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REUMATOLOGIA

CAPÍTULO

5
Espondiloartrites soronegativas
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Introdução Apesar de as espondiloartrites terem vários aspectos em


comum, alguns detalhes epidemiológicos (como a presença
As espondiloartrites são um grupo de doenças inter- de comorbidades pessoais e familiares, psoríase e doença
-relacionadas com certos aspectos em comum, como epi- inflamatória intestinal), clínicos e radiológicos ajudam a dis-
demiológicos, patogenéticos, clínicos e radiológicos. As tinguir umas das outras. Uma forma chamada espondiloar-
entidades que compõem esse grupo incluem a Espondilite trite indiferenciada se caracteriza pela presença de achados
Anquilosante (EA), a síndrome de Reiter e outras artrites sugestivos de espondiloartrites, sem que o paciente consiga
reativas pós-infecciosas, a artrite psoriásica e as enteroar- fechar critérios para nenhuma das doenças do grupo. Isso
trites (relacionadas às doenças inflamatórias intestinais), a ocorre comumente nos primeiros anos de doença, e um
espondiloartrite de início na juventude e a espondiloartrite quadro inicialmente definido com espondiloartrite indefini-
indiferenciada. da pode evoluir para outra doença com o passar dos anos.
São caracterizadas pelo envolvimento inflamatório das
articulações axiais, como a coluna vertebral (espondilite) Tabela 2 - Doenças classificadas como espondiloartrites
e as articulações sacroilíacas (sacroileíte), e pela presença - Espondilite anquilosante;
de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 articulações - Artrites reativas;
acometidas), entesites (inflamação na inserção óssea de
- Enteroartrites;
tendões, ligamentos e cápsulas articulares) e pela ausência
- Artrite psoriásica;
de fator reumatoide. Elas têm tendência a agregação fami-
liar, associação ao HLA-B27 (principalmente o componente - Espondiloartrite indiferenciada.
axial) e acometimento ocular (uveíte anterior). De acordo
com a doença em questão, pode ocorrer também o envol- 2. Epidemiologia
vimento da pele, de anexos e das mucosas. O envolvimento
Manifestações de espondiloartrites têm sido descritas
valvar e pulmonar é extremamente raro.
em todos os grupos étnicos e, geralmente, estão associadas
Tabela 1 - Características das espondiloartrites à presença do HLA-B27. Entre os caucasianos e asiáticos,
- Envolvimento inflamatório das articulações axiais, como a co- a frequência do HLA-B27 é de 7%. A maior prevalência da
luna vertebral (espondilite) e as articulações sacroilíacas (sa- EA tem sido descrita em certos grupos nativos americanos,
croileíte); onde a frequência do HLA-B27 é maior que 50%. As espon-
- Presença de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 articu- diloartrites são menos comuns em negros, com frequência
lações acometidas); de HLA abaixo de 1 a 2%. Apesar de o HLA-B27 ser impor-
- Entesites (inflamação na inserção óssea de tendões, ligamentos tante, outros múltiplos genes estão envolvidos. Fatores am-
e cápsulas articulares); bientais, sobretudo infecciosos, também têm sido propos-
- Ausência de fator reumatoide. tos no desenvolvimento da EA, mas não há evidência clara
dessa associação, como acontece com as artrites reativas.
São também conhecidas como espondiloartrites sorone-
gativas. O termo soronegativa foi estabelecido na década de
3. Espondilite anquilosante
1970, pois a EA era considerada um componente axial da ar- A EA é o protótipo das espondiloartrites, em que o en-
trite reumatoide, mas na ausência do Fator Reumatoide (FR). volvimento axial é o característico, com acometimento da

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ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

coluna, levando a dor espinhal inflamatória (comumente


lombar) e das sacroilíacas, causando dor inflamatória nas
nádegas. Costuma ter início insidioso, no fim da adolescên-
cia ou começo da vida adulta, e é infrequente apresentar-se

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após os 40 anos. A média de idade de início é de 26 anos,
com prevalência maior em indivíduos da cor branca. Tem
como sinonímia: doença de Marie-Strümpell ou doença de
Bechterew.
A proporção entre homens e mulheres é de 3:1. Rigidez
progressiva da coluna é comum, evoluindo com anquilose
após anos de doença. A prevalência nas diferentes popula-
ções varia de 0,1 a 6%, e a etiologia é desconhecida. A as-
sociação a HLA-B27 está presente na maioria dos pacientes
(90%).

A - Achados clínicos

a) Envolvimento axial
O sintoma clínico característico é a presença de dor lom-
bar inflamatória no esqueleto axial (Figura 1). A dor infla-
matória caracteriza-se por: (1) não melhorar com o repouso
e melhorar com a movimentação (diferente da dor de ori-
gem mecânica, que piora com a movimentação e melhora
com repouso); e (2) pela presença de rigidez matinal maior
Figura 2 - (I) TC no plano coronal oblíquo mostrando espaços ar-
que 30 minutos. As dores têm início insidioso, com mais de
ticulares preservados e simétricos, com superfícies regulares.
3 meses de evolução. Sua localização geralmente é lombar
O espaço é considerado normal entre 2 e 4mm; (II) classificação
(mas pode acometer todos os níveis da coluna) e nas ná- radiográfica na avaliação das articulações sacroilíacas. Grau D –
degas, uni ou bilateral, e pode ser alternante, decorrente normal; (A) grau I – suspeito; (B) grau II – discreta irregularidade
da inflamação em sacroilíacas (Figuras 2 e 3). O paciente e esclerose das superfícies articulares, com o espaço articular pre-
costuma acordar de madrugada pela dor e caminhar para servado; (C) grau III – redução articular, além de intensa irregula-
que haja melhora. ridade e esclerose subcondral; (D) grau IV – anquilosa bilateral.
Fonte: ASAS Handbook. Ann Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44

Figura 3 - Cortes tomográficos no plano coronal oblíquo demons-


trando redução do espaço articular à direita, sendo preservado
à esquerda. Observa-se, também, esclerose subcondral à direi-
ta, mais evidente na porção ilíaca. Fonte: ASAS Handbook. Ann
Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44

Além da dor na coluna, o paciente ainda pode ter dor


nas articulações costovertebrais, dor espinhal em outros
níveis (cervical ou dorsal) e acometimento das cartilagens
torácicas anteriores (costocondrite). O envolvimento das
articulações costovertebrais e costocondrais pode provocar
Figura 1 - Patogenia da lombalgia inflamatória na EA diminuição da expansibilidade torácica (<5cm de variação

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entre a inspiração e a expiração) e dor às manobras de ins- - Distância tragus-parede;


piração profunda ou Valsalva. Podem estar presentes sin- - Flexão lombar;
tomas constitucionais, como fadiga, perda de peso e febre. - Rotação cervical;
Achados de exame físico são incomuns no início da do- - Flexão lombar lateral;
ença e são mais habituais com a doença estabelecida. Um
dos achados iniciais é a perda da lordose lombar. Com o
- Distância intermaleolar.
passar do tempo e a calcificação dos ligamentos e ênteses - Distância tragus-parede: avalia a perda da mobilidade
na coluna em toda a sua extensão, ocorre perda de mobili- da coluna no plano anteroposterior. Mede-se a distân-
dade, e o paciente acaba ficando “anquilosado” com perda cia entre o tragus e a parede, com o paciente com os
da lordose lombar e cervical e acentuação da cifose toráci- tornozelos encostados nela, os joelhos estendidos e
ca, curvando o corpo para frente. Para manter o equilíbrio, tentando encostar a cabeça na parede;
ele flete os quadris, os joelhos e os cotovelos e adquire a
clássica “posição de esquiador”. Esse é um achado muito
tardio na doença.
Atualmente, dispomos de instrumentos de avaliação
clínica das espondiloartrites, sendo o BASDAI um índice
de atividade da doença (Tabela 3) que melhor acompanha
periodicamente a evolução do tratamento da EA na prática
clínica. Na avaliação de incapacidade funcional, dispõe-se
do BASFI (Tabela 3).

