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RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO NOS TRIBUTOS SUJEITOS


J
i' AO "LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO" E O ART. 3° DA LEI
COMPLEMENTAR N° 118/2005

Fabiana Dei Padre Tomé


Doutora em direito tributário pela PUC-SP
Professora nos cursos de especialização em direito tributário promovidos pela
PUC-SP e pelo IBET
Advogada

l. Delimitação do problema

Determina o CTN, em seu art. 168, 1, que o direito de pleitear a


restituição dos valores indevidamente pagos a titulo de tributo finda-se
com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data da extinção
'
1
do crédito tributário. 1 Caso se trate de tributo sujeito ao denominado
1
.! lançamento de ofício, em que, nos termo_s do art. 142 daquele diplo-
l ma normativo, a autoridade administrativa emite a norma individual
e concreta constitutiva do crédito tributário, o liame obrigacional ex-
i
' tingue-se com o pagamento (art. 156, 1, do CTN). contando-se o prazo
prescricional2 a partir desse instante. No que diz respeito aos tributos
sujeitos ao chamado lançamento por homologação, porém, a disciplina
legislativa é diversa, tendo em vista a prescrição veiculada pelo art. 150,
§§ 1° e 4°, do CTN:

1. Salvo na hipótese de reforma, anulação ou rescisão de decisão condenatória (art


165, Ili, do CTN), circunstância em que a contagem do prazo prescricional tem inicio
na data "em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado
a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão
condenatória" (art. 168, 11, do CTN).
2. Na esteira da lição de Eurico Marcos Diniz de Santi (Decadência e prescrição no
direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 254), entendemos tratar-se de
prazo prescricional do direito do contribuinte, e não de prazo decadencial, visto que
opera a extinção do direito de cobrar o débito do Fisco pela via judicial.

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FA81ANA DH PADRE TOME RESTITUIÇÃO DO INOÉBITO TRIBUTÁRIO

aos tributos final do prazo


1\rt. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo
de antecipa,· o pagam ento sem ,.
cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever
3
deferido ao Fisco, para apuração do tributo devido.
prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ate
a
em que referida
a pelo obrigado, ~e con-
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercid Com o passar dos anos, o posicionamento daquela Corte foi
expressamente a homologa. pacificou o
solidando. Ao julgar o ERESP nº 435.835-SC, a 1• Seção do STJ
extingue
§ 1º Opagamento antecipado pelo obrigado nos termos d< ste artigo entendimento de que o prazo para interposição de ações que
_v:r~em s?bre
1, nçamento. [...] o e de cinco
o crédit!l, sob condição resolutória da ulterior homologação ao a repetição de tributos sujeitos a "lançamento por homol ogaça
cinco anos, a·· expressa,
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de anos, contados da efetiva homologação, quer ocorra ela de forma
prazo s< m que a Fazenda .
contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse quer de forma tácita.
lançamento e defi- as no
Pública ;e tenha pronunciado, considera-se homologado o A despeito das manifestações jurispr udenc iais, sempr e fundad
cia de dolo, fraude 005,
nitivam,:nte extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrên texto do direito positivo vigente, foi editada a LC nº 118,
de 09.2.2
ou simu ação.
dispondo em seu art. 3°:
crédito
Não ba ;tasse isso, ao dispor sobre as modalidades extintivas do Art. 3º Para tfeito de interpretação do inciso Ido art. 168 da Lei
nº 5. 172, de
exige, além do pagam er to antecip ado, tributá-
tributário, o art. 156, VII, do CTN, 25 de outubro de 1966 _ Código Tributário Nacional, a extinçã
o do crédito
to no art. 150, 1° e 4º,
que ocorra SL a homologação, nos termos do dispos
§§ gação, no momento
rio ocorre no caso de tributo sujeito a lançamento por homolo
acima transe ito. Lei.
do paga~ento antecipado de que trata o§ 1° do art. 150 da referida
os os re-
Diante je tais precei tos, nos quais se observa serem distint
rio confor m e se t·a te de tributo 4º da re-
quisitos para a extinção do crédito tributá Ademais, em razão de seu pretenso caráter interpretativo, o art
homol ogaçã o, o enten-
sujeito a lanç:1mento de oficio ou a lançamento por ferida LC estabeleceu a sujeição do art 3° ao comando do art. 106,
t, do CT~: nos
que somen -
dimento juris Jrudencial fo i pacificado no sen tido de considerar termos do qual a~ leis interpretativas retroagem, aplicando-se a '.atos preter~t~~
' homologação"
te com a curiulaçào do "pagamento antecipado" e da sua _ Em face da problemática instalada, passaremos a exa~m ;:i~·-ª poss1b1lt-
ter-se- ia o in cio do prazo a que se refere o art. 168, /, do CHI. ter I~terpre~a-
dade de atribuir ao art. 3° da LC nº 118/05 o mencionado cara
nto da
As disCL ssões sobre o assunto tiveram início com o reconhecime tivo", p~ocurando delimitar, também, os fatos, em relação aos
quais refendo
86, que ha-
inconstitucio 1alidade de parte do art. 10 do Decreto-lei nº 2.288/ preceito encontra aplicabilidade.
stíveis. Já
via instituido empréstimo compulsório sobre consumo de combu
que a extinçã o do crédito
naquela oportunidade, o egrégio STJ considerou
pagam ento,
tributário rea iza-se somente com a ulterior homologação do 2. O direito na teoria dos sistemas, ·
conforme se depreende do julgado abaixo:
da teoria
A visão sistém ica, trazida para o direito mediante aplicação
TRIBUTÁRIO- EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO- CONSUMO DE COMBU
STÍVEL fundam~n tal
geral dos sistemas, perm ite identificM com nitidez a estrutura
- DECADÊNCIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA do ordenamento , bem como compreender sua autoformaçã o a partir de
O •ributo arrecadado a titulo de empréstimo compulsório
sobre o con- Luhma nn4, apresenta
seus próprios elementos. Todo sistema, segundo Niklas
homolo gação. Em
sumo de :ombustiveis é daqueles sujeitos a lançamento por
extinção do crédito
não have11do tal homologação, faz-se impossível cogitar em
5/RS, rei. Min. Humberto
tributário 3. Embargos de Divergência cm Recurso Especial nº 42.720-
o indébito . . . . ..•
À f ilta de homologação, a decadência do direito de repetir Gomes de Barros, DJU 17.4.1995.
provrsor,a e rned,,a para o
ocorrên cia do fato 4. o direito do sociedode (Dos recht der gesellschaft). Trad.
tributário somente ocorre, decorridos cinco anos, desde a
espanhol por Javier Torres Nafarrate. [s.l.: s.e., s.d.].

