Artigo 3 - Recuperação Pós Treino - Nutrição

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Paulo Mendes

Impacto da nutrição
na recuperação do sistema imunológico

em esportes de endurance

Impact of nutrition on immune system recovery in endurance sports

Resumo
Exercícios de endurance e ultraendurance são conhecidos pelo seu elevado teor de dificuldade em níveis fisiológicos e psicológicos a
serem performados pelos seus praticantes. Assim, existem inúmeros obstáculos a serem ultrapassados para que os indivíduos consigam
realizar tais atividades e, ao mesmo tempo, manter a integridade de sua saúde. Para isso, existem diversas estratégias nutricionais e não
nutricionais que aparentam ser promissoras nas modulações das respostas imunológicas e fisiológicas do corpo ao exercício extenuante,
entre as quais a periodização nutricional de macronutrientes e micronutrientes, a suplementação, as regulações intestinal, dos níveis de
cortisol e do ciclo circadiano, visando uma melhor recuperação muscular e imunológica.

Palavras-chave: Nutrição, sistema imune, endurance.

Abstract
Endurance and ultraendurance exercises are known for their high level of difficulty in physiological and psychological levels to be
performed by their practitioners. Thus, there are a number of obstacles to be overcome in order for individuals to be able to carry out
such activities and at the same time maintain the integrity of their health. For this, there are several nutritional and non-nutritional
strategies that appear promising in the modulations of the body's immune and physiological responses to strenuous exercise, among
which the nutritional periodization of macronutrients and micronutrients, supplementation, intestinal regulation, regulation of cortisol
levels and of the circadian cycle, aiming at better muscle and immune recovery.

Keywords: Nutrition, immune system, endurance.


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Paulo Mendes

Introdução que o sistema imune tenha alguma participação

D
nessa dinâmica1.
Exercícios de endurance e ultraendurance Estudos iniciais de David Nieman
são sabiamente conhecidos por sua elevada observaram que praticantes regulares de atividade
demanda mental, fisiológica e bioquímica ao física de intensidade elevada apresentavam maior
serem performados por atletas e/ou praticantes incidência sintomatológica de infecções do trato
recreacionais. Embora o exercício moderado respiratório superior (ITRS) quando comparados
seja benéfico para o corpo humano, em que tais a praticantes sedentários2. Tal achado demonstra
favorecimentos estão associados a melhores que a prática regular de atividades físicas de
adaptações musculares, hormonais, imunes intensidade alta pode ser um fator de risco para
e neuromotoras, o desempenho exaustivo de o desenvolvimento de ITRS, fato que pode ser
explicado pela demanda imunológica aumentada
atividades de endurance pode ser prejudicial
nesses indivíduos.
sob determinados âmbitos fisiológicos, nos
Uma simples sessão de exercício pode exercer
quais estes estão linkados principalmente ao
efeito sobre a quantidade e a composição dos
comprometimento da síntese medular leucocitária leucócitos circulantes, já que, em sessões de
e à depreciação imune de barreiras físicas e exercícios breves, não é incomum observar que
celulares, além de possíveis situações transitórias a contagem das células leucocitárias aumente
– ou não – de imunossupressão, endotoxemia cerca de duas vezes em relação ao padrão basal.
metabólica, hipercortisolemia e danos de tecidos Por outro lado, em exercícios de endurance,
conjuntivos, acarretando possíveis lesões esse aumento pode se dar em até cinco vezes
permanentes1. Tais situações, agudas ou crônicas, comparado à normalidade1. Apesar do aumento
podem implicar no mal rendimento em treinos, no número de leucócitos ser um indicativo de
recuperação ideal e desempenho esperado de inflamação ou infecção, sabe-se que a leucocitose
competições e treinos, em qualquer que seja induzida pelo exercício se trata de um fenômeno
o nível do praticante envolvido. Estratégias transitório, uma vez que a contagem de células
nutricionais e não-nutricionais podem auxiliar e leucocitárias tende a voltar à normalidade em até
até mesmo impelir a evolução dessas situações 24 horas após o exercício1-5.
maléficas no decorrer da periodização por Outro ponto que vale ser lembrado sobre a
estimular, principalmente, o bom estado do regulação imunológica no exercício físico é a
sistema imunitário desses indivíduos, ao manter produção de citocinas inflamatórias. Sabe-se que os
a integridade das barreiras imunológicas físicas, efeitos benéficos e maléficos da prática de atividade
químicas e celulares. Sendo assim, o adequado física estão ligados à produção de citocinas, assim
consumo de nutrientes, alimentos e a adoção como representado na Figura 13. Os primeiros
de hábitos saudáveis podem ser consideradas têm se mostrado mais relevantes em relação ao
aumento da produção de miocinas, que por sua vez,
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estratégias essenciais para a cronicidade do


