Constituição de Weimar e legislação do Estado


fascista italiano.
O Ato Colonial também possuía valor constitucional, sendo um complemento
relativamente à organização política dos territórios ultramarinos.

O art. 5º da Constituição caracterizava o Estado português como uma


República unitária, corporativa, baseada na igualdade perante a lei.

Em termos de direitos fundamentais, trata-se de uma Constituição nominal


pois, apesar de aparentemente consagrar vários direitos no art. 8º (incluindo
alguns direitos novos, como direito à vida e à integridade pessoal, ao bom nome e
à reputação, entre outros) e manter a cláusula de abertura, estes encontram-se
sob possibilidade de serem limitados sob leis especiais regulavam as liberdades
individuais (s2º).

O sistema de partido único implica muitas limitações políticas, bem como


disposições constitucionais como:

• Art. 8º, s1º -> possibilidade de prisão sem culpa formada nalguns
crimes mais graves;
• Art. 8º, s3º Limitação geral de que os cidadãos fazem uso dos seus
direitos sem ofensa dos direitos de terceiros e dos interesses da
sociedade ou princípios da moral.

A conceção corporativa do Estado introduziu alterações atinentes à ordem


social, encontrando-se enquadrados alguns direitos fundamentais, tais como:
proteção da família (art. 13º), associação do trabalho à empresa (art. 36º), direito
à educação e cultura (art. 42º e 43º) e liberdade de criação de escolas particulares
(art. 44º).

Entre o Estado e Religião surge um regime de separação cooperativa, em vez


de separação absoluta.

A revisão de 1951 consagrou novos direitos sociais e a de 1971 reforçou os


direitos individuais do ponto de vista das garantias do processo criminal.

Constituição de 1976

Acolheu influências da LF de Bona, com preocupações no reforço de


mecanismos democráticos e da proteção da dignidade da pessoa humana, e da
Constituição francesa de 1958, relativamente ao sistema de governo
semipresidencialista.

Organização sistemática:

• Princípios fundamentais – arts. 1º a 11º;


• Parte I – Direitos e deveres fundamentais – arts. 12º a 79º
o Direitos fundamentais:
▪ Direitos, liberdades e garantias;
▪ Direitos económicos, sociais e culturais.
• Parte II – Organização económica – arts. 80º a 107º
• Parte III – Organização do poder político – arts. 108º a 276º
• Parte IV – Garantia e revisão da constituição – arts. 277º a 289º
• Disposições finais e transitórias – arts. 290º a 296º

A nível de direitos fundamentais, as revisões constitucionais mais relevantes


foram as seguintes:

• 1ª revisão (1982) – incidiu sobre a organização do poder político e


fiscalização da constitucionalidade contribuindo para a “completa
democratização do sistema político português”, com a extinção do
Conselho de Revolução, o reforço do estatuto dos direitos fundamentais
dos trabalhadores.
• 4ª revisão (1997) – ampliaram-se direitos e reforçou-se o regime protetor
dos mesmos. Surgem novos direitos: de personalidade (direito geral de
personalidade – art. 26º/1) que se trata de uma nova cláusula de abertura
de direitos fundamentais atípicos na esfera da personalidade; de limites à
manipulação genética (art. 26º/3); em termos processuais, no combate à
morosidade da justiça e esquemas processuais de especial proteção de
direitos, liberdades e garantias pessoais & garantias criminais (direitos
de defesa e audiência).
• 5ª revisão (2001) – atribuição aos cidadãos de língua portuguesa de um
leque de direitos políticos (art. 15º).

2. Os DF em algumas Constituições Estrangeiras


Constituição do Reino Unido

O sistema jurídico do Reino Unido é de common law e assenta em três traços


fundamentais:

• Custom law -> costume como fonte de Direito:


o Nota: a fonte prevalecente é o costume constitucional, que faz
parte da unwritten constitution. Muitas regras não escritas,
traduzem práticas assumidas como obrigatórias pelos
governantes do sistema político -> importância das praxes e
convenções constitucionais que são respeitadas, mesmo não
havendo efetividade jurisdicional.
• Precedent rule;
• Esbatimento das fronteiras entre D. Público e Privado.

A Constituição é flexível -> combina normas legais com costumeiras e em


ambas a respetiva alteração ou revogação não está sujeita a um procedimento
legislativo específico (pode ser alterada através de meros Acts of Parliament).

Esta característica decorre da própria forma de governo que é uma monarquia


constitucional simbólica em que vigora o princípio de Parliament Sovereignty –
nesse sentido, uma Constituição rígida seria uma autolimitação da vontade
parlamentar.

Desde cedo, houve uma preocupação em proteger os direitos fundamentais


e em limitar o poder público através de textos com valor constitucional, como
os seguintes:

• Magna Carta (afirma direitos da nobreza e do claro contra o rei):


o Liberdade da Igreja Católica;
o Pº democrático na cobrança de impostos;
o Pº da intervenção judicial;
o Liberdade de emigração.
• Petition of Right (proclamação de direitos fundamentais dos súbditos):
o Não cobrança arbitrária de impostos/dádivas sem lei do
parlamento a consentir;
o Não detenção sem causa;
o Revogação da lei marcial em tempos de paz.
• Habeas Corpus Act (reforço das garantias dos indivíduos contra
detenções arbitrárias mediante suspeita de ilícito). Favorece a
liberdade individual.
• Bill of Rights (reforça direitos outorgados por outros documentos e a
soberania do Parlamento).

