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NOÇÕES PRELIMINARES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Controlar é sinônimo de cotejar, colocar em confronto, contraprovar.


Representa um procedimento de análise. A locução controle de
constitucionalidade deve ser entendida, pois, como uma verificação de
compatibilidade, de adequação entre normas: as leis (e os demais atos
normativos) e a Constituição.
A compreensão inicial do controle de constitucionalidade demanda a
assimilação prévia da concepção de Constituição sob o prisma Kelseniano.
Nosso autor estruturou o ordenamento normativo de forma estritamente
jurídica, baseando-se na constatação de que toda a norma retira sua validade
de outra que lhe é imediatamente superior. Segundo ele, no mundo das normas
jurídicas, uma norma só pode receber validade de outra, de modo que a ordem
jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes -
que regulam a criação das normas inferiores - e normas inferiores fundadas -
aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.
Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do
sistema jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao
contrário, apresentarão posicionamentos diferenciados em graus inferiores e
superiores. Nos dizeres de Kelsen, “a ordem jurídica (...) não é um sistema de
normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no
mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis de normas.
Em conclusão, por ser a ordem jurídica construção normativa de
diferentes camadas, sua unidade é produto da conexão de dependência que
resulta do fato de as normas inferiores serem produzidas em absoluta
conformidade com outra norma que lhes seja superior, lembrando que a
Constituição, enquanto representante do escalão normativo mais elevado
dessa ordem, é quem, por fim, fixa os critérios que objetivamente vinculam
essa tarefa de elaboração.
Em síntese, a constatação da inequívoca hierarquia normativa entre as
normas constitucionais e as demais, justifica a realização do controle de
constitucionalidade. Afinal, se a carta constitucional se encontra em posição
diferenciada no ordenamento, todas as demais normas lhe devem estrita
observância e irrestrita obediência e precisam estar afinadas, em absoluto, com
os seus preceitos, de modo que qualquer dissintonia possa ser detectada e
solucionada em favor da Constituição.
Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, lembramos a
existência de uma Constituição rígida, a atribuição de competência a um órgão
e a hierarquia das normas para resolver os problemas de constitucionalidade.
Conforme já estudado, Constituição rígida é aquela que possui um
processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene que o
processo legislativo de alteração das normas não constitucionais. A CF
brasileira é rígida, diante das regras procedimentais solenes de alteração
previstas em seu artigo 60.
A ideia de controle, então, emanada da rigidez, pressupõe a noção de um
escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida
relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais
atos normativos do sistema.
Trata se do princípio da supremacia da Constituição, nos dizeres do
professor José Afonso da Silva, pedra angular, em que assenta o edifício do
moderno direito político, significa que a Constituição se coloca no vértice do
sistema jurídico do país, aqui confere validade, e que todos os poderes estatais
são legítimos na medida em que ela os reconheça na proporção por ela
distribuídos. É enfim, a lei Suprema do estado, pois é nela que se encontram a
própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se
acham as normas fundamentais do estado. Desse princípio resulta o da
compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no
sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem
compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não
forem compatíveis com elas são inválidas, pois a incompatibilidade vertical
resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como
fundamento de validade das inferiores.
Há uma tendência a ampliar o conteúdo do parâmetro de
constitucionalidade de acordo com aquilo que a doutrina vem chamando de
bloco de constitucionalidade.

• A inconstitucionalidade das leis e a regra geral da teoria da


nulidade. Sistema austríaco (Kelsen) versus sistema norte-americano
(Marshall). Anulabilidade versus nulidade.
Pode-se afirmar que a maioria da doutrina brasileira acatou, inclusive por
influência do direito norte-americano, a teoria da nulidade ao se declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Trata-se, nesse sentido, de ato declaratório que reconhece uma situação
pretérita, qual seja, o vício congênito, de nascimento, de origem do ato
normativo.
A ideia de a lei ter nascido morta (natimorta), já que existente enquanto
ato estatal, mas em desconformidade (em razão do vício de
inconstitucionalidade) em relação à noção de bloco de constitucionalidade (ou
paradigma de controle), consagra a teoria da nulidade, afastando a incidência
da teoria da anulabilidade.
Assim, o ato legislativo, por regra, uma vez declarado inconstitucional,
deve ser considerado, nos termos da doutrina brasileira majoritária, nulo, e,
portanto, desprovido de força vinculativa.
Contra esse entendimento, destaca-se a teoria da anulabilidade da norma
inconstitucional defendida por Kelsen e que influenciou a corte constitucional
austríaca, caracterizando-se como constitutiva a natureza jurídica da decisão
que a reconhece.
Segundo Cappelletti, no sistema austríaco, diferentemente do sistema
norte-americano da nulidade, a Corte Internacional não declara uma nulidade,
mas anula, caça uma lei que, até o momento em que o pronunciamento da
corte não seja publicado, é válida e eficaz, posto que inconstitucional. Não é
só: mas - coisa ainda mais notável - a corte constitucional austríaca tem, de
resto, o poder discricionário de dispor que a anulação da lei opere somente a
partir de uma determinada data posterior de seu pronunciamento, contanto que
este diferimento (adiamento) de eficácia constitutiva do pronunciamento não
seja superior a um ano.