Tabela 3 - BASDAI - índice de atividade da doença


Coloque uma marca em cada linha a seguir, indicando sua
resposta para cada questão relacionada à semana anterior
1. Como você descreveria o grau de fadiga ou cansaço que você
tem tido?
Figura 4 - Distância tragus-parede. Fonte: ASAS Handbook, 2009
0_____________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
- Flexão lateral do tronco: calcanhares e costas encos-
2. Como você descreveria o grau total de dor no pescoço, nas tados na parede, joelhos eretos, fazer uma marca na
costas e no quadril relacionado à sua doença?
coxa ao nível dos dedos (Figura 5A1). Em seguida pedir
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso ao paciente para fazer flexão lateral do tronco e fazer
nova marca após esta flexão (Figura 5A2). Após, regis-
3. Como você descreveria o grau total de dor e edema (incha-
ço) nas outras articulações sem contar com pescoço, costas e trar a diferença entre as 2 marcas. Uma alternativa e
quadril? registrar a medida da distância entre o dedo médio e
0______________________________________________ 10cm o chão antes e após a flexão lateral. Fazer as medidas
Nenhum Intenso bilaterais e registrar a média das 2 aferições;
4. Como você descreveria o grau total de desconforto que você
teve ao toque ou à compressão em regiões do corpo doloridas?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
5. Como você descreveria a intensidade da rigidez matinal que
você tem tido a partir da hora em que acorda?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
6. Quanto tempo dura sua rigidez matinal a partir do momento
em que você acorda?
0______________________________________________ 10cm
Nenhum Intenso
BASDAI: soma dos valores das questões 1, 2, 3, 4 e a média dos
valores da 5 e 6, dividindo este total por 5.
Fonte: Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: Espondilite
Anquilosante e Artrite Psoriásica, 2007.

As manobras mais utilizadas no exame físico para pes-


quisar o envolvimento axial, que compõem o índice deno-
minado BASMI são: Figura 5 - Flexão lateral do tronco. Fonte: ASAS Handbook, 2009

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ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

- Teste de Schöber modificado: detecta limitação da também por dor em outras estruturas anatômicas lo-
flexão da coluna lombar. Deve-se fazer uma marca na cais;
linha média, com o paciente em posição neutra, ao - Teste de Gaenslen: com o paciente em posição supina,
nível da espinha ilíaca posterossuperior, e outra 10cm deixa-se uma perna cair por 1 dos lados da maca do
acima. Pede-se ao indivíduo que realize flexão máxima examinador, enquanto a outra perna é flexionada pelo

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do tronco, sem dobrar os joelhos, tentando alcançar paciente em direção ao tronco. Essa manobra deve
o chão com as mãos. Mede-se a distância máxima en- aumentar a dor na sacroilíaca no lado da perna caída
tre os 2 pontos, que deve aumentar pelo menos 5cm e (Figura 10);
atingir 15cm (Figura 6);
- Teste de Patrick: com o paciente em posição supina,
com o seu calcanhar sobre o joelho contralateral, faz-
-se uma pressão para baixo sobre o joelho flexionado.
Assim, com o quadril em flexão/abdução e rotação
externa (Fabere), haverá dor na articulação sacroilíaca
contralateral (Figura 11);
- Expansibilidade torácica: medida no 4º espaço inter-
costal, a expansibilidade torácica (diferença da circun-
ferência torácica em inspiração máxima e expiração
máxima) normal é de, aproximadamente, 5cm. Em
Figura 6 - Teste de Schöber modificado. Fonte: ASAS Handbook, caso de envolvimento costovertebral ou costocondral,
2009
ela diminui.
- Rotação cervical: paciente sentado na cadeira, cabe-
ça ereta, com as mãos apoiadas nos joelhos. Colocar o
goniômetro no topo da cabeça alinhado com o nariz.
Pedir para o paciente fazer rotação lateral da cabeça o
máximo que puder e anotar quantos graus de rotação
ele obteve. Fazer a medida bilateral e posteriormente
registrar a média das 2 medidas;

Figura 9 - Expansibilidade torácica. Fonte: ASAS Handbook, 2009

Figura 7 - Rotação cervical. Fonte: ASAS Handbook, 2009

- Distância intermaleolar: paciente em decúbito dorsal


ou ventral, registrar a medida da distância entre os
maléolos mediais;
Figura 10 - Teste de Gaenslen

Figura 8 - Distância intermaleolar. Fonte: ASAS Handbook, 2009

- Palpação das sacroilíacas: palpam-se as articulações


sacroilíacas e observa-se se há dor. A presença desta
pode ser desencadeada não só por sacroileíte, mas Figura 11 - Teste de Patrick (Fabere)

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Tabela 4 - Principais achados do comprometimento axial da EA


Achados clínicos
- Dor inflamatória no esqueleto axial;
- Início insidioso (mais de 3 meses);
- Rigidez matinal maior que 30 minutos;
- Dor lombar ou em outros níveis vertebrais (dor espinhal);
- Dor nas nádegas;
- Dor nas articulações costovertebrais;
- Dor nas cartilagens torácicas anteriores (costocondrite).
Achados de exame físico
- Incomuns no início da doença;
- Perda da lordose lombar;
- Perda da lordose cervical;
- Acentuação da cifose torácica;
- Posição de esquiador (achado muito tardio).
Manobras mais utilizadas
- Distâncias occípito-parede e tragus-parede (envolvimento da
coluna);
- Teste de Schöber (envolvimento da coluna lombar); Figura 12 - Pontos de possíveis entesites: (A) manúbrio do esterno;
- Palpação das sacroilíacas, compressão pélvica, manobra do li- (B) processo xifoide; (C) e (D) crista e espinha ilíacas anterossupe-
vro aberto, teste de Gaenslen e teste de Patrick (Fabere) – todas riores; (E) espinha ilíaca posterossuperior; (F) coluna lombar e (G)
para envolvimento de sacroilíacas; calcâneo. Fonte: ASAS Handbook, 2009
- Expansibilidade torácica e palpação das articulações costocondrais
d) Acometimento ocular
(envolvimento das articulações costocondrais e costovertebrais).
É a manifestação extra-articular mais comum na EA e
b) Envolvimento articular periférico acontece em 30% dos pacientes. Acomete a câmara an-
O acometimento de articulações periféricas na EA acon- terior do olho (uveíte anterior – Figura 13) e costuma ser
tece em cerca de 25% dos casos e costuma ser mono ou unilateral, geralmente alternante quando recorrente, com
oligoarticular (1 a 4 articulações acometidas), costumeira- aparecimento de olho vermelho, dor, borramento visual, fo-
mente de forma assimétrica e preferencialmente nos mem- tofobia e lacrimejamento. A injeção conjuntival ao redor da
bros inferiores. Quadris, joelhos, tornozelos e articulações íris (flush ciliar) é característica. Está fortemente associada
metatarsofalangianas são frequentemente acometidas. O à presença do HLA-B27 e pode preceder o início dos sinto-
envolvimento do quadril é responsável por grande mor- mas articulares de EA em anos. Não tem relação com surtos
bidade. Raramente, os membros superiores são afetados, de piora no acometimento articular. O diagnóstico é feito
com exceção dos ombros. A artrite periférica pode ocorrer por oftalmologista, com exame de lâmpada de fenda, que
anterior, concomitante ou posteriormente ao aparecimento caracteriza células e inflamação na câmara anterior do olho.
dos sintomas axiais. Histologicamente, a sinovite é indistin- O aparecimento de quaisquer desses sintomas justifica en-
guível das outras doenças reumáticas. caminhamento imediato ao oftalmologista. A falta de trata-
mento pode gerar perda visual e irregularidade da pupila.
c) Entesite
A inflamação das ênteses (partes do tendão, ligamento
ou cápsula que se inserem no osso) pode causar dor, rigi-
dez e restrição de movimentos. É comum na EA (não tanto
quanto na artrite reativa) e pode ocorrer na fáscia plantar,
inserção do tendão de Aquiles, ao redor da pelve (na tube-
rosidade isquiática, cristas ilíacas e trocânter maior), na co-
luna (nas inserções ósseas de ligamentos e cápsulas de arti-
culações discovertebrais e costovertebrais e nos ligamentos
interespinhoso e paravertebrais), região anterior do tórax
(junções costocondrais) e tuberosidade tibial, uni ou bila-
teralmente. Dactilite é incomum. A seguir, a ilustração dos
pontos de possíveis entesites. Figura 13 - Uveíte anterior em paciente com EA