Atualmente, o sistema constitucional britânico inclui novos direitos, fruto da


adesão a textos internacionais de proteção de direitos humanos, incluindo a
CEDH e protocolos posteriores, tendo sido de especial importância o Human
Rights Act.

Constituição dos EUA


O sistema constitucional norte-americano acolhe algumas influências de
Common Law (na aceitação do costume como fonte e na forte relevância dos
tribunais, nomeadamente o stare decisis), mas diferencia-se do Reino Unido por
ter uma Constituição escrita (1787).

Trata-se da Constituição mais antiga do mundo porque tem um carácter mais


estatutário (concentrando na organização dos poderes do Estado) e pouco
programático, visto que normas programáticas estão muito sujeitas a variações
conforme a conjuntura social e política, enquanto as primeiras tendem para uma
maior longevidade, o que torna a Constituição elástica e moldável à mudança
dos tempos.

Trata-se, contudo, de uma Constituição hiper-rígida, sendo necessário um


procedimento específico para a sua modificação que é agravado relativamente à
elaboração de leis ordinárias e que observa alguns limites materiais.

Revisão constitucional -> Bill of Rights de 1789 -> 10 aditamentos que


positivam os direitos fundamentais (liberdade de religião, de culto, de opinião e de
imprensa, de reunião e direito de petição; due processo of law, direito à propriedade privada,
garantias processuais criminais de defesa, etc.), visto que o texto original da Constituição
se ocupa apenas de organização do poder político com base na conceção
clássica e tripartida da separação de poderes. Em momentos posteriores,
surgiram outros novos direitos.

Contém uma cláusula aberta de direitos fundamentais não tipificados no


Aditamento IX, permitindo outros direitos além dos consagrados e, nesse sentido,
o Supremo tem intervindo para alargar a proteção dos direitos já reconhecidos.

A ausência de direitos sociais no articulado, leva a uma caracterização da


Constituição como liberal, tendo o Supremo, perante essa omissão, desenvolvido
um papel na garantia da sua proteção.

Constituição de França

A Constituição atual foi aprovada em 1958 por referendo popular. É puramente


organizatório e não traduz uma relevância direta dos direitos fundamentais, sendo
que a sua positivação ocorre através de remissão para outros textos não descritos
no seu articulado.

Apesar de ter sido a partir da França que se deram as Revoluções Liberais, a


Constituição francesa é criticada por uma deficiente proteção de direitos
fundamentais comparado com outros OJ constitucionais, visto que não contém
nenhum catálogo de direitos fundamentais -> faz algumas alusões esparsas
através de remissão para a DDHC e outros textos.
Assim, possui quatro mecanismos de consagração de direitos fundamentais:

• A remissão para a DDHC consagra, entre outros, os direitos à igualdade,


à liberdade, à proibição de penas arbitrárias, necessidade de penas,
direito à propriedade, etc.
• Proteção de DF através de leis da República;
• Proteção dos pº económicos e sociais necessários ao nosso tempo; e
• Direitos e deveres da Carta do Ambiente de 2004.

Durante muito tempo, a força constitucional destas alusões foi debatida por
estarem situadas fora do articulado.

O Conselho Constitucional (órgão de natureza para-judicial) desempenha a


tarefa de corrigir o que não pode ser feito pela via legal-constitucional,
nomeadamente as deficiências eventuais em matéria de DF.

Constituição da Alemanha

Caracteriza-se por:

• Elevada efetividade da proteção dos direitos fundamentais +


fundamento na supra-positividade da dignidade da pessoa humana;
• Sistema de governo parlamentar racionalizado + Estado Federal;
• Fiscalização da constitucionalidade das lei -> TCF.

A proteção de direitos fundamentais é assegurada pelos mecanismos de


garantia que acompanham os DF, entre os quais:

• Vinculação direta e pública de todos os poderes do Estado;


• Consagração da dignidade e da inviolabilidade da pessoa humana;
• Sobrevivência de certos direitos, mesmo em estado de exceção;
• Perda de direitos fundamentais em resultado da violação da ordem
constitucional livre e democrática;
• Limitação das normas restritivas do exercício dos DF.

P A R T E II
Capítulo V – Direitos fundamentais na Constituição Formal
1. As fontes positivas dos DF
Existem duas fontes de direitos fundamentais: princípios constitucionais e
normas constitucionais.

a) Quanto aos princípios:


• Não assentam numa estrutura dualista, coexistem com princípios
contraditórios e aplicam-se na medida do possível.
• O seu papel é importante em particular para resolver questões
complexas de averiguação da constitucionalidade das leis, quer por
integração de eventuais lacunas constitucionais, quer pela sua
flexibilidade que auxilia a resolução de casos difíceis.
• Principais funções:
o Legitimadora -> definem a aceitação do OJ constitucionalidade
e da sua validade material;
o Normogenética -> são aptos à produção direta de uma
orientação de dever-ser a ser acatada pelos órgãos aplicadores
de Direito e de onde se extrai critérios materiais de decisão,
nomeadamente DF;
o Interpretativa;
o Integradora.

b) Quanto às normas:
• Têm estrutura dualista -> previsão (descrição de um facto com
relevância jurídica) e estatuição (efeito jurídico consequente).
Estabelecem, assim, critérios materiais de decisão.
• São de aplicação total;
• Existem duas classificações a considerar:
o Normas precetivas e programáticas – as primeiras são
imediatamente eficazes, sem dependerem da realização de
qualquer outra condição, enquanto as segundas são de eficácia
mediata, ficando dependentes do contexto económico, social.
o Normas auto-exequíveis e hétero-exequíveis - as primeiras
executam-se por si mesmas, enquanto as segundas requerem o
auxílio de uma interpositio legislatoris para se tornarem
aplicáveis.