estímulo físico bem como na busca do melhor quando em níveis adequados, podem desempenhar
rendimento esportivo. efeitos anti-inflamatórios e imunoprotetores, como
é o caso da IL-1ra4. Já em relação aos possíveis
Respostas imunes no exercício malefícios, a IL-6 tem se mostrado como parte de
um mecanismo chave para entender os mesmos,
Sabe-se que o sistema imunológico é uma rede uma vez que a produção da citocina IL-6, a qual
complexa de células e moléculas cuja função apresenta função glicorreguladora e sinalizadora
está ligada à proteção do hospedeiro, por meio em nível sistêmico, está associada ao aumento dos
da proteção contra microrganismos invasores, níveis de cortisol em humanos, representado pela
prevenindo doenças e até mesmo na cicatrização de Figura 2, podendo provocar quedas no desempenho
feridas e lesões. Nesse sentido, ao considerar que fisiológico e imunitário dos atletas de endurance,
exercícios de elevada intensidade se comportam se pulsada de forma descontrolada e continuada e
como fatores estressores para o corpo, é esperado aliada ao mau controle das variáveis de descanso
e recuperação4-7.

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Impacto da nutrição na recuperação do sistema imunológico em esportes de endurance

Figura 1. Produção de citocinas com a prática de exercício físico

IL-6

concentração plasmática
Aumento relativo na
IL-1ra

IL-8
MIP-1β

sTNF-αR TNF-α
IL-1
Exercício extenuante

Fonte: Pedersen e Toft8.

Figura 2. Infusão de IL-6 aumenta os níveis de cortisol em humanos

40

Infusão salina
30 Infusão de nhIL-6
Cortisol (pg ml-1)

20

10

0 Infusão
PRE 1 2 3 5 6 24
Tempo (horas)
Fonte: Steensberg et al.4.

Cortisol e imunidade relacionados com o ritmo circadiano, podendo


ter relações diretas com a qualidade do sono10-12.
Como observado na literatura científica, o Nesse sentido, um sono inadequado pode ocasionar
exercício pode estimular o eixo hipotálamo- uma menor eficiência das células imunitárias e,
pituitária-adrenal (HPA), resultando em aumentos dessa forma, levar a uma diminuição das respostas
significativos na quantidade de cortisol circulante9. imunes 12. Assim, entende-se que pulsações
Os níveis de cortisol estão diretamente relacionados cortisolêmicas crônicas, juntamente com um
com intensidade, frequência, volume e duração do descanso inadequado, podem levar o indivíduo
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treino5-7,9. Além disso, existem evidências de que o a um quadro de imunossupressão crônica e que
descanso pós-exercício e o ciclo circadiano também possivelmente irá contribuir para uma queda no
podem ter relações diretas com o cortisol7,9,10-12. rendimento, representado pelas Figuras 3 e 41.
Sabe-se que os níveis cortisolêmicos estão Nesse aspecto, visando a melhora na qualidade

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Paulo Mendes

do sono e, por conseguinte, uma possível melhora e imunomodulador, principalmente quando se


imunológica, vale ressaltar que existe uma boa trata da resposta imunológica inata, representada
quantidade de referências na literatura científica pela Figura 513. A melatonina possui uma relação
que busca entender a relação da melatonina com a na modulação de células imunitárias como os
imunidade13-17. A melatonina é o principal hormônio neutrófilos, monócitos, macrófagos e células
cronobiótico que regula os ritmos circadianos e as natural killers (NK), podendo estimular o aumento
mudanças sazonais na fisiologia dos vertebrados ou a diminuição dessas células do sistema imune
por meio de seu aumento noturno diário no inato em níveis sistêmicos, o que pode acarretar
sangue. Além disso, a melatonina apresenta outras uma melhor resposta imunológica a fatores
diversas funções, entre as quais destacam-se efeitos estressores como o exercício físico de endurance.
antioxidante, oncoestático, antienvelhecimento

Figura 3. Regulação das respostas imunes pelo exercício


3-72h Depois da 3-72h Depois da 3-72h Depois da
sessão de treino 1 sessão de treino 2 sessão de treino 3

Sessão de Recuperação Sessão de Recuperação Sessão de Recuperação


treino 1 treino 2 treino 3

Melhora
Função imune

Normal

Estado de supressão imune crônica


Prejudicado

Fonte: Steensberg et al.4.

