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Outro Sonho

(Era Uma Vez Um Sonho 01)

Mary Balogh
Agradecimento

Quando escrevemos nossas novelas curtas, fizemos sem a


intenção de harmonizar as histórias, além de ambientar ambas
nas festas campestres de verão. Quando chegou o momento de
idear um título para o conjunto das duas novelas, não nos
ocorreu nada memorável. Recorremos a nossos leitores em
busca de ajuda, e Pat Elliot sugeriu "Era Uma Vez Um Sonho".
Pareceu encantador e apropriado para nossas novelas, assim
obrigado, Pat Elliot, e a todos os leitores que fizeram sugestões.

Mary Balogh
Grace Burrowes

Era Uma Vez Um Sonho


01 ― Outro Sonho – Mary Balogh
02 ― O Duque de Meus Sonhos ― Grace Burrowes
SINOPSE

A Senhorita Eleanor Thompson se sente satisfeita como


diretora de uma respeitada escola para meninas. A vida de uma
educadora dedicada oferece muitas recompensas e muita
satisfação… mas também mais solidão do que Eleanor previu.
Quando aceita o convite de sua irmã, Christine, Duquesa de
Bewcastle, para assistir a uma festa em Bedwyn, jamais
sonhou que o plano de estudos de verão poderia incluir beijos
roubados e o amor verdadeiro.
CAPÍTULO 1

O sol ainda brilhava, em um céu azul sem nuvens quando


um dos cavaleiros da escolta se aproximou da carruagem onde
Eleanor Thompson viajava e se inclinou para golpear a janela.
Eleanor levantou a vista de seu livro, surpresa, e tirou os
óculos quando a donzela que viajava com ela baixou a janela.
― A tempestade se aproxima rapidamente atrás de nós,
senhora ― disse o homem, tirando o chapéu. ― Tom
1
Coachman esperava deixá-la para atrás, mas diz que não
consegue, mesmo que incite os cavalos, o que Sua Graça não
gosta, porque pode machuca-los facilmente. Estamos a meio
caminho entre hospedarias e tem mais sentido prosseguir do
que retroceder. Tom diz que pararemos na primeira estalagem
a qual cheguemos. Até então, estará bastante segura, senhora.
Parece uma tempestade desagradável, mas Tom é o melhor.
Nada menos que o melhor para o grande mergulho.
Com essas palavras de alarme e consolo se retirou para
retomar seu lugar atrás da carruagem. Tanto ele como o outro
cavaleiro tinham sido enviados a Bath com a carruagem, o
cocheiro, o lacaio e a donzela para transportar Eleanor da
escola de meninas, da qual era proprietária e onde ensinava,
até Lindsey Hall no Hampshire, o grande imóvel do Duque de
Bewcastle. Wulfric, o duque, estava casado com a irmã de
Eleanor, Christine.
Viajar assim era inegavelmente luxuoso, embora Eleanor
sempre achasse graça em ser tratada como uma grande dama.
Pressionou seu rosto contra a janela e olhou para trás.
Oh, Deus querido, sim. Grossas e escuras nuvens estavam se
agitando no oeste, e inclusive enquanto olhava, uma descarga
irregular de relâmpagos cortou através delas. Uma tempestade
elétrica era aterradora, inclusive perigosa, quando se viajava. A
chuva poderia converter rapidamente o caminho em um
pântano lamacento. Inclusive quando tomou seu assento,
Eleanor notou que o vento estava piorando. Estava dobrando a
comprida erva do prado junto à estrada e balançando
ligeiramente a carruagem. O trovão que se seguiu ao raio se
sentiu mais do que se ouviu por cima do ruído dos cascos dos
cavalos e o ruído das rodas da carruagem.
Tinha saído de Bath essa manhã para o que normalmente
era uma tranquila viagem de um dia. Tinha esperado estar em
Lindsey Hall a tempo de tomar o chá com Christine e Wulfric e
sua mãe, que vivia com eles. Também era possível que Hazel,
sua outra irmã, já tivesse chegado com Charles e seus filhos.
Era um prazer pouco comum que toda sua família estivesse
junta, mas este verão Lindsey Hall ia se encher até as vigas,
com sua família e outros convidados, para uma festa de duas
semanas na casa, celebrando o quadragésimo aniversário de
Wulfric. Agora parecia completamente impossível que Eleanor
chegasse naquele dia de qualquer jeito. Poderia ver-se obrigada
a passar uma noite no caminho. Só podia esperar que, pelo
menos, fosse em uma estalagem.
― Não se preocupe, senhorita ― disse a donzela. ― Tom
Coachman é o melhor, como Andy acaba de dizer.
Eleanor lhe sorriu.
― Devemos ter esperança, Alma ― disse ― em que a
próxima estalagem não esteja longe, pelo bem dos homens aí
fora, que só têm as abas de seus chapéus para resguardar-se.
No entanto, quando chegaram a um edifício atarracado e
insignificante nos subúrbios de uma aldeia igualmente banal, o
temporal os tinha alcançado e estava rugindo ao seu redor em
forma de chuva torrencial, com um vento como um furacão e
implacáveis trovões e relâmpagos. Alma estava recitando o Pai
Nosso com os lábios, embora algumas das palavras fossem
audíveis.
―... Faça-se sua vontade na terra... e perdoe nossas
ofensas... mas livre-nos do mal, Oh por favor, por favor,
Senhor...
Eleanor estava agarrando a correia de couro sobre sua
cabeça e a beira da almofada do assento do outro lado e tinha
os pés firmemente apoiados no chão como se ao fazê-lo
pudesse evitar que a carruagem balançasse perigosamente com
o vento e deslizasse sobre a superfície lamacenta do caminho.
A carruagem de algum jeito girou no pátio meio alagado da
estalagem e se deteve sem sair voando.
― Amém ― disse Alma em voz alta e Eleanor o repetiu em
silêncio.
Uns minutos mais tarde estavam de pé dentro de um
botequim de teto baixo que cheirava a cerveja rançosa e
provavelmente era escura e lúgubre inclusive quando o sol
brilhava fora. No balcão, o hospedeiro estava se ocupando de
um cavalheiro alto com um casaco com capa, que estava
pedindo dois quartos e um salão privado. Eleanor duvidava que
a estalagem possuísse tal luxo como um salão, mas
aparentemente tinha. Também havia dois quartos disponíveis.
Esperava fervorosamente que houvesse um terceiro. Não
imaginava que este lugar fosse frequentemente procurado por
um grande número de viajantes atrás de alojamento. Sua
função principal era, quase indubitavelmente, proporcionar
cerveja para matar a sede dos aldeãos.
Eleanor pensou que o cavalheiro era corpulento até que
deu meia volta e viu que tinha um menino aconchegado dentro
de seu casaco, um menino com uma mata de rebelde cabelo
loiro. Uma menina de uns nove ou dez anos estava de pé junto
ao cavalheiro. Uma mulher mais velha, vestida de maneira
singela com uma capa negra e uma touca branca debaixo do
capuz, provavelmente a babá dos meninos, estava um pouco
separada deles.
― Já não tem que ter medo, Robbie ― disse a menina. ―
Estamos a salvo aqui, não é assim, papai? Eu não tive nenhum
medo, verdade?
― Foi muito valente ― disse o cavalheiro enquanto
assinava o registro e o menino dentro de seu casaco espiava a
menina com um olho até que descobriu Eleanor e cobriu o olho
com a mão antes de afundar outra vez contra seu pai.
― Não havia nada que temer, verdade, papai? ― perguntou
a pequena. ― Só um montão de brilhos, barulhos e barro. Não
é assim, papai?
― Sempre é sábio ― disse o homem a quem se dirigia ― ter
um respeito saudável pelas tempestades elétricas, Georgette.
Sem dúvida, podem fazer mal aos homens e às bestas, embora
não quando estamos a salvo no interior.
― E às mulheres também, papai? ― perguntou a menina.
― Certamente ― disse com admirável paciência. ―
Também às mulheres e às meninas e aos meninos, aos
cachorrinhos, aos porcos e às lesmas. Obrigado ― adicionou
quando o hospedeiro lhe entregou duas chaves grandes. ―
Agora vamos sair do caminho para que esta dama possa ser
atendida. Rogo-lhe que me desculpe pela demora, senhora.
Virou-se para Eleanor e sorriu, revelando-se como um
bonito, além de paciente, cavalheiro. Tinha as mãos ocupadas
com o menino, que ainda estava assustado pela tempestade,
pobre pequeno, e a menina, que parecia das que fazem um
milhão de perguntas incluso quando tudo o que realmente
estava pedindo era consolo. Mas quem não se assustaria
quando era apanhado em tal temporal?
― Está tudo bem ― assegurou-lhe Eleanor. ― Ao menos
está seguro e seco aqui. ― Embora ela estivesse meio
empapada apenas pelo trajeto da carruagem até a porta.
Tom Coachman, empapado e gotejando no chão, ocupou-
se de todos os assuntos para obter um quarto para ela e
quartos para os serventes depois que o cavalheiro e sua família
se afastaram. Tom não vestia a libré ducal ― isso só acontecia
quando transportava o duque ou a duquesa ― mas havia um ar
de autoridade a seu redor que inspirava respeito. Pouco tempo
depois, Eleanor estava em posse de outra das grandes chaves e
subia as escadas com Alma, enquanto uma dama anciã e um
cavalheiro tomavam seu lugar no balcão. Não havia, por
desgraça, nenhum outro salão privado para seu uso. Teria que
jantar no pequeno refeitório público, com outros viajantes. Sem
dúvida haveria mais. Ela estava bastante resignada a passar a
noite ali. Inclusive se a chuva parasse naquele mesmo
momento ― e não mostrava sinais de diminuir ― era duvidoso
que o caminho fosse seguro para viajar antes do anoitecer.
Seu quarto era pequeno e sufocante. Entretanto parecia
limpo, e havia duas camas, uma para ela e outra para Alma.
Mas, Oh, o tédio de estar atrasada. O temporal poderia ter tido
suficiente amabilidade para esperar umas poucas horas mais.
― Ao menos, Alma ― disse, de pé junto à janela e olhando
através da chuva para um pátio de estábulos alagado ― o chão
está firme sob nossos pés.

***

O terror da última hora tinha esgotado a pobre Alma.


Eleanor a persuadiu para que se deitasse durante uns minutos
e logo, quando a moça estava profundamente adormecida e
roncava, desceu as escadas para ver se podia tomar uma taça
de chá no botequim ou, preferivelmente, no refeitório.
O hospedeiro a acompanhou a este último e se
surpreendeu gratamente, quando rapidamente trouxe para sua
mesa um bule de bom tamanho com leite, açúcar, uma xícara e
seu prato, e uma bandeja. Retornou momentos mais tarde,
enquanto ela ainda se perguntava pela bandeja, com uma
travessa de pastéis e bolos, todos os quais pareciam acabados
de fazer e muito apetitosos.
― Minha esposa está em seu elemento, senhora ―
explicou, assinalando com o polegar em direção à cozinha. ―
logo que escutamos o primeiro estrondo de um trovão, faz um
par de horas mais ou menos, ela disse: 'Joe', vamos ter
companhia antes que termine a tarde, marca minhas palavras',
disse, 'e essa companhia será de qualidade'. E acendeu a estufa
e o forno e ficou a trabalhar. Não a via tão feliz desde que
nevou repentinamente em dezembro passado e abrigamos onze
pessoas e dois pequenos aqui durante dois dias. Terá um
jantar esta noite que recordará até o próximo verão e mais à
frente, senhora, e não há engano. Ela era a cozinheira principal
na casa grande, e ficaram com muita pena quando se casou
comigo e veio para cá.
― Entretanto é uma sorte para os viajantes que se
encontram apanhados aqui ― disse Eleanor. ― Suponho que já
tem a casa cheia, verdade?
― Dez adultos e dois pequenos ― disse-lhe. ― Inclusive o
casal que pensei que seria obrigado a recusar, por não haver
mais quartos, terminou ficando. Estavam dispostos a dormir
nos bancos do botequim se não houvesse nada mais disponível,
mas quando mencionei o velho quarto do apartamento da
cobertura, que está cheio de caixas e entra água em uma
esquina quando chove muito, agarraram-na sem vê-la.
Entretanto, não lhes cobrei mais que o custo do jantar e o café
da manhã. Não teria sido cristão, verdade?
― É muito amável ― assegurou-lhe Eleanor.
Ninguém mais tinha descido para tomar o chá. Tinha o
refeitório só para ela. Estivera escuro desde o começo, mas
havia se tornado visivelmente mais escuro nos poucos minutos
que tinha estado ali, apesar de ainda estar apenas no meio da
tarde de um dia de julho. Qualquer esperança de que o
temporal se desvanecesse de vez se apagou ao mesmo tempo
que a luz. Estava a ponto de retornar para uma repetição.
O chá estava quente e forte, como gostava. Olhou o prato
de pastéis e bolos. Devia comer ao menos um ou a esposa do
hospedeiro ficaria ofendida. Que maravilhosa desculpa para
agradar a seu dente guloso! Examinou uma fatia de bolo de
groselhas antes de pegar um pastel folhado transbordante de
creme de leite espesso. Só sua cintura saberia. Era uma boa
coisa que os vestidos de corte alto ainda estivessem na moda.
Saltou levemente ante um trovão repentino seguido quase
imediatamente pelo som da voz de uma menina logo atrás de
seu ombro.
― Estou encantada ― disse a menina que tinha visto antes
― que não sejamos os únicos que se viram forçados a
abandonar o caminho para ficar parados aqui, no que papai
declara ser em meio de um nada. Acredito que seria triste ter a
estalagem apenas para nós, embora inclusive isso seria melhor
que estar enterrado no barro em alguma parte aí fora. Você é a
dama que veio logo atrás de nós. Posso me sentar nessa
cadeira vazia frente a você por um momento? Poderia ser
atrevido da minha parte, sei, quando não nos apresentaram e
além disso só tenho dez anos. Mas não há ninguém aqui para
nos apresentar, verdade?, nem ninguém que nos conheça a
ambas de todos os modos. Sou Georgette Benning.
Era uma menina magra, de rosto estreito, grandes olhos
marrons e cabelo escuro preso afastado da cara, que fluía em
ondas soltas por suas costas. Estava olhando solenemente
para Eleanor, que realmente não desejava companhia,
especialmente a de uma menina faladora. Passava seus dias
com pessoas jovens, loquazes e o contrário, em sua escola em
Daniel Street em Bath. Ela tinha desfrutado de sua vida ali
durante vários anos, depois de tomar a decisão de ensinar, em
lugar de ir viver com sua mãe em Lindsey Hall quando
Christine se casou com Wulfric. Tinha desfrutado tanto, de
fato, que quando sua amiga, Claudia Martin, a anterior
proprietária, casou com o Marquês de Attingsborough, Eleanor
ficara com ela, comprando a escola com a ajuda de um
empréstimo de Wulfric, um empréstimo que ele sempre se
empenhava em insistir que era um presente. Entretanto, as
férias deviam ser diferentes da vida cotidiana, e estas eram as
férias do verão. Haveria crianças em Lindsey Hall, era certo,
mas seriam responsabilidade de alguma outra pessoa. Eleanor
tinha se imaginado passando várias semanas de ditosa paz e
ócio, em companhia de ninguém mais do que adultos.
A menina estava começando a parecer ansiosa ante seu
silêncio. Um relâmpago iluminou a estância, piscou um
momento e logo cintilou ainda mais brilhantemente. Eleanor
sorriu.
― Agrada-me conhecê-la, Georgette Benning ― disse ― e
ficarei encantada de que se una a mim. Sou Eleanor
Thompson. Mas seu pai e sua babá não estarão preocupados
sobre seu paradeiro?
― Oh, não ― disse a menina, sentando-se em frente de
Eleanor, quando os trovões retumbaram, soaram e logo
retumbaram de novo. ― Papai está fechado em seu próprio
quarto, alimentando seu mau humor… ou foi isso o que nos
advertiu quando fechou a porta, embora houvesse um brilho
em seus olhos como sempre acontece quando diz coisas tão
horríveis. O que realmente queria dizer é que queria escapar
dos puxões de Robbie e de minhas perguntas. Costumo lhe
fazer muitas. É minha tristeza, de acordo com a babá, e ela
sempre faz que soe como se, ao escrevê-la, a palavra se
soletrasse com T maiúsculo. Robbie estava aterrorizado pela
tempestade, já que pensou que ia matar de um golpe nosso
cocheiro e também a nós no interior da carruagem, embora de
todas formas sempre tenha medo dos raios e dos trovões. Está
metido na cama para fazer uma sesta com a babá vigiando-o, o
que precisará fazer com a tempestade de volta. Não me deixou
sentar no bordo de sua cama porque estava me agitando. Oh!
Esse foi brilhante, não é assim? ― Seus olhos se abriram de
par em par e ficou quase de pé antes de sentar-se outra vez. ―
Ooh! E um forte.
― Sem dúvida que foi ― disse Eleanor enquanto a chuva
caía repentinamente e batia nas janelas, impulsionada pela
força de um forte vento. ― Talvez você gostasse de se sentar
nesta cadeira junto à minha.
― Não estou assustada absolutamente ― assegurou-lhe
Georgette, ficando de pé uma vez mais e correndo ao redor da
mesa ― mas o farei. Não ficarei muito tempo. Mas não podia
me sentar quieta no piso de cima, com o único livro que tirei
ontem à noite de meu baú, para ler hoje ― já tinha terminado o
outro ― é realmente muito aborrecido, embora não tenha
ninguém a quem culpar, a não ser a mim mesma, já que fui eu
quem escolheu trazê-lo. É Robinson Crusoe. Já o leu? Não há
quase nenhum personagem nele, exceto Robinson, que está
sempre mal-humorado, gosto com muitos personagens. E você?
E muitas aventuras. Estar abandonado e só em uma ilha é
uma aventura, suponho, mas é aborrecida. A babá me olhava
com recriminação quando me movia nervosamente em minha
cama e passava as páginas para ver se a história ficava mais
emocionante, embora não me pareça que aconteça, assim disse
que iria e me sentaria um momento com papai até que Robbie
dormisse, mas quando saí do quarto pensei que seria
mesquinho perturbar tão logo sua paz e em seu lugar decidi
baixar aqui para explorar e ver se havia alguém que não
estivesse alimentando seu mau humor. Realmente é bastante
seguro descer, não é assim? Aqui embaixo não há bandidos
nem vilãos desesperados, só você. Não acredito que a babá ou o
papai estejam muito irritados comigo por vir, embora me atrevo
a dizer que ambos estariam zangados comigo por incomodá-la.
Parece-lhe que este atraso é muito aborrecido? Oooh!
Um brilho de luz muito brilhante foi acompanhado por um
trovão quase simultâneo, e a mão da menina se fechou com
força sobre o braço da Eleanor.
― Deve ficar aqui um momento ― disse Eleanor. ― Mas
logo que o temporal amaine, talvez seja melhor que retorne ao
seu quarto, antes que seu pai e sua babá se dêem conta que
está perdida e se alarmem. Quer um bolo ou pastéis? Quando o
hospedeiro aparecer, pedirei que traga um copo de limonada
para você.
― Oh, não me preocuparei ― disse a menina. ― Ooh! ―
Arrastou sua cadeira um pouco mais perto de Eleanor. ―
Estarão inclusive mais irritados se acreditarem que me
convidei a tomar o chá. Ooh! Aqui vem outro.
Eleanor colocou um braço sobre os magros ombros da
menina enquanto o trovão sacudia a estalagem.
― É fastidioso se encontrar presa no meio de uma viagem
― disse ― mas ao menos estamos seguras aqui e não isoladas e
sós durante um tempo interminável, como esteve o pobre
Robinson Crusoe. Há algo realmente magnífico em uma
tempestade elétrica, sempre que se esteja seguro no interior.
― A babá diz que Deus está zangado ― disse a menina ―
mas acredito que isso é uma tolice, verdade? Se Deus não for
mais que um velho resmungão, não vejo por que deveríamos
nos sentar muito quietos na igreja, em bancos duros, todos os
domingos adorando-o e nos aborrecendo bobamente. Papai
está pensando em me enviar à escola. Diz que sou inquieta e
inquisitiva e que a escola me fará bem. Pode ser que tenha
razão. Haveria professoras e muitos livros, não é certo?, e
outras garotas e muitas coisas que fazer todo o tempo, e
descobriria todo tipo de coisas, talvez tudo, embora não
acredito que nas escolas de garotas ensinem latim e grego,
verdade? Mas não desfrutaria ter que permanecer quieta e em
silêncio todo o dia e ter que fazer o que me dizem sem
nenhuma possibilidade de discutir nenhuma regra que me
pareça tola. Entretanto, e principalmente, não quero deixar
Robbie. Tem cinco anos embora pareça mais jovem, e é
envergonhado e tímido e não acho que todo mundo deva tratar
de fazê-lo sair de sua carapaça, como descreve a babá, e que se
comporte como um menino correto e deixe de chupar o dedo
polegar, o que não faz sempre, de todos os modos, só quando
sente a necessidade de uma maior comodidade. Mamãe morreu
quando ele era um bebê e sente falta dela, apesar de não a ter
conhecido. Conheci-a durante cinco anos, embora não possa
recordá-la tão bem como desejo. Cuido do Robbie, mas não o
sufoco, embora algumas pessoas digam que sim. Deixo-o ser
quem é, o que a babá diz que está mal porque tem que
aprender a ser um homem. Oooh! Pensei que algum viria
diretamente através do teto.
Estendeu o braço para procurar o bolo mais cremoso do
prato, gêmeo ao que Eleanor acabava de comer, e o mordeu.
Eleanor deslizou um guardanapo para ela.
― Seu irmão é afortunado por tê-la ― disse. Pobre
pequenino. Que tragédia ter perdido sua mãe pouco depois de
seu nascimento. E que tragédia para esta garotinha, que estava
tratando de ocupar o lugar de sua mãe e parecia ser muito
inteligente para seu próprio bem. Necessitaria algumas
professoras muito pacientes e pormenorizadas para que tudo o
que era bom e brilhante nela não fosse sufocado na escola em
nome da disciplina fazendo dela uma dama indistinguível de
todas suas iguais. Nem todos os meninos loquazes eram
inteligentes, é óbvio, mas Eleanor apostaria alto em como esta
o era. A seguinte pergunta da menina lhe confirmou esta
convicção.
― Acredita que se deve permitir aos meninos ser quem
são? ― perguntou ela depois de chupar a nata de seus dedos. ―
Ou deveriam criar-se e educar-se para que se encaixem, para
ser o que seus pais esperam deles e o que outros adultos
esperam deles? É isso do que se trata a vida, Senhora
Thompson? Aprender a se encaixar?
OH, Deus querido. Que pergunta tão profunda e que difícil
era respondê-la. Mas Eleanor nunca deixava de lado as
perguntas das garotas, profundas ou tolas. Sempre tratou de
lhes dar a devida consideração.
― Permitir que as pessoas sejam quem são, parece uma
idéia maravilhosa ― disse. ― Mas levada a extremo, talvez
conduza à anarquia? Se aos meninos selvagens lhes fosse
permitido converter-se em jovens selvagens e logo em adultos
selvagens, a sociedade funcionaria? Porque temos que viver em
sociedade, desejando ou não. Temos que compartilhar nosso
mundo com outras pessoas. Se todos fizéssemos o que
quiséssemos, quase inevitavelmente nos chocaríamos com
outras pessoas decididas a fazer o que elas próprias
desejassem, e se produziriam brigas e luta, e inclusive guerras,
como frequentemente acontece de todos os modos. Por outro
lado, a conformidade sem sentido tampouco é algo desejável. A
resposta a sua pergunta deveria ser singela, mas não o é. Vivi
muito mais tempo que você, e ainda não estou de todo segura
sobre quanta liberdade e quanta conformidade criam o
equilíbrio perfeito em nossas vidas. A resposta se encontra,
suspeito, em algum lugar entre os dois extremos. Não lhe
respondi muito satisfatoriamente, verdade? E é Senhorita
Thompson.
Imaginou se a menina teria entendido uma só palavra do
que havia dito. Mas os olhos de Georgette, fixos em Eleanor,
estavam iluminados pela aprovação quando, distraidamente,
procurou uma fatia de bolo de frutas, quebrou um canto e o
meteu na boca.
― Ninguém mais ― ninguém ― tratou sequer de me
responder quando faço essa pergunta ― disse depois de engolir.
― Todo mundo me diz que não seja tola, que os meninos não
são pessoas reais até que se desenvolvam nas pessoas que seu
nascimento e posição na vida determinaram para eles.
Entretanto, é verdade que não perguntei a papai. Pensarei em
sua resposta. Posso decidir que não estou de acordo, mas eu
adoro que me tenha falado como se eu tivesse vinte anos em
vez de dez para onze. Ou como se tivesse trinta ou quarenta. Às
vezes é muito difícil ser uma menina, Senhorita Thompson.
Pode recordar essa época tão longínqua? Foi difícil para você?
― Ter que ir para a cama quando a noite estava só na
metade? ― disse Eleanor, fazendo uma careta com a boca.
― Ter que comer o repolho que alguém pôs em seu prato,
quando odeia e despreza o repolho? ― disse a menina.
― Ter um adulto lhe recordando cada manhã que lave
atrás das orelhas, quando não há qualquer problema com sua
memória? ― disse Eleanor.
― Ter que guardar silêncio em companhia até que lhe
falem ― disse Georgette ― inclusive quando está rebentando
por dizer algo?
― Ter que contar em voz alta o número de escovados que
dá a seu cabelo cada noite? ― disse Eleanor.
― Dizem-lhe que livros pode ler e quais estão além de sua
compreensão? ― disse Georgette.
Ambas se desfizeram em risadas.
― Acredito que o pior da tempestade já passou ― disse
Eleanor, voltando seu olhar para a janela enquanto Georgette
comia um bolo de geléia ― embora ainda chove forte.
― Possivelmente Robbie já adormeceu ― disse a menina. ―
Será melhor que suba antes que você tenha que me sugerir
isso de novo. Isso seria deprimente. Oh, Deus querido, de
verdade estive comendo seus bolos? Não tinha a intenção de
fazê-lo. Não estava pensando.
― Eu só queria um ― assegurou Eleanor. ― Teria sido uma
pena que todos os outros retornassem à cozinha.
Aparentemente a esposa do hospedeiro os assou especialmente
para todos os viajantes que supôs seriam apanhados pelo
temporal. Estou muito contente de que se tenha unido a mim,
Georgette, foi uma companhia interessante.
― Também você ― disse a menina. ― Mas agora realmente
devo…
― Georgette! ― disse uma voz masculina aborrecida e
cheia de recriminação atrás do ombro de Eleanor, fazendo-a
saltar de novo. ― Aqui está, menina perversa, incomodando
uma hóspede, como eu deveria ter imaginado.
CAPÍTULO 2