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FASIANA OEL PADRE 1 IMt

RESTITUIÇÂO 00 INO!BITO TIIIBUTAAJO

(i) função e (ii) estrutura. Quando falamos em função do sistema, referimo


sa passou a ser aplicada ao estudo dos sistemas sociais, sendo primorosamen-
toda ação ou atividade que este desenvolve, conducentes a atingir os objeti-
vos previstos. Tratando-se do sistema jurídico, sua função, em termos gerais, te desenvolvida por Niklas Luhmann5, tomando por sistema autopoiético
consiste na estabilização das expectativas normativas. Essas expectativas aquele que produz sua própria organização, conservando a identidade do
normativas decorrem das determinações do direito posto, que pretendem sistema e, ao mesmo tempo, fazendo-o sofrer transformações indispensá-
interferir nas condutas humanas, estabelecendo como estas :Jevem ser. veis à sua sobrevivência. De forma simplificada, podemos dizer que autopoi
-
O sistema jurídico diferencia-se funcionalmente dos d< ·mais subsiste- ético é o sistema que reproduz seus elementos valendo-se de seus próprios
mas sociais exatamente por estar incumbido de garantir a r.1anutenção componentes, por meio de operações internas.
de A autorreferencialidade também se apresenta corno pressuposto da
expectativas normativas, ainda que estas venham a ser frustradas em vir-
tude da adoç;io de comportamentos divergentes daqueles nJrmativamen- autoprodução do sistema, pois, para que este possa gerar-se, isto ê, subs-
te previstos. (1 cumprimento dessa função, porém, só é pos:;ivel median tituir seus componentes por outros, é necessário que haja elementos que
te tratem de elementos. No caso do sistema social, atos comunicativos cujo
determinaçõe:; estruturais, chamadas "código" e "programa' A função
do conteúdo seja a geração de outros atos comunicativos; em relação ao siste-
direito, de est;,bilizar as expectativas normativas, produz um esquematismo
binário, denoriinado "código", segundo o qual as expectativ.is normativas ma jurídico, normas que preceituem a produção de outras normas juridicas
.
cumprem-se ou frustram-se. Êesse esquematismo binário qüi~ fundamenta Para tanto, o sistema tem que olhar para si próprio, precisa falar sobre s
i
a identificabiljjade do sistema jurídico, permitindo selecioné-ir, dentro mesmo, nessa citada autoreferencialidade.
das A clausura organizacional, caracterizadora da autopoiese do sistema,
comunicações do sistema social, aquelas que integram o sistem parcial
do decorre exatamente do fato de que a informação advinda do ambiente
direito. é
Para que os códigos cumpram seu papel na produção de elementos processada no interior do sistema, só ingressando nele porque este assim o
internos ao sis :ema, impõe-se a existência de programas que determinem determina, e na forma por ele estabelecida. A clausura não significa, portan-
de quais maneira o código deve ser utilizado. No direito, essc~s program to, que o sistema seja isolado do ambien te, mas que seja autônomo, que as
as mensagens enviadas pelo ambiente só ingressem no sistema quando proces-
estabelecem eri que hipóteses a comunicação jurídica qualificará como
li- sadas por ele, segundo seus critêrios. Por isso, são abertos cognitivamente.
cito um fato se eia! qualquer e em que situações o identificará como ilícito.
Caracterizam-s ~ por serem condicionais, regulando a alocaçãCJ dos valores Em relação ao sistema atuam as mais diversas determinações doam-
do código biná, io, segundo a relação implicacional "se [... ] entã J''. biente, mas elas só são inseridas quando este, de acordo com seus própri os
Convém , notar que o direito positivo configura sistema , utopoiético, critérios, atribui-lhes forma. Conquanto Greg'orio Robles 6 afirme categor i-
apresentando cs seguintes caracteres: (i) autonomia - capacidade de camente que ·o texto juridico é um texto aberto", está se referindo a aber-
su- tura semântica (cognitiva). mediante a qual o sistema tem seus conteúd
bordinar toda a mudança, de modo que permaneça sua auto-organizaç os
ão; modificados. A despeito disso, reconhece que essa regeneração dá-se por
(ii) identidade • manutenção de sua identidade em relação ao ambien
te, mecanismos autopoiéticos, que autorizam e regúlam 2s decisões ponente
diferenciando-s~ deste ao determinar o que é e o que não é próprio ao s
sis- de novos elementos no sistema normat ivo.-o·esse modo, o sistema jurídico
tema; (iii) não p:mui inputs e outputs - o ambiente não influi diretamente
no sistema auto')oiético, e não é o ambiente que determina suas alteraçõ mantém sua identidade em relação ao ambiente:
es,
pois quaisquer mudanças decorrem da própria estrutura sistêmica que pro-
cessa as informações externas. O próprio texto cria as ações que podem ser qualificadas como jurídicas,
e
o fato de regular a ação não significa que a ação jurídica exista antes do
A teoria da autopoiese foi desenvolvida, inicialmente, por Humberto texto,
Maturana e Francisco Varella, biólogos que, numa visão sistêmica dos seres
vivos, divisaram ;J simultaneidade de fechamento organizacional e abertura 5. Social systems. Trad. de Joim Bernarez Jr. Stanford: Stanford Universit
y Press, 1995.
para informaçõe:; advindas do ambiente. Dada a operatividade dessa teoria, 6. ROBLES, Gregorio. Odireito como texto: quatro estudos de teoria comunic
,\ acional do
direito. Trad. Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005. p. 29.
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fABIANA OH PAOR ; IO~É
RESlHUIÇÂO 00 INO!B110 TRIBUTÁRIO