Figura 4. Interação de esportes de endurance e sistema imune.

Exercício físico
caracterizado por:
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Frequência Volume Intensidade Descanso

Eficiência do
Sono
IL-6

Imunossupressão

Cortisol Queda de
Rendimento

Fonte: Adaptado de Finch18.


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Impacto da nutrição na recuperação do sistema imunológico em esportes de endurance

Figura 5. Sumário das funções da melatonina nas células da imunidade inata

Neutrófilos Monócitos

↑ Produção de EROs ↑ Número da células


↓ NO ↑ IL-1, IL-6 e IL-12
↓ Peroxinitrito ↓ IL-10, IL-12 e TNF-α
↓ LPO ↑/ ↓ Produção de EROs
↓ IL-1, IL-8 e TNF-α ↓ Apoptose
↑/ ↓Fagocitose
↓ Rolagem e adesão
↓ Permeabilidade vascular
↓ Infiltração Neutrófilos
↑ Quimiotaxia
↓ Apoptose ↑/ ↓ Número da células
↓ Citotoxicidade Melatonina ↑ MHC-II
↑/ ↓ ou sem efeito IL-1
↓ B7-1 mas não B7-2
↑/ ↓ IL-12 e TNF-α
↓ IL-6, IL-8 e IL-10
Não afeta IL-6 e TNF-α
Células NK ↓ ou não afeta a produção de EROs
↓ NO
↑ Número da células ↓ Peroxinitrito
↑ Atividade das células NK ↓ iNOS expressão e ativação
↑ADCC ↓ expressão e ativação de COX-2
↓ PGE2, PGF1α
↑ Fagocitose
↓ Expressão gênica estimulada de LPS
↓Transdução de sinal mediada por
TLR-3 e TLR-4

Fonte: Adaptado de Finch18.

Modulação do cortisol seguida de mais 6% no período pós-exercício,


em provas de corrida com duração de três horas a
Devido a tamanha relevância do cortisol na 70% VO2 máx., se mostrou eficiente e apresentou
regulação circadiana e imunológica, é de extrema um melhor controle glicêmico, interferindo
importância abordar estratégias que possam positivamente na regulação cortisolêmica
atenuar os efeitos dos pulsos e elevações desse e de IL-6 após o exercício 19. Outro estudo,
hormônio no período pós-exercício. Evidências publicado em 2006, buscou evidenciar os efeitos
apontam que a suplementação de carboidrato da suplementação de CHO em marcadores
(CHO) e até mesmo blends contendo CHO e bioquímicos num duatlo simulado executado a
proteína (PTN) podem ser opções promissoras aproximadamente 79% VO2 máx. Nesse protocolo
para tal função19-23. Além disso, sabe-se que um os atletas recebiam uma solução de 6% de CHO
aporte adequado de micronutrientes, dietas com em três momentos: 30 minutos antes da prova,
alto teor de CHO e a ingestão de CHO durante a cada 15 minutos de execução da prova e
o treinamento têm se mostrado importantes em imediatamente após a prova. Foi constatado que
relação à manutenção da imunocompetência de o grupo que recebeu a suplementação de CHO
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atletas24. apresentou um melhor controle glicêmico, o que


Em um estudo realizado em 2003, pesquisadores gerou uma melhora na regulação cortisolêmica
encontraram que a suplementação de CHO nas após o exercício20.
concentrações de 6% no período pré-exercício
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Paulo Mendes

