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SUSPENSÕES

São preparações líquidas obtidas pela dispersão de uma substância sólida insolúvel
(mas finamente dividida) em um veículo. Essa substância é a fase dispersa (interna) e o
veículo a fase dispergente (externa).
Destinam-se à via oral tópica ou parenteral, sendo que, no que diz respeito ao
tamanho da partícula, as vias oral e tópica permitem dimensões maiores que a oftálmica e a
injetável.
As suspensões destinadas ao uso injetável ou oftálmico devem ter partículas de
dimensões menores que 100 nm. Partículas grandes apresentam liberação mais lenta e
podem provocar irritação tissular ou da mucosa.
Dependendo da Farmacopeia as suspensões líquidas recebem diferentes
denominações, incluindo:

Misturas: soluções ou suspensões para uso oral sem agentes de dispersão (leite de
magnésia).
Suspensões: dispersões de partículas sólidas insolúveis, finamente divididas em
meio líquido (orais, oftálmicas e injetáveis IM).
Loções: suspensões ou emulsões para uso externo, geralmente contendo
antisséptico, adstringente, antiparasitário (ex. gel de calamina e loção de benzoato de
benzila).
Géis: suspensões em meio aquoso, em que as partículas da fase dispersa têm
dimensões próximas às dos coloides (0,1 a 5 μm).
Magmas: semelhantes aos géis, com partículas maiores e menor estabilidade física.
Emulsões: orais, tópicas, microemulsões (uso injetável).

Entretanto, com relação à fase dispersa e à fase dispergente, as suspensões podem


assumir formas diversas. Assim, temos, além das suspensões propriamente ditas
(sólido/líquido), névoas (líquido/gasoso), fumos (sólido/gasoso), espumas (gasoso/líquido),
emulsões (líquido/líquido), pós (sólido/sólido), inclusões (líquido/sólido) e pedras-pomes
(gasoso/sólido).
A classificação mais apropriada para dispersões refere-se à dimensão da fase
dispersa.

Quadro – Classificação das dispersões segundo o tamanho da partícula


(∅)
Tamanho Tipo de Dispersão Exemplos

10 a 50 m Grosseira Suspensões e emulsões

0,5 a 10 m Fina Suspensões finas

de 1 nm a 0,5 m Coloidal Magmas, géis e microemulsões

Menor que 1 nm Molecular Soluções

VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS SUSPENSÕES

As principais razões para se optar por suspensões são: aumento ou controle da


biodisponibilidade, correção ou atenuação de sabor desagradável, preferência por forma
líquida (deglutição e/ou flexibilidade de dose).
Como vantagens, as suspensões permitem:

→ O aumento da estabilidade química em solução;


→ A possibilidade de administrar fármacos insolúveis na forma líquida
(preparações pediátricas e geriátricas);
→ Maior facilidade na correção de sabor desagradável de certos
fármacos;

Entre as desvantagens, destacam-se:

→ Baixa estabilidade física;


→ Menor uniformidade;
→ Menor velocidade de absorção.

Pré-requisitos para uma Suspensão Ideal


Além de estabilidade química, física e microbiológica, as características desejadas
para suspensões em geral são:

→ Sedimentação lenta;
→ Fácil redispersão;
→ Fluidez adequada.

O tamanho da partícula pode variar dependendo do tempo de absorção desejado,


sendo que quanto menor a partícula mais absorvível ela será. Entretanto, produtos de uso
oftálmico ou tópico devem ser micronizados para evitar irritação.

spectos Teóricos Envolvidos na Estabilidade Física de Dispersões

Os fatores que afetam a estabilidade de dispersões farmacêuticas (suspensões e


emulsões) referem-se às características da fase dispersa, da fase dispergente e dos
adjuvantes utilizados, podendo envolver aspectos físicos ou físico-químicos.