mas s m que é o texto que a constitui. Por estranho que possa parect:r, o homi-
contraditórias do ambiente sobre o sistema jurídico. Essa imunização as-
cidio t amo ação jurídica só existe depois que o texto jurídico prescreve o que é
segura que as expectativas normativas sejam tratadas segundo o c~digo
que s< deve entender por homicídio. 7
lícito/ilícito, de modo que os fatores externos só influam na re~rodu~ao do
1
sistema jurídico se e quando submetidos a uma comutação d1scurs1va, de
Só ·ai essa ação ingressa no sistema do direito positivo.
acordo com aquela codificação e com os programas jurídicos. ~rogr~mas, ?s
Essa cl ausura operativa e abertura cognitiva, nos moldes expostos, só na qualidade de suplemento da codificação, servem para dar d1rec1onal1dade
são passiveis pela existência de códigos e programas especificos para cada à semântica condicionada por um código. Somente na presença de ambos
sistema parcia l. Esses sistemas parcia is, como é o caso de jurídico, qualifi-
é possível resolver problemas especificamente ju:ídicos, já q~e ~pen~s ne~sa
cam-se em razão da diferença com o ambiente, diferença t sta que é consti- hipótese tem-se uma contingência inerente ao sistema do d1re1to. Nao exis-
tuída e delimitada pelas operações internas ao próprio sistema, responsáveis te nenhum problema de fundamentação do direito que não ten~a que se
pela auto-reprodução de seus elementos, segundo seus pêrticulares código solucionar no próprio direito. Por isso, o direito positivo existe unicamente
e programa.ª
produzido no próprio sistema.
Éa existência de código binário específico que caracteriza um sistema
como auto- referencial mente fechado, com abertura cognii iva ao meio am-
biente. Por neio de código sistêmico próprio, estruturado t,inariamente en- 3. Segurança jurídica no sistema autopoiético: relacionamento entre
tre um valo · negativo e outro positivo, as unidades elemertares do sistema sistema jurídico e ambiente
são reproduzida s internamente e distinguidas claramente d1s comunicações
exteriores. ~1as os códigos se tornam form3s vazias caso nãc sejam combina- Lourival Vilanova 9 assevera que o direitos~ apresenta como uma "lin-
dos com pnigramas. Nesse sentido, a autopoiese importa t ma combinação guagem material, sempre aberta ao acresc~ntamen_to d~ enunciados_funda-
entre codifkação e programação, possibilitando, assim, a simultaneidade de dos na experiência, que é infinita no sentido kantiano. Tal ~firmaç~o _d~ve
fechamente e abertura.
ser entendida como referente à abertura cognoscitiva do sistema 1und1co,
O sist~ ma jurídico pode assimilar, de acordo com seus critérios (código pois este conquanto aberto em seu aspecto semântico, é sintaticamente fe-
e programô·, os fatores do ambiente, sem que seja diretamente influencia- chado, c~mo se depreende dos ensinamentos desse mesmo autor º: "~orno
1

do por eles. As expectativas normativas não são determi11adas imediata- 0 direito não é um sistema nomológico-dedutivo, em que seus enunciados
mente por i 1teresses económicos, política, ética, moral, etc.: dependem de derivem implicacionalmente de outros enunciados, um. sistema fechad~,
processos S( letivos de filtragem conceituai no interior do '. ;istema jur/dico, mas um sistema empírico aberto aos fatos, o~ fatos nele 1~gressam atraves
exigindo a eigitalização interna de informações provenientes do ambien te. de normas~ Nada ingressa no sistema do direito que não seJa pelo modo por
Desse modo, reproduzindo-se a pa rtir de um código binário (lici to/ilícito) e ele próprio definido: a forma normativa. .
de program is (normas jurídicas, tais como as veicu ladas na Constituição, É pela conjugação entre código e programa que se obte_m _e~se fe-
em leis, decfetos, decisões judiciais, etc.), o direito aparece como sistema nômeno autopoiético, garantindo , simultanea mente, segurança Jund1ca eo
operaciona l,nente autônomo. . .
relacionamento entre o direito posto e o am~_i.ente.
Como sistema autopoiético que é, o sistema jurídico comuta as res- A segurança jurídica pode ser consi9trada em duas variantes: (1) g~r~ n-
pectivas influências apenas mediante seus programas e códigos, os quais te que os assuntos sejam tratados exçlusivamen_te de acord_o co'll o cod1go
atuam come mecanismo de seleção, filtragem e imunização das influências do direito, sem interferência de qualquer outro interesse na~ ~ont~m_p~ado
pelo ordenamento; e (ii) confere certa previsibilidade às dec1soes Jund1cas,

rj 7. Idem, ibidem.
8 Sobre a au :opoíese do sistemD do direito positivo, seu código e programa, consulte- 9. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo :_ Noes~s, 2005. p. 55.
.
l
se nossa A prova no direito tributária. São Paulo: Noeses, 2005. p. 37-62 . 10. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 55.

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FABIANA DEL PAQRE TOM!
REST11\JIÇÁO DO lNO!sno lRISUlARIO

em ra zã o do conteüdo determinado pelos programas do direito. Tendo em


próprio ordenamento institui e regula, determinando seus caracteres, ter-
vista , pon·m, que as decisões são fortemente influenciadas pela subjetivida-
mos iniciais, prazos, etc. Esclarece Luciano Amaro 14 :
de do julg ~dor, optamos por considera r a segurança jurídica , em seu sentido
estri to, cc mo aquela referida na primeira variante: a exigência de que
os A certeza e a segurança do direito não se compadecem ~om a perma-
fatos, paré ingressa rem no universo jurídico, subm etam-se ao código "lici
to/ nência, no tempo, da possibilidade de litigios instauráveis pelo suposto titular
ilícito".
de um direito que tardiamente venha a reclamá-lo. [... \ Por isso, esgotado certo
~ Apenas após a atuação do próprio sistema juríd ico
e
que os fatos prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-
se o
sociais passam a integrar o mundo do direito, surtindo os correspectivos
eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação
efeitos. Esse ê o modo pelo qual sistem a jurídico e ambiente se relacionam, ou
defesa desse direito.
como explica com propriedade Paulo de Ba rros Carvalho '·:
No ãmbito tributário, as relações jurídicas instalam-se entre o contri-
O que pode acon tecer e o sistema S' tomar conhecim :nto de informações
buinte e o Fisco, podendo ter por objeto o crédito de qualquer desses sujeitos.
do sistema S" e processar esses dados segundo seu côdigJ de diferença
, vale Costuma-se denominar "crédito tributário" o direito subjetivo do Fisco
dizer, submetendo-se ao seu peculiar criterio operacional. Em linguagem de
jurí- receber prestação patrimonial , enquanto o dever juridico do Fisco de d_ev~lver
dica, ~ o direi to recebend o fatos econôm icos, por exemple, em suas hipôtese
s certa quantia err dinheiro ao contribuinte (direito subjetivo do co~tr~bu~nte)
norm.1tivas e, a partir delas, produzindo novas relações jur idicas por meio
dos é chamado de "débito do Fisco". Em ambos os casos, verifica-se ex1stenc1a
opera Jores deônticos (V, Pe O) . de
normas de decadência e de prescrição: (i) decadência do direito do Fisco cons-
Sem 10rma, um fato qualque r não adqu ire qua lifica<ão de fato jurídi-
tituir o crédito tributário (perecimento do direito de lançar); (ii) prescrição
co. Ê o sisuma normativo que decide quais fatos são jurr' jicos e qua is não do
direito do Fisco exigir o crêdito tributário constituido; (iii) decadência do di-
são apreerd idos pela juritJicidade, ou, como refere Louri ,a i Vilanova 12 ,
os reito do contribuinte pleitear na via administrativa a restituição do indêbito
fatos qu e trazem conseqüências jurídicas e os fatos qu e ião juridicamente
tributário; e (iv) prescrição do direito do contribuinte requerer judicialmente
irrelevante·;: "o constitu írem -se ou desconstituirem -se f, tos juridicos de-
a devolução dos valores indevidamente recolhidos a titulo de tributo. 15
pende de r1:gras de fo rmação do sistema".
Decadência e prescrição são realidades constituídas pelo próprio sis-
tema jurídico, a este competindo discipliná-las. Éo que fez o legislador
do
CTN, conferindo ao assunto tratamento peculiar e distinto do observado
4. Alguns ~omentários sobre a decadência e a prescrição no direito na
esfera do direito privado.
tributário
Posto isso, e considerando as várias perspectivas pelas quais o tema
pode ser estudado, interessa-nos analisar o conteüdo significativo da norma
Decac'ê ncia e prescrição, segundo Eurico Marcos Diniz de Santi 13, "são
de prescrição do dêbíto do Fisco. Sua aplica,ç~o. nos casos concretos, depen-
mecanismcs de estabilização do direito, que garantem a segurança de sua
de do instante em que se verifica a extinção'do crêdito tributário (art. 168,
estrutura. filtram do direito a instabilidade decorrente da inefabilidade
do 1, do CTN), motivo pelo qual discorreremos, no próximo tópico, sobre essa
direito subjetivo, i.e., do direito subjetivo ainda não formalizado, ou reco-
particularidade dos vínculos obrigacionais tributári_os.
nhecido, p( ,r ente estata l". Trata-se de conceitos jurídico-positivos, que
o
14. Direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 383. •
15. Essas quatro modalidades normativas comportam desdobramentos, caso
11 . Direito ttibutário : fundamentos jurídicos da incidência. 3. ed. sejam e~-
São Paulo: Saraiva, pregadas novas variáveis, tais como pagamento antecipado, r.otificação de
2004. p. ·, 04. med1_da
preparatória do lançamento, anulação do lançamento anterior, constit_uição do
12. Cousolidúde e relação no direito, p. 54. cré~1t_o
pelo contribuinte, dentre outros. Sobre o assunto, consultar SANTI, Eurico Marcos
13. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência eprescrição no direito tributário Om1z
, p. 141 . de. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 161 e ss.