Michael Benning, Conde do Staunton, suspirou em voz


alta quando o segundo episódio da tempestade passou e a
chuva que açoitava sua janela diminuiu de intensidade. Tinha
cedido a um impulso egoísta e se encerrou em seu quarto em
busca de um pouco de paz e silêncio. Estirou-se na cama e pôs
um antebraço sobre os olhos enquanto seu criado de quarto se
movia ao redor discretamente, limpando as salpicaduras de
barro que suas botas tinham adquirido durante o trajeto da
carruagem até a estalagem e estendendo seu casaco sobre uma
cadeira, para que secasse. Michael não tinha dormido nem
relaxado por completo. No entanto, a culpada não foi a
tempestade. Foi sua consciência.
Robert tinha um medo anormal das tempestades, entre
outras coisas, e se tinha obstinado e choramingado ao longo de
seu calvário na carruagem, negando-se a ser consolado ou a
ser passado aos braços de sua babá. Adormecera em sua cama
do cômodo contíguo apesar do regresso da tempestade?
Georgette estava entretendo-se em silêncio, o suficiente para
não incomodar seu irmão e não exasperar a babá? Sua filha
tinha pronunciado essas palavras sinistras ― isto é estúpido! ―
fazia algumas horas na carruagem depois de fechar seu livro e
atirá-lo a um lado antes de olhar a paisagem e comentar sobre
cada vaca, celeiro e pináculo de igreja. Foi ela quem primeiro
viu as nuvens que se moviam do oeste.
Teria sido mais caridoso ter pego ele mesmo pelo menos
um de seus filhos. Poderia ter aconchegado Robert a seu lado
ali na cama. Ou poderia ter trazido Georgette para ali e jogar
algum jogo de palavras ou de cartas com ela, ou inclusive tê-la
levado abaixo para tomar o chá. Uma consciência era uma
coisa infame. A Senhora Harris estava contratada, depois de
tudo, para cuidar dos meninos. Mas sem dúvida ela estava tão
cansada como qualquer deles pela comprida viagem ― este era
o terceiro dia ― especialmente depois da última hora.
Sentou-se, balançou suas longas pernas sobre a borda da
cama, apoiou os cotovelos nos joelhos e esfregou a cara com as
mãos. Seria melhor ir verificar os meninos. Talvez Robert
estivesse dormindo apesar de tudo. Talvez Georgette, por algum
milagre, também estivesse. Talvez inclusive a Senhora Harris
estivesse. Continue sonhando, disse a si mesmo enquanto
calçava as botas acabadas de lustrar e seu criado de quarto o
ajudava a vestir um casaco seco.
Robert realmente estava dormindo, aninhado como uma
bola em sua cama, uma bochecha visível ruborizada, seu
cabelo loiro irremediavelmente alvoroçado, os cobertores
esticados até as orelhas, apesar do aquecimento do quarto. De
sua filha não havia nenhum sinal.
― Georgette? ― sussurrou, com as sobrancelhas
levantadas.
― Foi se sentar com o senhor ― sussurrou a Senhora
Harris, parecendo repentinamente alarmada.
― De verdade o fez? ― disse ele. ― Mas ela não chegou. Por
que não me surpreende? Uma coisa é certa, ao menos. Não terá
se aventurado a sair ao ar livre.
E não era uma estalagem grande. Ela poderia estar
observando a cozinheira preparar o jantar e fazendo um milhão
de perguntas. Poderia estar atormentando sobre suas tarefas a
qualquer moço de cavalariça que tivesse a má sorte de estar
dentro. Poderia estar explorando os apartamentos da cobertura
ou as adegas e encontrando morcegos ou ratos ou pessoas a
quem fazer perguntas. Ele foi procurá-la.
Estava abaixo, no refeitório, falando com uma dama
solitária, que estava tomando o chá ali… a mesma dama que
tinha chegado à estalagem justamente depois que eles, se não
estava errado.
― Foi uma companhia interessante ― dizia ela,
demonstrando uma grande dose de amabilidade e tolerância já
que suas palavras sugeriam que sua filha tinha estado com ela
durante um tempo.
― Você também ― respondeu Georgette e provocou que
seu pai fechasse os olhos por um momento, horrorizado por
sua petulância.
A chuva soava mais forte ali, talvez porque havia mais
janelas.
― Georgette! ― disse, aproximando-se da mesa a grandes
passadas. ― Aqui está, menina perversa, incomodando uma
hóspede, como eu devia ter imaginado.
Ela o olhou, com a culpa escrita em seu rosto. A dama
voltou a cabeça também. Tinha estado envolta em uma capa
cinza quando a viu antes, com o capuz sobre sua cabeça. Agora
estava vestida com um elegante vestido azul. Seu cabelo loiro
estava penteado de maneira singela e engenhosa. Tinha um
rosto agradável e cordial com formosos olhos cinzas de aspecto
inteligente. Suas mãos, ligeiramente apertadas na borda da
mesa, eram magras e sem anel. Ela tinha, supôs,
aproximadamente a mesma idade que ele, que era quarenta.
Recordou que tinha uma voz baixa e agradável ao falar.
― Você deve ser o Senhor Benning ― disse. ― Desculpo-me
por manter sua filha aqui e lhe causar preocupação. Foi
suficientemente amável para me fazer companhia durante o
regresso da tempestade. Ser apanhada inesperadamente é um
assunto tedioso, não é assim?, embora seja de esperar que não
estejamos condenados a estar aqui parados durante tanto
tempo como Robinson Crusoe esteve em sua ilha.
Esse era o livro que Georgette tinha afastado a um lado
antes e declarado estúpido. Devia tê-lo contado à dama… e sem
dúvida tudo o resto que ocupava até o último canto de sua
mente lotada.
― É amável de sua parte ser tão agradável, senhora ―
disse antes de voltar o olhar para sua filha, que sorria
alegremente com a esperança, sem dúvida, de evitar qualquer
ira que ele ainda pudesse estar sentindo. ― Foi afortunada,
Georgette, de não ser sequestrada por algum vilão assassino,
arrastada sobre as costas de seu cavalo, e nunca mais saber de
você.
― Oh, papai ― disse ― que vilão sairia com este tempo?
Estive conhecendo a Senhorita Thompson, e estive comendo
seus bolos, embora não tivesse a intenção e nem sequer me dei
conta de que o estava fazendo até que notei a doçura em minha
boca. Pensei que estaria zangado se descobria o que tinha feito,
me convidando para tomar o chá, enquanto não estaria tão
aborrecido comigo por manter uma simples conversa amistosa
com uma hóspede que estava sozinha e necessitava
companhia, para afastar sua mente dos trovões.
Ela sorriu ainda mais brilhantemente.
Ele pôs uma mão sobre seu ombro.
― Certamente não quererá mais chá, então ― disse. ―
Provavelmente nem sequer precisa jantar esta noite. Talvez faça
servir o jantar só para o Robert, a Senhora Harris e para mim.
― Não faria isso, papai ― disse, com tom meloso. ―
Lamento o ter preocupado, mas a babá parecia exasperada
porque Robbie estava demorando um pouco para dormir e eu
queria me sentar em sua cama para acalmá-lo, mas ao seu
lado estava inquieta, e logo estava inquieta em minha própria
cama porque não tinha nada que fazer. Decidi ir ao seu quarto,
mas logo recordei que estava alimentando seu mau humor,
principalmente por causa de Robbie ter estado aterrorizado e
de eu ter feito uma série de perguntas sobre trovões e raios e
por que, pelo geral, não acontecem juntos apesar de que são
realmente o mesmo. Assim decidi ser ponderada e, em vez
disso, o deixar em paz e vim aqui.
Era espantoso pensar no que estava revelando à Senhorita
Thompson; você estava alimentando seu mau humor. Da boca
2
das crianças ...
― Tem meu agradecimento ― disse secamente. ― Mas
agora pode voltar a subir para tranquilizar a Senhora Harris, a
quem deixei faz alguns minutos em estado de alarme.
Entretanto, vá na ponta dos pés e fale em voz baixa. Robert
está dormindo.
Ela se foi.
― Senhorita Thompson ― disse ― desculpo-me, tanto por
minha intrusão como porque teve que aguentar a minha filha
quando acredito que esperava um chá tranquilo e relaxado. Ela
é... difícil. E preciosa ― apressou-se a adicionar, embora
pudesse escutar a exasperação em sua voz.
― Oh, muito preciosa, sem dúvida ― disse, seus olhos
brilhando e revelando em suas comissuras exteriores finas
linhas de risada muito atrativas. ― E, sim, difícil, posso
imaginar, para as pessoas que são responsáveis por sua
educação. Achei-a deliciosa.
― É extraordinariamente encantador de sua parte dizê-lo
― disse. ― Esperava chegar ao seu destino hoje?
― Sim ― disse, olhando tristemente para as janelas. ―
Entretanto isso não vai acontecer, e minha esperança agora
está fixada em amanhã. Um dia de atraso é tedioso. Outro seria
severamente aborrecido.
― E um atraso muito maior, como foi o caso do Robinson
Crusoe ― disse ― seria completamente estúpido… na opinião
de minha filha, em todo caso.
Ela riu.
― Devo confessar ― disse ― que nunca foi meu livro
favorito.
― Nem o meu, embora seja uma total heresia dizer isso de
um clássico reconhecido. ― Riu com ela. ― Mas acredito que foi
a minha palavra que convenceu Georgette a escolhe-lo como
um de seus livros para a viagem.
― Isso é perfeitamente compreensível ― disse. ― Estão
fazendo uma viagem longa?
― Estamos viajando há três dias ― disse. ― Este ia ser o
último. Mas alguém importante ― por minha vida que não
posso recordar quem ― disse uma vez que o único que
podemos esperar com confiança da vida é o inesperado. Vivi o
suficiente para saber que ele tinha muita razão. Ou talvez fosse
ela. É tolo de nossa parte esperar que a vida se desenvolva de
acordo com nossos planos e expectativas. Senhorita Thompson,
dou-me conta de que reservei o único salão privado do qual se
gaba esta estalagem. Suspeito que o refeitório se encherá mais
tarde. Meus filhos jantarão cedo. Eu preferiria jantar mais
tarde, especialmente se posso convencê-la para que se una a
mim. Possivelmente será impertinente de minha parte convidá-
la, quando somos estranhos, mas as circunstâncias são
incomuns.
Ela vacilou visivelmente. É óbvio, que não era de todo
correto que uma dama solteira jantasse a sós com um
cavalheiro solteiro. Mas as circunstâncias, na realidade,
estavam longe do normal, e quase podia vê-la ponderando esse
fato contra a alternativa, que era jantar sozinha em um
refeitório pequeno e potencialmente cheio de gente.
― Depois de tomar chá com sua filha ― disse por fim ―
acredito que seria bastante monótono jantar sozinha, Senhor
Benning. Obrigada. Me unirei a você. A que hora?
― Às oito em ponto? ― sugeriu ele. ― Então os meninos já
estarão preparados para dormir.
― Às oito em ponto será ― disse.
Ele fez uma reverência e retornou ao andar de acima.
Devia levar Georgette para seu próprio quarto e fazer algo com
ela por um momento… jogar xadrez, talvez. Tinha um jogo de
viagem em sua bolsa, e ela estava ficando suficientemente boa
para começar a apreciar suas partidas. Na realidade, ele nunca
a tinha deixado ganhar. Ela saberia e o repreenderia. Embora
em um futuro previsível ela poderia ganhar sem ajuda alguma.
Acheia-a deliciosa, havia dito a Senhorita Thompson, e
parecia tê-lo dito a sério. Não tinha encontrado muitos adultos
que compartilhassem essa opinião, embora várias pessoas
fossem educadas e fingissem estar encantadas com ela. A
Senhorita Everly era uma dessas pessoas. Sorria cada vez que
se encontrava com sua filha, e a chamava doce menina… uma
descrição pouco adequada se alguma vez houve alguma.
Durante parte da Temporada de Londres que tinha terminado
recentemente, esteve considerando a Senhorita Everly como
uma possível candidata para ser sua segunda esposa, embora
realmente nunca tivesse dado o passo de cortejá-la. Foi sua
mãe quem sugeriu um internato para a menina a que sempre
se referia como a querida Georgette.
Abriu a porta do quarto das crianças em silêncio. Robert
ainda estava dormindo. Georgette estava sentada a um lado da
cama, acariciando suas costas através das colchas. Michael
sempre se comovia pela terna devoção com que tratava seu
irmão, que era tão diferente dela como era possível ser.
Supunha que ela estava tentando compensar o fato de que
Robert não tinha mãe. Embora ela tampouco, verdade?