Estas classificações podem ser combinadas, existindo os seguintes três


tipos de normas:
• Normas constitucionais precetivas auto-exequíveis -> eficácia
imediata e direta, logo não carecem de ato de interposição para
serem executadas;
• Precetivas hétero-exequíveis -> eficácia imediata e indireta, ou
seja, não dependem da reunião de certas condições de facto ao
nível da realidade constitucional, mas precisam, mesmo assim, de
um ato jurídico-público para as executar;
• Programáticas e hétero-exequíveis -> eficácia mediata e indireta,
ou seja, estipulam objetivos a atingir, de modo que a força jurídica
não se lhes impõe imediatamente, pois, para tal, é necessário ato de
interposição a dar-lhes execução.

Os direitos fundamentais possuem uma força jurídica constitucional,


gozando de um estatuto formalmente constitucional por constarem do articulado
da CRP, o que se torna relevante por termos um OJ hierarquizado no qual a CRP se
situa no topo, pois acima desta não se reconhece a validade de qualquer outra
fonte normativa de D. Positivo -> todas as restantes fontes encontram-se abaixo
da CRP e não a podem contrariar sob pena de inconstitucionalidade e,
consequente, invalidade.

Assim, a supremacia hierárquica implica que nenhuma outra norma ou


princípio que não seja constitucional pode contrariar o sentido normativo extraído
dos DF. Logo, normas/princípios que ofendam DF são inconstitucionais, e
afastados do OJ.

A natureza constitucional dos DF releva, ainda, relativamente à rigidez


constitucional, no sentido em que são limite material à revisão constitucional
(art. 288º).

A interpretação constitucional pauta-se por alguns princípios:

• Pº da unidade da Constituição -> lógica sistemática global;


• Pº da concordância prática -> devemos procurar a interpretação que
maximize os princípios e implique o menor sacrifício destes, tendo em
conta que conflituam entre si;
• Pº da correção funcional -> a interpretação deve respeitar o equilíbrio
de poderes e competências e a separação de poderes;
• Pº da eficácia integradora -> o intérprete deve considerar os objetivos
de integração social e de unidade política que não se podem desligar da
realidade constitucional;
• Pº da máxima efetividade -> deve-se procurar o sentido que mais
eficácia possa dar às fontes constitucionais.

A integração de lacunas constitucionais no OJ português dá-se através da


possibilidade de recorrer à DUDH para integrar lacunas de direitos fundamentais.
O método de integração é normativo em vez de casuístico porque “acontece em
permanência e não se apaga sempre que, tendo surgido um caso, o mesmo venha
a ser resolvido” (prolonga-se para o futuro). Um exemplo, é o recurso ao art. 29º/2
da DUDH para integrar a lacuna relativamente aos limites impostos ao exercício
dos direitos fundamentais (que não pode ser abusivo).

2. A formulação textual dos DF


Os direitos fundamentais serem tipificados significa encontrarem-se no
próprio articulado da CRP com o seu objeto e conteúdo relativamente
pormenorizados, e não serem meras cláusulas ou conceitos gerais, mais amplos e
menos específicos. Contrapõem-se aos direitos fundamentais atípicos, que se
situam fora da CRP documental.

Os direitos fundamentais não são tipologias fechadas, são


abertos/exemplificativos, o que significa que os que se encontram positivados na
CRP nunca são os únicos, podem sempre existir mais, nomeadamente os
atípicos.

É normal os textos constitucionais aceitarem a contribuições de outros níveis


do OJ, incluindo fontes internacionais ou leis ordinárias, para completar o elenco
constitucional dos direitos fundamentais.

O art. 16º introduz uma cláusula de abertura no catálogo constitucional de


direitos fundamentais, com duas funções:

• De integração – a partir dessa cláusula novos direitos fundamentais


obtêm reconhecimento de direitos fundamentais;
• De aperfeiçoamento – outras fontes podem conter contornos mais
precisos dos direitos fundamentais.

Trata-se de receção constitucional -> dá-se força constitucional a certas


normas que são fontes de direitos fundamentais e, que sem esta norma, seriam
meras normas infraconstitucionais.

Sobre os direitos fundamentais atípicos, importa saber:

• Qual o critério material que permite identificá-los?


o Analogia iuris – núcleo material de proteção constitucional da
pessoa humana.
• Quais as fontes de onde emanam?
o Fontes normativas externas -> DIP e DUE, nos termos gerais em
que a CRP permite a sua incorporação interna;
o Fontes normativas internas legais -> leis.
• Qual o regime que lhes é aplicável?
o Regime de direitos fundamentais de natureza análoga.

Figuras afins:

• Direitos fundamentais implícitos -> resultam da interpretação extensiva


das fontes constitucionais;
• Direitos fundamentais extradocumentais;
• Não enumerados.

Capítulo VI – DF na Constituição Material


1. Configuração substantiva dos DF

Problema – qual o critério unificador dos direitos fundamentais da CRP e


como, perante um texto constitucional, visualizar um conceito comum explicativo
de todos os tipos de direitos fundamentais? -> É importante saber porque a CRP
aceitou mecanismos de abertura fundados nesse mesmo critério racional.

Teorias explicativas do séc. XX das tipologias de direitos fundamentais:

• Teoria liberal -> liberdades negativas.