Dietas com alto teor de CHO também se Reparação imunomuscular


mostraram superiores em relação ao controle
glicêmico e cortisolêmico, assim como A prática de AF por si só pode gerar microlesões
evidenciaram melhores resultados obtidos para musculares, as quais desencadeiam uma resposta
o grupo que consumia uma dieta com 79% de inflamatória muscular25. Nesse sentindo é de
CHO em relação a um grupo que consumia 58% extrema importância que também exista um
de CHO durante 6 dias no período de treinamento controle sobre essa resposta imunológica para evitar
que os praticantes sofram de imunossupressão e
de atletas olímpicos e de Ironman, os quais foram
tenham uma recuperação miofibrilar adequada25.
submetidos a um teste de corrida de uma hora de Aliado ao descanso adequado é necessário um
duração a 70% VO2 máx., além da rotina normal aporte de macro e micronutrientes no período pós-
de treinos21. Em outro protocolo, constatou-se exercício, e, assim como demonstrado na Figura 6,
que as soluções ideais devem conter de 6 a 8% de existem diversas estratégias nutricionais capazes
CHO para que possam prover efeito ergogênico no de atuarem como imunomoduladoras no processo
exercício através da modulação cortisolêmica22. de reparação muscular. Além disso, a utilização
No que diz respeito à suplementação de CHO de compostos bioativos (CBAs), principalmente
ou CHO + PTN durante o exercício não foram através da atuação de flavonoides na cascata do
encontrados resultados tocantes em relação à ácido araquidônico modulando os efeitos das
resposta do cortisol. Assim, sabe-se que não faz enzimas ciclo-oxigenases 1 e 2, tem se mostrado
diferença suplementar CHO ou CHO + PTN com promissora e desempenha um papel importante
base em parâmetros cortisolêmicos. Todavia, na modulação inflamatória com menos efeitos
adversos do que a suplementação de vitaminas
não se pode descartar as respostas anabólicas
antioxidantes, como as vitaminas C e E, e o uso
associadas ao IGF-1 e à insulina na reparação de anti-inflamatórios não esteroidais, que têm
muscular oriundas do consumo de aminoácidos demonstrado uma possível redução na adaptação
pós-exercício23. ao treinamento26,27.

Figura 6. Estratégias nutricionais na recuperação muscular


Genes expressos; proteínas secretadas Efeitos nas células musculares e reparo

elastase, MPO, RONS, TNF-α ↑ Necrose, Fagocitose e Lise

Neutrófilos

IL-1 β, TNF-α, IL-6, SLPI ↑Fagocitose, Lise e Proliferação;


↓ Diferenciação
Macrófagos pró-inflamatórios
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TGF-β, IL-1, PRAR-γ, IGF-1, ↑expressão de miogenina e


ECM proteínas formação de miotubos

Macrófagos anti-inflamatórios
Anfiregulina, IL-10, PDGF, ↑ proliferação, maturação da fibra;
TGF-β, CCL, CCR1, CCR2 ↑ SC expansão;
↓diferenciação, fibrose
Linfócitos reguladores CD8 e T
Triptase, Histamina, TNF-α, ↑proliferação,
Expressão de MyoD;
PAF, LTB4 ↓ expressão de miogenina
Mastócitos

IGF-1 , HGF, folistatina, ↑diferenciação, Expressão de


MyoD e miogenina;
célula NO, IL-6 ↓ Necrose
Pericito endotelial
Mionúcleo Progenitores fibro-adipogênicos
célula ↑diferenciação, Expressão de
satélite Angiopoietina, IGF-1, TGF-β,
MyoD e miogenina;
HGF, CCLS, VEGF... Quiescência SC
sarcolema
lâmina basal
Pericitos tipo 2

Fonte: Adaptado de Peake et al. . 25

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Impacto da nutrição na recuperação do sistema imunológico em esportes de endurance

Modulação intestinal representado pelo esquema na Figura 728.