***

Teria uma grande aventura que contar a sua mãe e a suas


irmãs quando chegasse a Lindsey Hall, pensou Eleanor,
enquanto alisava seu vestido de seda cinza com a gola branca
de encaixe e se sentava para que Alma lhe escovasse o cabelo e
o enrolasse em um coque alto, mais elegante do que o habitual,
na parte posterior de sua cabeça. Depois de tudo, no dia
seguinte não chegaria toda queixosa pelo temporal e a tediosa
noite que tinha sido obrigada a passar na estrada. Em seu
lugar, descreveria com detalhe seu chá com a grande travessa
de guloseimas dignas do melhor pasteleiro e com Georgette
Benning por companhia. E criaria uma história fascinante de
seu convite para jantar tête-à-tête com o atrativo e encantador
papai da menina em seu salão privado.
Ela titubeou antes de procurar em sua bolsa a caixa de
veludo onde guardava seu broche, e que Alma logo prendeu
entre as lapelas de sua gola. Era sua única peça de joalheria
valiosa, um cacho de pérolas que Christine e Wulfric lhe deram
de presente por seu aniversário há dois anos. Tinha outra peça
preciosa, mas ninguém além dela tinha visto o anel de
compromisso de diamantes, que levava em uma corrente ao
redor de seu pescoço, desde que o tirou do dedo, depois da
3
morte de Gregory na Batalha de Talavera … Oh, fazia muito
tempo, quando era jovem e estava cheia de sonhos de amor
infinito e felizes para sempre.
Esperava que o broche não fosse muito elaborado para a
ocasião, embora a idéia a divertiu. Inclusive se tivesse anéis,
braceletes e pendentes que combinassem, ainda se veria como
a afetada professora solteirona de meia idade que era. O
convite para jantar era simplesmente a cortesia de um
cavalheiro que desejava ressarci-la por entreter a sua filha
aquela tarde. Ou possivelmente sentia que jantar com ela era
preferível a jantar sozinho ou comer cedo com seus filhos.
Qualquer que fosse o motivo, estava agradecida. A estalagem
estava realmente cheia e o refeitório estaria abarrotado. E ela
se sentiria coibida sentada ali sozinha em uma mesa. Nunca
antes ficou sozinha em uma estalagem.
Enviou Alma para que tomasse seu próprio jantar na
cozinha e baixou as escadas, sorrindo interiormente ante o
bater de asas de nervosismo que estava sentindo, como se
estivesse a caminho de uma entrevista romântica. Graças aos
céus ninguém podia ler seus pensamentos. O hospedeiro
estava andando ao pé das escadas, e era óbvio que a estava
esperando. Fez uma reverência, dirigiu-se ao salão privado,
bateu na porta e a abriu.
― A Senhorita Thompson, Sua Senhoria ― anunciou.
Sua Senhoria? O cavalheiro não era simplesmente o
Senhor Benning, então? Tampouco estava sozinho. Os meninos
estavam com ele, Georgette toda ruborizada e ansiosa
enquanto saltava sobre seus pés, o menino, claramente
alarmado, enquanto se revolvia em sua cadeira para
pressionar-se contra o flanco da menina e agarrar uma de suas
mangas de balão, com um olho escondido atrás desta. De fato,
parecia ser mais jovem que os cinco anos que tinha. Era um
menino de cara magra, cabelo desgrenhado, olhos grandes ― o
cabelo muito loiro, os olhos castanho escuros ― e puramente
adorável. Os restos de uma refeição estavam estendidos sobre a
mesa.
― Oh ― disse Eleanor ― chego cedo?
― Não ― assegurou o cavalheiro, ficando de pé e fazendo
uma elegante reverência. ― Nós estamos sempre atrasados. A
hora de ir à cama nunca é na realidade a hora de ir à cama em
nossa casa ou onde quer que estejamos. Sempre é meia hora,
ou mais tarde. Meus filhos são peritos em atrasar o inevitável.
Certo, Georgette?
― Mas desta vez não fui eu, papai ― protestou ela. ―
Robbie queria jogar uma olhada à Senhorita Thompson. Só teve
uma mínima visão quando chegamos aqui.
O segundo olho do menino desapareceu atrás de sua
manga para desmentir suas palavras, mas reapareceu quase
instantaneamente e olhou fixamente, sem piscar, a Eleanor.
― Meu filho e herdeiro, Robert Benning ― disse seu pai. ―
A Senhorita Thompson, Robert. Agora seria um bom momento
para que fizesse sua reverência.
O olho desapareceu de novo e seu pai suspirou.
― É tímido ― explicou Georgette. ― Não há nada de mal
com o acanhamento, verdade, Senhorita Thompson? Se não
houvesse gente silenciosa no mundo, não haveria ninguém que
escutasse aqueles que não têm um pingo de timidez em seus
corpos. Como eu. São necessários todos os tipos para fazer um
mundo, não crê?
― Sem dúvida ― disse Eleanor. ― Estou muito contente de
conhece-lo Robert, e assumirei que, em sua mente, fez-me uma
reverência. Não somos afortunados de que a tempestade tenha
acabado e não parece que tenha intenção de retornar?
Devemos ter a esperança de que manhã o sol matutino seque
as estradas.
O menino voltou a aparecer.
― A babá se zangará muito comigo se não os envio
imediatamente ― disse o Senhor Benning, dirigindo-se a seus
filhos. ― Dêem boa noite à Senhorita Thompson.
Georgette o disse quase soletrando, e o menino falou pela
primeira vez.
― Subirá a nos beijar, papai? ― sussurrou.
― Nem os cavalos selvagens me deteriam ― disse seu pai.
― Mas será depois de ter jantado com a Senhorita Thompson, e
então os dois estarão dormindo. Por isso, vou beijá-los agora.
O menino correu para ele, agarrou-se à parte externa das
calças e elevou a cara com os lábios franzidos. O Senhor
Benning se inclinou para cavar seu rosto, beijá-lo e logo lhe
revolver o cabelo, que em realidade parecia mais de um suave
loiro escuro que claro.
― Boa noite, filho ― disse.
― Boa noite, papai ― disse o menino. Lançou um olhar a
Eleanor antes de colocar o queixo contra seu peito e murmurar
algo que poderia ter sido boa noite.
― Boa noite, Robert ― disse Eleanor enquanto Georgette
reclamava o beijo de seu pai. ― boa noite, Georgette.
A menina tomou a mão de seu irmão quando saíram da
habitação.
― Lamento tê-la feito esperar para jantar ― disse o Senhor
Benning. ― Por favor tome assento.
― Sua Senhoria? ― Ela elevou as sobrancelhas enquanto
se sentava e ele se moveu a uma pequena mesa auxiliar para
lhes servir uma taça de vinho a cada um.
― O Conde de Staunton ― explicou, lhe entregando uma
taça. ― Entretanto, não é necessário que me chame milorde.
Estou bastante contente de ser Michael Benning.
Por que será, perguntou-se Eleanor, que os homens
agraciados pareciam tornar-se ainda mais bonitos à medida
que envelheciam enquanto às mulheres ocorria o contrário?
Era de compleição sólida, com uma figura elegante e cabelo
escuro que começava a retroceder nas têmporas, mas era
estranhamente atrativo enquanto o fazia. Sua cara, que
provavelmente tinha sido muito formosa quando tinha vinte
anos, agora tinha a firmeza de caráter e experiência para fazer
que valesse muito a pena olhá-la. Ou isso pareceu a ela. Não o
tinha conhecido quando tinha vinte anos. E normalmente não
era dada a tal análise dos encantos de um homem. Tampouco
estava acostumada a jantar a sós com cavalheiros solteiros. A
habitação parecia repentinamente muito silenciosa.
― Pelas tormentas e os prazeres inesperados que às vezes
trazem ― disse ele, sentando-se e elevando sua taça.
― Sem dúvida ― esteve de acordo, elevando a sua. Estava
dizendo que ela era um prazer inesperado trazido pela
tormenta? Que cumprimento mais agradável!
***

Georgette, com a mão de seu irmão ainda entrelaçada com


a sua, deteve-se no alto das escadas antes de dirigir-se à
habitação onde a babá os estaria esperando.
― Bem? ― perguntou-lhe em um sussurro urgente. ― O
que pensa?
― Realmente crê que ela é a indicada, Georgie? ―
perguntou.
― OH, acredito ― disse com apaixonada convicção. ―
Realmente, realmente acredito, Robbie. Notou seus olhos?
Parecem sorrir todo o tempo. E te deu conta de que não
esperou que lhe fizesse uma reverência? Em troca, esteve de
acordo comigo em que se necessita de todos os tipos para fazer
um mundo e disse essa coisa graciosa sobre acreditar que
tinha feito a reverência em sua cabeça. Logo continuou falando
sobre a luz do sol de amanhã antes de que papai tivesse a
oportunidade de insistir em que fizesse a reverência fora de sua
cabeça assim como o fez dentro dela. De verdade, realmente,
realmente acredito que ela é a indicada.
― Nossa nova mamãe ― sussurrou Robert, com os olhos
muito abertos e sonhadores, como se estivesse pondo a prova a
idéia em sua mente. ― Mas o papai sabe? E ela sabe? E o que
acontece com a Senhorita Everly?
― Se papai se casar com a Senhorita Everly ― disse
Georgette ― fugirei de casa. Juro que o farei. Irei aos Estados
Unidos e cavalgarei sobre um cavalo até que esteja tão longe
que ninguém me encontrará. Nunca. A América é muito
grande, Robbie. Se tivesse que pôr a Inglaterra em algum lugar
dentro dela, ainda caberia a Escócia, Gales e Irlanda também,
ninguém nunca nos encontraria.
― Levar-me-á contigo, Georgie? ― perguntou com
nostalgia. ― E papai também pode vir?
― Não se estiver casado com a Senhorita Everly ― disse. ―
Embora seria horrível ir sem ele e não voltar a vê-lo nunca
mais, verdade? Teremos que nos assegurar de que isso não
ocorra. Não agradamos a ela mais do que ela nos agrada. Ao
menos de mim ela não gosta. E a mãe dela detesta nós dois,
inclusive a ti, provavelmente porque é o herdeiro. OH, Robbie, a
Senhorita Thompson é a adequada. Simplesmente sei. Sinto-o
aqui. ― Golpeou o lado esquerdo de seu peito com um punho
fechado. ― Acredito que lhe agradamos. Até mesmo eu, embora
lhe deixei louca da cabeça esta tarde e comi seus bolos.
― Mas como isso irá ocorrer? ― perguntou, mais prático
que sua irmã. ― Se o sol brilhar amanhã, irá para onde deva ir
e nós seguiremos nosso caminho para onde seja que vamos, e
nunca voltaremos a vê-la. Inclusive a Inglaterra é grande,
Georgie. Acredito.
― Pensarei em um plano ― prometeu.
― Mas qual? ― perguntou ele.
― Simplesmente o farei ― disse ela. ― Pensarei muito
antes de ir dormir. Mas está de acordo comigo, Robbie? Porque
não serve de nada se só eu a quiser. Se isso for assim, melhor
ir dormir em lugar de pensar. Ambos temos que querê-la mais
que a ninguém nem a nada no mundo inteiro. É ela a
adequada?
― Sim ― disse ele. ― É.
CAPÍTULO 3

