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DOCUMENTO

Posição oficial da Sociedade Brasileira de


Medicina do Esporte: atividade física e saúde
Tales de Carvalho, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, José Kawazoe Lazzoli,
João Ricardo Turra Magni, Luciano Rezende, Félix Albuquerque Drummond,
Marcos Aurélio Brazão de Oliveira, Eduardo Henrique De Rose,
Claudio Gil Soares de Araújo e José Antônio Caldas Teixeira

INTROD UÇÃO QUADRO 1


A saúde e a qualidade de vida do homem podem ser pre- Principais condições clínicas combatidas
pela prática regular de exercícios físicos
servadas e aprimoradas pela prática regular de atividade fí-
sica. O sedentarismo é condição indesejável e representa
Doença aterosclerótica coronariana
risco para a saúde. Este documento, elaborado por médicos Hipertensão arterial sistêm ica
especialistas em exercício e esporte, baseia-se em conceitos Acidente vascular encefálico
científicos e na prática clínica, destinando-se à população Doença vascular periférica
de indivíduos aparentemente sadios. Não se propõe a discu- Obesidade
tir aspectos relacionados ao uso clínico do exercício no tra- Diabetes m elito tipo II
tamento de doenças, nem os referentes a atividades de nível Osteoporose e osteoartrose
competitivo. O texto objetiva instrumentalizar os profissio- Cancer de cólon, m am a, próstata e pulm ão
nais de saúde para o uso eficiente da atividade física. Ansiedade e depressão

EFEITO D A ATIVID AD E FÍS ICA REGULAR S OBRE


A MORBID AD E E A MORTALID AD E
extremamente baixos e podem tornar-se ainda mais reduzi-
Estudos epidemiológicos vêm demonstrando expressiva dos por avaliação pré-participação criteriosa, que permita
associação entre estilo de vida ativo, menor possibilidade de prática orientada. Conforme as características da popula-
morte e melhor qualidade de vida. Os malefícios do seden- ção a ser avaliada, os objetivos da atividade física e a dispo-
tarismo superam em muito as eventuais complicações de- nibilidade de infra-estrutura e de pessoal qualificado, a com-
correntes da prática de exercícios físicos, os quais, portan- plexidade da avaliação pode variar desde a simples aplica-
to, apresentam uma interessantíssima relação risco/ benefí- ção de questionários, até exames médicos e funcionais so-
cio. Considerando a alta prevalência, aliada ao significativo fisticados. Indivíduos sintomáticos e/ ou com importantes fa-
risco relativo do sedentarismo referente às doenças crônico- tores de risco para doenças cardiovasculares, metabólicas,
degenerativas, o incremento da atividade física de uma po- pulmonares e do sistema locomotor, que poderiam ser agra-
pulação contribui decisivamente para a saúde pública, com vadas pela atividade física, exigem avaliação médica espe-
forte impacto na redução dos custos com tratamentos, in- cializada, para definição objetiva de eventuais restrições e a
clusive hospitalares, uma das razões de seus consideráveis prescrição correta de exercícios.
benefícios sociais. Pesquisas têm comprovado que os indiví- O PAR-Q (sigla de Physical A ctivity Readin ess Ques-
duos fisicamente aptos e/ ou treinados tendem a apresentar tion n aire, ou Questionário de Prontidão para Atividade Fí-
menor incidência da maioria das doenças crônico-degene- sica) (quadro 2 ) tem sido sugerido como padrão mínimo de
rativas (ver quadro 1 ), explicável por uma série de benefícios avaliação pré-participação, pois pode identificar, por algu-
fisiológicos e psicológicos, decorrentes da prática regular da ma resposta positiva, os que necessitam de avaliação mé-
atividade física. dica prévia.