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FMIAIIA JEL FADRl TOM/

5. Pro< esso de positivação do direito, constituiç


créditc tributário
ão e extinção do
do conceito do instituto que nos ocupa. Não é, porém
"1STI1\JIÇÁO DO INO(BITO TRIBUTÁRIO

, desse modo, tendo


l
em vista que o art. 142 do CTN apresenta divers
as imprecisões, gerando
D :nominamos positivação do direito o processo media dúvidas e controvérsias a respeito do assunto.
nte o qual o
aplicadc,r, partindo de normas jurídicas de hierarquia O referido dispositivo faz menção a um procedimen
superior, produz novas to administra-
regras, C·bjetivando maior individualização e concretude tivo, enfatizanpo o caráter dinâmico, procedimental
. Os preceitos de mais da atividade de apli-
elevada hierarquia e, portanto, ponto de partida para cação das normas jurídicas tributárias. Entretanto
o ciclo de positivação, , essa alusão ao prisma
encontram-se na Constituição da República: são as da dinamicidade do direito tributário leva à ambig
com;ietências tributária·s. üidade na definição de
Com base nesse fundamento de validade, o legislador lançamento: trata-se do procedimento ou do ato
produz normas gerais jurídico-administrativo
e abstratas, instituidoras dos tributos: são as regras conclusivo daquele procedimento? Colabora para
-méltrizes de incidência essa indeterminação,
tributâria, descrevendo conotativamente, em sua hipót também, o indicativo de suas fases de desenvolvimento,
(·se, fato de possível consistentes em ve-
ocorrência, e estabelecendo, no conseqüente, a instala rificar a ocorrência do fato gerador, determinar a maté
çãc •de relação jurídica, ria tributável, calcular
cujos traços relaciona. Avançando cada vez mais em o montante do tributo devido e identificar o sujeito
dire ;ão adisciplina dos passivo, pois se trata de
comportamentos intersubjetivos, o aplica dor do direit etapas procedimentais, necessárias à operação lógica
o veicula norma indivi- de subsunção, que não
dual e concreta, relatando o evento ocorrido e, por conse se confundem com o ato, tomado como resultado
çuinte, constituindo / do procedimento.
o fato jurídico tributârio e a correspondente obrigação. Ademais, peca o art. 142 ao relacionar, como um dos
objetos do lan-
A a~ licação da norma geral eabstrata, para fins de con çamento, a propositura da aplicação de penalidade
;tituição do vinculo cabível. Com tal esti-
obrigacio11al tributârio, pode ser realizada pelo contribuint pulação, coloca no mesmo plano o ato de aplica
f ou por autoridade ção da regra-matriz de
administr;,tiva. Na primeira hipótese, tem-se o impro incidência tributâria, as normas sancionatórias pela
priar.1ente denominado ausência de pagamento
lançamen o por homologação, em que o particular do tributo e pelo descumprimento de deveres instru
emite 1 norma individual mentais. Explica Estevão
e concret,, constituindo, ele próprio, sua obrigação Horvath" que, desse modo, têm-se englobados, sob
tributá'ia. Por outro lado, um mesmo nome, dois
quando a obrigação tributâria é constituída por ato atos distintos e inconfundíveis: o ato de lançament
adm nistrativo, está-se o propriamente dito e o
diante do ,ançamento tributârio, referido pelo art. 142 ato de aplicação de sanção, normalmente denomina
do CTN. do auto de infração, os
O CT\J estabelece em seu art. 142: quais, embora geralmente plasmados num mesmo
documento, são realida-
des jurídicas diversas.
Art. 142. Compete privativamente à autoridade admin Em outros pontos, porém, aquele preceito do CTN
strativa constituir o dispõe de forma
créd it) tributário pelo lançamento, assim entendido harmônica com o restante do ordenamento: (i) estab
o procedi 11ento administrati- elece ser o lançamento
vo ter dente a verificar a ocorrência do fato gerado de competência privativa da autoridade administra
r da obriga,:ão correspondente, tiva, evidenciando sua
deterninar a matéria tributável, calcular o montante natureza de ato administrativo; e [ii) alude ao caráter
do tributo devido, identificar co"nstitutivo do crédito
o suje, to passivo e, sendo caso, propor a apl icação tributário. Para sintetizar, utilizamo-nos da d~finição
da penalidêde cablvel. empregada por Paulo
de Barros Carvalho'ª que, a nosso ver, reflete com
clareza e completude
Essa é tividade, nos termos do parâgrafo único, é vincu as características do lançamento: trata-se de "ato
lada e obrigató- jurídico administrativo,
ria, sob pena de responsabilidade funcional. da categoria dos simples, constitutivos e vinculados
, mediante o qual se
Segurdo Alberto Xavier 16, poder-se-ia pensar que, insere na ordem jurídica brasileira uma norma _ individual e concreta, que
existindo definição
legal expres ;a, estaria, desde logo, resolvida a quest tem como antecedente o fato jurídico tributârio
ão preliminar da fixação e, como conseqüente, a
formalização do vinculo obrigacional, pela individualiz
ação dos sujeitos ati-
16. Oo lançanento: teoria geral do ato, do proced
imento e do processo tributário. 2. ed.
Rio de Jan::iro: Forense, 1997. p. 23. 17. Lançamento tribvtário e •autolançamento~ S~o
Paulo: Dialêtica, 1997. p. 60.
18. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiv
a, 2005. p. 386.
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277
FABIANA OE, PADRE TOM!
RESTll\JIÇÂO 00 INDt8110 11118\ITÀRIO