Michael tinha estado se perguntando se tinha atuado


muito impulsivamente ao convidar à Senhorita Thompson para
jantar com ele, depois de tudo, ela era claramente uma dama
refinada. Agora, entretanto, estava tranquilo. Ela tinha sido
amável com os meninos, e um sorriso ainda espreitava em seus
olhos. Imediatamente se sentiu cômodo com ela e se encontrou
perguntando por que, quando tinha decidido procurar ao seu
redor uma nova esposa durante a temporada, foi sobre as
jovens damas que tinha girado sua atenção. Não tinha
considerado uma dama mais próxima a ele em idade e
experiência. Não era como se necessitasse mais filhos, embora
algumas pessoas poderiam dizer que era seu dever produzir
uma ou duas recargas para seu herdeiro.
― Tem uns filhos encantadores, Lorde Staunton ― disse a
Senhorita Thompson depois de que o hospedeiro e uma criada
desocuparam a mesa e voltaram a coloca-la para dois.
― É amável de sua parte dizê-lo ― disse. ― Georgette é
muito ruidosa e Robert muito calado. Gostaríamos que o
Criador em sua sabedoria tivesse lhes equilibrado um pouco
mais equitativamente.
― Talvez ― disse ela ― o Criador em sua sabedoria sabia
exatamente o que estava fazendo.
Ah. Ele devia recordar isso.
― O extremo acanhamento de Robert era doce quando
tinha dois anos ― disse ― e íntimo quando tinha três anos.
Agora que tem quase seis anos, é preocupante.
O hospedeiro voltou a abrir a porta, e sua mulher e a
criada passaram junto a ele, a primeira levando uma sopeira, a
última sustentando uma cesta de pão. A mulher mais velha
lhes serviu a sopa, que cheirava tão apetitosamente como
quando os meninos tinham comido antes, e os três se
retiraram e fecharam a porta detrás deles.
― É totalmente possível ― disse a Senhorita Thompson
enquanto levantava sua colher ― que o acanhamento de seu
filho venha a piorar se lhe obrigar a superá-lo. Certamente
sempre será calado. Entretanto, é pouco provável que sempre
esconda seu rosto aos estranhos. Sem dúvida, ele encontrará
uma maneira de equilibrar seu acanhamento com uma boa
educação básica se lhe permitir desenvolver-se a seu próprio
ritmo e aprender a sentir-se cômodo em seu mundo.
― Sua babá, que o ama com bastante ferocidade, devo
adicionar, ― disse ele ― às vezes o manda à cama se se nega a
saudar uma visita. Não é um grande castigo, é óbvio, porque a
maioria das vezes simplesmente fica adormecido. Mas ainda é
um castigo. Implica um rechaço, que lhe diz que se pode evitar
com apenas um pouco de sociabilidade e comportamento
cortês.
― E não me corresponde questionar nem os métodos de
sua babá para implantar suas normas nem os seus ― disse. ―
Rogo-lhe que me desculpe. Não existe uma só forma correta de
criar a um menino, e aqueles que não têm nenhum filho
próprio, são invariavelmente os melhores pais do mundo. ―
Seus olhos brilhavam.
― Não, eu lhe rogo que me desculpe ― disse. ― Não a
convidei para jantar para aborrecê-la até as lágrimas com
minhas preocupações por meus filhos.
― Os meninos nunca são aborrecidos ― disse. ― OH, às
vezes nada daria mais prazer que correr gritando para longe
deles e não deter-se durante as próximas cem milhas mais ou
menos, mas nunca é por aborrecimento.
― Tem experiência pessoal? ― perguntou.
― Só como tia no que respeita aos meninos pequenos ―
disse ― e essa é uma tarefa extraordinariamente fácil, já que
posso ficar um tempo com eles quando o desejo e afastar-me
quando já tive o suficiente. Uma pessoa pode ignorar suas
travessuras, suas choramingações e seus raivas passageiras
quando tem a certeza de que não é responsável por eles.
Entretanto, tive uma pequena prova ao estar sozinha a cargo
de uma classe dos mais jovens, quando substituí um par de
vezes a minha irmã na escola do povo onde ensinava. Cada
uma das vezes, estava esgotada ao final do dia e bastante
temerosa de que nunca pudesse me recuperar.
Ele se pôs a rir.
― Então alguma vez esteve tentada a ser professora? ―
perguntou.
― Em realidade o estive ― lhe disse ― e me rendi à
tentação. Mas ensino a garotas maiores em uma escola de
Bath, a mais jovem delas tem onze anos. O trabalho me resulta
agradável e gratificante, embora neste momento, devo
confessar, estou no processo de escapar alegremente para
umas férias de verão de paz, tranquilidade e prudência.
Ela precisava trabalhar para ganhar a vida, embora
certamente era uma mulher educada.
― E seu primeiro dia de paz e prudência lhe trouxe, por
meio de uma tormenta feroz, a companhia de minha filha ―
disse. ― Deve estar perguntando-se o que tem feito para
merecer tal castigo.
― Pergunto nada ― disse ela. ― Sei a resposta. Perdi a
paciência com uma de minhas garotas no último trimestre e
necessitava a reprimenda. Mas o que se tem a fazer quando
uma moça que estiveste formando como uma elegante jovem
dama durante dois anos inteiros mostra sua desaprovação
pelas ações de outra moça entortando os olhos, tirando a
língua, metendo os polegares nos ouvidos e agitando os
dedos… tudo depois de ter convidado à outra garota para que
tampasse a cara? Tal comportamento poria a prova a paciência
de um santo, e eu nunca estive perto da santidade.
Ele se Riu e se relaxou mais. Ela lhe agradava.
― A tormenta elétrica foi uma moléstia ― continuou ela,
deixando a colher em sua terrina vazia. ― Entretanto, sua filha
não foi. Espero… OH, espero, a risco de voltar a me intrometer,
que nunca pense controlá-la esmagando seu espírito. Necessita
uma educação completamente estimulante, assim como
muitas, variadas e vigorosas atividades. E não necessita que
lhe digam que as meninas pequenas devem ser vistas, mas não
ouvidas. Vá, agora me tornei definitivamente desagradável.
A porta se abriu de novo e o hospedeiro retirou os pratos
vazios enquanto sua esposa e a criada traziam o prato
principal.
― Não é desagradável ― disse quando voltaram a estar
sozinhos. ― Aprecio seus comentários. Tranquilizam-me. Sou
consciente de que tenho uma menina muito preciosa, mas
muitas pessoas que conheço adicionaram um par de letras à
descrição e a chamam precoce .
Ela sorriu enquanto se servia de verduras.
― Ela me disse que estava pensando em enviá-la a um
internato ― comentou.
― Pobre Senhorita Thompson ― disse ele. ― Não pode
escapar de sua rotina, verdade? Uma dama que conheço
acredita que a escola seria boa para Georgette, que... Bom, que
isso a domesticaria. Na realidade, foi a mãe da dama quem fez
a sugestão, mas a Senhorita Everly esteve inteiramente de
acordo com ela, como sempre o faz. Lady Connaught é uma
mulher de caráter forte.
A Senhorita Everly era uma jovem dama de temperamento
doce e bastante encantadora. Infelizmente também estava
governada por uma mãe autoritária.
― A escola bem pode ser o melhor para sua filha ― disse a
Senhorita Thompson. ― Ou pode não sê-lo. A própria escola
teria que ser escolhida com cuidado, e apesar de que só tem
dez anos, seus próprios desejos deveriam ser consultados. Em
minha escola, nenhuma menina é aceita como interna a menos
que ela tenha dado seu livre consentimento. A escola não é um
cárcere a não ser um portal à liberdade, ou ao menos, em um
mundo ideal, deveria sê-lo. Conforme compreendi esta tarde, e
observei esta noite, Georgette está fortemente apegada a seu
irmão A vê como uma má influência para ele? Acaso a culpa de
seu acanhamento por sua disposição de protegê-lo e falar por
ele? Acredita que precisam ser separados?
Ele meditou. E pôde escutar essa mesma preocupação
expressa na delicada e doce voz da Senhorita Everly. Havia-o
dito em Londres um mês ou dois atrás, a noite depois de que a
levasse junto com seus filhos ao Gunter's para comer gelados.
Ele tinha temido que talvez ela tivesse razão.
― Não. ― Franziu o cenho enquanto cortava o bife e o
pudim de rins. ― Não, não acredito, Senhorita Thompson.
Robert se sentirá desolado se Georgette partir durante
semanas, e ela se sentirá desolada por deixá-lo. Mas... é o
melhor de todos os modos? por que ninguém adverte aos
potenciais pais das decisões transcendentais e provocadoras de
torturas que têm por diante? Mas definitivamente este não é
seu problema, e me desculpo de novo. Me fale de sua família.
Irá vê-los amanhã?
― Sim ― disse ela. ― Vivi em um povoado do
Gloucestershire com minha mãe até há alguns anos. Minhas
duas irmãs se casaram, uma delas com o vigário local. Ainda
está ali. Têm três filhos, dois meninos e uma menina. Minha
outra irmã voltou para casa depois de enviuvar. Isso foi quando
ensinava em tempo parcial na escola do povoado. Era muito
boa nisso. Os meninos a adoravam. Logo voltou a se casar e
seu novo marido nos convidou, tanto a minha mãe como a mim
para viver com eles. Minha mãe estava entusiasmada por ir. Eu
estava menos. Ser uma solteirona de meios muito moderados ia
bem, mas só com a condição de que venha aparelhada a
independência. O luxo e a dependência na faustosa casa de
meu cunhado não me atraíam para nada, apesar de que me
ofereceram isso com amabilidade e amor. Poderia ter
permanecido sozinha na casa de campo e suprir as deficiências
com uma existência ainda mais frugal, mas isso incomodava a
minha mãe e a minhas irmãs, e acredito que poderia me haver
sentido muito sozinha. Assim escolhi ensinar… mas às moças
maiores, às que quero muito.
Era uma mulher com coragem, então. Quantas damas em
sua posição teriam eleito ensinar quando poderiam ter vivido
no luxo com parentes que as amavam?
― E você? ― perguntou ela. ― me fale de sua família.
― Minha casa está em Devonshire ― disse ― não muito
longe da costa norte. Meu pai morreu repentinamente quando
eu tinha vinte e três anos, um evento que pôs fim
abruptamente a meus anos posteriores a Oxford de semear
minha veia selvagem. Minha mãe voltou a se casar três anos
depois e agora vive no norte da Inglaterra. Não tenho irmãos
nem irmãs, por desgraça, mas tenho tias, tios e primos, quase
todos os quais vivem não muito longe de mim. Casei-me com
Annette quando tinha vinte e sete anos, e Georgette nasceu
dois anos depois, Robert quase cinco anos depois. parece-se
com sua mãe, embora não era tão loira nem tinha o cabelo
encaracolado. Houve complicações depois de seu nascimento.
Nunca recuperou sua saúde e morreu seis meses depois. Eu
lhe tinha carinho. Não, isso é muito insosso. Estava
profundamente apegado a ela e não acreditava que algum dia
iria querer substituí-la. Só muito recentemente cheguei a duas
conclusões. Uma é que alguém, é óbvio, não pode ser
substituída. Seria impossível. Entretanto, esse fato não me
impede de me casar de novo e ter uma relação bastante
diferente com uma mulher completamente diferente.
― E a outra conclusão? ― perguntou, colocando sua faca e
seu garfo um ao lado do outro em seu prato vazio e recolhendo
sua taça de vinho.
― Que possivelmente tenha sido egoísmo de minha parte
levar meu luto ao extremo, e não ter dado a meus filhos uma
nova mãe antes ― disse. ― Georgette não recorda Annette
muito claramente, o que é uma pena, e Robert, é óbvio, não
tem nenhuma lembrança dela. Eu lhes conto histórias sobre
ela e espero fazê-lo sempre, mas acredito que têm a
necessidade de uma mulher viva para amá-los e educá-los.
Posso lhes dar o amor de um pai, mas não posso ser também
uma mãe. Tentei-o e senti minha incapacidade.
― Deve ser difícil ― disse amavelmente, suavizando seu
sorriso ― escolher a alguém que seja adequada para você e
seus filhos.
― Sim. ― de repente se sentiu mortificado ao dar-se conta
de que estava discutindo suas aspirações matrimoniais com
uma dama solteira a quem tinha convidado para jantar. Uma
atrativa dama solteira. ― Desculpo-me uma vez mais,
Senhorita Thompson, por curvá-la com as preocupações de
minha família. Você é muito boa ouvinte.
― Mas eu adoro escutar às pessoas ― disse. ― Realmente
escuto, quero dizer, as palavras que dizem e o que não dizem
em voz alta. É algo que aprendi em minha escola. Os
professores tendem a falar muito e é compreensível porque têm
muito conhecimento para repartir. Mas é muito importante
também escutar e ouvir os pensamentos e as emoções, e a
linguagem do corpo, assim como essas palavras.
Devia ser uma boa professora, pensou. Talvez, se decidia
enviar Georgette a um internato... Mas não queria prosseguir
mais com essa possibilidade esta noite.
A mulher do hospedeiro e a criada trouxeram um pudim
de maçã fumegante e uma jarra de mingau, e o hospedeiro as
seguiu com o café.
― Devo elogiá-la ― disse a Senhorita Thompson, dirigindo-
se à esposa ― pela qualidade e abundância da comida, tanto
esta noite como no chá desta tarde. Não acredito que tenha
sido tão bem alimentada em uma estalagem. Obrigada.
A mulher fez uma reverência e se ruborizou com óbvio
elogio.
― Quão único lamento, madame ― disse ― é que não
conseguimos que os hóspedes se detenham aqui mais
frequentemente, eu adoro cozinhar e assar. ― Seu marido
sorriu de orelha a orelha com orgulho enquanto se retiravam.
― Estará feliz por ver sua família amanhã ― disse Michael
quando voltaram a estar sozinhos.
― Sim ― esteve de acordo. ― E todos estaremos ali,
também Hazel e Charles e seus filhos. Não vi a nenhum deles
desde o Natal e além disso foi só por uns dias. Esta vez me
convenceram para que permaneça um mês inteiro. Não é que
necessitasse uma grande quantidade de persuasão. Viaja você
para Devonshire ou para outra parte, Lorde Staunton?
― Para outra parte ― disse. ― Mas me pergunto se estou
fazendo o correto. Passamos os meses da primavera em
Londres devido a meus deveres parlamentares, mas sempre me
agradou ficar em casa durante o verão, pelo bem dos meninos.
Entretanto, persuadiram-me para aceitar um convite este verão
para uma festa campestre quando asseguraram que ia incluir
um grande número de meninos de todas as idades. Os meus
passam o tempo em casa com seus primos e alguns vizinhos,
embora não tão frequentemente como eu desejaria. Estão
juntos e sós durante dias, inclusive às vezes durante semanas.
Será bom para eles ter outros com quem jogar todo o dia, todos
os dias, durante duas semanas. Mas toda a viagem é tediosa,
especialmente para eles. Posso lhe oferecer mais vinho?
― Não, obrigada ― disse ela. ― tomarei café.
Ambos relaxaram em suas cadeiras, ela com uma taça de
café nas mãos, ele com um fresco copo de vinho, e falaram
sobre outros temas… livros, música, política, Londres, Bath, e
assim sucessivamente. A conversação fluiu sem esforço de um
tema a outro sem pausas incômodas. Michael não se tão
relaxado e contente fazia tempo. Não em companhia de uma
mulher, em todo caso.
Lhe olhou as mãos enquanto sustentavam e acariciavam
distraidamente sua taça… mãos esbeltas com dedos longos e
esmeradamente cuidados. Olhou seu vestido, singelo mas
habilmente desenhado, e o custoso broche de pérolas em sua
garganta, seu único adorno. Olhou seu cabelo loiro, bonito mas
não de estilo elaborado. E a olhou aos olhos sorridentes com as
linhas de risada começando a formar-se em suas esquinas
exteriores e a suas bochechas elegantemente esculpidas e a
sua boca bastante larga. A simples vista, não a teria
considerado uma beleza, e certamente não havia nada juvenil
em sua aparência. Porém, gostava de olhá-la. Supôs que nunca
tinha sido extraordinariamente bonita, mas tinha a classe de
rosto e de figura que envelhecia bem e provavelmente
continuaria fazendo-o.
E por que passavam tais pensamentos por sua cabeça,
intercalados com pensamentos sobre os diversos temas de sua
conversa? Era inevitável quando a gente jantava a sós com
uma dama? Como será que o estava vendo ela?
Quando finalmente deixou sua taça vazia e ficou de pé,
incitando-o a fazer o mesmo, sentiu-se arrependido, acabou-se
a noite tão cedo?
― Deve ser muito tarde ― disse ela. ― Não há relógio aqui.
E prometeu ir ver seus filhos. Espero que nenhum deles esteja
acordado esperando-o.
― Que noite tão agradável foi ― disse, movendo-se para a
porta para abri-la para ela. ― Estou realmente contente de que
os dois estivéssemos presos aqui Senhorita Thompson, embora
não me alegrei muito quando a tormenta me obrigou a parar no
que parecia uma triste e simples estalagem.
― Certamente foi agradável ― esteve de acordo,
estendendo sua mão direita. ― Muito obrigado por me convidar
para jantar aqui com você. Boa noite, Lorde Staunton.
― Boa noite, Senhorita Thompson ― disse, tomando sua
mão na sua. Mas em lugar de estreitá-la, o que parecia uma
maneira muito formal de terminar a noite, e em lugar de levar-
lhe aos lábios, como bem poderia ter feito, cobriu-a com sua
outra mão e se inclinou para beijá-la na bochecha.
Ela deve ter adivinhado sua intenção e girou a bochecha
para ele. Mas enquanto voltava a cabeça para um lado, ele se
foi pelo outro e terminou beijando-a nos lábios. Poderia ter sido
― deveria ter sido ― um momento extraordinariamente
embaraçoso. Se algum deles se afastasse de repente, o teria
sido. Mas nenhum deles o fez. Pressionou seus lábios mais
firmemente nos dela, e lhe devolveu o beijo enquanto seus
dedos se curvavam ao redor de uma de suas mãos.
Não foi um beijo longo nem lascivo. Ele levantou a cabeça
depois de alguns momentos, apertou-lhe a mão e a soltou.
― Desculpe ― disseram ao mesmo tempo, e as bochechas
dela se ruborizaram. Ambos sorriram.
― Não tinha a intenção de lhe faltar ao respeito ― lhe
disse. ― foi um prazer conhecê-la, Senhorita Thompson.
― E a você ― disse ela enquanto se girava para abrir a
porta. ― boa noite.
Ele se sentia ligeiramente quente debaixo da gravata e um
pouco nervoso e se perguntando-se lhe devia mais desculpas
das que já tinha expresso. Mas isso simplesmente chamaria a
atenção sobre o que certamente não tinha sido nada de grande
importância.
Deu-lhe tempo para que ela retornasse a sua habitação
antes de dirigir-se a de seus filhos, onde obedientemente beijou
suas bochechas adormecidas e sorriu à babá, que estava
sentada tecendo junto à janela à luz de uma só vela. E de
repente se sentiu melancólico e muito só no mundo apesar
destes dois preciosos filhos.
Talvez o Criador em sua sabedoria sabia exatamente o que
estava fazendo, havia dito ela. Possivelmente tinha razão.
Possivelmente Georgette era perfeita tal como era.
Possivelmente Robert era perfeito tal como era. De fato, sabia
que ambos o eram. Mas ah, a responsabilidade de ser pai, um
pai solteiro. Ele queria desesperadamente que fossem felizes.
Eles necessitavam desesperadamente uma mãe.
Deve ser difícil escolher a alguém que se adapte tanto a
você como a seus filhos, havia dito ela. Fechou os olhos
brevemente antes de sair da habitação para voltar para a sua.
Sim, de fato o era. Sempre devia pensar primeiro no que era
melhor para eles, é óbvio, mas ah, às vezes era difícil não ser
egoísta e desejar alguém para aliviar sua solidão, alguém a
quem amar de novo.
E a alguém com quem poderia relaxar na última hora da
noite depois de que os meninos estivessem na cama, enquanto
bebiam seu vinho e seu café, e falavam sobre qualquer tema
sob o sol. Alguém a quem beijar e levar a cama depois.
Bom Deus, devia-lhe uma desculpa mais adequada?

***

O sol brilhava, o caminho estava firme sob as rodas da


carruagem, a viagem estava chegando a seu fim, havia
excitação pela expectativa de voltar a ver sua família logo. E... e
Eleanor estava se sentindo bastante deprimida.
Sabia o por que, é óbvio. Porque quase tinha decidido
mentalmente ir falar com Wulfric, mas isso necessitaria
coragem. Ele ficaria decepcionado com ela. Considerá-la-ia um
fracasso. Sua mãe, Hazel e Christine também se sentiriam
decepcionadas… e angustiadas por ela. Mas a verdade era ―
OH, horror dos horrores! ― que não estava desfrutando sendo a
proprietária e diretora da Escola para Meninas da Senhorita
Thompson. Não tinha idéia, quando tomou a substituição de
Claudia com tão entusiasmado prazer, o diferente que seria de
simplesmente ensinar. Não era só todo o trabalho extra,
embora parecia interminável e era muito exaustivo. Era mais a
distância que o cargo, de algum jeito, punha entre ela e suas
professoras, tanto como as respeitava e inclusive queria a
todas, e entre ela e suas garotas, a quem adorava e de cujas
vidas era plenamente responsável. Desejava ser só uma
professora outra vez, que toda a carga de todo o resto saísse de
seus ombros.
Acreditava que tinha uma possível compradora. Uma de
suas melhores professoras tinha herdado recentemente uma
fortuna considerável e inesperada de uma tia, mas não
desejava viver dela no luxo ocioso. Tinha feito uma oferta a
Eleanor pela escola e logo riu de seu próprio disparate quando,
é óbvio, Eleanor não tinha pensado em vender. Entretanto,
Eleanor suspeitava que havia dito com vontade, e esteve
fortemente tentada há admitir a verdade ali, tanto para sua
amiga como para si mesmo. Tinha estado fortemente tentada
depois. Mas renunciar seria uma admissão de derrota? Embora
não era que ela tivesse falhado. Sua escola estava prosperando
e era um lugar feliz e produtivo. Era só que ela não era feliz.
Olhou sem ver através da janela e refletiu mais em seu
ânimo pessimista. Estava sendo honesta consigo mesma sobre
a causa? Poderia ser que se apaixonou um pouco ontem? Por
dois meninos pequenos e seu arrumado pai? Que tolice se fosse
certo. O pai estava procurando uma segunda esposa e uma
nova mãe para os meninos, e ele tinha mencionado à Senhorita
Everly, a quem certamente estava cortejando se ela e sua mãe
já estavam fazendo sugestões para o futuro de sua filha. E
inclusive se não estivesse cortejando à dama, certamente não
consideraria cortejar a ela. Não é que quisesse que ele fizesse
tal coisa. Além disso, provavelmente nunca voltaria a vê-lo de
novo, e ainda por cima estava a ponto de começar a comportar-
se como uma solteirona estereotipada, ficando toda nervosa e
cheia de sorrisos tolos por passar uma noite em companhia de
um estranho de aparência agradável. Ah... e por um beijo que a
verdade é que não tinha sido um beijo absolutamente. Ele
tinha tido a intenção de lhe dar um beijinho na bochecha,
como poderia havê-lo feito com uma irmã ou uma tia solteira.
Só foi má sorte que ela houvesse virado a cabeça na direção
equivocada e que seus lábios tivessem roçado os dela.
Ah, mais que roçado, Eleanor, disse a si mesmo. Ele a
tinha beijado. E lhe havia devolvido o beijo. Era esse segundo
fato, inclusive mais que o primeiro, que a tinha enviado à
carreira escada acima até sua habitação, e lhe tinha dado uma
noite quase sem dormir enquanto revivia o beijo uma e outra
vez, como uma moça atordoada.
Eleanor colocou os óculos e dirigiu seus olhos, embora por
desgraça não sua atenção, a seu livro. Se tivesse estado ao
reverso, pensou com um pouco de desgosto depois de uns
minutos, provavelmente não teria se dado conta. Mas não
estava. Leu uma frase completa com concentrada atenção e se
perguntou se Georgette Benning estava lendo Robinson
Crusoe.
Por fim, a carruagem entrou entre os imponentes e
familiares postes de entrada e avançou pelo caminho comprido
e reto, flanqueado por olmos que chamavam a atenção como
soldados bem treinados, até que Lindsey Hall apareceu à vista.
Eleanor fechou seu livro e tirou os óculos. Era uma magnífica
mansão que mesclava muitos estilos arquitetônicos diferentes
como resultado de acréscimos e mais acréscimos que se
somaram através dos séculos, tudo fundindo-se de algum jeito
em uma totalidade esplêndida, que seria impossível descrevê-la
com uma só etiqueta, como clássica ou gótica ou elizabetana.
Era tudo isso e mais. A grande fonte no pátio frente às portas
dianteiras, rodeada por um jardim circular de flores, estava
vertendo água no ar e criando um arco íris de cor com seus
jorros.
As portas dianteiras estavam abertas, Wulfric e Christine,
o Duque e a Duquesa de Bewcastle, estavam ao pé das
escadas, Wulfric luzindo seu habitual aspecto austero,
Christine quase ricocheteando de excitação como uma menina,
embora se aproximasse da metade dos trinta. Hazel e seu
marido, o Reverendo Charles Lofter, baixavam os degraus com
sua mãe.
OH, sentia-se tão bem em vê-los. A ansiedade e a
depressão fugiram quando Eleanor se inclinou para frente e
sorriu.
― Teria apostado ― gritou Christine quando o próprio
Wulfric abriu a porta da carruagem, baixou os degraus e elevou
uma mão para ajudar Eleanor a descer ― a que chegaria tarde
por culpa dessas tormentas espantosas de ontem, mas ai,
ninguém apostaria contra mim. Wulfric declarou que só uma
grande tormenta elétrica ou um terremoto poderiam se impor
sobre nossos serventes para que se arriscassem a sua ira
detendo-se uma noite no caminho. Eleanor, que bom ver-te. E
que desdita que tivemos que esperar um dia inteiro mais do
que acreditávamos. Charles disse que era uma lição de
paciência.
E então Eleanor se viu envolta em abraços, exclamações,
beijos e risadas e todas as mulheres que falavam de uma vez
enquanto os dois homens ficavam olhando e ela se perguntou
em que parte do caminho estavam agora… Georgette e Robert,
claro. E seu pai. Michael Benning, Conde do Staunton.
CAPÍTULO 4