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ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

e) Outros os ângulos brilhantes (shiny corners ou sinal de Romanus


A EA pode acometer outros sistemas, além das articula- – Figura 14). Na sequência, a inflamação provoca erosão e
ções. O envolvimento cardíaco, com a aortite, dilatação do neoformação óssea periosteal, provocando a “quadratura”
anel aórtico e insuficiência aórtica, tem sido descrito em 1% dos corpos vertebrais (normalmente bicôncavos) à radio-
dos pacientes. O risco de envolvimento cardíaco aumenta grafia lateral. A ossificação gradual das camadas superficiais

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com a idade, presença de HLA-B27, tempo de doença e pre- do ânulo fibroso leva à formação de pontes ósseas interver-
sença de artrite periférica. Podem ocorrer ainda distúrbios tebrais, que são os sindesmófitos (Figuras 17, 18 e 19). Na
de condução e doença miocárdica. EA e espondiloartrites associadas às doenças inflamatórias
O envolvimento costovertebral e costocondral pode le- intestinais (enteroartrites), os sindesmófitos são geralmen-
var a diminuição da expansibilidade torácica, com leve res- te simétricos e regulares, bem verticalizados e marginais,
trição à prova de função pulmonar, sem alteração da difu- ao contrário das artrites reativas e da psoriásica, onde são
são. Isso raramente provoca ventilação insuficiente. Cerca geralmente assimétricos e irregulares, mais grosseiros.
de 1% dos pacientes desenvolve fibrose progressiva dos Também se distinguem dos osteófitos da osteoartrite, que
ápices pulmonares. tem orientação bem lateralizada. A fusão das interapofisá-
Pode haver inflamação inespecífica e subclínica dos in- rias e a calcificação dos ligamentos espinhais, associadas à
testinos grosso e delgado em 60% dos casos de espondilite. formação bilateral de sindesmófitos, pode resultar em fu-
De 10 a 15% dos pacientes com EA vão desenvolver doença são completa da coluna vertebral, fornecendo o aspecto de
inflamatória intestinal. Não há achados cutâneos específicos. coluna “em bambu”.
Acometimento compressivo neurológico por fraturas ver-
tebrais, com síndrome de cauda equina, também pode ocor-
rer ou no caso de deformidade cervical em flexão grave.
Já amiloidose renal secundária é possível pelo estímulo
inflamatório crônico, mas isso é cada vez mais raro. E fibro-
se retroperitoneal é raramente descrita.
Em nível pulmonar, pode ocorrer fibrose apical interal-
veolar ou pneumonia crônica fibrosante, infiltrado linfoci-
tário e dilatação brônquica. Em estágios avançados pode
evoluir com fibrose difusa, bronquiectasia e formação de
cavidades.

B - Achados radiológicos
As alterações radiológicas são predominantemente ob-
servadas no esqueleto axial (sacroilíacas, interapofisárias,
discos vertebrais e articulações costovertebrais) e em locais
de entesopatia.
O envolvimento das sacroilíacas pode ser observado
em raio x simples da pelve, sobretudo se na posição de
Ferguson. A sacroileíte das espondiloartrites envolve a por- Figura 14 - Sinal de Romanus
ção sinovial, nos 2/3 inferiores da articulação sacroilíaca. Na
EA, o acometimento é bilateral e simétrico, assim como nas
espondiloartrites associadas às doenças intestinais inflama-
tórias (enteroartrites). Já nas artrites reativas e na psoriási-
ca, o acometimento geralmente é unilateral e assimétrico.
O 1º achado radiográfico são as erosões, que aparecem
como irregularidades no contorno da articulação. A pro-
gressão do processo erosivo resulta no pseudoalargamento
do espaço articular (a articulação parece mais larga do que
deveria), seguindo-se a esclerose óssea subcondral, até a
anquilose completa ou fusão articular. Nos casos iniciais,
mesmo com clínica, a radiografia pode não evidenciar as
alterações.
Na coluna vertebral, o processo inflamatório se inicia na
inserção do ânulo fibroso nas bordas dos corpos vertebrais.
O 1º sinal radiográfico, nesses casos, decorre da inflama- Figura 15 - Evolução de lesões espinhais da EA. Fonte: ASAS
ção dessa estrutura, resultando em corpos vertebrais com Handbook, 2009

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Tabela 5 - Achados radiológicos (raio x) da EA, que já indicam um - Entesite dos ligamentos espinhais;
comprometimento mais avançado: a ordem dos achados é cres-
- Sindesmófitos/anquilose: pontes ou fusão óssea entre corpos
cente em relação ao tempo de doença vertebrais adjacentes – achado tardio.
Sacroilíacas (fazer o raio x na posição de Ferguson)
- Envolvimento da porção sinovial, nos 2/3 inferiores; Achados radiográficos periféricos podem ser vistos
nas articulações acometidas, com osteoartrite secundá-
- Acometimento é bilateral e simétrico;
ria, levando a redução de espaço articular difuso em toda
- Erosões (irregularidades no contorno articular);
a articulação, esclerose subcondral e formação de osteó-
- Pseudoalargamento do espaço articular; fitos. Isso é comum nos quadris. Podem ocorrer também
- Esclerose óssea subcondral; irregularidades na inserção óssea dos tendões (geralmente
- Anquilose completa ou fusão articular. na inserção do tendão de Aquiles ou na inserção calcânea
Coluna (fazer raio x lateral de coluna cervical e lombar) da fáscia plantar), com calcificações grosseiras ao longo do
- Corpos vertebrais com os ângulos brilhantes (shiny corners ou tendão, partindo de sua inserção.
sinal de Romanus);
- Quadratura dos corpos vertebrais (que são normalmente bi-
côncavos);
- Sindesmófitos simétricos e regulares, bem verticalizados e mar-
ginais;
- Coluna “em bambu”.

Mais recentemente, dados os avanços terapêuticos no


tratamento das espondiloartrites e a necessidade de diag-
nóstico inicial, em pacientes sem doença francamente de-
formante, a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) ganhou
bastante importância. Novos critérios de espondiloartrites
foram desenvolvidos recentemente, incluindo achados de
RMN, que continua a ter maior utilidade nos quadros ini-
ciais, em que não há achados à radiografia simples. A RMN
para esse fim deve incluir sequências STIR ou com contras-
te, para realçar as alterações inflamatórias. A RMN pode
prover dados importantes de atividade inflamatória inicial,
bem antes das alterações encontradas no raio x, tanto nas
articulações sacroilíacas (Tabela 6) como na coluna verte- Figura 16 - Sacroileíte bilateral: observar a redução do espaço nas
bral (Tabela 7). sacroilíacas e a esclerose óssea

Tabela 6 - Achados de sacroileíte na RMN de sacroilíacas


Lesões inflamatórias agudas
- Edema de medula óssea (osteíte);
- Capsulite;
- Sinovite;
- Entesite.
Lesões inflamatórias crônicas
- Esclerose;
- Erosão;
- Deposição de gordura;
- Pontes ósseas/anquilose.

Tabela 7 - Achados de envolvimento espinal inflamatório na RMN


de colunas
- Espondilite: inflamação do corpo da vértebra;
- Espondilodiscite: inflamação da placa cortical adjacente ao dis-
co intervertebral;
- Artrite das articulações zigoapofisárias: artrite costovertebral; Figura 17 - Formação de sindesmófitos na coluna vertebral

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ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

eram adequados para a detecção da doença em está-


gios precoces. Logo, em 2009 o ASAS (The Assessment of
Spondyloarthritis International Society) forneceu os novos
critérios de classificação das espondiloartrites (Tabela 9).