AVALIAÇÃO PRÉ-PARTICIPAÇÃO PRES CRIÇÃO D E ATIVID AD E FÍS ICA


Os riscos para a saúde, particularmente os de natureza Existe forte relação dose-resposta entre o nível de aptidão
cardiovascular, decorrentes do exercício físico moderado são física e seu efeito protetor, com risco de adquirir doença
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QUADRO 2
meras combinações dessas variáveis podem proporcionar
Questionário de Prontidão para Atividade resultados positivos. Deve ser considerada a combinação de
Física (PAR-Q) – versão revisada em 1992 várias atividades, como as que constam no quadro 3 , de
modo a proporcionar dispêndio calórico semanal de pelo
1. Algum m édico já disse que você possui algum problem a de menos duas mil quilocalorias, considerado um nível satisfa-
coração e que só deveria realizar atividade física supervisiona- tório.
da por profissionais de saúde?
Todo início ou reinício de atividades deve ser gradativo,
2. Você sente dores no peito quando pratica atividade física?
especialmente para os indivíduos mais idosos. Primeiramente
3. No últim o m ês, você sentiu dores no peito quando praticava
aumenta-se a duração até se chegar pelo menos ao tempo
atividade física?
mínimo aceitável. Só então se modifica a intensidade. A
4. Você apresenta desequilíbrio devido a tontura e/ou perda de
atividade não deverá provocar fadiga em cada sessão de
consciência?
exercício, mas tão-somente cansaço leve, que demande me-
5. Você possui algum problem a ósseo ou articular que poderia
ser piorado pela atividade física? nos de uma hora pós-esforço para seu desaparecimento
completo.
6. Você tom a atualm ente algum m edicam ento para pressão arte-
rial e/ou problem a de coração? A parte aeróbia do exercício deve ser feita, se possível,
7. Sabe de algum a outra razão pela qual você não deve realizar todos os dias, com duração mínima de 3 0 a 4 0 minutos.
atividade física? Uma forma prática e muito comum de controle da intensi-
dade do exercício aeróbio é a medida da freqüência cardía-
ca. As informações obtidas em avaliação médico-funcional
diminuindo à medida em que a atividade aumenta. Benefí- mais completa, com a obtenção de medida direta do consu-
cios significativos para a saúde já podem ser obtidos com mo máximo de oxigênio e a identificação do limiar anaeró-
atividades de intensidade relativamente baixa, comuns no bio, contribuem para uma prescrição mais individualizada
cotidiano, como andar, subir escadas, pedalar e dançar. Por- da intensidade do exercício.
tanto, não somente os programas formais de exercícios físi- Exercícios de sobrecarga muscular e flexibilidade são mais
cos, mas também atividades informais que incrementem a importantes a partir dos 4 0 anos de idade. Devem ser reali-
atividade física, são interessantes. Ambas as possibilidades zados pelo menos duas a três vezes por semana, contem-
devem ser consideradas, na medida em que a soma delas plando os principais grupos musculares e articulações. Da-
permite mais facilmente atingir determinada quantidade de dos recentes sugerem que um conjunto de seis a oito exercí-
atividade física. cios realizados em uma série única com dez a 1 2 repetições
Um programa regular de exercícios físicos deve possuir ou, ainda, duas séries com cinco a seis repetições e peque-
pelo menos três componentes: aeróbio, sobrecarga muscu- no intervalo entre elas são suficientes para manutenção e
lar e flexibilidade, variando a ênfase em cada um de acordo aprimoramento da massa muscular e óssea e demandam
com a condição clínica e os objetivos de cada indivíduo. A pouco tempo, o que contribui para maior aderência ao trei-
prescrição adequada de atividade física contempla as variá- namento de sobrecarga muscular. O treinamento da flexibi-
veis tipo, duração, intensidade e freqüência semanal. Inú- lidade deve envolver os principais movimentos corporais,

QUADRO 3
Tempo necessário para um indivíduo de 70kg alcançar gasto calórico
semanal de 2.000kcal em algumas atividades (valores aproximados)

Atividade Tempo semanal Tempo diário Tempo diário


(7x semana) (5x semana)