― Já estamos quase chegando, papai? ― perguntou Robert


pela quarta ou quinta vez, agarrando um cavalo de brinquedo
com cada mão e o tabuleiro de carreiras e saltos sobre suas
pernas, ao ter perdido seu atrativo.
― Logo ― disse Michael… como havia dito quatro ou cinco
vezes antes.
A Senhora Harris ficou adormecida, com a boca aberta e o
boné ligeiramente torcido. Georgette, com os braços cruzados,
estranhamente calada, olhava através da janela a seu lado,
zangada. Ela tinha querido que convidasse à Senhorita
Thompson para tomar o café da manhã, mas lhe havia dito que
devia deixar que a dama começasse o dia em paz. Ela tinha
querido ir ver se a Senhorita Thompson estava no comilão, mas
havia outras pessoas ali e lhe havia dito que não as
incomodasse. Ela tinha querido averiguar qual habitação era a
da Senhorita Thompson para poder bater na porta e lhe
agradecer pelo chá e a conversa de ontem. Ele havia dito que
não, que já tinha agradecido à dama em seu momento. Ela
tinha querido saber onde vivia a Senhorita Thompson para
poder escrever uma carta de agradecimento com o fim de
praticar sua caligrafia; esse último detalhe o tinha
acrescentado apressadamente quando suspeitou, com toda
razão, que ele estava a ponto de dizer que não outra vez. Ela se
precipitou escada abaixo quando estavam partindo e apareceu
no deserto comilão antes de dirigir-se ao balcão do botequim
para perguntar ao dono sobre o paradeiro da Senhorita
Thompson.
― Só quero dizer adeus, papai ― tinha explicado quando
se deu conta de que a ouviu por acaso.
Mas a dama se foi.
Talvez, pensava agora Michael, deveria haver permitido
cinco minutos para despedir-se. Sentiu-se estranhamente
cativado pela dama, e ela também parecia gostar. Tinha-o
proibido só porque não queria que sua filha se intrometesse na
intimidade dela? Se fosse honesto consigo mesmo, não deveria
admitir que teria estado envergonhado ao vê-la esta manhã?
Esse... beijo tinha aumentado de importância durante uma
noite de sonho perturbado. Isso, sem dúvida, tinha estragado o
que teriam sido lembranças de uma noite completamente
prazeirosa passada com uma acompanhante atrativa.
Robert subiu em seu regaço e bocejou. Todos os meninos
de cinco anos procuravam essa comodidade em um pai? Ou as
meninas para o caso? Parecia-lhe que Georgette, inclusive
quando era uma menina pequena, retorcia-se e queria baixar
pouco depois de que ele ou Annette tinham tratado de abraçá-
la.
Possivelmente deveria haver ficado em casa. Mas tinha
gostado da Duquesa de Bewcastle no momento em que dançou
com ela pela primeira vez em um grande baile em Londres, e
ela arrancou o amplo volante da parte inferior de seu vestido
com um forte som de rasgão, quando pisou na prega. Riu com
o que claramente era uma diversão genuína, definindo a si
mesma como uma torpe, recolheu o volante destroçado com
uma mão, revelando uma escandalosa parte de perna com
meias de seda enquanto o fazia, e se dirigiu para a sala de
retiro das damas como se tal problema fosse um acontecimento
diário. Quando tornou a encontra-la em um concerto privado,
ela o tinha convidado para sua festa campestre depois de
descobrir que tinha dois meninos pequenos e que poucas vezes
saía de casa com eles durante o verão. Lindsey Hall estaria
totalmente repleta de meninos de todas as idades durante duas
semanas completas, havia-lhe dito, e todos se divertiriam
enormemente. Ele tinha aceito o convite.
Embora tinha sido uma viagem muita longa e acabou com
uma tempestade inesperada. O duque e a duquesa os
receberam na grande sala medieval, e Georgette se animou um
pouco ante a vista das velhas bandeiras e as armas expostas
nas paredes e uma elaborada galeria de madeira lavrada para
os histriões em um extremo. Robert, como de costume,
escondeu-se dentro do casaco de Michael. Ele mesmo os levou
ao piso da creche em vez de passar-lhe à babá. A duquesa os
acompanhou.
― A chuva mandou todos os meninos ao interior ― disse
ela. ― Entretanto acredito que é só uma chuva, e não um
retorno das tormentas de ontem.
A grande sala escolar no piso da creche a que os conduziu
transbordava de meninos ruidosos e exuberantes, e Georgette
se entusiasmou ainda mais. A duquesa começou a identificá-
los.
― Embora será merecedor de algum tipo de medalha se os
recorda ― disse antes de ter chegado muito longe. ― Inclusive
eu tenho que me deter e pensar algumas vezes. Talvez deveria
ter tido etiquetas com o nome escrito para cada um deles e
colocadas a suas frentes. Esses são meus três filhos e os três
de minha irmã e todos os descendentes dos irmãos e as irmãs
do Wulfric, que faziam um total de quinze na última
recontagem, embora Raquel ― a esposa de Lorde Alleyne
Bedwyn ― aumentará esse número antes do Natal. E logo estão
os três do Marquês de Attingsborough, embora o maior não
está aqui neste momento. E estão os filhos de nossos outros
convidados, incluídos os seus dois.
― Ao menos ― disse ele ― recordarei dois nomes.
Ela riu.
― Não estarão confinados ao piso da creche durante as
próximas duas semanas, embora os adultos têm o trajeto do
parque para desfrutar de uma existência despreocupada e livre
de meninos ― disse. ― Com nosso primeiro filho, Wulfric e eu
decidimos que desfrutaríamos ao máximo de nossa família
antes de que cresçam e empreendam o vôo. Nossos filhos têm o
controle da casa durante a maior parte do tempo. Quando
outras pessoas nos visitam com seus filhos, aplica-se a mesma
regra… ou a falta de regras se o preferir. Alguns de nossos
hóspedes podem ficar consternados, mas não é necessário. Há
adultos em abundância, sem mencionar às babás e as
governantas, para entreter aos meninos e mantê-los vigiados. É
possível que o ruído seja ensurdecedor às vezes, mas pode
passar-se por alto.
Ele gostava da dama. Era certamente tão diferente de sua
idéia de uma duquesa como era possível ser. Era difícil vê-la
como a esposa do austero e altivo Duque do Bewcastle, com
seus frios olhos chapeados e seu onipresente monóculo. De
verdade Bewcastle permitia a seus filhos armar alvoroço em
sua casa? Isso devia ser visto para ser acreditado.
― Robert ― disse a duquesa, dirigindo-se à parte posterior
da cabeça de seu filho, que estava enterrada contra seu
pescoço ― tem quase seis anos, não? Pode ser a pessoa que
necessito. Há um menino de quatro anos ali, perto da janela,
que sem dúvida se vê muito infeliz porque não conhece
ninguém e é muito tímido para dar-se a conhecer. Temo que
não desfrutará de sua estadia aqui se alguém um pouco maior
não se fizer amigo dele. É possível que esse menino maior seja
você? Seria extremamente amável por sua parte, embora não se
sinta obrigado. Chama-se Tommy.
Por um momento, Robert não respondeu. Logo levantou a
cabeça e olhou para a habitação abarrotada, onde um pequeno
menino ruivo estava sentado no assento da janela, jogando com
tristeza com um pequeno veleiro.
― Irei contigo, Robbie, se quiser ― ofereceu Georgette.
Mas Robert pareceu não escutá-la. Ele não protestou
quando Michael o deixou no chão. Pôs-se a andar pela
habitação sem apartar os olhos do outro menino e se inclinou
sobre ele, com as mãos sobre os joelhos enquanto dizia algo,
como se fosse um octogenário que se dirigia a um bebê. Tommy
escondeu o queixo em seu peito antes de olhar para cima e
estender a mão que sustentava o navio de brinquedo para o
Robert, quem o examinou de perto, tocou-o e disse algo.
Sentou-se ao lado do Tommy, que agora o estava olhando
fixamente com os indícios ― certamente ― do culto ao herói.
― Isso esteve muito bem feito por sua parte ― disse
Michael. ― É anormalmente tímido.
― Posso vê-lo ― disse a duquesa com um sorriso. ―
Necessita a alguém mais jovem que ele a quem proteger. Estará
bem, Lorde Staunton. Não deve preocupar-se. Ah, aqui vem
Eleanor com Lizzie.
Ele olhou para a porta e viu uma jovem, que conduzia ―
ou era conduzida ― por um border collie branco e negro com
uma correia curta. Sua filha chiou antes de poder ver a mulher
que tinha entrado na habitação com ela.
― Senhorita Thompson! ― gritou Georgette… e correu
cruzando a habitação.
E, bom Deus, sem dúvida era ela. A Senhorita Thompson.
Eleanor.
― Sua filha conhece minha irmã? ― perguntou a duquesa.
― Estivemos apanhados juntos em uma estalagem ontem
― disse, olhando fixamente ao outro lado da habitação. ―
Georgette escapou de sua habitação e, antes de que
sentíssemos sua falta, deixou louca à Senhorita Thompson no
comilão enquanto ela tomava o chá. A dama é sua irmã? Foi
muito amável com minha filha.
Estava absurdamente encantado de vê-la de novo e só um
pouco envergonhado.
Ela estava olhando surpresa à figura de Georgette que se
aproximava, e logo seus olhos se encontraram com os dele por
um momento antes de que sua filha se jogasse em seus braços
e quase a derrubasse. Ele fechou os olhos brevemente.
A duquesa riu.
― Não desalente seu entusiasmo ― disse, lendo
corretamente sua expressão. ― Às vezes existe a estranha idéia
de que as damas perfeitas devem ser recatadas e que as
meninas devem ser educadas para aspirar tal perfeição.
A Senhorita Thompson, depois de ter sido liberada das
garras de Georgette, apresentava-a a sua jovem companheira,
que parecia alguns anos maior que sua filha.
― Ela é Lizzie ― explicou a duquesa ― a filha do Marquês
de Attingsborough. A marquesa estava acostumada a ensinar
com Eleanor em Bath. O cão é Horace. Ele a guia com apenas
algum tropeço ocasional, foi treinado desde o momento em que
ela o recebeu e ele a guiou de maneira espetacular uma tarde
pelo imóvel vizinho ao nosso quando havia ao menos uma
dúzia de adultos que supostamente a estavam vigiando.
Michael olhou mais atentamente.
― É cega? ― perguntou.
― Desde que nasceu ― disse. ― Mas às vezes quase se
esquece. Claudia e Joseph lhe dão toda a liberdade que
necessita para explorar seu mundo, e Claudia encontrou uma
maneira de educá-la para que possa viver uma vida tão rica
como qualquer outra pessoa.
― Não é fácil ser pai ― disse ele com grande falta de
originalidade.
― Não o é ― ela esteve de acordo ― e alguém deveria nos
advertir antes de nos lançar a esse estado com gozosa
ignorância. Baixamos a tomar o chá antes de que nos
ensurdeçam e levamos Eleanor?
― Papai ― chiou Georgette enquanto se aproximavam da
porta. ― A Senhorita Thompson está aqui. Não é a melhor
surpresa? E esta é Lizzie, e seu cão Horace e vai a todas parte
com ela porque é cega e ele atua como seus olhos. Não é
inteligente? Vou fazer-lhe um milhão de perguntas sobre ser
cega. Nunca antes tinha visto uma pessoa cega.
Michael fez uma careta de dor, mas Lizzie só riu.
― Nem eu tampouco ― disse ela. ― Não é gracioso? Nunca
conheci a ninguém mais que seja cego. Vamos a minha
habitação, onde haverá um pouco mais de silêncio?
― OH, sim, e talvez possamos ser amigas ― disse
Georgette, e se foram, agarradas do braço, o cão trotando ao
lado de sua proprietária.
Robert estava absorto com o navio que ele e Tommy faziam
navegar no assento que os separava, com suas cabeças quase
tocando-o.
― Senhorita Thompson. ― Michael sorriu à dama. ― Disse-
me que ia passar o verão com sua família. Disse-lhe que ia a
caminho a uma festa campestre. Acredito que nenhum dos dois
mencionou nenhum nome ou lugar, verdade? Estou encantado
de vê-la de novo, e penso que é possível que minha filha
também esteja muito contente, embora seja provável que você
não se deu conta.
Ela riu e... ruborizou-se?
― Estou encantada também ― disse. ― Há-te dito Lorde
Staunton que nos encontramos abandonados na mesma
estalagem ontem à noite, Christine? Foi o suficientemente
amável para me convidar para jantar com ele no único salão
privado disponível.
Michael ofereceu um braço a cada uma e caminharam
baixando as escadas. Ainda estava sorrindo quando entraram
no abarrotado salão um par de minutos mais tarde. Depois de
tudo, talvez tinha feito o correto ao vir aqui. E realmente não se
sentiu incômodo ao encontrar-se com a Senhorita Thompson
outra vez. Tinha enfatizado muito esse beijo acidental e a
atração que tinha sentido por ela no final da última noite.
E então seus olhos se posaram em duas damas
elegantemente vestidas do outro lado da habitação, a mais
jovem luzindo, sem dúvida muito atraente, um vestido de tarde
de cor amarela pálida.
Lady Connaught e a Senhorita Everly.
Bom Deus!
Seu sorriso se desvaneceu.