'•
vo e_ passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela b
diferindo do lançamento de oficio, A participação do administrado restrin-
de calc-Jlo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento do- ge-se ao cumprimento de deveres instrumentais, existentes, também, nos
termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido''. Tal enunciaâ denominados lançamento de oficio, cm que o contribuinte tem de cumprir
definitcrio permite visualizar no lançamento o caráter de ato administrati- deveres dessa espécie, tais como escriturar livros, emitir notas fiscais, etc. Os
vo, corro norma individual e concreta, além dos critérios determinantes de r. deveres instrumentais são imprescindíveis à operacionalidade da tributação,
seu con :eúdo significativo. -1
pois é com base neles que o Fisco constitui o crédito tributário, introduzido
. . Si uação diversa é aquela em que a norma individual e concreta, cons~ ·:
I no ordenamento pelo ato de lançamento. O denominado lançamento por
~tu1dor.1 do fato jurí~ico tributário e do correspondente liame obrigacional, ;-
homologação, por sua vez, nada tem de lançamento. Não é exarado por au-
e exped,da pelo particular. Nesse caso, o ato de formalização não se en- ·•
toridade administrativa, mas pelo próprio particular: é o contribuinte quem,
qtiadra na definição do conceito de lançamento tribL tá rio por faltar-lhe ,1
cumprindo deveres instrumentais, constitui o crédito tributário.
n~ co~posição, a participação de agente público corr.petente. A despeit~ .~
Nessa segunda modalidade constitutiva, o contribuinte efetua o pa-
disso, e comumente denominado lançamento por homologação, como ex- gamento antes de qualquer manifestação do Fisco (pagamento antecipa-
plica Alberto Xavier 19 :
do). motivo pelo qual o CTN impõe, como condição ao desaparecimento do
, crédito tributário, a homologação pela Fazenda Pública (art. 150, § 4•). O
Entre nós generalizou-se uma classificação, prete ,sarnente baseada n~ sujeito passivo pratica uma série de atos, culminando com a antecipaç~o do
CTN, que atende ao grau de colaboração do contribuinte no procedimento ad- pagamento do tributo, enquanto a Fazenda Pública se li~ita a exer~1tar o
ministrativo do lançamento. Nuns casos, o Fisco toma ele próprio a iniciativa da controle, homologando expressa ou tacitamente os expedientes realizados
prâ, ica do lançamento, quer por razões atinentes â nature.:a do tributo, quer por pelo contribuinte. Com tal expediente, a autoridade administrativa certifica
incL mprimento, pelo contribuinte, dos seus deveres de cnoperação: ê o lança- a quitação, funcionando como espécie de "certidão de óbito" que faz desa-
mer to direto ou ex officio previsto no art. 149. Noutros ca:.os - situados no pólo párecer a obrigação tributária. . .
opo ;to - é o contribuinte que toma a iniciativa do proced,mento, apresentando Percebe-se que, apesar de o crédito tributário poder ser const1tu1do
a su1 declaração tributaria e colaborando ativamente, co no parte, no seu de- pelo contribuinte, sem qualquer participação da autoridade administrativa,
senr Jlar: é o lançamer.to misto ou por declaração, previsto no art. 147. Enfim, o legislador houve por bem exigir, para sua ext~nção, a interferência do Fisco.
em "ertas hipóteses, o Fisco só atua eventualmente:, a titulo de controle: a pos- A disciplina jurídica conferida ao "pagamento antecipado" é, portanto, dis-
tericri, cabendo ao contribuinte a principal tarefa de calc11lar o tributo devido, tinta daquela relativa ao pagamento puro e simples. Ao discorrer sobre esse
reali :ar o seu pagamento, sujeito, como se disse, a eventt ai homologação das 20
ponto, acentua Paulo de Barros Carvalho • qu~, ~ao ob~t_ante o ~a~ame_n~o
auto·idades: é o lançamento por homologação previsto no art. 150. antecipado seja uma forma de pagamento, o direito pos,t,vo brasileiro eng,u
certa peculiaridade no que diz respeito ao primeiro:
O c1 itério classificatório que leva à identificação c'essas três moda-
lidades d<: "lançamento" reside no grau de participação do contribuinte Ainda que o factum do pagamento tenh_a efeitos extintivos, requer a le-
no procec imento que culminará no ato constitutivo do crédito tributário. gislação aplicável que ele se conjugue ao ato homologatório a ser realizado
Entendido la_nçamento como ato, porém, chegamos à conclusão de que (comissiva ou omissivamente) pela AdministraIção Pública. Só assim dar-se-á por
lançameff o e um só: o chamado lançamento de ofício, pllis se trata de ato dissolvido o vinculo, diferentemente do que sucede nos casos de pagamento de
exarado por autoridade administrativa, nos exatos termos do art. 142 do CTN. divida tributária apurada pró lançamento, cm que a conduta prestacional do
No chama fo lançamento por declaração, a constituição do crédito também devedor tem o condão de pôr fim, desde logo, à obrigação tributária.
decorre de norma individual e concreta produzida pela Administração, não