Cam inhar no plano 6h 50m in 1h10m in


Pedalar 7h30m in 1h05m in 1h30m in
Correr devagar 3h30m in 30m in 40m in
Correr rápido 2h00m in 0h20m in 0h25m in
Jardinagem 4h40m in 40m in 1h
Dança de salão 9h20m in 1h20m in 1h50m in
Fazer com pras 8h 1h10m in 1h35m in
Nadar (craw l devagar) 3h40m in 0h30m in 0h45m in
Nadar (craw l rápido) 3h 30m in 35m in
Varrer carpete ou tapete 10h30m in0 1h30m in 2h10m in

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realizados lentamente, até causar ligeiro desconforto, para, REFERÊNCIAS
então, ser mantidos por cerca de dez a 2 0 segundos, deven- 1 . American College of Sports Medicine: A CS M’s guidelin es for ex ercise
do ser praticados antes e/ ou depois da parte aeróbia. testin g an d prescription , 5 th ed., Baltimore, Williams & Wilkins, 1 9 9 5 .
Sempre se deve conciliar um máximo de benefício com 2 . Bijnen FCH, Caspersen CJ , Mosterd WL: Physical inactivity as a risk
um mínimo de risco de lesões ou complicações, de modo a factor for coronary heart disease: a WHO and International Society and
estabelecer relação risco/ benefício interessante. Federation of Cardiology position statement. Bull World H ealth Organ
7 2 : 1 -4 , 1 9 9 4 .
3 . Fletcher GF, Balady G, Blair SN, Blumenthal J , Caspersen C, Chaitman
CONCLUS ÃO B et al: Statement on exercise: benefits and recommendation for physical
activity programs for all Americans – A statement for health professionals
Recomendamos que: by the Committee on Exercise and Cardiac Rehabilitation of the Council
on Clinical Cardiology, American Heart Association. Circulation 94: 857-
1 . Os profissionais da área de saúde devem combater o 862, 1996.
sedentarismo, incluindo em sua anamnese questionamen- 4 . Paffenbarger J r RS, Lee I-M: Physical activity and fitness for health and
tos específicos sobre atividade física regular, desportiva ou longevity. R es Q Ex erc S port 6 7 (Suppl 3 ): 1 1 -2 8 , 1 9 9 6 .
não, conscientizando as pessoas a esse respeito e estimu- 5 . Pate RR, Pratt M, Blair SN, Haskell WL, Macera CA, Bouchard C et al:
lando o incremento da atividade física, através de atividades Physical activity and public health – A recommendation from the Center
for Disease Control and Prevention and the American College of Sports
informais e formais; Medicine. JA MA 2 7 3 : 4 0 2 -4 0 7 , 1 9 9 5 .
2 . Os governos, em seus diversos níveis, devem conside- 6 . Thomas S, Reading J , Shephard RJ : Revision of the Physical Activity
rar a atividade física como questão fundamental de saúde Readiness Questionnaire (PAR-Q). Can J S ports S ci 1 7 : 3 3 8 -3 4 5 , 1 9 9 2 .
pública, divulgando as informações relevantes a seu respei- 7 . U.S. Department of Health and Human Services: Physical activity an d
to e implementando programas para uma prática orientada. health – A report of the S urgeon Gen eral, U.S. Government Printing
Office, 1 9 9 6 .
3 . As entidades profissionais e científicas e os meios de
8 . WHO/ FIMS Committee on Physical Activity for Health: Exercise for
comunicação, enfim as forças organizadas da sociedade,
health. Bull World H ealth Organ 7 3 : 1 3 5 -1 3 6 , 1 9 9 5 .
devem contribuir para a redução da incidência do sedenta- 9 . Williams PT: Relationship of distance run per week to coronary heart
rismo e a massificação da prática orientada de exercícios disease risk factors in 8 2 8 3 male runners – The National Runners’ Health
físicos. Study. A rch In tern Med 1 5 7 : 1 9 1 -1 9 8 , 1 9 9 7 .

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