***

Lindsey Hall podia acomodar um grande número de


convidados e o tinha feito em várias ocasiões desde que
Christine se casou com o Duque de Bewcastle. Os três irmãos e
as duas irmãs de Wulfric estavam aqui com seus cônjuges e
suas crescentes famílias. Também estava toda a família de
Christine. E havia vários outros convidados, parentes e amigos.
Tinha convidado ao Conde do Staunton, explicou-lhes
Christine a Eleanor, Hazel e a sua mãe enquanto estavam
sentadas tomando café na acolhedora sala de estar ao lado do
dormitório da Senhora Thompson na manhã seguinte, porque
tinha olhos bondosos e ela tinha ouvido que trazia seus filhos a
Londres a cada primavera e lhes dedicava grande parte de seu
tempo livre, levando-os a lugares que lhes interessariam e
entreteriam.
― Mas me soou ― disse ela ― como se os meninos não
estivessem frequentemente em companhia de outros, e isso me
entristeceu. Triste por eles e triste por ele, porque acredito que
os adora. Disseram-me que também adorava a sua defunta
esposa, embora eu nunca a tenha conhecido.
― Pobre cavalheiro ― disse sua mãe.
Christine não tinha planejado atividades para cada
momento das duas semanas. Todos deviam sentir-se livre para
relaxar e desfrutar do verão em boa companhia, explicou no
jantar da noite anterior. Todos deviam ir e vir a seu desejo e
não sentir-se obrigados a fazer nada que prefiram evitar.
Entretanto, tendiam a mover-se em grupos. Na primeira
tarde, que era calorosa e ensolarada sem uma nuvem no céu,
alguém... ― Christine? A Marquesa do Hallmere, antes Lady
Freyja Bedwyn, irmã do Wulfric? ― tinha sugerido ir à colina
que descia em uma longa inclinação que ia do caminho do
páramo até quase a beira do lago, e meninos e adultos se
congregaram ali com o mais exuberante dos ânimos, embora
ninguém tinha explicado o que tinha de atraente uma longa e
alta colina.
Eleanor duvidava que Wulfric tivesse aberto sua casa a
muitas festas campestres antes de conhecer sua irmã, e ela
nunca o tinha visto nem divertir-se nem brincar desde então,
nem inclusive distrair-se o suficiente para sorrir, relaxar e
parecer como se estivesse se divertindo. Mas ao observá-lo
enquanto caminhava da casa para descobrir a que se devia a
agitação, pareceu-lhe que ele era feliz. Estava parado ao pé da
colina, com as mãos entrelaçadas às costas, os pés
ligeiramente separados, uma expressão austera na cara,
olhando aos meninos emocionados e gritões, incluídos dois dos
seus, rodando colina abaixo do mais alto.
Embora a pessoa a quem realmente estava olhando,
observou Eleanor enquanto se aproximava dele, era a
Christine, que se precipitava para baixo, com o corpo erguido,
os braços estendidos por cima da cabeça, o vestido dobrado
sobre os joelhos, gritando. Ela não era a única adulta
implicada. Freyja e dois de seus irmãos, Lorde Alleyne Bedwyn
e Lorde Rannulf Bedwyn, também eram parte da ação, para
grande diversão de seus próprios filhos e dos de outras
pessoas.
― Por que não poderia ter me casado com uma das
respeitáveis irmãs Thompson? ― perguntou Wulfric sem voltar
a cabeça.
Eleanor riu.
― Porque Hazel já estava casada e eu não teria aceito,
mesmo se tivesse perguntado ― disse.
― Isso é muito desalentador para minha auto-estima ― lhe
disse.
― Inclusive se tivesse perguntado é um ponto chave,
Wulfric ― disse. ― Só Christine te aceitaria. Admite-o. E isso foi
porque ela é como é.
Estava encantada ao ver que Robert Benning conduzia
pela mão, colina acima ao menino ruivo mais jovem com o qual
tinha estado jogando no quarto dos meninos ontem. Estava
inclinado ligeiramente para ele, como um pai que protege a seu
pintinho. E, curiosamente, outra criatura os alcançou
enquanto Eleanor os contemplava ― era Jules, filho do
Gervase, filho do Conde de Rosthorn, sobrinho de Wulfric ― e
agarrou a outra mão do Robert, sem dúvida vendo nele um
menino maior que era uma rocha de estabilidade. Georgette
também estava caminhando costa acima com Lizzie e o pai da
menina e falando animadamente com os dois.
― Muito certo ― disse Wulfric, vendo como Christine
apanhava a uma menina na parte inferior da colina e a fazia
girar em círculos, rindo e dando alaridos. A Condessa de
Rosthorn, a antiga Lady Morgan Bedwyn, irmã menor de
Wulfric, fazia quase o mesmo a curta distância com a jovem
Miranda Bedwyn, a filha de Lorde Rannulf. ― Vê-te... rendida,
Eleanor.
OH, que gracioso. Assim a via? Mas esses olhos chapeados
dele que não pestanejavam, tão desconcertantes para muita
gente, não perdiam nada. Ele os voltou agora para ela… e era
muito apropriado dizer que seus olhos eram como os de um
lobo.
― Porque não estou arriscando a vida e a integridade
rodando costa abaixo? ― perguntou ela, rindo de novo.
Ele não permitiu ser dissuadido,
― O que te preocupa? ― perguntou.
― Absolutamente nada, nada absolutamente ― disse ―
além de um pouco de cansaço depois de um período ocupado.
Ao redor deles, na cálida luz do sol, os hóspedes da casa
de todas as idades estavam jogando. Inclusive aqueles que não
estavam subindo laboriosamente a colina para se deixar cair
por ela, olhavam aos que assim o faziam e lançavam
comentários, ânimos, risadas, assobios e aplausos e, em
alguns casos, atendiam golpes e machucados e lágrimas
tranquilizadoras. Mas a austera atenção do Duque de
Bewcastle estava centrada por completo em sua cunhada.
― Não é tão feliz ― disse ― como esperava ser. ― Não foi
uma pergunta.
― OH, amo minha escola ― protestou, com bastante
sinceridade ― e amo as minhas colegas professoras, cada uma
das quais tem tanto a habilidade como o entusiasmo e a
compreensão que espero delas. Amo a minhas garotas, da mais
altiva e mais odiosa das ricas às mais mal-intencionadas e
mais beligerantes das causas caridosas. Amo o que faço. Me
importa.
― Mas? ― Levantou uma eloquente sobrancelha.
Ela suspirou.
― Mas…
― Bewcastle ― disse uma voz estridente, e Lady
Connaught andou majestosamente até seu lado, vestida com
todo o esplendor que poderia ter usado no Bond Street, em
Londres, ou em um passeio pelo Hyde Park na hora da moda
pela tarde. As plumas balançavam por cima da asa adornada
com flores de seu grande chapéu. Sua filha estava com ela,
vestida como para uma festa no jardim de Richmond, com seu
braço engrenado com o do Conde de Staunton. ― Que delicioso
é ver todos os queridos meninos divertindo-se, embora esteja
surpresa de que lhes permitam expor-se a tal perigo. Também
me surpreende que as mães das meninas lhes permitam
comportar-se mais como meninos mau criados que como as
jovens damas à que devem aspirar ser quando crescerem.
Surpreende-me que não os envie com suas babás a um lugar
não tão próximo à casa. Seus gritos eram audíveis logo que
saímos ao exterior.
De repente Wulfric foi todo fria altivez. Seu monóculo
estava em sua mão e o elevou até a metade de seu olho.
― Está surpresa, madame? ― perguntou. ― Se realmente
houver perigo, é leve e há muitos pais carinhosos para lutar
com os joelhos raspados e os narizes golpeados. Em minha
experiência, as garotas exuberantes frequentemente se
convertem em damas perfeitamente encantadoras e bem
educadas. Minhas irmãs são um exemplo, como o é Sua Graça.
E por que, em um dia de verão, quando os meninos se divertem
tanto, o prazer de vê-los e escutá-los e inclusive, em alguns
casos, de unir-se a seus jogos deveria estar reservado a suas
babás? Não parece muito justo.
O que tampouco era de tudo justo, pensou Eleanor com a
maior satisfação, era que ninguém podia discutir com Wulfric…
exceto Christine. Lady Connaught se retirou a um silêncio
digno.
Os olhos de Eleanor se encontraram com os do Conde de
Staunton. Tinha reconhecido o nome da Senhorita Everly logo
que o escutou ontem, e o de Lady Connaught também. A
impressão que tinha tido na estalagem durante o jantar de que
estava cortejando à Senhorita Everly tinha sido bastante
correta. Era esquisitamente encantadora, e parecia ser toda
doçura e simpatia com covinhas. Eleanor não se entusiasmou
com ela. Havia algo em sua doçura e algo em seu sorriso...
Poderia ser que estivesse um pouco ciumenta? Eleanor tinha
perguntado a si mesma ontem e agora perguntava a si mesma
de novo. Que ridículo de sua parte, sentiu-se mais que nunca
envergonhada dessa noite quase sem dormir enquanto revivia
um beijo que não tinha sido um verdadeiro beijo.
Lhe devolveu o olhar com olhos inexpressivos.
― Talvez, madame, ― estava dizendo Wulfric ― posso
acompanhá-las de retorno à casa e tomar chá e pão-doce no
terraço. Estará mais tranquilo ali. Acredito que minha sogra
planeja sentar-se ali à sombra com alguns de meus outros
convidados.
Mas ela não aceitou sua oferta. Em lugar disso, voltou sua
atenção para a Eleanor.
― Estaria agradecida se a Senhorita Thompson passeasse
pela beira do lago conosco ― disse.
Eleanor a olhou com surpresa. Tinha pensado para si
mesmo que não tinha despertado a atenção de tão grande
dama.
― Obrigado. Isso seria agradável ― mentiu.
― Deve ser muito gratificante para você, Senhorita
Thompson ― disse Lady Connaught enquanto os quatro
partiam ― que sua irmã tenha conseguido apanhar o maior
prêmio matrimonial da Inglaterra faz alguns anos. É um
prêmio para você poder presumir de que o Duque de Bewcastle
seja seu cunhado.
― De fato o é, madame ― disse Eleanor. ― Estou
encantada de presumir de meus dois cunhados porque fazem
que minhas irmãs sejam tão felizes como minhas irmãs fazem
que eles o sejam.
― Deve ser um motivo de pesar para você ― disse Lady
Connaught ― que não pudesse fazê-lo igual para você mesma.
Entretanto, sua perda é possivelmente nosso ganho. Você é
proprietária e administradora de uma escola para meninas em
Bath, correto.
― Em efeito ― disse Eleanor e olhou ao conde. Ela não
tinha contado quando jantaram, só lhe disse que era
professora. Ele sorriu, e sua respiração ficou apanhada de
maneira irritante em sua garganta.
Lady Connaught tomou fôlego para dizer algo mais, mas
foram interrompidos por Georgette, que tinha vindo correndo
do pé da colina para jogar-se sobre Eleanor, tal como o tinha
feito ontem no quarto dos meninos. Seu vestido estava coberto
de diversos restos e salpicado de manchas de erva. Seu cabelo,
atado precariamente detrás de sua cabeça, estava entretanto
desalinhado e generosamente decorado com ervas e raminhos.
Havia um risco de sujeira e um ligeiro arranhão lhe cruzando
uma das bochechas. Suas mãos estavam sujas. Seus olhos
brilhavam. E sua boca estava, é óbvio, em movimento.
― Senhorita Thompson, ― gritou ― o viu? Viu-o, papai?
Acabo de rodar pela colina pela sexta vez. Do topo sempre
parece aterrador, mas é a melhor diversão de todos os tempos.
Lizzie veio comigo três vezes, embora a primeira vez seu papai
teve que vir também. Vê? Aí está sua mamãe abraçando-a e
seu cão lhe lambendo a mão. Ela é cega. Sabia disso? Mas é
obvio que sim. Esteve com ela ontem. Ela está cheia de
coragem, não é assim? E Robbie, viu Robbie? Viu-o, papai?
Olhe, está se preparando para baixar de novo. A duquesa
esteve positivamente inspirada quando o enviou a cuidar do
Tommy ontem, vá que sim, porque agora tem um grupo inteiro
dos menores pensando que é muito grande e que querem ser
seus amigos. Apenas me olhou em toda a tarde. OH, aqui vem.
Não lhe faz bem ao coração, papai?
Enquanto ela estava falando, tinha pego a mão de Eleanor
com uma das suas e estendido a outra para tomar a de seu pai.
Agora estava quase saltando acima e abaixo entre eles e rindo
quando Robert conduziu sua pequena turma colina abaixo.
― Sim que o faz ― disse o conde. ― Estou muito feliz,
Georgette, de que ambos estejam se divertindo tanto. Serei
ainda mais feliz quando recuperar suas maneiras de onde seja
que as tenha colocado e faça uma reverência a Lady Connaught
e a Miss Everly.
― OH. ― Ela fez uma reverência que abrangeu a ambas.
― Querida Lady Georgette ― murmurou a Senhorita
Everly, forçada de algum modo por sua acompanhante.
― Talvez seja algo bom que não tenha mamãe neste
momento, Georgette ― disse Lady Connaught, sorrindo com
indulgência. ― Sem dúvida estaria envergonhada de que fosse
sua filha.
Toda a luz se apagou na menina, e seu agarre na mão de
Eleanor se afrouxou.
― Minha mamãe jamais teria ficado envergonhada de mim
― disse quase em um sussurro.
― Isso é porque ela a teria adestrado para que se
comportasse como uma dama adequada ― disse a Senhorita
Everly com doçura. ― E então teria estado orgulhosa de você.
― Eu... ― começou Georgette.
― Acredito que Lizzie está te esperando, Georgette ― disse
o conde. ― Vá e se divirta com ela e os outros meninos.
A menina o olhou e logo a Eleanor, sua luz ainda
atenuada, seus olhos brilhando com o que poderiam ser
lágrimas. Eleanor sorriu.
― Tenho inveja, devo confessar ― disse. ― A duquesa,
minha irmã, tem coragem de baixar rodando pela longa colina,
mas temo que eu fique covardemente no topo e logo pensarei
em uma desculpa para descer pelo caminho tranquilo, pelo
atalho do páramo.
― Estou orgulhoso de que minha filha tenha mais coragem
― disse o conde, também sorrindo. ― Vai-te, Georgette. E trata
de deixar ao menos um pouco de erva na colina, certo?
Ela por fim soltou suas mãos depois de olhar seriamente a
cada um deles, e saiu correndo para reunir-se com sua nova
amiga.
― Senhorita Thompson ― disse Lady Connaught ―
possivelmente possa entender por que Lorde Staunton
necessita desesperadamente de seus serviços… se é que sua
escola é o suficientemente estrita com as meninas que são
difíceis.
O interesse da dama por ela ficava explicado. Eleanor era
quem ia tirar a precoce filha do Conde de Staunton de suas
mãos para que a Senhorita Everly, como sua nova esposa, não
tivesse que preocupar-se com ela. Sem dúvida, estavam
elaborando outros planos para o futuro de Robert também. OH,
não era de sua incumbência, pensou Eleanor enquanto
avançavam. Exceto que estava sendo arrastada ao plano, o que
possivelmente seria a melhor opção para Georgette se seu pai
realmente se casava com a Senhorita Everly. OH, estava louco?
― Não descreveria Georgette como difícil, madame ― disse
o Conde de Staunton ― só por ter uma exuberância de espírito
maior que a habitual e uma curiosidade insaciável pelo mundo
que a rodeia.
― Quase todas as garotas são difíceis ― disse Eleanor,
seguindo o caminho indicado pelo olhar de recriminação dele.
― Crescer é difícil. Em minha escola sempre me preocupam
mais as garotas que não são difíceis. Tento descobrir o que é
que lhes passa. Quanto ao rigor, bom, é uma palavra que se
pode definir de muitas maneiras. Tentamos, minhas
professoras e eu, manter os castigos duros ao mínimo, a
experiência nos ensinou que frequentemente não têm nenhum
efeito permanente de proveito. Por outro lado, para nossa
própria tranquilidade mental e para o bem-estar de nossas
garotas, não podemos permitir a anarquia. O ensino é difícil e
possivelmente uma das carreiras mais prazenteiras e
gratificantes.
A caminhada não durou muito. Nem Lady Connaught nem
sua filha pareciam pensar que valia a pena havê-la conhecido
depois de tudo, pensou Eleanor com certa diversão… ou com o
que teria sido divertido se não se sentisse meio doente de
apreensão por esses pobres meninos.
E se não tivesse sentido vontade de sacudir a seu pai até
que seus dentes tocassem como castanholas.
CAPÍTULO 5

Pelo bem de seus filhos, alegrava-se de ter vindo, decidiu


Michael depois da primeira semana da festa campestre.
Estavam tendo o melhor momento de suas vidas. Georgette
tinha feito amizade com Lizzie e com Becky, a filha adotiva de
Lorde Aidan Bedwyn, e de algumas das outras garotas
maiores. E era livre para continuar com essas amizades e ser
uma menina despreocupada de dez anos, porque Robert não
necessitava seu amparo constante. OH, ele ainda corria para
esconder-se se um adulto ou um menino maior mostrava sinais
de chamar sua atenção, mas tinha reunido a seu redor um
pequeno grupo de meninos pequenos que o consideravam um
líder, e brincava todo o dia com eles. Às vezes, entretanto,
necessitava que um adulto observasse alguma façanha que
estava a ponto de realizar ― flutuar no lago sem que ninguém o
sustentasse, por exemplo ― ou olhar algo que tinha encontrado
― uma joaninha em concha em sua palma, talvez ― e então
chamava a gritos tanto à Senhorita Thompson como a seu
papai. Uma vez, quando todos retornavam de um picnic depois
de algumas horas de jogo vigoroso do outro lado do lago e
estava cansado, Robert tomou a mão dela quase
distraidamente, ao que parecia, e andou todo o caminho de
volta à casa com ela, tal como poderia ter feito com sua mãe, se
estivesse viva.
Michael também poderia ter desfrutado da festa com puro
prazer por sua própria conta se não fosse por uma questão. A
casa era cômoda, o parque que a rodeava era espaçoso, o clima
perfeito, a companhia agradável, as atividades variadas.
Sempre tinha considerado os Bedwyns como uma família
arrogante, distante e formidável, inclusive fria. Mas quando se
inundou em sua companhia, como tinha estado durante a
última semana, tinha descoberto seu lado mais humano e
realmente gostava. Tinham personalidades fortes e uma
energia ilimitada, mas todos eles, com a possível exceção do
próprio Bewcastle, também transmitiam uma grande sensação
de alegria. Todos pareciam ter contraído matrimônios felizes e
adoravam a seus filhos e aos dos outros… também aos filhos
de todos os outros convidados. E inclusive Bewcastle,
descobriu Michael com interesse, estava profundamente
comprometido em uma relação amorosa com sua improvável
duquesa e olhava a seus filhos em momentos de descuido com
certa luz em seus olhos chapeados que proclamava seu amor
por eles.
O único feito que danificava o prazer de Michael era o fato
de que, deve ter dado uma impressão equivocada em Londres
de que cortejava formalmente à Senhorita Everly. Ela e sua
mãe pareciam ter sido convidadas por causa dessa impressão,
já que não podia pensar em nenhuma outra razão pela que
estivessem aqui. E outros os estavam vendo como um casal.
Várias vezes outro convidado tinha abandonado o assento
junto a ele para deixar espaço à Senhorita Everly, ou se tinha
afastado quando estavam ao ar livre para permitir que a
tomasse pelo braço. As boas maneiras lhe impediam de
rechaçá-la… mas, de todos os modos, por que ia fazê-lo? Lhe
tinha gostado no princípio da temporada, tinha-a eleito porque
lhe chamou a atenção, embora não mais do que tinha feito com
algumas outras jovens damas. Mas muito temia que estava
sendo manipulado para fazer uma oferta que realmente não
desejava fazer.
Sentir-se-ia tão desconcertado, pensava, se não tivesse
conhecido à Senhorita Thompson e se não tivesse sido evidente
para ele que era muito mais adequada para cuidar de seus
filhos que uma jovenzinha que mal tinha abandonado a sala de
aula e ainda completamente sob o controle de uma mãe
dominante e ambiciosa? E não lhe tinha ocorrido que, além das
necessidades de seus filhos, sentir-se-ia mais cômodo com uma
mulher mais próxima a ele por sua idade?
Estava pensando muito frequentemente em Eleanor
Thompson. Encontrava-se procurando-a ao seu redor durante
o dia e se sentia decepcionado se não podia vê-la, e estava
muito consciente dela quando podia. Era um tema
inteiramente dele. Ela não fez absolutamente nada para atrair
sua atenção ou buscá-lo. Não tinha trocado nenhuma palavra
com ela desde aquele espantoso passeio junto ao lago há uma
semana. Quando falaram, tinha sido quase exclusivamente em
presença de seus filhos, a quem tratava com grande bondade e
paciência apesar de sua afirmação de que não era boa com os
menores.
E aí estavam seus olhos sorridentes e as tênues linhas de
risada em seus cantos, e seu porte tranquilo e digno, e sua
elegância discreta. E... Porra, gostava apesar de que se sentia
culpado cada vez que se via tentado a procurar sua companhia,
como se estivesse sendo infiel à Senhorita Everly… um
pensamento completamente ridículo. Ele não se comprometeu
de maneira nenhuma com a jovem. Ele não a tinha convidado
para estar ali. E estava profundamente ofendido pelo que Lady
Connaught tinha tentado fazer aquela tarde, quando convidou
primeiro a ele e logo à Senhorita Thompson para caminhar com
elas. Estava furioso pela lembrança de quando disse a
Georgette que Annette teria se envergonhado dela.
O assunto entrou em crise uma tarde em que quase todos
estavam reunidos no amplo jardim ao oeste da casa, alguns
sentados, outros passeando, um grande grupo jogando um
animado jogo de cricket. A duquesa estava jogando um jogo
circular com um exército de meninos pequenos, algo que
implicava mãos unidas e muitos cantos e quedas com gritos de
alegria. Michael tinha estado falando um momento com Lorde
Rannulf Bedwyn e a Condessa do Rosthorn, sua irmã, e com
Kit Butler, o Visconde Ravensberg, um conhecido dela e a
esposa de Kit, que tinha vindo com seus filhos de Alvesley, o
imóvel vizinho. Deixou-os para vigiar ao Robert, que estava em
uma das equipes de cricket com dois de seus jovens amigos. A
Senhorita Thompson estava passeando a certa distância com
Bewcastle. Olhou ao seu redor em busca de Georgette. Ela não
estava nem com Lizzie nem com Becky. Becky estava pronta
para bater com o cricket e Lizzie estava sentada na erva perto
de sua mãe e seu pai, balançando seu irmãozinho adormecido
em seus braços.
E logo a viu. Estava sentada com as pernas cruzadas ―
com as pernas cruzadas, Georgette? ― na erva olhando a Lady
Connaught e a Senhorita Everly, que ocupavam duas cômodas
cadeiras que tinham levado da casa. Sua primeira reação foi de
alarme por ela, mas não parecia nem apanhada nem mal-
humorada. Tampouco estava escutando em silêncio. Estava
falando animadamente e parecia bastante feliz consigo mesma.
Que diabos? Ele correu em sua direção.
― Sim ― dizia ela ― vai ser nossa nova mamãe, e Robbie e
eu mal podemos esperar. Amamo-la muito.
Muito?
― De verdade? ― Lady Connaught injetou um mundo de
significado nessas palavras. ― E devemos esperar um anúncio
de compromisso a curto prazo?
― OH ― disse Georgette, sorrindo radiantemente ― não lhe
perguntou ainda. Está esperando o momento adequado. Mas é
só uma questão de... ― Mas ela o tinha visto, e o que tinha
estado a ponto de dizer ficou para sempre sem dizer. Saudou-o
com esse amplo sorriso dela que reconhecia o fato de que sabia
que se colocou em um grande problema. ― OH, aí está, papai.
― Aqui estou ― concordou. ― E a pobre babá necessitaria
uma forte dose de sais aromáticos se te visse sentada dessa
maneira para que o mundo inteiro te veja.
― OH, não todo mundo, papai ― disse, embora ficasse de
pé e alisou o vestido. ― Devo ir procurar por Lizzie. OH, ali está
ela com o bebê, irei abraçá-lo um momento. Sua mamãe e seu
papai me permitirão isso. ― E se foi, deixando atrás o
desastre… ou ao menos uma vergonha colossal.
― Entendo ― disse Lady Connaught com terrível cortesia
enquanto sua filha olhava as mãos em seu colo e alisava a luva
de uma mão com os dedos da outra ― que as felicitações logo
serão necessárias, Lorde Staunton.
Ficou as olhando, com as mãos juntas nas costas.
Estavam um pouco separadas de todos os outros, já que
tinham movido suas cadeiras à sombra de um velho carvalho.
Sempre pareciam estar um pouco separadas dos outros.
― Escutei só a parte final do que minha filha tinha que
dizer ― disse. ― Interessar-me-ia saber a identidade da nova
mamãe que ela acredita que está a ponto de ter. ― Embora
suspeitasse que sabia a resposta.
― A Senhorita Eleanor Thompson ― disse ela ― que adotou
idéias acima de sua posição, embora sua irmã foi
suficientemente inteligente para pescar um duque para si
mesmo.
― Acredito, madame ― disse ― que a Senhorita Thompson
estaria tão surpresa de escutar as notícias como eu.
Ela o olhou com dureza enquanto a Senhorita Everly
trocava de mãos para alisar a outra luva.
― Talvez, Lorde Staunton ― disse Lady Connaught ― é
hora de que se faça algum anúncio. Ou talvez esteja em sua
natureza andar com demoras. Parece que ainda não é concreta
a idéia de enviar sua filha a uma escola onde seu
comportamento escandaloso será tomado em conta antes de
que seja muito tarde. E ainda não deu o passo que todo o beau
mounde esteve esperando a qualquer momento desde a Páscoa.
Sou uma mulher paciente, mas no que a minha filha concerne,
minha paciência tem seus limites.
E Michael soube em um instante que sua consciência
estava tranquila. Sim, tinha pretendido à Senhorita Everly
durante a temporada, mas nunca em tão notável grau como
para que seu interesse se considerasse em geral como um
noivado. Várias vezes, quando tinham estado no mesmo teatro
ou em um picnic, não tinha sido obra dele, precisamente como
o fato de que estivessem juntos aqui não tinha nada que ver
com ele. Tinha admirado a jovem dama, inclusive a tinha
considerado como uma possível esposa, mas nunca tinha
estado perto de declarar-se ou comprometê-la. Nunca tinha
estado a sós com ela nem muito menos lhe tinha beijado o
dorso da mão, se a memória lhe funcionava corretamente. Mas
bem, tinha sido açoitado, persistente e implacavelmente. Jogou
uma olhada à Senhorita Everly, que olhava para o jogo de
cricket com uma ligeira expressão de desprezo em seu rosto.
― A Senhorita Everly é afortunada de ter uma mãe tão
dedicada a seu bem-estar, madame ― disse. ― Como pai, posso
entendê-lo bem. Entretanto, prestar a devida atenção às
decisões que afetarão à totalidade do futuro de uma filha não é
andar com demoras em meu vocabulário. Meu mais profundo
desejo é fazer o correto para a felicidade futura de meus dois
filhos, mas nem sempre é fácil saber exatamente o que é o
correto. Até que saiba, não atuarei. Quanto às expectativas que
a sociedade possa ter de mim, madame, não sei quais poderiam
ser e normalmente não permito que minhas ações sejam
ditadas por outros de todos os modos. Sou um viúvo com dois
filhos, e a felicidade desses meninos sempre deve estar em
primeiro lugar para mim, inclusive antes de minha própria
inclinação, se alguma vez houvesse um conflito. Felizmente,
não acredito que isso tenha acontecido ainda.
― Acredito, Lorde Staunton ― disse Lady Connaught ― que
você deixou perfeitamente claro. Minha filha esteve muito
solicitada este ano. Depois que termine esta festa campestre,
estaremos de caminho para a da Marquesa de Borgland. Seu
filho, o marquês ― seu pai morreu faz dois anos, como
recordará ― lhe pediu especialmente que fôssemos convidadas.
Acredito que será uma reunião mais exclusiva e refinada que
esta, com os meninos ― se é que há algum ― confinados muito
corretamente na sala de aula e aos cuidados de suas babás.
Aceitamos o convite de vir aqui só porque a Duquesa de
Bewcastle foi insistente, mas suas humildes origens foram
evidentes durante toda a semana, não é certo? Esteve muito a
beira da vulgaridade. Apenas posso compadecer do pobre
duque.
Robert ainda estava no meio da multidão do grupo que
jogava cricket, Michael o viu com uma rápida olhada, e
Georgette estava sentada na grama junto a Lizzie, com o bebê
do Attingsborough, agora acordado, em seu colo. Ele tinha um
punhado de seu cabelo em sua mão gordinha e ela estava
fazendo caretas e rindo. A Senhorita Thompson e Bewcastle
havia retornado de seu passeio e se dirigiam diretamente para
eles. Michael se fez a um lado para inclui-los no grupo.
― Madame, Senhorita Everly ― disse Bewcastle, dirigindo-
se a ambas as damas ― minha opinião sempre foi que os
meninos pequenos só são capazes de expressar sua
exuberância com estridentes gritos e chiados. É
extraordinariamente cortês de sua parte ter saído aqui fora
com o resto de seus acompanhantes para que lhes assassinem
os ouvidos. Já tentaram caminhar pelo páramo? Não é tão
árduo como parece, e oferece uma série de paisagens muito
agradáveis e uma adequada medida de paz e tranquilidade.
Será um prazer mostrar a vocês.
Michael tinha notado durante a semana que Bewcastle
nunca se unia aos jogos, como todos seus irmãos e irmãs o
fizeram em ocasiões, mas sempre foi o anfitrião perfeito,
enfocando infalivelmente a atenção sobre qualquer convidado
que por algum motivo não formasse parte de um grupo maior.
Lady Connaught, claramente satisfeita, ficou de pé e o pegou
pelo braço. Ofereceu o outro à Senhorita Everly e partiram para
o atalho do páramo. A Senhorita Thompson se girou para
afastar-se.
― Senhorita Thompson ― a chamou Michael. Ela se deteve
e se voltou para olhá-lo, e ele sentiu um súbito aumento de
ânimo ao dar-se conta de que acabavam de lhe tirar uma
grande carga dos ombros. ― Seu cunhado tinha razão,
verdade? ― Fez uma careta quando alguém golpeou a bola de
cricket com um forte rangido, lançando-a alto e longe, e a
equipe do rebatedor e seus seguidores assobiaram e
aclamaram grosseiramente. ― O ruído é ensurdecedor.
Gostaria de dar um passeio pelo lago?
Talvez não lhe interessasse nada disso. Acabava de
retornar de uma caminhada com o Bewcastle e poderia estar
desejando sentar-se. Ela não respondeu imediatamente. Mas
logo seus lábios se curvaram em um sorriso.
― Sim. Obrigado ― disse, e lhe ofereceu seu braço.