19. Op. cit., i. 70.


20. Direito tributário, p. 214.

278
279
fABIANA DEL 'AORE TOM(

RESffiUtçAo 00 IND[BITO !1116UTÀRIO


,
. ~ota~s_e, pois, que dependendo da modalidade de constituição do cr •
fica ingressar no âmbito gramatical do idioma, mais especificamente em sua
dito ~nb·Jtan?·.º momento da sua extinção também é variável. Sendo casQ
sintaxe, entendida como parte da gramática que examina as possíveis opções
de tribu o su1e1to ao lançamento de oficio, basta.o pagamento (art. 156, ,,,~
no que concerne à combinação das palavras na frase. As funções dos enun-
do CTN). '.ratando-se, porém, do cha mado "lançamente por homologação~
ciados, entretanto, não se encontram presas à forma pela qual estes se exte-
o fato exi1nt1vo do crédito tributário opera-se mediante o preenchimento de ,;
riorizam. Como acentua Irving M. Copi 22, as estruturas gramaticais oferecem
dois reqL isitos: (i) pagamento antecipado; e (ii) homologação do pagamento •1
(art. 156, VII, do CTN). . apenas precários indícios a respeito da função, sendo licito ao emissor utilizar
determinada forma para expressar diferentes funções, conforme o contexto. O
art. 3° do CTN, por exemplo, define o conceito de tributo: "Tributo é toda p_re~-
tação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exp~1m1r,
6. 'Prazo prescricional -para rest!~uição do indébito tributário
que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada~ Não obstante a f?rma decla-
Vimos que são duas as formas pelas qua is o crédito pode ser consti- .~ rativa desse enunciado, sua função é prescritiva, encerrando a ordem de que,
tu'.d?: (i) p~r ato administrativo de lançamen to; ou (ii) por ato do próprio i}
ao ser instituído tributo, este deve apresentar determinados caracteres.
su1~1to ?ass1vo, em cumprimen_to a dever ins_trumental. .'~-_extinção do laço; · Para identificar a função lingüística, necessário se faz que o intér-
obngac1onal, por sua vez, tambem ocorre em instantes d1!tmtos: (i) havendo
prete abandone a significação de base inerente a toda palavra, buscando a
lança:ne~to, no átimo do pagamento: ou (li) sendo o crédi,o•constituído pelo•
compreensão do discurso dentro da amplitude contextual em que se encon-
contribuinte, no momento da homologação pela autoridade administrativa. .
tra, examinando-o segundo os propósitos do emissor da mensagem (plano
Tais particularidades interferem na contagem do prazo prescricional
pragmático). . .
para restituição de valores indevidamente recolhidos a título de tributo
Épreciso deixar bem claro que nenhuma man1festa~ão de lmg~agem
visto que .~ eu termo inicial, segundo o art. 168; 1, do CTN, corresponde exa~
exerce uma únicá função. Há, sempre, uma função dominante e d1~e~as
tamente a data da extinção do crédito tributário. Por via de conseqüência,
outras que a ela se agregam no enredo comunicaciornal, tornando d1flc1I a
sendo case , de lançamento de ofício, ocorre a prescrição após cinco anos
missão de classificá-las. Para superar esse obstáculo, sugere Alf Ross23 que
c~ntados ~ ~ dia do pagamento indevido. De outro lado, s~ndo hipótese d; tomemos o efeito imediato como critério classificatório. Desse modo, pa'.-
!n_b~to SUJ<~1to a lançamento por homologação, o prazo rara restituir tem tindo do critério do efeito imediato ou função dominante, podemos classi-
in1c10 com :i ato homologatório do Fisco. Logo, se a homoll)gação é tácita a
ficar as linguagens.a partir do animus que move o emisso~ da me~sag:m,
prescrição fo direito do contribuinte ocorre somente quardo transcorrid~s
identificando as seguintes funções: (i) descritiva; (ii) expressiva de s1~uaço~s
cinco anos após os outros cinco anos de que a Administraç;.io dispunha para
subjetivas; {iii) prescritiva de condutas; (iv) interrogativa; (v) ope~at,~~; _(v,)
exercer o eontrole dos atos do contribuinte. Dai falar-se na tese dos dez
fáctica; (vii) persuasiva; (viii) afásica; (ix) tabuladora; e (x) metahng~1st1~a.
anos do direito de o contribuinte pleitear a restituição do débito do Fisco Interessa-nos, por ora, analisar os caracteres predominantes das funçoes hn-
também co 1hecida como "tese dos cinco mais cinco~ '
güisticas descritiva e prescritiva de condutas. . . .
A linguagem descritiva, também chamada de informativa,_ ~eclarat1v~,
indicativa, denotativa ou referencial, exerce a função de transmitir conheci-
7. Naturez:1modificativa do art. 3° da LC nº 118/05
mentos ordinários, técnicos ou científicos, mediante afirmaçõ:s ou negações.
Seus enunciados submetem-se aos valores de verdade e falsidade, uma vez
Todo enunciado lingüístico apresenta forma e função. Já foi anotado em que a eles se aplica a lógica clássica, apofântica ~~ alética.
21
trabalho ant :rior que orientar a atenção para as formas da linguagem signi-

21. Op. cit., P; 26. 22. Introdução iJ lógica. Trad. de Álvaro Cabr;il. s·ão Paulo: Mestre Jou, 1974. p. 55.
23. Lógica de los normas. Madrid : Tecnos, 1971 . p. 28.
280
281
RES111UIÇ~0 00 IN0!BIT0 TRISl/lÀAI0
FABIANA OEl PAOR[ • OM!
1
pretenda atribuir-lhe efeito intt:;rpretativo, tal de.te(minação não se coa-
1 Jâ a lii1guagem prescritiva presta-se à expedição de ordens, comandos·
l duna com o direito positivo brasileiro, o qual tém seu conteúdo alterado
i dirigidos ao :omportamento humano, intersubjetivo ou infra-subjetivQ. A essa-"°
a cada nova prescrição introduzida. Des~e'modo, ao redigir o art. 3°, ~ue
1 espécie de enunciados não se empregam os valores verdadeiro e falso, mar
dispõe que "para efeito de interpretação do inciso Ido art. 168 da Lei_ nº
í vâlido e não-•vâlido, inerentes à lógica deôntica. Éa função lingüística predo-·
5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extin-
i minante nas proposições jurídico-positivas, que se direcionam às condutas in~
ção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento
1 tersubjetivas para alterâ-las. Norberto Bobbio 24, esclarecendo a distinção entre:
por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata
forma gram, tical, entendida como o modo pelo qual a proposição é expressa, e.:.
·1 o§ 1° do art. 150 da referida Lei", o legislador introduziu no ordenamen-
; sua função, e onsistente no fim a que se propõe alcançar aquele que a pronun- ·:
to nova regra, alterardo os requisitos necessários à extinção do vinculo
1
eia, conclui s~r a função prescritiva própri~ da linguagem normativa, que con- •~-
i
o, obrigacional tributário e, por conseqüência, impondo novo termo inicial
i siste em "dar comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar
para contagem do prazo prescriciona l do direito do contribuinte. •
ii comporta me 1to alheio e modificá-lo': Lourival Vilanova 2s, enfatizando essa fi-
• • Vale lembrar que o direito, como sistema autopoiético, produz sua
1 nalidade, leci )na: "Altera-se o mundo físico mediante o trabalho ea tecnologia,
1 própria organização e mantém, assim, sua identidade: o sistema jurídico
que o potenl"ia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a lingua-
diferencia-se do ambiente em que se ,encontra inserto, determinando, ele
1