• Teoria socialista -> sistemas constitucionais de inspiração soviética.
Direitos fundamentais são essencialmente de cariz social e económico
e estão ao serviço de uma ideologia única e de uma ditadura coletivista
de extrema-esquerda.
• Teoria fascista -> sistemas constitucionais fascistas. Os direitos
fundamentais têm relevância social-corporativa numa conceção de
organização do poder do Estado. Existem alguns direitos económicos e
sociais.
• Teoria social -> sistema constitucional democrático. Relacionado com
o intervencionismo económico e social, contemplando mecanismos de
intervenção pública para combater as desigualdades.
• Teoria democrática -> preservação da democracia política. A
Alemanha desempenhou um papel essencial no pós-guerra nesse
sentido, devido ao trauma provocado pelo regime nacional-socialista.

Teorias explicativas atuais das tipologias de direitos fundamentais:

• Teoria dos direitos feministas;


• Teoria dos direitos de identidade de género;
• Teoria dos direitos à segurança em contexto de risco;
• Teoria dos direitos digitais;
• Teoria dos direitos dos animais.

Há uma necessidade de um conceito material de direito fundamental, pois é


através deste que se pode consumar a identidade do sistema constitucional de
DF. Como a CRP não dá um critério explicitamente, é necessário analisar os
princípios constitucionais, em especial, a dignidade da pessoa humana e o Estado
de Direito.

As garantias diretamente vinculadas aos direitos fundamentais e as garantias


institucionais têm uma relação de auxílio com os DF que permite proteger um
conjunto de bens jurídicos essenciais.

Há três teorias sobre a densificação do conceito material de DF, ou seja, sobre


quais vetores substanciais o legislador constituinte erigiu o seu conceito de DF:

• Teoria Imperialista (Jorge Miranda);


• Teoria liberal-moderna (José Carlos Vieira de Andrade);
• Teoria omnicompreensiva (Gomes Canotilho e Vital Moreira);
• Critério misto (prof. Bacelar) -> hoje em dia, nenhuma teoria pode ter
a pretensão de explicar a totalidade de um sistema de DF. Há vários
aspetos subjacentes aos DF e estes foram evoluindo muito desde o séc.
XIX, razão pela qual, não é possível uma uniformização destes. Nos
tempos atuais é inviável definir na CRP os DF com base num único
critério material comum porque são o resultado de décadas de
evolução histórica e, consequente, de múltiplas dimensões relevantes
para a proteção dada pelos DF em correspondência com as diversas
teorias explicativas que foram surgindo (liberal e social, democrática e
marxista).
2. Summa divisio entre “direitos, liberdades e garantias” e os
“direitos económicos, sociais e culturais”
Os direitos fundamentais não têm a mesma efetividade normativa –
distingue-se entre “direitos, liberdades e garantias” (DLG) e “direitos
económicos, sociais e culturais” (DESC), embora não seja fácil fazer uma
distinção rigorosa entre estes dois grupos porque a arrumação sistemática da
CRP não é totalmente correta.

O articulado confere um regime específico aos DLG que não é aplicável


aos DESC, sendo, por isso, necessária a sua divisão, tendo em conta que
podem não estar corretamente localizados.

A conceção de DLG que tem tido mais adesão é de índole formal e aponta
para um critério de determinabilidade do objeto e conteúdo dos DLG no
plano das opções constitucionais, por contraposição aos DESC cujo
conteúdo é determinado essencialmente por opções do legislador ordinário ao
qual a CRP confere poderes de concretização (José Carlos Vieira de Andrade).
O prof. Bacelar critica este critério porque “o texto da CRP nem sempre é
coerente quanto ao grau de densidade conferido à positivação de DF, dele não
fazendo depender o regime aplicável, podendo haver DF determinados que
sejam sociais”.

Existem outros critérios, nomeadamente critérios mistos, sendo dois


exemplos os seguintes:

• Critério misto entre a natureza defensiva dos direitos e a similitude


com os direitos positivos enquadrados nos DLG do título II da Parte I
da CRP,
• Critério misto que integra simultaneamente as dimensões de:
aplicabilidade direta, determinabilidade constitucional do conteúdo
e a exequibilidade autónoma (crítica: direito à objeção de
consciência é de 1ª geração e não é exequível por si mesmo).

Posição adotada pelo prof. Bacelar:

• DLG são um grupo mais restrito dos DF em geral -> são as posições
subjetivas constitucionalmente positivas em normas precetivas. O
regime dos DLG assenta no pressuposto da sua eficácia imediata.
• De modo contrário, as normas constitucionais de DESC são
programáticas e menos vinculativas.
• Assim: “o critério de separação entre estes dois grupos de direitos
fundamentais é normativo-formal”.
• Crítica os restantes critérios:
o “critério da natureza prestativa dos direitos” não é aceite
porque DLG podem ter uma feição positiva e exigir a adoção
de certos comportamentos (ex: direito à vida e direito a uma
existência mínima/sobrevivência) -> dupla dimensão;
o “critério dos destinatários públicos dos direitos” também
é rejeitado porque os DF não vinculam apenas o poder
público, apesar de existir maior um dever de cumprimento de
um direito social por parte do poder público do que sobre a
restante comunidade pública.

Regulação e restrição de DF são mais limitadas nos DLG do que nos DESC.

Enumeração exemplificativa dos DLG e DF análogos a DLG:

DF análogos aos DLG beneficiam do mesmo regime especial aplicável aos


DLG, de acordo com o art. 17º.

Critério para identificar DF análogos aos DLG – “o carácter precetivo das


normas que atribuem aqueles, por oposição ao carácter programático das normas
que atribuem estes”.