***

Wulfric não tinha tido pressa em toda a semana por reatar


a conversa interrompida com Eleanor. Tampouco ela. Seria
melhor deixá-lo, tinha decidido ela, até depois que terminasse a
festa campestre. Mas hoje, quando quase todos estavam
instalados na grama do lado oeste, desfrutando do sol, dos
jogos e da companhia de outros, ele tinha sugerido dar um
passeio antes de conduzi-la o suficientemente longe da reunião
para assegurar uma conversa ininterrupta.
― Acredito que sua última palavra foi “mas” ― disse e ela o
olhou e riu. ― Tinha terminado de fazer um apaixonado
discurso de amor por sua escola, por tudo e por todos dentro
de seus muros. Assegurou-me que o que faz importa. E logo
chegou o “mas” um momento antes de sermos interrompidos. A
gente poderia te chamar de amante da incerteza.
― Sua memória é muito aguda, Wulfric ― disse.
― Continua onde o deixou, por favor ― disse. ― Há uma
certa... tristeza em ti, Eleanor, que preocupa Christine e,
portanto, a mim. O que é, minha querida?
Ela o olhou fixamente. Wulfric não estava acostumado a
ser generoso com as palavras carinhosas. E era certo que
Christine estava preocupada com ela?
― Temo que devo te decepcionar ― disse. ― Temo que
pense que careço de perseverança e conhecimento do que
quero da vida. Temo que pense que sou uma fracassada.
― E minha opinião é importante para ti? ― perguntou ele.
Ela suspirou.
― E a opinião de mamãe e a de Hazel e a do Charles e a de
Christine também ― disse. ― Mas sobre tudo a tua porque
investiu em mim. ― Também porque, apesar de si mesmo,
tinha um pouco de medo, tal como tinha todo mundo, suspeito,
exceto sua irmã.
― Será melhor que me conte ― disse isso.
― Tudo o que te disse sobre minha escola, as professoras e
as meninas é verdade ― lhe disse. ― Mas... foi um engano
assumir o controle tão impulsivamente depois que Claudia se
casou com o Marquês de Attingsborough. Vá, já o hei dito. Não
me diverte a administração, o negócio, a responsabilidade, a...
solidão. E estive tão imensamente cansada. E sim, infeliz.
Cometi um engano, mas você acreditou em mim e fez que o
obtivesse com seu empréstimo.
A compra da escola não era o único engano que tinha
cometido, temia. Ela tinha arruinado toda sua vida adulta
desde a morte de Gregory. Orgulhou-se de ser essa mulher que
se mantinha firme em sua dor pela perda do amor de sua vida.
Tinha vivido de acordo com essa decisão, inclusive depois que a
crueldade da dor tinha passado e inclusive sua melancólica
repercussão se suavizou. Algumas vezes tinha tido que avivar
suas lembranças. Algumas vezes não tinha pensado nele
durante dias, inclusive talvez durante semanas. Algumas vezes
não podia recordar nem seu rosto nem sua voz. Enquanto isso,
tinha perdido sua juventude, sua oportunidade de encontrar
outra pessoa pela que pudesse sentir afeto, embora não fosse a
paixão de seu jovem amor, sua oportunidade de casar-se e ter
filhos próprios. Ela tinha estado orgulhosa de sua devoção a
uma lembrança. Entretanto, agora sua luta contra a solidão
era quase constante. Seu quadragésimo aniversário estava se
aproximando sigilosamente com muito pouco para mostrar
durante todos esses anos. E agora se apaixonou de novo… por
um homem que provavelmente ia se casar com uma jovem
dama bastante indigna dele.
― Foi um presente ― disse Wulfric. ― E não me arrependo
de lhe dar isso nem te culpo, Eleanor. Às vezes, nossos sonhos
nos levam na direção equivocada e seria parvo continuar
perseguindo-os por pura teimosia ou por medo de decepcionar
a outros. Há outros sonhos esperando ser sonhados… os
sonhos corretos, os que levarão a satisfação.
Ela girou sua cabeça para olhá-lo com um pouco de
surpresa. Nunca antes o tinha escutado falar assim.
Ele encontrou seu olhar.
― Sou um homem feliz, Eleanor ― disse. ― Também quero
sua felicidade, não seu medo de me decepcionar. Certamente
não pode duvidar que sua mãe e também suas irmãs só
desejam sua felicidade.
Ela respirou lentamente.
― Tenho uma compradora em potencial ― disse. ― Se
vendo, devolverei seu empréstimo, Wulfric, embora não te
insultarei oferecendo nenhum interesse.
― E o que vais fazer depois? ― perguntou. ― A nova
proprietária deseja que continue como professora?
Ela não tinha permitido a sua mente expor essa pergunta.
Não estava segura da resposta. Nem sequer estava segura de
ser capaz de recuperar o prazer que havia sentido como
simples professora na escola.
― Não sei ― disse ela.
― Sua mãe e Christine estariam entusiasmadas de te ter
vivendo aqui ― disse. ― Também me agradaria.
― Obrigado ― disse ela. ― Wulfric, sinto muito. Sinto-me
tão... derrotada.
― Só você pode lutar com esse demônio ― disse ele.
Tinham retornado gradualmente aonde todos os outros
estavam reunidos. ― Christine está lutando com um par de sua
própria colheita. Foi habilmente manipulada para convidar
Lady Connaught e sua filha, mas ela jura que teria resistido até
a morte se não tivesse acreditado que Staunton estava
cortejando à filha. Está tão claro a seus olhos, como está aos
de Christine e aos meus, que ele está tratando
desesperadamente de não fazê-lo, mas acaso é muito cavalheiro
para ser firme com elas? A mãe é horrorosa, verdade? A gente
só pode esperar que o homem com o que a filha finalmente se
case será capaz de arrancar sua esposa ― e a ele mesmo ― de
sua perniciosa influência. Entretanto, enquanto estão em
minha casa devem ser tratadas como convidadas bem-vindas e
valoradas. Pensa que o passeio pelo páramo será muito para
elas?
Estava tão claro a seus olhos? Talvez seus olhos estavam
nublados por sua ansiedade pelo futuro dos filhos do Conde de
Staunton. OH, e por seus próprios sentimentos inapropriados
para ele. Ela também poderia ser honesta ao menos dentro dos
limites da própria mente. Ele estava tratando de evitar à
Senhorita Everly?
― Não se você as acompanha ali ― disse. ― Irão vê-lo como
um reconhecimento de sua superioridade sobre todos seus
outros convidados.
― Muito certo ― esteve de acordo, e alguns minutos mais
tarde as estava levando, com uma dama em cada braço, e
Eleanor começou a afastar-se um pouco confusa quando se
deu conta de que tinha ficado a sós com o Conde de Staunton,
um pouco separados de todos os outros.
― Senhorita Thompson ― disse, detendo-a. E, OH, ela
soube quando lhe devolveu o olhar que estava fazendo
exatamente o que Wulfric tinha sugerido que fizesse. Ela estava
sonhando outro sonho. Muito bobamente. Muito
imprudentemente. Entretanto, por desgraça, os sonhos
pareciam estar mais à frente do controle de sua mente racional.
Logo estava caminhando, afastando-se da multidão de
novo, para o lago desta vez, e pelo braço do Conde de Staunton.
CAPÍTULO 6

― Meus filhos lhe tomaram carinho ― disse enquanto


girava seus passos em direção ao lago. ― Espero que não
tenham estado lhe enlouquecendo. ― E esperava
fervorosamente que Georgette não houvesse dito a ela, como
havia dito a Lady Connaught e à Senhorita Everly, que ia ser
sua nova mamãe, que era só questão de tempo antes de que ele
chegasse a pedir-lhe.
― Comoveram-me ― disse. ― Embora amo aos meninos
pequenos, nunca me considerei tão hábil com eles como são
minhas irmãs.
― Mas me atrevo a dizer ― disse ― que elas nunca foram
tão hábeis com os meninos maiores como é você.
― Você é muito amável ― disse ela. ― Seu filho está se
divertindo, verdade? Alguma vez teve meninos menores que ele
com quem jogar?
― Todos seus primos e todos os filhos de nossos vizinhos
mais próximos são maiores ― disse. ― O jovem Tommy foi um
presente do céu. Ele e alguns outros pirralhos vêem o Robert
como um menino maior e audaz que se dignará a jogar com
eles. E acredito que ele está vendo a si mesmo através de seus
olhos.
― Ontem ― disse ela ― quando vários de nós subimos essa
loucura de torre do caminho do páramo, ele me agarrou pela
mão para me ajudar a subir as tortuosas escadas e logo
assinalou para minha instrução, todos os pontos de referência
que podíamos ver de cima.
Ele se perguntou por que ela nunca se casou. Tinha sido
por escolha? Por falta de oportunidade? Por não estar disposta
a casar-se com qualquer um para não terminar como uma
solteirona? Resistiu por amor ou algum outro ideal que alguma
vez lhe tenha acontecido?
― Sinto ― disse ele ― por esse encontro com Lady
Connaught à semana passada. Tratou-a como a uma inferior
que poderia ser útil para ela. Alegro-me de que a tenha posto
em seu lugar.
― Fiz? ― Ela girou sua cabeça para olhá-lo, mas não falou.
Estavam cruzando o caminho da entrada antes do grande
maciço circular de flores e se detiveram para olhar para a fonte.
Lorde Aidan Bedwyn tinha explicado ao conde como funcionava
para poder disparar água a tamanha altura. Era um
mecanismo bastante engenhoso.
― Quase me decidi ― disse ― não enviar Georgette à
escola. Ainda não, de todos os modos, e nunca só porque seria
mais conveniente para mim, tê-la fora do caminho. Vou refletir
sobre o tema cuidadosamente durante o próximo ano, ou dois,
e consultarei seus desejos. Teve uma preceptora desde que
tinha seis anos, embora temo que superou sua professora em
conhecimento acadêmico faz algum tempo e nunca esteve
muito influenciada por ela de todas as formas. Felizmente, a
dama renunciou em Londres faz um mês para casar-se com
um advogado. Procurarei outra preceptora, uma que possa
ensinar aos dois meninos e de alguma forma satisfazer todas
suas necessidades educativas. Não será fácil encontrar
semelhante modelo.
― Possivelmente possa lhe ajudar ― disse. ― Minha escola
sempre acolhe a certo número de meninas da caridade. Parte
de minha responsabilidade ao final de sua escolaridade é lhes
encontrar um emprego adequado. Nunca as introduzo no
mundo até que estou satisfeita de que estarão felizmente
estabelecidas. Há uma moça que não pude estabelecer ainda. É
muito inteligente e muito... OH, talentosa e cheia de energia
para encaixar em qualquer das ofertas que foram feitas.
Inclusive pensei em mantê-la na escola como instrutora
ajudante até que haja uma vaga de professora fixa, mas... bom,
talvez não possa fazer isso depois de tudo. ― Ela não explicou o
porquê.
― Obrigado ― disse. ― Se vem recomendada por você,
então estou satisfeito. Ela pode não estar satisfeita, é óbvio,
quando conhecer Georgette.
Ela sorriu e trocou de tema.
― Sempre me sinto decepcionada ― disse ― se venho aqui
e encontro a cascata desligada, como fica no inverno. Parece
caracterizar a Lindsey Hall. Tem grandeza, mas também
luminosidade e fluidez. Alleyne Bedwyn me disse uma vez que
quando estava sofrendo de perda de memória depois de receber
uma ferida na cabeça em Waterloo, era a fonte que brilhava em
sua mente quando todo o resto estava em branco.
Olharam fixamente à água juntos e escutaram seu som
acelerado e relaxante.
― Você é feliz? ― encontrou a si mesmo lhe perguntando e
então podia ter mordido a língua. De onde veio essa pergunta?
Ela não respondeu durante um momento e ele se
perguntou se o faria. Esteve a ponto de desculpar-se pela
pergunta.
― Tenho tudo o que poderia desejar ― disse. ― Tenho um
trabalho que desfrutei. Contribuiu-me um sentido de valia e me
trouxe a companhia de adultos e moças às que aprecio e
inclusive amo. Tenho uma família a que quero muitíssimo.
Ela não tinha respondido exatamente a sua pergunta,
pensou. Ou talvez o fez. Talvez ser independente, fazer o que
amava e o que era importante para ela havia lhe trazido
felicidade.
― E você? ― perguntou-lhe ela. ― É feliz? Embora falou
algo sobre o tema quando jantamos juntos.
― Tive um matrimônio feliz, que foi muito breve ― disse. ―
Agora tenho meu lar, meus amigos e meus filhos. Tenho muita
sorte. E por fim estou aberto à felicidade futura. Cheguei à
conclusão de que sobreviver não é ser desleal com os mortos.
Ela girou sua cabeça para olhá-lo quase ferozmente.
― OH ― disse ― tem muita razão.
Seus olhos se encontraram e se olharam fixamente. E
houve uma pausa na conversa, carregada com algo indefinível
enquanto lhe subia o rubor pelas bochechas. E ele fez a
pergunta imperdoável.
― Por que nunca se casou? ― perguntou.
Estavam passeando ao lado do lago, o caminho do páramo
acima deles, as árvores diante para oferecer isolamento do
grupo e amparo do sol. A um lado, mais à frente no final do
passeio, havia um edifício redondo de pedra que parecia um
pombal.
Ela sorriu fracamente e baixou os olhos.
― Talvez ― disse ― porque era muito romântica. Faz muito
tempo me comprometi com um oficial de cavalaria. Estava
completamente apaixonada por ele. Ninguém tinha amado
como nos amávamos. Se tivesse sido poeta, sem dúvida teria
enchido volumes com versos floridos palpitando de emoção.
Embora não posso determinar se era muito real. Mataram-no
na Espanha, na Batalha de Talavera, e realmente eu não
esperava sobreviver. Ou desejava. Se pudesse ter morrido de
dor, o teria feito com gosto, não por um ideal poético de dor
sentimental, mas sim porque era muito doloroso para suportá-
lo. Por desgraça, não podia morrer. Mas não amaria de novo.
Como poderia? O único amor de minha vida se foi para sempre.
A pena, permanecer fiel a sua memória, converteu-se em um
hábito para mim, um hábito que sempre considerei uma
virtude até recentemente. Mas minha devoção não trocou nada
para ele, verdade? Esteve morto todo este tempo.
Tinham deixado de caminhar, como por mútuo acordo.
Estavam entre as árvores, embora em um claro coberto de erva.
A água aqui era verde escura já que refletia as folhas das
árvores. Uma árvore estava inclinada para a água, um robusto
ramo estendendo-se por cima dele, e Michael se deu conta de
que seria o sonho de um menino atrevido como plataforma de
mergulho. E também de uma menina, acrescentou
mentalmente, pensando em Georgette. Um pássaro invisível
estava trilando desde algum lugar entre as árvores. Uma
quebra de onda distante de vítores da direção do campo de
cricket só acentuou a paz que os rodeava.
― Que maravilhoso é este lugar ― disse. ― É muito
tranquilo, verdade?
― Há algo na água e nas árvores ― disse ele ― que é
calmante para a alma.
Ela girou sua cabeça para lhe sorrir e lhe devolveu o
sorriso… antes de baixar sua cabeça para a dela e beijá-la.
Parecia a coisa mais natural do mundo, um gesto de prazer
compartilhado pelo instante e também de afeto. Quando jogou
a cabeça para trás, ela ainda estava sorrindo pela metade, e
seus olhos o olharam sem vacilar. Ele tocou com os dedos de
uma mão sua bochecha e os moveu para baixo para seguir a
linha de sua mandíbula até seu queixo.
― Sinto ― disse ele.
― Por favor, não o faça ― lhe disse, sua voz um simples
som sussurrado.
E a tomou em seus braços e fez o que tinha estado
sonhando fazer desde aquela noite na estalagem mais de uma
semana atrás. Beijou-a apropriadamente, como um homem
beija a uma mulher pela que se sente sexualmente atraído.
Separou seus lábios sobre os dela enquanto seus próprios
lábios se relaxavam e ela o rodeou com seus braços, e ele
brincou com seus lábios até que se separaram e logo acariciou
sua boca com sua língua, explorando suas cálidas e úmidas
profundidades. Ela aspirou sua língua brandamente enquanto
sua temperatura subia. Moveu suas mãos para baixo, pela
curva de suas costas sobre a dilatação de seus quadris até seu
traseiro. Ela tinha a figura de uma mulher em lugar da de uma
moça, endureceu-se pela excitação e a abraçou, sem tratar de
disfarçar a realidade. Ela fez um som profundo em sua
garganta e se pressionou mais. O calor flamejou entre eles.
Ele se perguntou quanto afastado estava este lugar. E se
perguntou se era virgem. E recordou que ao menos três
pessoas estavam no caminho do páramo, não muito longe, e
que seus filhos e uma grande quantidade de outras pessoas
não estavam a grande distância de onde estavam parados e
abraçados.
Cheirava a algo sutil e aromaticamente feminino.
Ela foi quem rompeu o abraço, embora não
apressadamente. Pôs suas mãos sobre seus ombros e se moveu
ligeiramente longe dele.
― Não foi absolutamente de propósito, sabe? ― ela disse,
sorrindo em tom de desculpa. ― Acabo de admitir que me
arrependo dos anos perdidos e de uma certa solidão. Mas não
quero lhe dar uma idéia equivocada.
Ele não perguntou qual era essa idéia equivocada.
Lamentou o final do abraço, mas ao mesmo tempo estava
aliviado por isso. Acabava de liberar-se de um enredo. Não
queria aterrissar em outro antes que tivesse tido tempo para
refletir. Conhecia-a fazia só uma semana, e durante a maior
parte do tempo a tinha evitado, ou ela o tinha evitado. Não
estava seguro de quem evitava quem.
― Estamos em um lugar formoso em um quente dia de
verão ― disse, lhe oferecendo seu braço e caminhando com ela
para frente ― e somos um homem e uma mulher. Acredito que
nos pode perdoar uma pequena paquera inofensiva. Não está
de acordo?
Desejou ter eleito uma palavra diferente. Paquera soava
corriqueiro, um pouco sórdido.
― Estou ― disse ela.
― É estranho, não é assim? ― disse ele ― como chega-se à
idade adulta acreditando que a infância e a juventude foram
uma viagem que conduz a um destino fixo e a uma felicidade
estável e duradoura. Felizmente para sempre. É só à medida
que alguém se faz mais velho, que se dá conta que nada é
estático, que nada está assegurado. Todos nós sofremos os
problemas da vida cedo ou tarde, sem importar o
cuidadosamente que tenhamos planejado.
― Ah, mas na vida nem tudo são problemas ― disse. ―
Também há prazeres, momentos intensos de alegria extrema e
períodos mais longos contente. Talvez necessitassem ambos os
extremos para que não sigamos sendo os seres superficiais que
somos a maioria quando começamos a maturar, mas sim
desenvolvemos profundidade de caráter e empatia com outros.
Talvez não reconheceríamos nem apreciaríamos a felicidade se
não conhecêssemos a infelicidade.
― É obvio tem razão. ― Ele a olhou e riu. ― E é sábia.
― Este é um desses momentos extremos ― disse ela, e se
ruborizou.
De extrema alegria? Sim, deixando toda precaução à
parte, era.
― Sim ― disse ele.
― E o futuro sempre tem infinitas possibilidades ― disse
ela. ― Como Wulfric acabara de observar, sempre podemos
sonhar novos sonhos para substituir os velhos.
Bewcastle havia dito tal coisa? Era difícil de imaginar. Mas
as idéias preconcebidas de Michael sobre o frio duque tinham
sido removidas várias vezes durante a última semana.
― E entretanto ― disse ― suponho que a maioria das
pessoas sonha, em essência com o mesmo… amor e felicidade.
― Fazemos? ― Ela girou a cabeça, franzindo o cenho
ligeiramente, como se estivesse ponderando a verdade do que
havia dito. ― Estamos…
Mas ele nunca escutou o que estava a ponto de perguntar.
Para então, já tinham caminhado rodeando quase
completamente o lago.
― Papai, Papáaa ― gritou uma voz diante deles, e ambos
levantaram a vista para ver Robert correndo e saltando para
eles, exuberante de excitação em cada linha de seu corpo. ―
Georgie disse que te viu vir por aqui. Papai, golpeei a bola.
Golpeei-a com uma grande porrada e esse homem com muito
cabelo e nariz grande ― o papai do William ― tratou de apanhá-
la e quase o fez, mas a soltou. Anotei uma carreira.
Abriu caminho entre eles e olhava radiante para Michael
incluso quando sua mão encontrou e tomou a da Senhorita
Thompson.
― Que moço tão preparado ― disse Michael, alvoroçando o
revolto cabelo loiro de seu filho e bendizendo Lorde Rannulf
Bedwyn por deixar cair deliberadamente a bola. ― Meu filho, o
jogador de cricket estrela. E logo abandonou sua equipe?
― Devia dizer lhe -- disse Robert, sem envergonhar-se, e
sorriu extasiado de um ao outro.
― Alegra-me que o tenha feito ― disse Michael, sorrindo e
sentindo-se muito perto das lágrimas.
― Devia dizer aos dois ― disse Robert.
― Bom, obrigado ― disse a Senhorita Thompson. ― Sinto-
me honrada, Robert.
Ela estava sorrindo a seu filho. E sim, pensou Michael,
tomando a outra mão do menino na sua, ele estava
transbordante de alegria. Ela tinha tido bastante razão sobre os
momentos extremos. Devemos sempre tomar cuidado de não
perdê-los.