1 gem d)ls normas, uma çlasse da qual é a linguagem das normas do direito':
i próprio, aqu llo que o integra e o que não faz parte dele. De tal proprieda-
Firmadas essas premissas, é passivei concluir, desde leigo, que nenhu~
l ma norma jurídica pode ser consideraea meramente interpretativa. Todo
preceito legal introduz modificações no sistema do direitc positivo, ainda
de não escapam os fatos extintivos dos liames jurídicos. e, mu ito m_e~os,
os institutos que se volt~m à estabilização das relações entre os suJe1tos
de direito, como é o caso' da decadência e da prescrição. Assim, tendo em
que exteriorizado na forma descritiva. Uma norma não diz como as coisas
vista que nada ingressa no sistema do direito que não seja pela fo_r~a
"são", mas como "devem ser·: Dito de outro modo, ou a nor na é prescritiva
normativa, somente a p~rtir da ediçã,o da LC nº 118/05 é que o requ1s1to
ou não é norma. Mesmo quando o conteúdo significativo da nova regra seja extintivo da obrigação tributária constituída mediante norma individual
ou pareça idêntico ao de prescrição já existente, tem-se 11odificação no
e concreta do contribuinte (lançamento por homologasão) passa a ser o
sistema do c'ireito positivo: trata-se de novo enunciado, decorrente de ato
fato do "pagamento antecipado".
de fala (enunciação). diverso daquele antes existente.
Posto isso, e considerando a expressão "sistema do direito positivo"
como refere He ao conjunto das normas jurídicas estatica nente conside- 8. Segurança jurídica, irretroatividade da lei tributária e o art. 3º da
radas, pode• se afirmar que a cada alteração legislativa t~ m-se um novo
sistema do direito posto. 26 É o que acontece na situação ora examinada: LC n• 118/05 ,
'
no mamente, T1, anterior à edição da LC n° 118/05, existia i; m determinado As normas jurídicas são editadas para proJ~tar efeitos para o futuro.
sistema jurídico brasileiro; no instante subseqüente T2, apés o advento da Nesse sentido, tem-se expresso na Constituição da República o prestigiado
referida Lei, o sistema passou a ser outro, diferente do anterior, tendo em principio da irretroatividade das leis, segundo o qual "a lei não prejudicará
vista as nov;,s regras criadas.
o direito adquirido, o ato jurídico per feito e'a coisa julgada" (art. 5º, XXXVI).
Não rc :stam dúvidas, portanto, de que o art. 3° d;1 LC n° 118/05
Não bastasse esse dispositivo, o constituinte inscreveu, entre as "limitações
apresenta c irá ter modificativo. Conquanto o art. 4° dess•'. diploma legal ao poder de tributar", o art. 150, Ili, a, consagrando ali o principio da irretro-
24. Teoria do ,orma juridica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Eueno Sudatti. São atividade das leis tributárias.
Paulo/Bau ·u: Edipro, 2001. p. 77-8. o art. 106 do CTN, porém, pretendendo excepciona! tal regra, relacio-
25. As estrutiras lógicos e o sistema do direito positivo, p. 3-4. na situações em que a legislação tributária encontra aplicação para fatos
26. Nesse sen ido, leciona MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributá- passados: '
ria. São Pé ulo: Noeses, 2005. p. 129 e ss.
283
282
RESTITUIÇÃO c,o INOteno TRIBUTARIO
fABIA~A OEL PADRE TOM(

or ordinário, a
Art. 1J6. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: falar-se em lei interpretativa. Admiti-la seria permitir aó legislad
o de fornecer a
1- en1 qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,
excluída pretexto de estabelecer regra de interpretaçã() d~ lei, a pretext
tados; • interpretação autêntica da lei, fazê-la retroagir.
a aplicação le penalidade à infração dos dispositivos interpre
11 - tr itando-se de ato não definitivamente julgado:
tati-
a) qL·~ndo deixe de defini-lo como infração; Como anotado, a função do direito positivo é estabiliz3r as expec
que apresente
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigênc
ia de ação vas normativas. Sua linguagem é, portanto, prescritiva. Ainda
as condutas
ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha
implicado em a forma descritiva, seu conteúdo é sempre prescritivo: orienta
. Em conse-
falta de pag.1mento de tributo; intersubjetivas. Logo, não há que falar em norma interpretativa
inicio da vigênc ia da lei (ainda que por
c) qu, ndo lhe comine penalidade menos severa que a prevista
na lei vi- qüência, não pode o legislador fixar o
de sua publica ção, pois com
gente ao ten1po de sua prática. ele considerada interpretativa) em data anterior à
destru indo
isso estar-se-ia violando o princípio da irretroatividade, bem como
nos lembramos
O inciso li cecorre de interpretação sistemática do Texto Consti
tucional, -~ segurança jurídica. Tal atitude é ainda mais absurda quando
icacional,
estendendo às infrações tributárias o disposto no art. 5°, XL, da
CF: "a lei penal que o direito se realiza no contexto de um grandioso processo comun
ra a possibili- to das norma s jurídic as pelas
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu''. O art. 106, li, consag impondo a necessidade premente de conhecimen
marco preciso do
dade de retroação das normas de direito tributário-penal quandê
i a inovação pessoas a que se dirigem, sendo o momento dessa ciência o
posto.
legislativa beneficiar o contribuinte infrator. Seu conteú do é perfeit amente instante em que a norma ingressa no ordenamento do direito
nça e a estabilidade das relações ju-
compatível com as demais regras do sistema. Procurando resguardar a segura
ecend o o caráte r mo-
O inciso 1, no entanto, parece-nos não ter aplicabilidade algum
a, visto rídicas, o STJ pronunciou-se sobre o assunto, reconh
de de sua
que toda norma jurídica acaba inovando, de algum a forma, o orc1en amento . dificativo do art. 3° da LC nº 118/05, bem como a impossibilida
reta1 ivas", estas aplicação a fatos pretéritos:
Ainda que o legislador denomine algumas regras de "interp
se sujeitar ao
produzem alterações no sistema, motivo· pelo qual hão de MEN-
primado da irret:·oatividade. Esse é o posicionamento adotad
o por Carlos TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÊBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇA
enanada do FIRMADA PELA 11
1
Maximiliano , pé ra quem a chamada interpretação
21
autênt ica, TO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO
l próprio poder qt·e produziu o ato interpretado, pretendendo
3clarar seu
coutrinador
SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP N° 435.835/SC. LC
RETATI
N• 118/2005: NA-
VA) DO SEU ARTI-
1
r sentido e alcanc1, só se aplica aos casos futuros. Rejeita esse TUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERP
DETERMINA A
a atribuição de c iráter retroativo às leis interpr etativa s, as quai~, a seu ver, GO 3°. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4°, NA PARTE QUE
direitos DO ERESP N•
não vigoram desce a data do ato interpretado, devendo respeit
ar os APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO
1 adquiridos em cc,nseqüência do entendimento conferido, até
então, pelo 327.043/DF. COMPENSAÇÃO. TRIBUTOS DE DIFERE ~TES ESPÉCI ES. SUCESSIVOS
DA CAUSA À
tivo). Semel hante é o posicio namento REGIMES DE COMPENSAÇÃO APLICAÇÃO RETROAllVA OU EXAME
órgão aplicador (Judiciário ou Execu
do Min. Carlos M.irio da Silva Velloso ,18 manife stando : LUZ DO DIREITO SUPERVENIENTE. INVIABILIDADE. JUROS.
p/ o acórdão
1. A 1• Seção do STJ, no julgamento do ERESP n• 435.835/SC, Rei.
imento segund o o qual
Nos si, temas constitucionais como o nosso, em que a regra e
a irretroati- Min. José Delgado, sessão de 24.3.2004, consagrou o entend
a lançamento por
vidade situa- ;e em nível constituciona l e não apenas de lei ordinária, impossível o prazo prescridonal para pleitear a restituição de tributos sujeitos
do lançamento,
homologação é de cinco anos, contados da data da homologação
do fato gerador - sendo irre-
que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização
Forense, 197:l p. 87.
27. Hermenêutico e aplicação da direita. 9. ed. Rio de Janeiro: levante, para fins d~ cômputo do prazo prescricional, a causa do
indébito. [... ]
ia - lrretroativirlade e ante-
28. VELLOSO, Mário da Silva. Irretroatividade da lei tributár 2. O art. 3° da LC n• 118{2005, a pretexto de interpretar os arts.
150, § 1°,
Revisto de Di,eito Tributá-
,ioridade - lmpc sto de renda e empréstimo compulsório. 168, 1, do CTN, conferiu-lhes, na verrlade, um sentido e um alcance diferen te da-
rio, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 45. p. 85.