Exemplos de direitos análogos tipificados em preceitos constitucionais fora do


Título II da Parte I da CRP:

• Título I da Parte I -> Art. 21º, 20º e 23º;


• Título III da Parte I -> art. 60º, 61º/1, 62º.
• Parte II -> art. 89º, 103º/3;
• Parte III -> art. 268º e 276º.

3. Conjunto dos DF na CRP


Classes de direitos fundamentais na CRP:

• Enumerados ou não;
• Pertença direta ou remissiva;

DF típicos e enumerados do Título II, Parte I (DLG):

• categoria de “direitos, liberdades e garantias pessoais” - arts. 24º a 47º;


• categoria de “direitos, liberdades e garantias de participação política” –
arts. 48º a 52º;
• categoria de “direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores” – arts. 53º
a 57º.

DF típicos e enumerados do Título III, Parte I (DESC):

Alguns DF aqui localizados são DLG análogos e que beneficiam do regime


especial de DLG:

• art. 60º/1 -> direitos dos consumidores;


• art. 61º/1, 2 e 3 -> direito de iniciativa económica, direito à constituição de
cooperativas e direito de autogestão;
• art. 62º/1 -> direito de propriedade privada e à indemnização por requisição
e expropriação por utilidade pública.

A maioria dos restantes entre o art. 58º e 79º são DESC.

DF típicos e não enumerados noutras disposições da Constituição


Documental:

Direitos positivados no texto constitucional, mas que se localizam fora da


arrumação sistemática dos títulos I e II da Parte I:

• Título I da Parte I -> arts. 13º, 20º/1 e 2, 21º, 23º/1;


• Fora da Parte I -> 89º, 98º, 103º/3, 113º/3, 114º/2, 268º/1, 2, 4 e 5,
269º/3, 271/3, 276º/1 e 7.

DF típicos e extradocumentais (remissivamente acolhidos pelo articulado):

• DUDH -> arts. 10º, 15º/2, primeira parte, 15º/2, 17º/2, 18º/1, 24º, 25º, 10º.

DF atípicos e constantes das leis e das regras aplicáveis de DIP

Capítulo VII – Regime Geral dos DF


O regime geral tem três dimensões: atribuição subjetiva, exercício e tutela.

1. Atribuição Subjetiva dos DF


Os DF são atribuídos aos sujeitos com basse em dois princípios:

• Princípio da Universalidade:
o Art. 12º/1 e 2;
o De acordo com o nº2 do art. 12º pessoas coletivas privadas são
titulares de DF, desde que estes, em concreto, se harmonizem, na
proteção concedida, ao sentido existencial da pessoa coletiva em
causa. Já pessoas coletivas públicas não porque os DF visam
defender a liberdade e autonomia da sociedade, não de segmentos
de poder contra outros segmentos de poder, apesar de haver
exceções pontuais.
o Através do art. 15º/1, a titularidade dos DF alarga-se além pelo pº
da equiparação, segundo o qual os DF que se aplicam aos
cidadãos portugueses, aplicam-se aos estrangeiros e apátridas.
Contudo, os números do art. seguintes apresentam exceções que
limitam este pº.

• Princípio da Igualdade:
o Art. 13º: tratamento igualizador e tratamento diferenciador
(mediante razões substantivas que o explique);
o Por força do pº da igualdade social pode implicar, em certos casos,
adotar um tratamento diferenciador que seja positivamente
discriminatório em favor de certos grupos ou situações.

2. Exercício Jurídico dos DF


Há dois esquemas de intervenção no exercício de DF:

I. Regulação do exercício:
o Regulamentação de DF – intervenção não necessária. Esclarece a
estrutura (conteúdo e objeto) e disciplina do DF.
o Concretização de DF – intervenção indispensável para dar
exequibilidade aos DF e permitir o respetivo exercício + delimitação
dos seus contornos para prevenir um eventual conflito com outros
direitos contíguos (pº da concordância pratica).

A regulação, em poucos casos, fica a cargo do próprio texto constitucional:


exemplo da “liberdade de reunião” -> o texto constitucional consagra os seus
contornos como “pacífica e sem armas” e na explicitação do exercício “livre”, sem
necessidade de autorização de autoridades públicas (art. 45º/1). Também no
“direito à integridade pessoal” há especificação de que não se admite certas
práticas como “tortura, tratos ou penas cruéis…” (art. 25º/2).

Quanto às intervenções legislativas, distingue-se entre: leis reforçadas (art.


112º/3); e atos legislativos comuns. Para DLG apenas podem legislar o Governo e
AR, enquanto para DESC podem legislar a AR, Governo e ALR.
Para os casos não previstos na categoria de leis de valor reforçado, o tipo
de intervenção legislativa (através de ato legislativo comum) vária em função de
serem DLG – reserva relativa da AR – ou DESC – competência concorrente.

Contudo, há exceções: casos de reserva absoluta da AR em DLG (liberdade


de ensino, direito à liberdade física e liberdade de exercício de cargos públicos ->
art. 164º/als. i),m),n)); e casos de reserva relativa da AR em DESC (direito à
segurança social, à proteção de saúde e direito do ambiente e à cultura, cujas
bases caem no escopo do art. 165º/f), g)).

II. Limites do exercício:

Não existir nenhuma cláusula na CRP como o art. 334º do CC do abuso de


direito a limitar o exercício dos direitos fundamentais é problemático, sendo que
alguns consideram que estes não podem ser limitados por essa razão.

Contudo, com recurso à DUDH e ao seu art. 29º/2, temos indicações de


limitações, fornecendo-nos, assim, uma cláusula geral de limitação ao
exercício de DF.