Falando de modulação imune do intestino, o
Sabe-se que existe uma interação muito grande uso de probióticos tem se mostrado uma estratégia
entre a atividade mitocondrial e a microbiota eficaz e que apresenta resultados promissores no
intestinal, principalmente se tratando de atividades povoamento intestinal com bactérias probióticas,
físicas de elevada intensidade. Esportes de que por si só agregam uma série de benefícios ao
endurance e ultraendurance exigem do corpo hospedeiro. Tais bactérias conseguem diminuir
um aumento fisiológico da capacidade de prover quadros de inflamação localizada e sistêmica por
energia devido à alta demanda energética dessas meio da interação com as células das paredes do
atividades, assim ocorre um aumento de vias intestino através de receptores tool-like, os quais,
da biogênese mitocondrial e, por conseguinte, ao serem sinalizados, desencadeiam reações a
o aumento da produção de espécies reativas nível imunológico através de cascatas envolvendo
de oxigênio (EROs), que por si só aumentam citocinas e células do sistema imune inato29. Outro
o estado inflamatório no corpo se tratando de ponto que vale ser abordado é a capacidade das
âmbito mitocondrial e intestinal, o que pode levar bactérias probióticas de atuarem em patologias
a um quadro de hiperpermeabilidade intestinal, como diabetes, síndrome do intestino irritável,
prejudicando o desempenho do atleta em quesitos em quadros de alergias e no combate a bactérias
nutricionais e inflamatórios28. patogênicas como a Salmonella typhimurium
Existem evidências de que o elevado e Helicobacter pylori através da produção de
consumo de catecolaminas, recurso presente em bacteriocinas29.
estimulantes que são bastante utilizados por atletas Assim como o uso de probióticos, existem
de alto rendimento, juntamente com o aumento outras diversas estratégias nutricionais que podem
da produção de EROs através de mecanismos ser empregadas para fazer a modulação intestinal
fisiológicos adaptativos em atividades físicas de e diminuir os quadros de hiperpermeabilidade
alta demanda energética são responsáveis por intestinal, como é o caso da utilização das vitamina
diminuição da expressão gênica e da quantidade A e D, suplementação com glutamina, consumo
das tight junctions nas células do epitélio de fibras alimentares e utilização de CBAs como
intestinal. Tal situação eleva a permeabilidade a quercetina e o resveratrol30-33. Além disso,
intestinal, o que permite a translocação de estratégias não nutricionais também podem ser
lipopolissacarídeos (LPS) e outras toxinas do empregadas, como é o caso da meditação, cujo
intestino para a corrente sanguínea, podendo levar principal objetivo seria a modulação cortisolêmica
a quadros de endotoxemia e, consequentemente, do indivíduo, além de melhorar aa razões
ao aumento da inflamação, que, aliada a um linfocitárias e inibir a liberação citocinética pró-
aporte nutricional inadequado e à ausência da inflamatória de TNF-a e de Proteína C-Reativa
modulação de outros fatores como o cortisol, pode (PCR)34.
causar imunossupressão nos indivíduos, como

Figura 7. Estratégias nutricionias na recuperação muscular

Núcleo Núcleo
HIPERPERMEABILIDADE
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IMUNOSSUPRESSÃO

Fonte: Adaptado de Clark e Mach28. 29


Paulo Mendes

Suplementação de vitamina D genes envolvidos diretamente na origem das


patologias cardiovasculares como, por exemplo,
A vitamina D é umas das principais vitaminas atuando no coração e nos vasos sanguíneos
necessárias ao corpo humano e, ao mesmo tempo, através do metabolismo do cálcio e, também, em
é uma das que mais sofrem com a inadequação fatores indiretos como regulação da paratireoide,
e insuficiência nos dias de hoje, podendo afetar interferência no metabolismo insulinêmico e
jovens, adultos e idosos (saudáveis ou não) lipídico, atuando, ainda, em patologias renais,
e, principalmente, praticantes de atividades no sistema renina-angiotensina-aldosterona, em
físicas35-37. Essa insuficiência ocorre principalmente reações inflamatórias e no estresse oxidativo, os
pela inadequação na dieta e pelos diversos fatores quais são considerados fatores de risco para o
ambientais presentes na sociedade atual, como é desenvolvimento de doenças cardiovasculares35.
o caso das pessoas que passam a maior parte do Em relação à saúde muscular e óssea observa-
seu tempo em locais fechados com iluminação se que existe um uma faixa limiar de ação da
artificial e quando estão diretamente expostas vitamina D em um estilo de uma curva em U,
ao sol fazem o uso de bloqueadores solares ou tanto a insuficiência como o excesso podem
roupas longas, pratica que inibe cerca de 99% provocar efeitos indesejados nos ossos devido
da produção da vitamina D. A produção pode ser ao metabolismo do cálcio. Assim, doenças
obtida através da alimentação (cerca de 20%) e da como o raquitismo e a osteomalácia, que estão
exposição solar (cerca de 80%), porém a síntese relacionadas com hipocalcemia, hiperpotassemia
cutânea com base na exposição aos raios solares e excesso de estimulação da paratireoide, estão
apresenta o benefício de evitar a toxicidade através diretamente associadas à vitamina D e à ingestão
da regulação por mecanismos de feedback, os de cálcio37.
quais evitam que a mesma se acumule36. Nesse contexto, diversos autores buscam
Sabe-se que essa vitamina desempenha evidenciar que existe um nível ótimo de 25
funções por todo o corpo, inclusive de sinalização hidroxi-vitamina D ou calcifediol, além da
hormonal, devido à quantidade de receptores de suficiência de >30 ng/mL recomendada pela
vitamina D espalhados pelas mais diversas células maioria dos consensos, o qual se encontra na
humanas. As principais funções para a saúde do faixa dos 50 ng/mL. Tal faixa apresenta melhores
atleta, entretanto, se dão através da atuação no incrementos na performance musculoesquelética
sistema imunológico, no sistema cardiovascular e imunológica e, como esperado, quantidades
e no metabolismo ósseo30,31. Assim, um nível superiores aos 50ng/mL não mostram incrementos
adequado de vitamina D, além de trazer saúde ao nesse sentido e aproximam o indivíduo do limiar
atleta, também pode estar ligado à prevenção de de toxicidade31.
injúrias e lesões36,37. Entretanto, para alcançar os níveis de vitamina
Rev Bras Nutr Func; 44(79), 2019. doi: 10.32809/2176-4522.44.79.03