Aspectos Físicos

Tamanho da partícula

O tamanho da fase dispersa afeta diretamente a estabilidade de uma suspensão. A


Lei de Stokes explica o fenômeno por meio da equação:

dx / dt = 2 g.r2 (d1-d2) / 9η

Onde: dx / dt = velocidade de sedimentação; r = raio da partícula; g = aceleração da


gravidade; (d1-d) = diferença de densidade entre partícula (d1) e meio(d2); 𝛈 = viscosidade
do meio (veículo).
Portanto, com base na equação acima, pode-se inferir que as dispersões grosseiras
e finas apresentam em geral maior tendência à sedimentação que suspensões coloidais
Consistência do veículo

Os aspectos reológicos da fase dispergente são igualmente críticos na velocidade de


separação de fases de uma suspensão ou emulsão.
Segundo a Equação de Stokes, o aumento da viscosidade (𝛈) pode reduzir a
velocidade de sedimentação, sendo um dos recursos mais empregados para estabilizar
suspensões.
Entretanto, existem limitações referentes à redispersibilidade e ao tempo de
escoamento, tais como: aumento da dificuldade no escoamento para enchimento (envase) e
administração (oral ou IM); inviabilização da passagem pelas agulhas (injetáveis IM);
dificuldade no espalhamento adequado (tópicos).

Aspectos Físico-químicos
Incluem propriedades físico-químicas como densidade da partícula e veículo,
polaridades ou cargas superficiais dos sistemas envolvidos e aspectos cristalográficos.

Densidade da fase dispersa

No que diz respeito à densidade da fase interna, as suspensões (> densidade que o
veículo) tendem à sedimentação, enquanto as emulsões (< densidade que o veículo)
tendem à flutuação. Igualmente, segundo a Lei de Stokes, quanto maior a diferença entre
densidade da partícula dispersa e veículo dispergente, maior será a velocidade de
sedimentação.

Tensão interfacial entre fase interna e externa

No que diz respeito à baixa afinidade entre fases dispersa (interna) e dispergente
(externa) em suspensões e emulsões, a tensão interfacial é um dos aspectos mais críticos.
Essa tensão será tanto mais crítica quanto maior for a área superficial de contato
entre as fases interna e externa. A influência da tensão no sistema pode ser expressa pela
equação da Energia Livre de Gibs (∆G).

∆G = γS-L . ∆A
Onde: γ S-L é a tensão interfacial sólido-líquido e ∆A é a superfície total de contato
do sólido.

Embora a redução do tamanho da partícula diminua a velocidade de sedimentação,


a subdivisão das partículas aumenta a área superficial total de contato. Esse aumento da
área superficial aumenta a energia do sistema que idealmente deveria ser zero, resultando
na instabilidade do sistema disperso. Esta instabilidade manifesta-se pela promoção da
reagregação das partículas (aderência entre as partículas), que culmina novamente, com
aumento da velocidade de sedimentação. Uma maneira de reduzir o tamanho da partícula
sem aumentar a energia do sistema e causar instabilidade, é reduzir a tensão interfacial (γ
S-L) com adição de tensoativos.

Molhabilidade das partículas suspensas

Em sistemas dispersos, em que as fases dispersas e dispergentes apresentam


afinidade muito baixa, ou mesmo repulsão, a molhabilidade da partícula será baixa, podendo
inclusive ocorrer adsorção de gases, os quais tendem a deixar as partículas menos densas,
provocando, inclusive, a flutuação.
Assim sendo, quanto maior a molhabilidade em um solvente polar como a água,
maior será o deslocamento de gás adsorvido nesta partícula, já que o ar é composto
basicamente por moléculas apolares (ex. O2, N2, CO2, Ar). Entretanto, se a afinidade pelos
gases adsorvidos na superfície da partícula for grande (repelir água) esta irá flutuar.
Este fenômeno, também relacionado a tensões interfaciais, pode ser definido de
acordo com ângulo de contato da partícula com o veículo, que pode ser:

• De zero grau: totalmente molhável;


• De 180º: totalmente não molhável;
• Entre 0 e 180o: molhabilidade intermediária.