Perante isso, há duas posições:

• Há quem aceite a invocação da DUDH, considerando que há uma


lacuna constitucional na regulamentação das limitações do exercício
dos DF, e, como tal, na sua função integradora, é possível aplicar esta
disposição;
• Há quem defenda que não, pois só se pode invocar a DUDH no sentido
mais favorável ao cidadão e contra o poder, não podendo ser invocada
para apelar a um sentido cujo resultado seja mais restritivo para os
titulares de DF.

Os limites ao exercício de DF também podem estar relacionados com a colisão


de direitos. Uma solução é através de uma intervenção legislativa reguladora que
antecipe os casos de conflito e os evite, fixando na legislação os termos do seu
exercício para que o conflito não ocorra.

A cláusula geral do CC pode ser aqui aplicada:

• Aplicação preferente do DF valorativamente superior ao outro DF;


• Aplicação concordante dos DF considerados valorativamente
equivalente -> concordância prática.
Existem, ainda, os direitos absolutos que “se posicionam num estalão
supremo da OJ e sendo, por conseguinte, logo prevalecentes sobre quaisquer
outros direitos com que eles entrem em conflito”.

Contudo, José Carlos Vieira de Andrade, considera que não é possível ficar um
quadro hierárquico e prévio de DF (com uma ordem hierarquizada dos valores
constitucionais) para fazer face a situações de colisão de direitos. Gomes
Canotilho tem uma posição semelhante, acrescentando que podemos apenas
fazer uma apreciação concreta, ponderando os bens jurídicos caso a caso.

De acordo com o prof. Bacelar, não é possível uma solução de tipo rígido em
matéria de colisão de direitos porque:

• Não resolve todos os conflitos existentes, nomeadamente entre direitos


que façam parte da mesma categoria na hierarquia;
• É irrealista pensar que é possível resolver todos os conflitos em
abstrato, desligado da realidade e do conflito em concreto;
• Mas a solução da concordância prática também não permite resolver
todos os problemas, sendo, em alguns casos, necessário substituir
pela prevalência, dependendo da gravidade da colisão dos direitos no
caso concreto. Neste sentido os direitos absolutos afiguram-se como
relevantes enquanto critério geral de ordem ética (sendo estes DF
relacionados com a dignidade da pessoa humana), podendo, nestes
caos, determinar a sua prevalência sobre outros DF conflituantes.

3. Tutela dos DF
Trata-se dos mecanismos concebidos para defender os DF contra violações de
que sejam alvo, assegurando, assim, a sua maior efetividade.

Existem duas modalidades de tutela de DF:

• Tutela não contenciosa -> “abrange os instrumentos que determinam


a possibilidade de defender os DF sem ser necessário recorrer aos
tribunais”. O Provedor de Justiça pode exercer uma atividade de
controlo quanto à defesa de DF através de uma atuação independente,
nomeadamente através de pedidos de fiscalização de
constitucionalidade. Este desenvolve uma proteção informal dos DF,
sendo esta uma incumbência sua de acordo com o art. 1º/1 do EPJ. O
acesso à sua atuação realiza-se através do direito de queixa.
• Tutela contenciosa – defesa dos DF levada a cabo pelos tribunais (art.
202º/1 CRP), a qual pode ter como resultados:
o Desvalorização dos atos jurídico-públicos que violem os DF;
o Imposição de deveres indeminização, nos termos da
responsabilidade civil ou outras responsabilidades.

Capítulo VIII – Regime Especial dos DLG


1. O sentido do regime especial dos DLG
Este regime é mencionado no art. 17º.

O prof. Jorge Bacelar propõe um significado de regime especial de DLG de


acordo com o seguinte esquema: aplicabilidade, vinculação, suspensão, restrição
e tutela.

2. Aplicabilidade direita e imediata dos DLG


De acordo com o art. 18º/1, os DLG são diretamente aplicáveis, o que
significa que “para serem exercitáveis pelos respetivos titulares, não carecem de
qualquer interposição legislativa, bastando-se a si mesmos e por si impondo os
seus comandos”. É lógico que assim seja, caso contrário os DF ficariam
dependentes do Direito infraconstitucional, o que representaria uma inversão da
hierarquia do OJ.

Reforça a proeminência jurídica dos DLG na relação que mantêm com outros
níveis da OJ. Contudo, pode haver desvios a esta orientação geral -> exemplo do
direito à objeção de consciência, que carece de interposição legislativa.

Além disso, possuem aplicabilidade imediata, o que “implica que as


faculdades contidas naquela categoria de direitos podem ser logo realizáveis e
não estão dependentes da consecução de condições de facto, como condições
económicas e sociais favoráveis, podendo as mesmas impor-se nos restantes
estalões do OJ”. Não há nenhuma disposição constitucional que o diga
explicitamente, mas, por maioria de razão, a efetividade a impor através da
aplicabilidade direta só faz sentido se houver, igualmente, aplicabilidade imediata.

3. Vinculação das entidades públicas e privadas aos DLG


A vinculação às entidades públicas e privadas relaciona-se com uma
preocupação de maximizar a operacionalidade dos DLG e está presente, também,
no art. 18º/1 (equivalente ao art. 1º/3 da LF).
Vinculação das entidades públicas:

• Mesmo que o art. 18º/1 nada dissesse sobre a vinculação das


entidades públicas, este é um pressuposto que continuaria a verificar-
se, tendo em conta que os DF em geral, e os DLG em particular, têm
uma dimensão de proteção e defesa contra o poder público e, em
particular os DLG, que implicaria sempre a “adstrição geral das
entidades públicas ao respetivo cumprimento”.
• Refere-se ao Estado, mas também a entidades públicas fora deste,
como as infra e supraestraduais.
• No âmbito das funções do Estado (legislativa, administrativa, política e
jurisdicional), cada uma delas encontra-se sujeita aos DLG.