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Tabela 8 - Critérios de Nova Iorque modificados para espondilite
anquilosante (1984)
Diagnóstico
1. Critério clínico:
a) Dor lombar com rigidez por mais de 3 meses, que melhora
com o exercício, mas não com o repouso.
b) Limitação na mobilidade da coluna lombar nos planos sagital
e frontal.
c) Limitação na expansibilidade da caixa torácica.
2. Critério radiológico:
- Sacroileíte: grau >2 bilateralmente ou grau 3 a 4 unilateralmente.
Definição
1. EA definida, se tiver critério radiológico associado a pelo me-
Figura 18 - Sindesmófitos bilaterais, com o aspecto de coluna “em nos 1 critério clínico.
bambu”
2. EA provável:
a) Presença de 3 critérios clínicos.
b) O critério radiológico está presente sem qualquer sinal ou sin-
toma que satisfaça os critérios clínicos (outras causas devem ser
consideradas).

Tabela 9 - Critério ASAS 2009 para as espondiloartrites


Critérios do ASAS para a classificação das espondiloartrites
axiais
Aplicado para pacientes com dor lombar crônica de início antes
dos 45 anos
Sacroileíte em imagem + pelo menos 1 achado sugestivo de
espondiloartrite*
ou
HLA-B27 positivo + pelo menos 2 achados sugestivos de es-
pondiloartrite*
Figura 19 - Sindesmófitos - Dor lombar inflamatória;
- Artrite;
C - Achados laboratoriais - Uveíte;
- Dactilite;
Podem ocorrer leve anemia normocítica normocrômica
- Psoríase;
de doença crônica, leucocitose e trombocitose discretas.
Os reagentes de fase aguda (PCR, VHS) estão aumentados - Doença de Crohn ou retocolite;
em apenas 50% dos casos e estão associados à presença - Boa resposta aos AINH;
de artrite periférica. FAN e FR são negativos, e HLA-B27 é - História familiar de espondiloartrite;
positivo em 90% dos pacientes brancos com EA. Em qua- - HLA-B27+;
dros em que o diagnóstico está claro, o HLA-B27 não tem - PCR elevada.
indicação de pesquisa. Entretanto, no esforço de diagnosti- * Achados sugestivos de espondiloartrite.
car casos mais precocemente, a Sociedade Internacional de
Espondiloartrites (ASAS) estabeleceu novos critérios para O diagnóstico diferencial inclui todas as outras espon-
espondiloartrites, incluindo o HLA-B27 tanto como critério diloartrites soronegativas, sobretudo na vigência de artrite
maior como menor. periférica predominante, entesite, dactilite ou manifesta-
ções mucocutâneas.
D - Diagnóstico O envolvimento da coluna pode ainda ser diferenciado
Os critérios antigamente utilizados para a EA são os de DISH, ocronose e síndrome SAPHO. Já o comprometimen-
de Nova Iorque modificados (Tabela 8), porém estes não to das sacroilíacas faz diagnóstico diferencial com uma série

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REUMATOLOGIA

de doenças que incluem infecções (tuberculose, brucelose, Os corticoides em baixas doses (prednisona ou equiva-
piogênicas), doença de Behçet, doença de Whipple, doença lente) estão indicados a casos de artrite periférica persis-
de Paget, neoplasias, febre familiar do Mediterrâneo, ocro- tente. Seu uso intra-articular pode ser uma alternativa em
nose e síndrome SAPHO. casos de oligo ou monoartrite residual.
E - Tratamento Nos pacientes com doença axial não responsiva ao uso
crônico de AINHs, estão indicados os agentes anti-TNF (ada-
Inicialmente, o paciente espondilítico deve ser informado
limumabe, etanercepte e infliximabe), que devem ser asso-
de que, embora a doença seja crônica, apresenta boas pers-
ciados a um AINH. Em caso de doença residual predominan-
pectivas terapêuticas nos dias de hoje, e de que a agregação
temente periférica, podem-se usar Drogas Modificadoras
familiar da doença somente costuma ser observada em fa-
do Curso da Doença (DMCDs) tradicionais de ação prolon-
mílias de pacientes HLA-B27 positivo. O amparo psicológico,
gada, como a sulfassalazina (2 a 3g/dia), o metotrexato (7,5
visando perfeita integração à sociedade, é fundamental na
a 25mg/semana) e a leflunomida (20mg/dia), os 2 últimos
condução terapêutica dos pacientes espondilíticos.
sem muita evidência científica, assim como os agentes bio-
A fisioterapia deve ser realizada de maneira sistemática
lógicos com ação anti-TNF. Nesses casos periféricos, pode-
em todos os estágios da doença para educação postural, pre-
-se fazer a combinação entre DMCDs tradicionais entre si e
servação de amplitude articular e conservação de energia.
um anti-TNF com 1 ou mais DMCDs tradicionais. Os anti-TN-
Os Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) devem
Fs adalimumabe e infliximabe têm ação sobre os quadros
ser utilizados desde o início do tratamento e são modifica-
oculares (uveíte), sobre as entesites e quadros intestinais
dores de doença no que se refere ao quadro axial. Devem
de colite associada, diferente do etanercepte, que age pre-
ser mantidos continuamente, na maior dose tolerada (a
ferencialmente sobre o quadro articular.
máxima, se possível), mesmo que o paciente com quadro
axial esteja assintomático por uso de outra medicação (no- Sintomas constitucionais como fadiga, depressão e al-
tar que essa a única indicação de uso contínuo de AINH em terações do sono podem ser tratados com antidepressivos
dose plena). tricíclicos.

Tabela 10 - Drogas usadas comumente no tratamento da EA


DMCD Dose usual e via de administração Indicações
Dose máxima de um determinado AINH deverá ser mantida O uso contínuo do AINH em dose máxima é o único tra-
AINHs continuamente, mesmo se o quadro axial for assintomáti- tamento comprovadamente capaz de evitar progressão ra-
co, caso o paciente não tenha uma contraindicação formal. diográfica da doença axial. Em EA, é considerado um DMCD.
DMCDs tradicionais
Sulfassalazi- Artrite periférica refratária a AINHs, com alguma evidência
1,5 a 3g/dia VO
na científica.
7,5 a 25mg/semana (considerado eficaz em doses >12,5mg/ Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cientí-
Metotrexato
semana). Pode ser dado VO, SC ou IM fica.
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
Leflunomida 20mg/dia. Não é muito usado em EA.
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
Azatioprina 1 a 2mg/kg/dia (50 a 300mg/dia dependendo do peso).
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Ciclosporina Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência científi-
2 a 3mg/kg/dia (100 a 300mg/dia dependendo do peso).
ca. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
DMCDs biológicas (apenas medicamentos com ação anti-TNF)
Anticorpo monoclonal humano com ação anti-TNF-alfa, indi-
cado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários
Adalimumabe 40mg SC, a cada 14 dias.
a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte,
entesite e doença intestinal inflamatória associada.
Proteína de fusão com ação anti-TNF-alfa, indicada em casos
Etanercepte 50mg SC, 1x/semana. axiais refratários a AINH e periféricos refratários a AINHs ou
DMCDs tradicionais.
Anticorpo monoclonal quimérico com ação anti-TNF-alfa, indi-
3-5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 e então a cada 6 a 8 sema- cado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários
Infliximabe
nas. a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte,
entesite e doença intestinal inflamatória associada.