• Constitucionalidade e inconstitucionalidade superveniente

a) Constitucionalidade superveniente
Constitucionalidade superveniente significa o fenômeno pelo qual uma lei
ou ato normativo que tenha nascido com algum vício de inconstitucionalidade,
seja formal ou material, e se constitucionaliza. Esse fenômeno é inadmitido na
medida em que o vício congênito não se convalida. Ou seja, se a lei é
inconstitucional, trata-se de ato nulo, írrito, natimorto, ineficaz e, assim, por
regra, não pode ser corrigido, pois o vício de inconstitucionalidade não se
convalida, é um vício insanável, incurável.
Como exceção a essa regra, lembramos o julgamento da ADI 2.240 e da
ADO 3.682 pelas quais, se possibilitaria, artificialmente, a correção do processo
de criação do município Luís Eduardo Magalhães. Estaríamos diante do
fenômeno da constitucionalidade superveniente por decisão judicial;
Como se sabe, a convalidação dos extraordinários vícios de
inconstitucionalidade se deu pela EC 57/2008, que, então, poderia ser um
triste, porque flagrantemente inconstitucional, exemplo de constitucionalidade
superveniente por emenda constitucional e, assim, decisão política do
parlamento, sempre passível, nesse caso específico, de controle judicial.
b) Inconstitucionalidade superveniente
Inconstitucionalidade superveniente, por sua vez, seria o fenômeno pelo
qual uma lei ou ato normativo que nasceu perfeita, sem nenhum tipo de vício
de inconstitucionalidade, venha se tornar inconstitucional.
Em regra, esse fenômeno não é observado. A seguir, dois exemplos
clássicos, na visão da jurisprudência do STF, que afastam essa possibilidade
em razão da caracterização de outros institutos específicos e próprios.
• Lei editada antes do advento da nova Constituição (fenômeno da
recepção): se a lei foi editada antes do advento de uma nova Constituição,
duas situações surgem: ou a lei é compatível e será recepcionada, ou a lei é
incompatível e, então, nesse caso, será revogada por não recepção.
Não se pode falar em inconstitucionalidade superveniente nesse caso,
pois não haverá preenchimento da regra da contemporaneidade. Ou seja, para
se falar em controle de constitucionalidade, a lei tem que ter sido editada na
vigência do texto de 1988 e ser confrontada perante a CF/88 ou toda
normatividade que tenha status de Constituição, dentro da perspectiva de bloco
de constitucionalidade.
• Lei editada já na vigência da nova Constituição e superveniência
de emenda constitucional futura que altere o fundamento de
constitucionalidade da lei: o STF entende que, se a lei foi editada já na vigência
da nova Constituição sem nenhum tipo de vício, eventual emenda
constitucional que mude o parâmetro de controle pode deixar de assegurar
validade a referida norma, e, assim, a nova emenda constitucional revogaria a
lei em sentido contrário. Não se trata, portanto, do fenômeno de
inconstitucionalidade superveniente.
A regra da impossibilidade de inconstitucionalidade superveniente,
contudo, apresenta duas exceções: a mutação constitucional e a mudança
no substrato fático da norma.
No primeiro caso (mutação constitucional), a redação do dispositivo da
Constituição não é alterada, mas o seu sentido interpretativo, surgindo, então,
uma nova norma jurídica. As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o
caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos
informais. Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas
mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional, como, por
exemplo, as alterações por emendas constitucionais.
No segundo caso (mudança no substrato fático da norma), não se tem
uma alteração no parâmetro da Constituição, mas novos aspectos de fato que
surgem e que não eram claros no momento da primeira interpretação.
Como exemplo, lembramos o precedente do amianto. Em um primeiro
momento, o STF pronunciou-se no sentido de se declarar a constitucionalidade
da lei federal que admitia o uso controlado de uma das modalidades do
amianto (asbesto branco). Em momento seguinte, em razão da mudança no
substrato fático da norma, referida disposição se tornou inconstitucional,
passando a norma por um processo de inconstitucionalização.
Seja na primeira interpretação, seja 22 anos depois quando houve a mudança
de entendimento, a Constituição sempre proibiu substâncias que fizessem mal
à saúde ou ao meio ambiente. O que se observou foi um novo diagnóstico do
potencial de violação à saúde, inclusive em razão dos avanços tecnológicos e
de pesquisa. Por esse motivo é que estamos fazendo uma distinção com o
fenômeno da mutação constitucional, quando a alteração é do sentido da
própria Constituição.

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