Vinculação das entidades públicas:

• refere-se às pessoas jurídicas não reguladas pelo D. Público, mas pelo


D. Privado;
• trata-se da “eficácia horizontal” (para terceiros) dos DF, vinculando os
cidadãos entre si e não somente o poder público;
• contudo, a aplicação desta regra nem sempre é viável -> de acordo com
José João Abrantes, enquanto em determinadas situações a eficácia
horizontal está garantida (= quando o próprio texto constitucional
admite que os DLG se operam em relações jurídicas entre privados),
noutras não faz sentido (= quando os DLG em causa apenas têm como
único destinatário possível o poder público).

4. Suspensão dos DLG


A suspensão de DLG é apenas admissível na vigência de um estado de
exceção (estado de sítio ou de emergência), “em vista das respetivas finalidades
e estritamente limitado ao modo por que pode exercer-se”.

Note-se que o estado de guerra e o estado de exceção são figuras distintas,


não obstante semelhanças a nível de pressupostos e procedimento.

Conta com três elementos constitutivos: “O estado de exceção constitucional


pode ser definido como a alteração fundamental da ordem jurídico-
constitucional (ELEMENTO MATERIAL), de vigência transitória (ELEMENTO
TEMPORAL), que reforça o poder público (ELEMENTO FUNCIONAL), fundada na
ocorrência de situações de anormalidade que lhe são lesivas (à OJ), visando pôr-
lhes cobro (= pôr-lhes fim)”.
Na perspetiva do estado de exceção como manifestação do poder político, o
poder de exceção constitucional localiza-se no conjunto das funções
constituídas do Estado (não pode ser considerado poder constituinte porque se
encontra sujeito a constrições, nomeadamente ao pº de retornabilidade à ordem
constitucional pré-existente), com as três dimensões já referidas: alteração
material da ordem constitucional, reforço do poder público e durante um período
limitado, nunca definitivo. É o que mais se aproxima do poder constituinte por ser
um poder que altera consideravelmente a Constituição.

Contudo, a ação deste poder encontra-se delimitada negativamente:

• Por limites materiais, através de padrões éticos transcendentes ao


poder constituinte;
• Por limites estruturais – o estado de exceção deve ser uma realidade
prevista pela Constituição da Normalidade para ter um fundamento de
validade e em termos do regime dos seus efeitos;
• E por limites funcionais, inerentes à sua eficácia – só pode ser exercido
para atuações que sejam viáveis ao contexto ao qual se deve o estado
de exceção.

Na perspetiva de estado de exceção como ordenamento constitucional


autónomo -> implica a adoção de uma “regulação jurídico-constitucional
contrária às orientações gerais substanciais que enformam o ordenamento
constitucional (a Constituição da Normalidade)”.

Além das normas excecionais, pode haver normas especiais no estado de


exceção como OJ própria, no sentido em que nem todas as atuações neste
contexto implicam que normas jurídicas contrárias às do OJ normal, podendo
algumas atuações serem “meramente adaptativas”, sem se desviarem de
determinada orientação geral.

Além disso, corresponde a “uma ordem constitucional parcelar, e jamais


total, sendo a sua regulação (…) parcial por referência à ordem constitucional da
normalidade” -> só faz sentido falar de normas excecionais ou especiais por
referência a uma ordem constitucional de normalidade e em comparação
com esta.

Fontes normativas do regime do estado de exceção:

• Não se limitam ao texto constitucional, englobando também fontes


internacionais e fontes legais;
• Quanto às fontes internacionais -> matéria de derrogações aos
direitos do homem previstas no PIDCP e CEDH, nos arts. 4º e 15º
respetivamente, são aplicáveis no OJ português;
• Quanto às fontes legais -> LRESEE (lei específica sobre estado de
exceção), contudo há mais legislação.

Regime dos estados de exceção (LRESEE):

• Pressupostos -> situações de crise político-social (art. 19º/2 CRP +


1º, 8º + 9º LRESEE):
o “agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras”;
o “grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional
democrática”, ou seja, uma situação que coloque em causa a
estrutura constitucional do Estado (o seu núcleo);
o “calamidade pública” causado por acidentes tecnológicos
ou catástrofes naturais.
▪ Críticas: há sobreposição parcial dos pressupostos,
por exemplo, “agressão por forças estrangeiras”
também é uma violação de princípios da ordem
constitucional democrática, como o pº da
integralidade territorial do Estado português.

• Procedimento de decretação -> engloba atuação de diferentes


órgãos de soberania (arts. 10º e ss. & 23º e ss. LRESEE):
o Iniciativa do PR, elaborando um projeto de declaração;
o Audição instrutória do Governo - PR consulta o governo que
emite parecer obrigatório, mas não vinculativo;
o Autorização da AR – o projeto de declaração, após parecer do
governo, é submetido a apreciação da AR que autoriza ou não
e pode introduzir emendas (aprovação parlamentar prévia);
o Decisão final do PR após autorização parlamentar nos
termos propostos + referenda ministerial (aprovação final).