50
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

AINH
Educação

Exercício Doença Doença

REUMATOLOGIA
axial periférica
Fisioterapia

Reabilitação Sulfassalazina Analgésicos Cirurgia

Associação de
pacientes
Corticosteroide local
Grupos de ajuda

Bloqueador do TNF

Figura 20 - Tratamento das espondiloartrites. Fonte: ASAS Handbook, 2009

4. Artrite reativa Tipo de infecção Agente infeccioso

A artrite reativa (ARe) é uma forma de artrite periférica, - Yersinia enterocolitica;


habitualmente acompanhada por 1 ou mais manifestações - Yersinia pseudotuberculosis;
extra-articulares, que aparecem após certas infecções dos Trato digestivo - Salmonella sp;
aparelhos geniturinário e gastrintestinal. A maioria dos indi- - Shigella sp;
víduos afetados é de homens jovens (na 3ª década de vida), - Campylobacter.
mas também podem ser acometidos mulheres e indivíduos - Streptococcus;
em qualquer idade. A relação entre homens e mulheres é Trato respiratório
- Chlamydia pneumoniae.
de 9:1.
Entre 50 e 80% dos pacientes têm o antígeno leucocitá-
rio humano HLA-B27, e, quando ocorre envolvimento axial A - Apresentação clínica
concomitante, a frequência do HLA-B27 é de 90%. Brancos
são mais afetados do que outros grupos raciais ou outros A ARe tipicamente tem início agudo, de 1 a 4 semanas
grupos com baixa incidência de HLA-B27. Casos têm sido após uma infecção venérea não gonocócica ou gastroen-
relatados após epidemias de doença diarreica por Shigella, terite. História anterior de infecção precedendo o quadro
Salmonella e Campylobacter, assim como infecções não pode ser relatada, porém infecção genital comumente é as-
gonocócicas do aparelho geniturinário, geralmente por sintomática. Sintomas constitucionais, como febre e perda
Chlamydia trachomatis. de peso, são possíveis.
Devido à elevada frequência de HLA-B27, ao possível
envolvimento do esqueleto axial de forma muito parecida a) Manifestações articulares e periarticulares
com a EA, e ao envolvimento articular periférico com oligo- O envolvimento articular periférico é o mais caracterís-
artrite de predomínio de membros inferiores e entesites, tico da ARe (90% dos casos) e geralmente é agudo, aditivo,
sem relação com a presença de fator reumatoide, a ARe assimétrico e oligoarticular, com predomínio nas articula-
também é classificada como uma espondiloartrite. ções dos membros inferiores, especialmente joelhos, tor-
A descrição original da ARe feita um jovem alemão, após
nozelos e pequenas articulações dos pés. Em média, 1/3
um quadro de diarreia sanguinolenta, desenvolvendo a tría-
dos pacientes tem exclusivamente artrite de membros in-
de clínica de uretrite não gonocócica, conjuntivite e artrite.
feriores. O acometimento do quadril é incomum, mas arti-
O termo síndrome de Reiter, em sua homenagem, se res-
culações esternoclaviculares, ombros e temporomandibu-
tringe à ARe que se manifesta com essa tríade, mas tem
lares também podem estar acometidos.
sido recentemente desencorajado pelo seu envolvimento
As articulações afetadas pela ARe tipicamente encon-
com crimes de guerra na 2ª Guerra Mundial.
tram-se edemaciadas, quentes e dolorosas, podendo suge-
Tabela 11 - Infecções mais comumente associadas à artrite reativa rir uma artrite séptica. Quando quirodáctilos e pododáctilos
Tipo de infecção Agente infeccioso são acometidos, apresentam um edema difuso, e são deno-
- Chlamydia trachomatis; minados dedos “em salsicha” ou dactilites (Figura 21), um
Urogenital achado característico da ARe e da artrite psoriásica. Na ARe,
- Ureaplasma urealyticum.
ocorrem em 50% dos casos.

51
REUMATOLOGIA

Habitualmente, C. trachomatis é causa de uretrite ou


cervicite e o agente-gatilho para a ARe. Neisseria gonorrho-
eae também pode ser encontrada no trato genital e geral-
mente coexiste com infecção por Chlamydia, mas não causa
ARe. Já Ureaplasma urealyticum pode causá-la.
Conjuntivite ocorre em 1/3 dos casos e, quando pre-
sente, geralmente acompanha a uretrite ou se desenvolve
vários dias após. Como os sintomas são transitórios e leves,
Figura 21 - Dedo “em salsicha” ou dactilite no 2º pododáctilo direito pacientes devem ser questionados sobre irritação ocular
em paciente com ARe. Fonte: ABC of Rheumatology, 4th ed., 2010 recente, especialmente pela manhã, o que sugere uma in-
flamação ocular. Os pacientes podem apresentar hiperemia
Pode haver ainda inflamação dos tendões, ligamentos, conjuntival bilateral, com sensação de queimação e exsuda-
fáscias e suas inserções. Entesite (Figura 22) é mais frequen- to. A conjuntivite não tem relação com HAL-B27.
te na inserção da fáscia plantar ou na inserção do tendão Uveíte anterior aguda (irite) tipicamente é unilateral,
de Aquiles no calcâneo, levando a uma das manifestações mas pode ser bilateral, acompanhada de conjuntivite com
mais frequentes da doença: dor no calcanhar. Outros locais eritema ocular importante, dor, borramento visual e fotofo-
comuns de entesite incluem tuberosidade isquiática, crista bia (Figura 23). Ocorre com menor frequência que na EA (15
ilíaca e tuberosidade tibial. a 20%) e pode ocorrer e recorrer em qualquer momento do
Lombalgia e dor nas nádegas são comuns na ARe e ocor- curso da doença. Alguns pacientes podem desenvolver uve-
rem em aproximadamente 50% dos casos, provavelmente íte anterior crônica que pode resultar em perda da visão.
causadas por envolvimento inflamatório da coluna e da ar-
ticulação sacroilíaca. Entretanto, as alterações radiográficas
no esqueleto axial estão presentes em 20% dos pacientes.
Nos casos que se tornam crônicos e não ficam autolimita-
dos, o envolvimento radiográfico axial chega a 70%.

Figura 23 - Uveíte anterior aguda em paciente com artrite reativa.


Fonte: Rheumatology in Practice

O queratoderma blenorrágico (Figura 24) é um tipo de


lesão cutânea papulodescamativa que acomete a região
plantar e palmar, assemelhando-se à psoríase pustulosa.
Ocorre em cerca de 25% dos pacientes com ARe e pode
afetar outras áreas. Quando atinge o leito subungueal, as
unhas das mãos e dos pés podem tornar-se quebradiças e
opacas, assemelhando-se às alterações encontradas nas in-
fecções micóticas e psoriásicas.

Figura 22 - Entesite em tornozelo

b) Manifestações extra-articulares
Uretrite não gonocócica, quando presente, em geral
é a 1ª manifestação e acontece nas formas pós-venérea e
Figura 24 - Queratoderma blenorrágico. Fonte: ABC of Rheumato-
pós-entérica. Disúria e descarga uretral purulenta são os logy, 4th ed., 2010
sintomas mais típicos no homem, mas estão presentes,
ocasionalmente, prostatite e/ou epididimite. Mulheres po- A balanite circinada (Figura 25), uma lesão característi-
dem ter disúria, corrimento vaginal, cervicite e/ou vaginite. ca que envolve a glande peniana, aparece como ulcerações
Pacientes assintomáticos para inflamação genital frequen- serpiginosas ao redor da uretra. Úlceras orais podem apa-
temente têm piúria estéril, principalmente na 1ª urina da recer na língua e no palato, indolores. O paciente deve ser
manhã. questionado sobre essas alterações.

52
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

trombocitose discretas. Os reagentes de fase aguda (PCR,


VHS) estão aumentados, FAN e FR são negativos, e HLA-B27
é positivo em aproximadamente 50 a 80% dos pacientes
brancos com AR.
A análise do líquido sinovial mostra alterações do tipo

REUMATOLOGIA
inflamatória, podendo atingir altos níveis de leucócitos. A
pesquisa de agentes infecciosos, incluindo gonococo, deve
ser feita para excluir artrite séptica.