Nesses casos, a molhabilidade também pode ser aumentada com a adição de


tensoativos, macromoléculas muito hidrofílicas (CMC e gomas) ou ainda substâncias
hidrófilas inorgânicas insolúveis (bentonita, Veegum®, hidróxido de alumínio e Aerosil®). A
adição desses componentes, de modo geral, tende a aumentar a área de contato sólido
líquido.
Crescimento de cristais

O tamanho das partículas pode aumentar quando a atividade termodinâmica na fase


sólida é menor do que na líquida, ou seja, a concentração do sólido em solução é maior que
sua solubilidade. Essa ocorrência pode ser em razão de:

▪ Variação de temperatura (armazenamento);


▪ Polimorfismo do sólido em suspensão;
▪ Diferentes tamanhos de cristais;
▪ Presença de material cristalino ou amorfo além do fármaco.

Cargas superficiais e redispersibilidade

As partículas dispersas (fase interna) tendem a se sedimentar com ação da


gravidade, processo que pode ocorrer de forma isolada ou aglomerada.
A sedimentação de forma aglomerada, embora em geral seja mais rápida, leva à
formação de sedimento floculado, o qual é facilmente redispersível. Já a sedimentação de
forma isolada leva à formação de sedimentos compactos, muitas vezes, irredispersíveis
devendo, portanto, ser evitada.
Para entender os processos de sedimentação é necessário compreender quais os
tipos de interações interpartículas envolvidos. As forças que atuam sobre partículas podem
ser atrativas (Van der Waals) ou repulsivas (eletrostáticas).
Quando as forças atrativas predominam, há em geral a formação de sedimento
frouxo e de fácil redispersão; no caso oposto, há a tendência de formação de sedimento
compacto.
Para evitar a sedimentação de forma isolada, deve-se atuar sobre as forças
repulsivas, as quais são resultantes de eventuais cargas superficiais das partículas.
As cargas eletrostáticas (positivas ou negativas) na superfície são decorrentes da
ionização das moléculas na superfície da partícula ou da adsorção de íons no meio líquido.
Essas cargas são responsáveis pela formação de um potencial “Zeta”, que pode ser
medido em célula eletrostática.
Quanto maior o potencial Zeta, maiores as forças de repulsão entre as partículas e
maior é a tendência de um sedimento compacto (cake).
A redução do potencial Zeta pode ser lograda com a adição de íons de cargas
opostas até o ponto de neutralização das cargas, ou pela adição de polímeros hidrofílicos
para formação de uma camada protetora sobre as partículas.

Formulação de Suspensões

Submete-se o fármaco insolúvel ou pouco solúvel à subdivisão (moagem,


micronização). Esse processo pode ser feito isoladamente, com o auxílio de coadjuvantes
ou parte do veículo. Após a subdivisão das partículas se faz a incorporação ao veículo.
Os componentes usualmente empregados na preparação de suspensões incluem,
além dos fármacos, agentes molhantes (tensoativos não iônicos: Tweens® e Spans®;
moléculas hidrofílicas: CMC, Veegum®, bentonita, glicerina); agentes suspensores
(alginatos, gomas, gelatina, bentonita, atapulgita, Veegum®, Carbopol®, Natrosol®, CMC,
álcool polivinílico- kolidon®, dióxido de silicone coloidal, ceras, lanolina, óleo de rícino),
agentes floculantes (fosfato monopotássico, íons em geral, bentonita), edulcorantes,
flavorizantes, antioxidantes e conservantes.

Emulsões

São formas farmacêuticas constituídas por duas fases líquidas imiscíveis, em geral
água e óleo, e que podem apresentar consistência líquida ou semissólida.
As formas líquidas são empregadas para uso interno ou externo, e as semissólidas
para uso externo. As formas de uso externo são denominadas loções, quando líquidas, ou
cremes, quando semissólidas.
Quanto à classificação das emulsões, temos os seguintes critérios:

• Tamanho das gotículas: microemulsões e emulsões;


• Número de fases: bifásica, trifásica e emulsões múltiplas;
• Disposição das fases: emulsões água em óleo (A/O) ou óleo em água
(O/A).
A maioria das emulsões utilizadas na terapêutica constitui emulsões do tipo O/A, ou
seja, a fase interna (descontínua ou dispersa) é a oleosa, e a externa (contínua ou
dispergente) é a aquosa. As emulsões O/A além de serem laváveis, podendo ser facilmente
removidas da pele ou das roupas, apresentam, em geral, melhor biodisponibilidade.
Os métodos mais simples para descobrir qual é a fase interna e qual a externa são:
• Condutometria: apenas emulsões em que a fase contínua e a aquosa
conduzem a corrente elétrica.
• Uso de corantes: corantes hidrofílicos colorem de maneira uniforme
emulsões O/A, enquanto corantes lipofílicos colorem emulsões A/O.
• Adição de veículo: a incorporação de veículo, seja água ou óleo, só
será fácil se esse corresponder à fase externa da emulsão.
• Microscopia: pode-se avaliar, inclusive, a uniformidade dos tamanhos
das gotículas.