• Execução -> realização prática das providências previstas como


efeito da exceção constitucional:
o cabe ao Conselho de Ministros (não está na CRP nem na
LRESEE, mas entende-se que assim seja por praticar atos de
natureza semelhante e por possuir uma competência
político-administrativa residual) por resolução de CM;
o incumbe, ainda, ao governo, informar o PR e a AR dos atos
que tiverem sido tomados.
o Temos execução nacional, regional e local.

• Extinção -> modos que determinam o fim do estado de exceção: art.


13º LRESEE identifica três causas para a extinção:
o Revogação presidencial por cessação dos pressupostos;
o Decurso do prazo de aplicação;
o Recusa da confirmação parlamentar do ato de autorização.

Existem mais três causas, não designadas:

o Revogação do estado de exceção por ato presidencial OU


parlamentar sem estar ligado à cessação dos pressupostos;
o Substituição de um estado de exceção por outro menos
gravoso;
o Revogação do estado de exceção por revogação
superveniente do ato parlamentar de autorização ou de
confirmação.

• Efeitos:
o materiais -> suspensão de DLG (art. 19º/1 + 2º/2 LRESEE).
Note-se que há DLG cuja suspensão é impossível;
o organizatórios -> reforço das competências administrativas
do governo, enquanto órgão que chefia a execução (art. 19º/8
CRP + 19º LRESEE). O pº geral é que as competências dos
restantes órgãos de soberania não se alterem, ainda que tal
possa ocorrer em certos casos;
o territoriais -> escolha da parcela do território em que os
efeitos vão ter lugar;
o temporais -> duração dos efeitos.

• Controlo da execução -> através do parlamento (controlo político:


poder de fiscalizar, art. 28º LRESEE e 162º/b) CRP) e tribunais
(controlo judicial: TC verifica a constitucionalidade dos atos de
decretação e de execução; os restantes tribunais verificam a
legalidade).

5. Restrição dos DLG


O legislador ordinário pode regular, limitar e, ainda, restringir o exercício dos
DLG, contudo com os limites do art. 18º/2 e 3. A intervenção legislativa para os
primeiros vale mutatis mutandis para as restritivas. Prende-se com “a diminuição
do alcance permissivo das fontes constitucionais que garantem os DLG”, através
de restrições objetivas ou subjetivas (= apenas para certas categorias de
pessoas).

Visa assegurar a efetividade dos DLG na tipologia do seu conjunto, exercendo


três tipos de função:

• Função adequadora -> a restrição de um DLG serve para permitir que


outros se exerçam sem sobreposições, visando a otimização dos
respetivos conteúdos e exercício.
• Função dirimente -> surge em contexto de colisão entre DLG, com o
exercício conflituante por parte de dois ou mais titulares de direitos
contrapostos. A restrição de um DLG pode servir para evitar a repetição
desses conflitos no futuro.
• Função comunitária -> liga-se à conjugação entre DLG das pessoas e
os bens/interesses coletivas merecedores de tutela. A restrição de DLG
pode ser um instrumento de garantia desses bens, limitando aqueles
nas situações em que os mesmos conflituariam com interesses da
sociedade.

Alguns DLG preveem a possibilidade do legislador ordinário efetuar a sua


restrição -> Princípio da autorização constitucional (o preceito constitucional
tem de prever essa intervenção restritiva a título expresso):

• Art. 27º/3;
• Arts. 34º/ 2 e 4;
• Art. 49º/1;
• Art. 61º/1.

Regimes da restrição:

• Regime material -> as restrições devem ser feitas tendo em conta


alguns princípios constitucionais:
o Pº da proteção do núcleo essencial: tem como fim evitar o
esvaziamento dos direitos restringidos. Há sempre um conteúdo
irredutível dos DLG para proteger o seu núcleo essencial. A
delimitação deste núcleo é feita com base no pº da
proporcionalidade;
o Pº da proporcionalidade;
o Pº da generalidade – veda a possibilidade das normas visarem
pessoas concretas ao invés de categorias gerais;
o Pº da abstração – veda a possibilidade das restrições atingirem
casos particulares, ao invés de abstratos;
o Pº da prospetividade – não pode ter efeitos retroativos.

• Regime teleológico -> finalidade de salvaguarda de outros direitos


fundamentais – art. 18º/2. Pode, de acordo com o prof. Bacelar, haver
restrições para salvaguardar:
o A segurança do Estado e a segurança pública (ex: 268º/2 +
164/q) – direito de acesso à informação administrativa);
o A proteção do ambiente e do ordenamento do território;
o Vários motivos de bem comum relativos ao consumo, à saúde
e à propriedade privada (ex: proteção da saúde pública);
o Dignidade da pessoa humana.

• Regime subjetivo -> restrições dos direitos de certos grupos de


cidadãos:
o Restrições aplicáveis a certos funcionários;
o “” a reclusos;
o “” a estrangeiros apátridas.

6. Tutela dos DLG


Existem quatro mecanismos de tutela que visam defender os DLG:

• Direito de resistência (art. 21º CRP):


o Resistência passiva -> não execução de atos ditados pelo poder
público;
o Resistência defensiva -> desobediência ao poder público;
o Resistência ativa -> destruição ou perturbação do poder público
• Direito de legítima defesa (art. 21º CRP) -> atuação defensiva no caso
de violação do seu DLG (relação entre titulares dos DLG e outros
cidadãos);
• Responsabilidade criminal -> violação de DLG pode ser crime
(LCRTCP):
o Atentado contra a CRP: se DLG forem violados visando alterar ou
suspender a CRP;
o Atentado contra o Estado de Direito: destruição de DLG com
grave violação de funções públicas;
o Suspensão ou restrição ilícitas de DLG.
• Responsabilidade civil (art. 22º CRP).

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