No âmbito imunológico, a vitamina D está D tidos como ótimos, normalmente se utiliza do


relacionada com a diminuição da inflamação recurso da suplementação, uma vez que a síntese
sistêmica, visto que a diminuição de sua cutânea é comumente prejudicada e a ingestão
concentração está relacionada com o aumento de dietética necessária para atingir tal patamar
citocinas pró-inflamatórias, como a TNF-alpha e acaba por ser insuficiente. Os protocolos de
a IL-6. Além disso, relata-se que a administração suplementação mais comuns e que visam atingir os
de vitamina D diminui a incidência de gripes níveis ótimos para o esporte (50 ng/mL) requerem
e resfriados e, por conseguinte, de infecções a utilização de 50.000 UI de vitamina D3 por mês
frequentes36. Já no contexto cardiovascular, é e por cerca de um período de até 8 meses36.
sabido que a ativação dos receptores de vitamina D
espelhados pelo corpo tem ação a nível sistêmico, Modulação da qualidade do sono
podendo a vitamina D ser considerada um fator
protetor para doenças de caráter cardiovascular, Modular a qualidade do sono tem se mostrado
visto que está relacionada com a ativação de tão importante quanto a modulação cortisolêmica

30
Impacto da nutrição na recuperação do sistema imunológico em esportes de endurance

quando se trata de rendimento esportivo 10-12. e fisiológica durante a execução do exercício e


Assim, existem diversos compostos naturais no período de recuperação que o sucede. Nesse
que têm desempenhado importante função sentido, é de extrema importância que se tenha
nessa modulação. Fitoterápicos como Passiflora uma alimentação adequada, boas noites de sono
alata, Valeriana officinalis, Erytrima mulungu, juntamente com o alinhamento da periodização
Matricaria recutita, Melissa officinalis e Humulus do treinamento, visto que esses são alguns dos
lupulus apresentam bastante respaldo científico principais pilares que podem estar associados à
para exercer tal modulação, uma vez que saúde dos indivíduos.
auxiliam na síntese ótima de serotonina, precursor Como ressalvado na literatura científica, é
direto da melatonina, e, além de isso, podem necessário individualizar a prescrição nutricional
estimular a liberação direta de melatonina por com base nos aspectos do treinamento, para evitar
mecanismos moduladores na glândula pineal que o praticante tenha quedas no rendimento,
e atuar indiretamente pelo efeito inibitório de possíveis lesões e quadros de imunossupressão,
neurotransmissores (p.e. GABA) atuantes no transitórios ou não, associados à prática das
sistema nervoso central38-40. atividades físicas. Vale ressaltar que a utilização da
periodização nutricional de macro e micronutrientes
Conclusão como o carboidrato e a vitamina D, a regulação
do intestino, o aprimoramento do ciclo circadiano,
Esportes de endurance e ultraendurance são das pulsações cortisolêmicas e a utilização de
conhecidos por levarem o corpo do praticante a compostos bioativos são de extrema relevância
situações suprafisiológicas que por vezes podem para o acompanhamento e tratamento nutricional
gerar malefícios a longo prazo. Isso ocorre dos praticantes dessas modalidades esportivas.
devido à alta demanda energética, imunológica

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