FIGURA – IMAGEM MICROSCÓPICA DE UMA EMULSÃO, FA (1) E FO (2)

VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS EMULSÕES

Nas emulsões, o fármaco pode estar dissolvido ou suspenso nas fases aquosa ou
oleosa, e esta versatilidade é uma das principais vantagens das emulsões.
Como vantagens as emulsões apresentam, ainda:

▪ Aumento da estabilidade química em solução;


▪ Possibilidade de se solubilizar o fármaco na fase interna ou
externa;
▪ Possibilidade de mascarar o sabor e o odor desagradável de
certos fármacos por meio de sua solubilização na fase interna;
▪ Possibilidade de se otimizar a biodisponibilidade;
▪ Boa biocompatibilidade com a pele humana.

Entre as desvantagens, destacam-se:

▪ Baixa estabilidade física ou físico-química;


▪ Menor uniformidade.

Pré-requisitos das Emulsões

Como pré-requisitos, as emulsões devem apresentar estabilidade química e física


compatíveis com seu uso, e serem formuladas de forma biocompatível com a via de
administração desejada. Assim, as emulsões devem apresentar viscosidade adequada ao
uso tópico ou oral. Os tensoativos utilizados na estabilização das emulsões devem
apresentar valores de EHL (Equilíbrio Hidrófilo Lipófilo) adequados e ser compatíveis com
uso interno ou externo.

FIGURA – TENSOATIVOS E EHL IDEAL. A= MUITO LIPOFÍLICO; B= EHL


IDELA E C= MUITO HIDROFÍLICO

Os valores de EHL podem ser encontrados na literatura em tabelas diversas.


Segundo a Tabela de Griffin, estes valores variam de 0 a 40. Quanto aos valores de EHL, os
compostos são classificados em:

▪ Agentes antiespuma 1-3 (EHL baixo)


▪ Emulsificantes A/O 3-6
▪ Agentes molhantes 7-9
▪ Emulsificantes O/A 8-18
▪ Detergentes 13-16
▪ Agentes solubilizantes 16-40 (EHL alto)

Os tensoativos, propriamente ditos, formam sobre a superfície da gotícula filmes do


tipo monomolecular (micelas). Já os auxiliares de tensoativos podem formar filme
multimolecular, caracterizado pela sobreposição aleatória de polímeros ou adsorção de
partículas sólidas

Cálculo de EHL

Praticamente todos os aspectos físico-químicos discutidos para suspensões são


igualmente válidos para emulsões. Entretanto, no que diz respeito ao uso de tensoativos, a
adequação ou aproximação dos valores de EHL em emulsões é fundamental para garantia
da estabilidade física. Essa adequação é ainda mais gritante no caso de emulsões líquidas,
pois do mesmo modo que o aumento da viscosidade retarda a velocidade de sedimentação
das partículas, dificulta a coalescência das gotículas e, consequentemente, a separação de
fases.
No caso de derivados graxos, o equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL) é determinado em
função de parâmetros que incluem peso molecular, índice de saponificação (S) e índice de
acidez (A).

EHL 20 . (1 – S / A)

Para compostos não iônicos, tais como os polímeros hidroxilados, o índice de


polaridade da molécula é dado por uma relação entre peso molecular e número de
hidroxilas. O índice hidrófilo-lipófilo (IHL) de derivados de polioxietileno é determinado em
função do número de grupos oxietileno (O) e átomos de carbono da cadeia (C).

IHL = O . 100 / C

Com o valor de EHL de cada componente envolvido na formulação da emulsão O/A


ou A/O, pode-se então escolher, de forma criteriosa, o sistema tensoativo ideal.

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