D - Diagnóstico
O diagnóstico é feito por achados clínicos e laborato-
riais. A presença de oligoartrite assimétrica, soronegativa
(FR negativo) em pessoa jovem, deve alertar o médico para
o diagnóstico de ARe. Antecedentes de diarreia e doença
venérea podem ser informações adicionais.
Devem ser excluídas infecção gonocócica e outras for-
mas de artrite séptica. Em todas as pessoas com sinais de
inflamação baixa do trato geniturinário, deve ser feita a pes-
quisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis.
Figura 25 - Balanite circinada: observar as lesões de aspecto ser- O diagnóstico diferencial inclui ainda outras formas de
piginoso espondiloartrites, artrite reumatoide (que pode iniciar-se
de forma oligoarticular), infecção gonocócica disseminada,
Outras complicações são menos comuns, como a aor- infecções virais agudas e endocardite bacteriana.
tite, que ocorre em 1 a 2% dos pacientes. Regurgitação de
válvula aórtica e bloqueio cardíaco são consequências clí- Tabela 12 - Principais características da ARe
nicas do processo inflamatório. Amiloidose por amiloide A - Artrite periférica que se desenvolve após certas infecções dos
tem sido descrita em alguns casos e se manifesta por pro- aparelhos genitourinário e gastrintestinal (infecções genituriná-
teinúria ou síndrome nefrótica. rias não gonocócicas, geralmente por Chlamydia trachomatis ou
doença diarreica por Shigella, Salmonella e Campylobacter);
c) Associação a HIV
- Acomete mais homens jovens (relação entre homens e mulheres
A ARe tem sido relatada com frequência em pessoas é de 9:1);
com HIV, e sua prevalência e gravidade podem estar aumen- - Oligoartrite assimétrica com predomínio nos membros inferio-
tadas em associação aos vírus. Estudos recentes mostram res;
que o HIV isolado não causa a doença, mas sua associação - Entesites (por exemplo, calcaneodinia) e dactilites;
a outras doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser
- Pode ocorrer envolvimento axial, que se associa à presença de
responsável pelo desenvolvimento de ARe. HLA-B27;
- Início agudo (1 a 4 semanas após a infecção desencadeante);
B - Achados radiográficos
- Manifestações extra-articulares: uretrite não gonocócica, conjun-
Anormalidades na radiografia não são encontradas em tivite, uveíte anterior aguda (irite), queratoderma blenorrágico,
fases iniciais da doença. Alterações encontradas são reação balanite circinada;
periosteal e erosões ósseas no calcâneo, na inserção da fás- - Associação a HIV.
cia plantar e/ou tendão de Aquiles. Achados similares po-
dem ser encontrados em pacientes com EA ou artrite pso- E - Tratamento
riásica. Algumas alterações são mais comumente vistas nos
Na fase articular aguda, inicia-se o tratamento com
pés, envolvendo as articulações metatarsofalangianas com
AINHs. Os corticoides estão reservados para casos de ente-
destruição óssea.
sopatia e artrites persistentes, sendo utilizadas baixas doses
Alterações radiográficas do esqueleto axial incluem sa-
de prednisona.
croileíte, frequentemente unilateral ou bilateral assimétri-
Quando há evolução para doença articular crônica, po-
ca, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais se compa-
dem ser utilizados sulfassalazina ou metotrexato nos casos
rados com a EA.
periféricos. Há relatos de uso de agentes anti-TNF (adalimu-
mabe, etanercepte ou infliximabe) em pacientes que croni-
C - Achados laboratoriais ficam o envolvimento articular, sobretudo axial.
Achados inespecíficos podem incluir leve anemia nor- A administração de antibióticos deve ser considerada
mocítica normocrômica de doença crônica, leucocitose e quando há infecção. Nas infecções entéricas, está indicado

53
REUMATOLOGIA

o tratamento quando a infecção não é autolimitada. Os se- B - Achados radiográficos


guintes antibióticos podem ser utilizados: ciprofloxacino ou
sulfametoxazol + trimetoprim. Em pacientes com infecção A artrite periférica não é erosiva às radiografias, exceto
do trato geniturinário por Chlamydia, está indicada a tetra- no quadril. Os achados axiais são semelhantes aos da EA,
ciclina ou seus derivados. com sacroileíte e envolvimento da coluna simétrica, com
sindesmófitos bem verticalizados e delicados. A RMN pode
mostrar sacroileíte inicial assintomática nesse grupo.
5. Artrite relacionada às doenças infla-
matórias intestinais (enteroartrites) C - Achados laboratoriais
A anemia é comum e reflete inflamação crônica e perda
A - Apresentação clínica sanguínea gastrintestinal. Pode haver leucocitose e trom-
bocitose. As provas de fase aguda, como PCR e VHS, estão
A artrite periférica acontece em cerca de 20% dos pa- elevadas na atividade da doença. FR e FAN são negativos,
cientes com Doença de Crohn (DC) ou Retocolite Ulcerativa mas o ANCA pode ser positivo, geralmente padrão perinu-
(RU). A prevalência é ligeiramente maior na DC. Pode ocor- clear (p-ANCA).
rer acometimento periférico, com artralgias migratórias
ou artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente Tabela 13 - Principais características das enteroartrites
assimétrica e predominantemente de membros inferiores, - Artrite periférica (20% dos pacientes com DC ou RU);
acometendo mais comumente joelhos, tornozelos e pés. - Não erosiva, oligoarticular, assimétrica e predominantemente
Grandes derrames articulares, especialmente em joelhos, dos membros inferiores;
são comuns. Deformidades são raras. A artrite periférica - Pode acompanhar a atividade da doença inflamatória intestinal
pode acompanhar a atividade da doença inflamatória intes- e melhorar com o seu controle;
tinal e melhorar com o controle da mesma. Na RU, a colec- - Artrite periférica enteropática não se associa à presença de
tomia para controle da doença intestinal pode levar à re- HLA-B27;
missão da artrite, mas isso não acontece na DC. A presença - Envolvimento axial: mais comum em homens;
de artrite periférica enteropática não se associa à presença
- Curso independente da doença intestinal;
de HLA-B27.
- Associação a HLA-B27;
Acometimento da coluna, incluindo sacroileíte, aconte-
- Sindesmófitos finos e regulares;
ce em cerca de 10% das pessoas com doenças inflamatórias
intestinais e frequentemente é assintomático. Homens de- - Sacroileíte frequentemente assintomática;
senvolvem complicações mais habitualmente que mulheres - Manifestações extra-articulares: eritema nodoso e pioderma
(3:1). O envolvimento axial tem um curso independente da gangrenoso;
atividade da doença intestinal, e a colectomia terapêutica - Uveíte.
não se reflete na atividade de doença axial. O HLA-B27 é
encontrado com menor frequência nessa doença (aproxi- D - Tratamento
madamente, 50% nos casos com envolvimento axial). Os Os princípios terapêuticos são os mesmos da EA. Os
sintomas clínicos, sinais e achados radiológicos das espon- AINHs, entretanto, não são prescritos de rotina em pacien-
diloartrites associadas às doenças intestinais são indistin- tes com artrite enteropática, pois podem desencadear ativi-
guíveis da EA. O aparecimento da artrite pode anteceder dade da doença inflamatória intestinal, particularmente da
os sintomas gastrintestinais, apresentando-se inicialmente DC. Além disso, é possível causar ulceração ou sangramento
como uma forma indiferenciada da EA. intestinal e confundir com atividade de doença. É preferível
Manifestações extra-articulares da doença inflamató- o uso de corticoides em baixas doses, podendo ser elevadas
ria intestinal também podem ocorrer em 24% dos casos: em casos de inflamação intestinal importante. Os corticoi-
a complicação cutânea mais comum é o eritema nodoso, des também podem ser usados por via intra-articular em
que costuma acompanhar a atividade inflamatória intesti- casos de artrite periférica.
nal e articular periférica. O pioderma gangrenoso é menos As drogas de base mais utilizadas para o tratamen-
frequente, mas é mais grave, com aparecimento de úlce- to dos surtos de atividade intestinal são os derivados da
ras profundas e dolorosas na pele. É possível haver úlceras 5-ASA, a mesalazina e a sulfassalazina. Esta última tam-
orais recorrentes na DC, as quais refletem a atividade intes- bém pode controlar atividade articular periférica, mas não
tinal na DC. axial. Nos casos periféricos, mesmo sem evidência cientí-
Uveíte anterior aguda, unilateral, alternante, similar fica clara, metotrexato e azatioprina podem ser indicados.
àquelas encontradas nas outras espondiloartrites, são en- Medicamentos com ação anti-TNF, particularmente o in-
contradas em 11% dos casos de enteroartrites. Na DC, pode fliximabe e o adalimumabe, têm se mostrado efetivos no
ocorrer uma uveíte granulomatosa, mais grave e persisten- controle da doença intestinal e articular axial e periférica,
te. Febre e perda de peso também são comuns. inclusive com fechamento de fístulas na DC. O etanercepte