284 285
'1
fAJllANA O[l PADRE TOM(
1
ITUIÇÃO
retação" d,1da, não há PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO SUJEITO PASSIVO À REST
1 quele dado p{ lo Judiciârio. Ainda que defensável a "interp A" DO
como negar eue a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO EA NORMA "INTERPRETATIV
ESTRUTURA E
interpretadas Jm dos seus sentidos possíveis, justamente
aquele tido como correto ART. 3° DA LC 118/2005: FUNÇÃO OPERACION_AL,
to, o art. 3° da LC n• VALIDADE'
pelo STJ, inté, prete e guardião da legislação federal. Portan
do apenas sobre situações que
118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidin
Thiago Buschinelli Sorrentino ,
venham a occ rrer a partir da sua vigência.
ina a aplicação Mestrando em direito tributário na PUC-SP
3. O art. 4º, segunda parte, da LC nº 118/2005, que determ
fatos passados, ofende o prin-
retroativa do seu art. 3°, para alcançar inclusive
poderes (CF, art. 2°) e o
cipio constitl'cional da autonomia e independência dos
o e da coisa julgada (CF, 1. Introdução
da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeit
art. 5°, XXXVI . [... ] do disposto no
13. Recurso especial adesivo não conhecido. Este ensaio deverá investigar a estrutura e o alcance
29
art. 3° da LC 118, de 09.2.2005 , respondend
2 o às seguintes indagações: '
14. Re, ursos especiais a que se nega provimento. '

ta no art. 3° da
Até mesmo Eurico Marcos Oiniz de Santi, cujo posici
onamento é no a) Qual é o tipo de operação realizado pela norma previs
nientes da
sentido de que é:1 extinção do crédito tributário dá-se
com o pagamento, LC 118/2005 no sistema jurídico? Como os influxcs prove
inação do
não ficando condicionado à homologação, reconhece
que a jurisprudên- comunicação jurisdicional e doutrinária afetam a determ
dos contribuintes quanto à alcance do dispositivo?
cia do STJ legitimou as expectativas normativas viola a divisão de
contagem do prazo prescricional para repetir o i_ndébito
tributário. Por esse b) A norma que se auto-refira como "interpretativa"
de Poderes"?
motivo, conclui o autor, "a LC nº 118/05 não pode voltar
ao passado. Seus competência constitucional conhecida como "separação
'fatos gf:radores' do c) Para um "fato jurídico do indébito" que tenha ocorri
do antes da exis-
dispositivos com novos prazos só se aplicam para novos que será colhid o por ato de
direito à repetição do indébito do contribuinte que surgire m a ~artir da sua tência do enunciado "interpretativo", mas
, há proibição
vigência (dia 09.6.2005)". º
3 aplicação de direito durante a vigência da nova norma
antigos enun-·
A norma jurídica veiculada pelo art. 3° da LC nº 118/05
, conquanto para que o órgão jurisdicional aplique tão-somente os
alterações no sisterr a do direito ciados?
se autodenomin '. "interpretativa", introduz passivo à apli-
posto . Logo, seu'. efeitos hão de ser projetados para o futuro
, sen jo inaceitá- d) Para a mesma situação, há direito subjetivo do sujeito
redação dos
vel sua aplicaçãc a fatos passados. Esses "fatos futuros"
a que se faz referên- cação de orientação mais benéfica, fundada na antiga
consister.1 nas "ações
cia, sujeitos ao ornando do dispositivo em exame, não enunciados?
abran gem O'. pedidos de
ajuizadas após ~· de junho de 2005", ou seja, não
que altera o prazo
restituição reali;ados após a entrada em vigor da norma 'gentis e valiosos comentários
prescricional pa ·a a restituição do indébito tributário.
Tendo enI vista que o 1. O autor agradece ao amigo Aldo de Paula Jr. pelos
de base a este artigo. O
o o crédito tributário realizados por ocasião da produção do texto que serviu
art. 3° disciplina o instante em que se considera extint sso de Direito Tributário,
buinté), apenas os autor agradece também à Mesa Examinadora do XIX Congre
(termo inicial d,J prazo prescricional do direito do contri pelas instigantes indagações e exames realizados sobre
a argumentação do texto
a ele suje:tos.
pagamentos inc evidos realizados sob sua égide estão que precedeu ao artigo. Agradecimentos são ainda devido
s a Rodrigo Forcenette
mais cinco" sobre a tese
pelas considerações sobre a prevalência da tese dos "cinco
ce ao gentil convite feito pela Dra.
i, j. 14.6.200!i. "dos cinco anos~ Por fim, o autor também agrade
29. 1' Turma, REsp 672.962-CE, Rei. Min. Teori Albino Zavask Aurora Carvalho para participação em obra coletiva.
o LC n• 118: entre: regras e prin-
30. Decadência e orescrição do direito do contribuinte e 2. DOU de 09.2.2005, ed. extra.
cípios, p.177.
287
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