54
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

se mostrou eficaz no controle da doença articular, mas não víduos jovens, na 2ª e 3ª décadas de vida. Afeta as
da DC intestinal propriamente dita. Acredita-se que diferen- pequenas articulações das mãos e dos pés, evoluindo
ças na forma de inibição do TNF sejam responsáveis pela para deformidades importantes (Figura 29) e encurta-
diferença na forma de tratamento. mento dos dedos (dedos “telescopados”);
- Forma espondilítica (5%): com envolvimento do es-

REUMATOLOGIA
6. Artrite psoriásica queleto axial, com espondilite e sacroileíte. Pode
A Artrite Psoriásica (AP) forma um grupo heterogêneo acompanhar as outras formas em até 40% dos casos.
de manifestações articulares inflamatórias crônicas em
As formas de apresentação da doença podem sobrepor-
associação à psoríase, uma doença inflamatória cutânea,
-se com o passar dos anos. Pacientes com doença estabele-
característica pela presença de lesões eritematodescamati-
cida têm mais doença poliarticular.
vas, principalmente em faces extensoras do corpo, poden-
do acometer também o couro cabeludo, as palmas e plan- a) Artrite periférica
tas, áreas flexoras e unhas, com alterações características. Costuma ser oligoarticular no início da doença, mas, com
A AP pode apresentar-se de muitas formas: monoartri- o passar dos anos e um número maior de articulações sendo
te, oligoartrite assimétrica, envolvimento de articulações acometidas, tende a tornar-se poliarticular. Algumas caracte-
axiais (com características de espondiloartropatias sorone- rísticas ajudam a diferenciar a AP da AR: a AP é mais frequente-
gativas), poliartrite simétrica (semelhante à artrite reuma- mente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais
toide), e artrite mutilante. (poupadas na AR), tem FR costumeiramente negativo (embora
A prevalência da AP é de aproximadamente 0,1 a 1%. A possa ser positivo numa minoria de casos – <10% se medido
artrite ocorre em 10% dos pacientes com psoríase. O aco- por ELISA), acomete homens e mulheres igualmente e tem ca-
metimento da pele costuma preceder a artrite em 75% dos racterísticas radiográficas peculiares com a lesão tipo pencil-in-
casos, com início simultâneo em 10% dos pacientes. Na mi- -cup. Pode ainda manifestar-se como artrite mutilante.
noria restante (15%), a artrite pode anteceder o surgimento
b) Envolvimento axial
da psoríase em cerca de 2 anos. A relação entre homens e
mulheres é de 1:1, exceto em subtipos específicos, com pre- A AP pode acometer sacroilíacas e a coluna. Entretanto,
dominância do sexo feminino na forma poliarticular simétri- assim como nas artrites reativas e diferentemente da EA e
ca e do sexo masculino na forma com envolvimento axial. A das espondiloartropatias associadas à doença inflamatória
idade de maior prevalência está entre os 30 e os 55 anos. intestinal, o envolvimento axial costuma ser assimétrico,
A etiologia da psoríase é desconhecida. Fatores genéti- com sindesmófitos grosseiros. Apenas parte dos pacientes
cos, ambientais e imunológicos estão envolvidos na susceti- com manifestações radiográficas tem clínica de dor inflama-
bilidade e na expressão da doença. tória associada. A grave limitação do esqueleto axial como
na EA também é menos comum.
A - Achados clínicos c) Outras manifestações articulares/periarticulares
Classicamente, a AP apresenta 5 formas clínicas: Outras manifestações podem ser entesites, dactilites e
- Oligoartrite assimétrica (70%): a forma clínica mais tenossinovites. As primeiras costumam acometer a inser-
frequente acomete até 4 articulações, grandes e/ou ção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo,
pequenas, com predomínio de membros inferiores, levando à típica dor em tornozelos das espondiloartrites
geralmente de forma assimétrica. Dactilites são co- (calcaneodinia). Pode acometer também as ênteses em jo-
muns, caracterizando os dedos “em salsicha”; elhos, ombros e ossos da pelve. As dactilites ou dedos “em
- Poliartrite simétrica (15%): apresenta quadro articular salsicha” são típicas da AP e da ARe, afetando principal-
muito semelhante ao da artrite reumatoide, com ero- mente os pés, mas também as mãos. A dactilite resulta da
são e acometimento de carpo, metacarpofalangianas e artrite dos dedos com tenossinovite dos flexores do dedo
interfalangianas proximais. Entretanto, pode acometer envolvido, levando ao edema difuso do dedo. As tenossi-
concomitantemente as articulações interfalangianas novites costumam acometer os tendões flexores dos dedos
distais, classicamente não afetadas na artrite reuma- e o extensor do carpo (pouco acometido na AR) e provocar
toide (Figura 26); nódulos e muita limitação funcional.
- Envolvimento de interfalangianas distais (5%): aco-
mete exclusivamente as articulações interfalangianas
distais (Figuras 27 e 28), geralmente associado às le-
sões ungueais típicas da psoríase (unha “em dedal” ou
pitting nail); pode acometer conjuntamente pacientes
com outros padrões em até 50% dos casos;
- Artrite mutilante (<5%): é a forma clínica menos fre-
quente e mais grave, acometendo geralmente indi- Figura 26 - Artrite psoriásica tipo AR

55
REUMATOLOGIA

lar sugestivo de AP, na ausência de lesões em faces exten-


soras e ungueais, é mandatório pesquisar toda a superfície
corpórea do pacientes, desnudo, para buscais lesões em
regiões mais escondidas.

Figura 27 - Artrite psoriásica com acometimento de IFD

Figura 28 - Artrite psoriásica com acometimento ungueal e de IFD


Figura 30 - Psoríase em joelhos

Figura 29 - Artrite psoriásica forma mutilante

d) Manifestações cutâneas Figura 31 - Observar a presença de depressões na unha (unha “em


A psoríase cutânea constitui pré-requisito para o diag- dedal” ou pitting nail)
nóstico. A psoríase vulgar é a forma mais comum de apre-
sentação associada a AP. A lesão psoriásica típica é bem
delimitada, em placas, eritematosas e descamativas (Figura e) Outras manifestações extra-articulares
30), e se manifesta pelo acometimento das superfícies ex- Envolvimento ocular típico das espondiloartrites tem
tensoras, principalmente de cotovelos e joelhos. Pode aco- sido observado dos pacientes, com uveíte anterior aguda
meter o couro cabeludo, as pregas glúteas, o sulco interglú- em 7% dos casos. Outros achados como insuficiência aórti-
teo e áreas flexoras de membros e troco (sulcos inframamá- ca, uretrite asséptica, colite inespecífica, fibrose pulmonar
rios, umbigo, região inguinal). A psoríase gutata também se de lobos superiores e amiloidose podem ocorrer, porém são
associa a AP, mas é menos comum. raros e menos frequentes que nas outras espondiloartrites.
O envolvimento das unhas pode ser o único achado clí-
nico em pacientes que desenvolvem artrite. Os principais B - Achados radiológicos
achados são depressões (pitting nail ou unha “em dedal”
Diversos aspectos radiográficos podem ser encontrados
– Figura 31), onicólise, depressões transversais, queratose,
na doença. A artrite periférica geralmente causa lesões assi-
descoloração amarelo-amarronzada (sinal da gota de óleo).
métricas e se manifesta radiograficamente por erosões ós-
Nenhuma dessas alterações é específica da psoríase. O en-
seas destrutivas, com proliferação óssea intensa associada,
volvimento ungueal se correlaciona com o envolvimento
inclusive em interfalangianas distais. A destruição óssea in-
das interfalangianas distais. Na presença de quadro articu-
tensa (osteólise) pode provocar esculpimento e afilamento

56
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS

da porção distal das falanges e lesão em aspecto de taça Tabela 14 - Critérios classificatórios de artrite psoriásica. Grupo
nas porções proximais. Uma falange afilada distalmente Caspar, 2006
em articulação com outra cuja base foi alargada em forma Doença articular inflamatória estabelecida e pelo menos 3
de taça leva à característica lesão tipo pencil-in-cup (Figura pontos nos seguintes critérios
32). A artrite mutilante se manifesta radiograficamente por Psoríase cutânea atual 2 pontos

REUMATOLOGIA
total desarranjo articular e intensa (e até total) destruição História de psoríase 1 ponto
óssea. O envolvimento axial é caracterizado por formação
História familiar de psoríase 1 ponto
de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna, or-
ganizados de forma assimétrica e sacroileíte também gros- Dactilite 1 ponto
seira e assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas Neoformação óssea justa-articular 1 ponto
também pode acontecer. Fator reumatoide negativo 1 ponto
Distrofia ungueal 1 ponto

D - Tratamento
Os anti-inflamatórios são utilizados para a dor articular
periférica e axial. Os corticoides podem ser utilizados em
baixas doses em casos de artrite periférica, mas devem ser
evitados porque sua retirada pode piorar o quadro cutâneo.
Injeções intra-articulares de corticoide podem ser feitas
episodicamente em mono ou oligoartrites, tendo efeito sin-
tomático rápido, mas transitório. Só deve ser realizada caso
de não haja lesão cutânea sobre a via de acesso articular,
pois a lesão da psoríase é infectada.
Nos casos não responsivos com envolvimento periféri-
co, podem ser utilizados metotrexato, sulfassalazina, ciclos-
porina e leflunomida, todos com algum benefício articular
Figura 32 - Observar o acometimento assimétrico das articulações, periférico e cutâneo, à exceção da sulfassalazina, sem be-
mais evidente em IFD, o aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangia- nefício cutâneo. Os agentes anti-TNF (adalimumabe, eta-
na distal nercepte e infliximabe) têm benefício provado nas manifes-
tações cutâneas e articulares axiais e periféricas. Quando
C - Diagnóstico houver quadro axial importante ou na falha de outros agen-
tes para o quadro articular periférico ou para a pele, esses
Segundo os critérios de Caspar, deve ser feito com base agentes estão indicados. Entretanto, quando indicados para
na presença de psoríase atual, história pessoal ou familiar o quadro cutâneo, a dose dos anti-TNFs é maior do que a
de psoríase cutânea, presença de alterações ungueais de normalmente prescrita para o quadro articular.
psoríase, negatividade do fator reumatoide, presença de Outros agentes biológicos usados no tratamento da pso-
dactilite e evidência radiológica de formação óssea justa- ríase cutânea (alefacepte, efalizumabe) não são usados na
-articular, que não osteófitos. Os diagnósticos diferenciais forma articular, e outros agentes biológicos usados em AR
incluem artrite reumatoide, outras espondiloartrites, os- não têm benefício provado em AP.
teoartrite e síndrome SAPHO. A AR geralmente é poliarticu-
lar simétrica (mas pode se iniciar oligoarticular, e AP pode 7. Miscelânea
ser poliarticular), com fator reumatoide positivo em 75%
dos casos contra menos de 10% nos casos de AP, sem le-
sões tipo pencil-in-cup ou grande formação óssea adjacente A - Síndrome SAPHO (Sinovite + Acne + Pustulose
às áreas de erosão, sem psoríase associada (embora AR e palmoplantar + Hiperostose esternocostocla-
psoríase possam coexistir pela alta prevalência de ambas na vicular + Osteíte multifocal crônica recorrente)
população: 1 e 3%, respectivamente), sem quadro articular
axial, dactilites ou entesites sugestivos de espondiloartrites É um diagnóstico diferencial das espondiloartrites soro-
e sem envolvimento da interfalangiana distal. As outras es- negativas, sobretudo com a AP, que quadro de pustulose
pondiloartrites se distinguem pelos achados mucocutâneos plantar, pode simular psoríase palmoplantar. Pode provocar
e radiográficos, e a osteoartrite, principalmente quando a ainda sacroileíte, hiperostose vertebral e entesopatia.
AP acomete as interfalangianas distais, também envolvidas
na osteoartrite. B - Doença de Whipple
Segundo os critérios de Caspar, o diagnóstico de AP É uma doença crônica sistêmica rara, que é difícil de
deve ser obtido com base na Tabela 14. diagnosticar. É potencialmente grave e envolve qualquer

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REUMATOLOGIA

órgão, mas o intestino delgado é afetado na maioria dos D - Artropatias associados com a cirurgia bypass
pacientes. intestinal
A relação entre a doença de Whipple e HLA-B27 não é
clara, e os resultados de estudos recentes não suportam a Entre 1954 e 1983, mais de 100.000 indivíduos foram
inclusão da doença de Whipple no conceito de espondilo- submetidos à cirurgia de bypass jejunoileal como um trata-
artropatia. mento para obesidade mórbida. Inicialmente, procedimen-
A doença de Whipple é muito mais frequente em ho- tos de revascularização jejunocólicos foram realizados, mas,
mens que em mulheres (proporção 9:1). As queixas mais por causa de graves complicações metabólicas, foram aban-
comuns são diarréia, perda de peso severa, febre e artri- donados e substituídos por cirurgia de bypass jejunoileal.
te. Linfadenopatia cervical e axilar, hiperpigmentação ge- Entretanto, estas técnicas também levaram a complicações
neralizada e serosite também são características comuns. pós-operatórias em mais de 25% dos pacientes. Esta artrite
Raramente, o sistema nervoso pode estar envolvido. Artrite iatrogênica associada à cirurgia de bypass jejunoileal, reco-
periférica é observada em 80% dos casos, e pode preceder nhecida como a síndrome da “artrite-dermatite”, levou a
as queixas intestinais por até cinco anos. Flares dos sinais importantes avanços na compreensão das doenças articu-
articulares não estão relacionadas com os sintomas intesti- lares inflamatórias.
nais. O padrão de envolvimento articular é principalmente A artrite do bypass também pode ocorrer em pacientes
poliarticular e simétrica. que não tenham sofrido cirurgia de bypass intestinal, mas
Achados laboratoriais: baixas concentrações séricas de que tenham tido algum acometimento intestinal como qua-
caroteno e anemia, hipoalbuminemia e baixas concentra- dro inflamatório ou diverticular, ou ainda desarranjos intes-
ções de ferro sérico são as alterações laboratoriais mais tinais que causem sobrecrescimento bacteriano.
frequentes, juntamente com um aumento de gordura nas
fezes.
8. Resumo
O líquido sinovial contém número variável de células Quadro-resumo
(4.000 a 100.000 células/mm3), que são predominante- Artrite Artrite
mente polimorfonucleares (até 100%). As lesões erosivas EA
psoriática reativa
nas radiografias são geralmente ausentes, embora a artrite Prevalência >0,1% 0,1% 0,05 a 0,01%
destrutiva tenha sido relatada. A incidência de envolvimen-
Homem:mulher 3 a 5:1 1:1 9:1
to axial é controversa, variando entre 8% a 20%.
Tratamento: administração de antibióticos adequados, Artrite axial 100% 20% 20%
geralmente tetraciclinas, pelo menos, um ano geralmente é Sacroileíte Bilateral Unilateral Unilateral
curativa, mas a doença pode recorrer. Artrite periférica 25% 60 a 95% 90%
Uveíte 30% 15% 15 a 20%
C - Artropatia associada à doença celíaca Dactilite Incomum 25% 30 a 50%
Muitos distúrbios, tais como a dermatite herpetiforme, HLA-B27 + 90% 40% 50 a 80%
hipoesplenismo e desordens auto-imunes, têm sido asso- HLA-B27 + pre-
ciados com a doença. sença de artrite 90% 50% 90%
Vários relatos têm-se centrado sobre a ocorrência de ar- axial
trite relacionada à doença celíaca em um número limitado
de casos. Vários pacientes nos quais a patologia do intestino
foi diagnosticada também apresentam artrite proeminen-
tes que resolve com uma dieta livre de glúten.
A distribuição da artrite varia. A coluna lombar, quadril,
joelhos e ombros são mais comumente afetados, segui-
do do cotovelo, punho e tornozelo em menos de 50% dos
pacientes. Comprometimento articular periférico é relati-
vamente simétrico e é acompanhada de rigidez matinal e
edema articular. As alterações radiográficas são raras.
A alta frequência de HLA-B8, DR3 nos pacientes com do-
ença celíaca tem sido repetidamente relatados.
O tratamento inclui instituição de uma dieta isenta de
glúten resolve ambos os problemas articulares e as altera-
ções na permeabilidade intestinal.

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