***

Georgette e Robert compartilharam um dormitório com a


Senhora Harris no piso da creche. Entretanto, embora fosse
perto da hora de deitar-se, os dois estavam ainda no quarto
principal, Georgette conversando com Becky, Lizzie e o irmão
maior de Becky, Davy, e Robert sentado com um grupo de
meninos pequenos junto à janela, todos escutando
atentamente enquanto a ruiva Lady Rannulf Bedwyn lhes lia
uma história. Michael aproveitou a oportunidade para enviar
Georgette a sua habitação enquanto seu filho estava ocupado.
Houve um chiado de risadas dos mais pequenos quando Lady
Rannulf interpretou o papel de um dos personagens
desagradáveis e malvados… era, tinha sabido Michael, algo
assim como uma atriz.
Georgette estava sentada com as pernas cruzadas em sua
cama quando ele entrou na habitação e assentiu com a cabeça
à Senhora Harris para que os deixasse por alguns momentos.
Sentou-se na beira da cama e aplaudiu um dos joelhos de sua
filha. Deu-lhe de presente um de seus deslumbrantes sorrisos
culpados.
― Só uma pergunta de duas palavras ― disse ele. ― por
quê?
― Por quê o quê, papai?
O sorriso se converteu em uns olhos abertos de olhar
inocente, que desapareceu quando simplesmente ele esperou
em silêncio sua resposta. Estava surpreso, e não pouco
alarmado, quando as lágrimas brotaram de seus olhos. Esta
não era uma de suas táticas habituais e talvez não fosse uma
tática absolutamente. Entretanto esperou.
― Me enviariam longe, papai ― disse. ― Não me importa
tanto que me enviem à escola. Pode ser que desfrute, embora
acredite que preferiria ficar em casa. Mas na realidade não me
enviariam à escola, papai, a não ser longe de ti e do Robbie. E
logo insistiriam para que ele seja um menino apropriado como
todos os outros e que deixe de sentar-se em seu colo e de subir
em seus braços e de levantar sua cara de noite para que o
beije. Disseram-me quão surpreendidas estavam de que
permitisse um comportamento tão pouco masculino em seu
filho e herdeiro. E antes que te desse conta, enviaram-no
também a uma escola que o endurecerá, e todos sabemos como
se endurecem os meninos nas escolas que se supõe que são
para a educação dos cavalheiros.
Bom Deus!
― Georgie ― disse, usando inconscientemente a forma
abreviada de seu nome, que lhe tinha pedido faz dois anos que
deixasse de usar ― de verdade acredita que permitiria que
qualquer dama ― ou sua mãe ― me dite o que faça por e com
meus filhos? Realmente acredita que enviaria a ti ou ao Robert
longe de mim, por usar sua própria ênfase?
Ela o olhou com seus olhos cheios de lágrimas.
― Ela é formosa, papai ― disse ― e sei que os cavalheiros
admiram as damas formosas e, às vezes, perdem a cabeça por
elas.
OH, Senhor, onde demônios tinha escutado isso?
― Tenho uma filha e um filho ― disse. ― Perdi a cabeça
por eles quando nasceram Georgette, e não a recuperei após.
Tampouco o desejo. Não sabe que você e Robert são tudo para
mim? Sim, admiro as damas formosas, especialmente aquelas
que também têm caráter formoso e gostam de meus filhos.
Inclusive posso me casar com uma dessas damas um destes
dias. Mas só se acreditar que posso fazê-la feliz e fazer feliz a
meus filhos também. Nunca poria minha própria felicidade por
cima da tua e da do Robert.
― Não recordo a mamãe com muita claridade ― disse ― e
Robbie não a recorda absolutamente.
― Sei ― disse ele, lhe dando um tapinha no joelho de novo.
― Amava aos dois muito, muito.
― Desejo que não tivesse tido que morrer ― disse ela.
― Eu também, Georgie ― disse.
― Mas como tinha que fazê-lo ― disse ― então acredito que
deveria ter outra esposa, papai, para que não esteja sozinho
nunca mais. Não, detenha-se. Sei que vai dizer que não está
sozinho, que Robbie e eu somos suficientes para ti, mas na
realidade não somos suficiente. E sei que trata de ser um pai e
uma mãe para nós, e você é o melhor papai de todos. Mas não
pode ser também nossa mãe. Queremos uma nova. E não é
porque não amemos a nossa autêntica mamãe, porque o
fazemos. Por todo sempre, papai. Mas ela não pode estar aqui
conosco, e queremos a alguém que possa. Queremos uma nova
mamãe. Ambos procuramos uma. Olhamos em casa, e
procuramos em Londres, mas nunca encontramos a correta.
Também ele estaria mugindo se não tomasse cuidado,
pensou Michael, estirando-se e levantando-a, todo braços e
pernas desajeitados, para depositá-la em seu regaço. Ela estava
sorvendo e franzindo o cenho.
― Até agora ― adicionou desafiante, como se esperasse
que a repreendesse a qualquer momento. ― Encontramo-la,
papai, e ambos a queremos. Não sou só eu, e não é só Robbie.
Ambos estamos de acordo. Mas ela não pode ser nossa mamãe
a menos que seja sua esposa e apenas a olhaste em toda a
semana até que esta tarde foste caminhar com ela, e essas
outras duas tentaram chamar sua atenção e trataram de
convencer a todo mundo que está virtualmente comprometido
com a Senhorita Everly, e muito em breve o estará tanto se
quiser como se não. E então terá que te casar com ela, e ela
será sua esposa, embora nunca seja nossa mamãe, mas
teremos perdido a oportunidade de ter uma e enquanto isso...
― Georgie ― disse com firmeza. ― Detenha carinho. Toma
uma pausa.
Ela estava apertando as mãos e as abrindo em seu regaço.
Estava sem fôlego.
― Não vou casar com a Senhorita Everly ― lhe disse. ―
Deixei claro tanto a ela como a Lady Connaught. E nunca me
casarei com alguém a quem você e Robert não gostem. Mas
quanto à Senhorita Thompson, sabe? Não posso fazer
promessas. Podem desejá-la como mamãe tudo o que queiram
e eu posso desejá-la como esposa tudo o que queira, mas se ela
não quer me ter como marido e a ti e ao Robert como seus
filhos... bom, não há nada que possamos fazer a respeito,
verdade?
Ela o olhou, com os olhos muito abertos pela
incredulidade.
― Papai ― disse ela ― você é o Conde de Staunton. É rico.
E é bonito e agradável e tem um sorriso encantador e não é tão
velho. Poderia ter qualquer dama que queira. Vi a forma em
que as damas lhe olham. De verdade crê que não pode fazer
que a Senhorita Thompson te ame e aceite casar-se contigo?
Quão único poderia fazer que ela não te queira sou eu, porque
sou difícil e talvez precoce e falo muito e faço perguntas
intermináveis porque quero saber coisas. Mas acredito que lhe
gosto de todos os modos, assim não sou um completo fardo.
Papai...
Ele a abraçou mais estreitamente e beijou a parte superior
de sua cabeça.
― Quero que me prometa algo, Georgette ― disse. ― Quero
que prometa que não dirá uma palavra à Senhorita Thompson
sobre tudo isto, sobre querer que ela seja sua mamãe. No
melhor dos casos, pode envergonhá-la. No pior dos casos, pode
angustiá-la. Ela é uma dama independente com uma vida
própria. Tem uma vida plena em Bath e muitas
responsabilidades ali. Não nos deve nada. Me deve prometer
isso
Ele a escutou suspirar.
― Prometo ― disse ela. ― Mas, papai, você deve prometer
que não será tão lento. Só fica uma semana mais aqui, e depois
disso, possivelmente nunca voltaremos a vê-la.
Felizmente, Robert entrou na habitação nesse momento e
saltou à cama para aconchegar-se perto.
― Bem? ― perguntou Michael, pondo um braço sobre ele.
― Esta desfrutando?
― Mmm ― disse Robert e bocejou exageradamente. ―
Tommy dormiu no meio da última história e tiveram que levá-lo
a cama.
― De verdade? ― Michael disse. ― E você também ficará
adormecido muito em breve. Será melhor que lhe dispamos e
lhe agasalhemos na cama antes que aconteça.

***

Os momentos de grande alegria estavam muito bem


enquanto alguém os estava vivendo, mas não tão maravilhosos
quando terminavam, pensou Eleanor durante os dias
seguintes. Tudo tinha se unido para fazê-lo perfeito: o entorno
encantador junto ao lago, o clima quente de verão, a conversa
fácil, o beijo. Ah, o beijo. Foi seu primeiro beijo em anos e anos.
De fato, só Gregory a tinha beijado e isso foi há tanto tempo
que parecia mais algo de outra vida.
Não daria muitas voltas a este beijo, decidiu logo que
voltou a estar sozinha. Tinha fluido com naturalidade pela
ocasião e não era um indicador de amor eterno ou uma
proposta iminente de matrimônio. Só a idéia era ridícula. Ela
era uma solteirona empedernida de quase quarenta anos. Nem
se sentiria culpada pelo beijo. Era certo que ele devia estar
considerando casar-se com a Senhorita Everly. Um dia,
Christine comentou que tinha convidado as damas depois de
ter ouvido que, como era de conhecimento geral, a Senhorita
Everly e o Conde de Staunton eram um casal que se dirigia
inevitavelmente ao altar. Mas ainda não estavam
comprometidos oficialmente, e Eleanor esperava
fervorosamente que nunca estivessem… inteiramente pelo bem
dos meninos, é óbvio. OH, e também pelo bem dele, já que ela
não conseguia gostar da Senhorita Everly e não podia acreditar
que ele seria feliz com ela.
OH, e também por seu próprio bem, Eleanor admitiu ante
si mesmo de muito mau humor. Não podia suportar pensar
nele com alguém tão superficial como a Senhorita Everly. Ou
com qualquer outra mulher no caso.
Eleanor o evitou tanto como pôde. Não desejava que se
sentisse obrigado de maneira nenhuma com ela. Certamente
não queria dar a ninguém a impressão de que o estava
perseguindo. Esses frios olhos chapeados do Wulfric já se
detinham especulativamente sobre ela o suficiente, e Christine
e Hazel tampouco andavam muito desencaminhadas.
O Conde de Staunton também parecia estar evitando-a.
Certamente, não fez nenhum esforço para convidá-la a
caminhar ou conversar. Jogava cricket e remava no lago.
Jogava bilhar e à galinha cega. Lia os periódicos da manhã e
histórias a seus filhos. Escrevia cartas e se sentou para
conversar com vários grupinhos de adultos. Foi montar a
cavalo e pescar com um grupo de cavalheiros e alguns
meninos. Passou páginas de música no piano para uma jovem
dama e cantou em dueto com Hazel e riu com ela depois de
uma nota equivocada que chiou nos ouvidos, pela que cada um
assumiu a culpa. Foi nadar e ajudou a planejar e a dirigir uma
busca do tesouro.
Estava se divertindo, acreditava Eleanor, e esse era
realmente o propósito do final de uma festa em uma casa de
campo. Ele não a ignorou por completo. Sentou-se a seu lado
algumas vezes no comilão e em grupos que a incluíam no salão
e no terraço. Foi-lhe procurar um livro na biblioteca que tinha
escutado dizer que desejava ler. Escolheu unir-se a sua equipe
para um animado jogo de charadas uma tarde e passeou pelo
caminho do páramo com um grupo que a incluía uma tarde.
Ele sorria cada vez que seus olhos se encontravam e
frequentemente tinha uma palavra para ela quando estavam
perto.
Sentiu-se ligeiramente deprimida e se repreendeu por ser
uma parva.
Para proteger-se de mais danos, inclusive sem dar-se
conta de que o estava fazendo, adotou uma atitude de reserva
quase severa cada vez que estava em sua presença. Ela pôs sua
mente em outras coisas. Escreveu a Hortense Renney, a
professora que estava interessada em comprar a escola.
Hortense era inteligente, bem educada e muito culta, alegre e
enérgica, e muito querida por todos. Em sua carta, Eleanor não
mencionou ficar como professora. Esperaria e veria se Hortense
faria a sugestão e então ela decidiria se aceitava ou não. Eram
amigas, mas Hortense poderia ficar incômoda com a troca de
seus papéis. Pode ser que ela também.
Não sabia o que faria se a oferta não chegasse ou se ela
decidia que não podia ficar ali. Tratou de ver seu futuro como
um desafio emocionante. Se vendesse a escola a um preço
decente, teria uma economia desafogada, inclusive depois de
devolver o empréstimo de Wulfric.
Deu a notícia a sua mãe e a suas irmãs, nenhuma das
quais estava molesta com ela, só possivelmente um pouco
preocupadas com ela. As três lhe asseguraram que a apoiariam
no que decidisse fazer. Ela disse a Claudia, a Marquesa de
Attingsborough, de quem tinha comprado a escola não fazia
muito tempo. Claudia se mostrou surpresa, compreensiva e
solidária… e abraçou Eleanor com carinho.
O aniversário do Wulfric ia ser um dia ocupado por
celebração, embora o tinha ouvido comentar que só sua esposa
consideraria um quadragésimo aniversário como motivo de
alegria. Haveria uma festa ao ar livre para os meninos durante
a tarde, se o clima permitisse, um banquete no começo da
noite, no raramente usado grande salão medieval, e seguiria
um grande baile no salão.
Christine esteve imersa em uma grande febre de atividade
e emoção durante a manhã, embora não havia uma
necessidade real. O secretário de Wulfric, seu mordomo e sua
ama de chaves, e um exército de serventes, levavam tudo a
cabo muito bem, julgou Eleanor. E tratando de lhes emprestar
ajuda só lhes causaria moléstias. Igual aos outros convidados,
ela se manteve fora do caminho. Sentou-se um momento na
sala de estar de sua mãe, mas quando começou a encher-se
com outras damas, foi procurar um xale em sua habitação e
saiu para caminhar sozinha. Tomou um rumo diagonal através
da ampla grama ao oeste da casa, sem um destino particular
em mente. Os criados e os jardineiros se preparavam para a
festa dos meninos na área ao redor do lago.
Quando esteve a certa distância da casa, deu-se conta de
que uma voz a chamava por seu nome e se voltou para ver
Robert Benning aproximar-se, correndo para ela,
completamente sozinho. Para quando a alcançou, estava sem
fôlego e com os olhos muito abertos, a penugem loira de seu
cabelo ainda mais rebelde que de costume. Deteve-se
bruscamente a uns poucos passos dela, baixou a cabeça e
raspou a erva com a ponta de seu sapato, toda sua coragem
aparentemente o tinha abandonado.
― Robert ― disse Eleanor ― o que passa? Vieste caminhar
comigo? ― Doía-lhe o coração de amor pelo menino, que fugia a
qualquer outro adulto, exceto a seu pai e sua babá.
Ele murmurou algo.
― O que? ― perguntou ela. Agachou-se sobre suas
panturrilhas para aproximar-se de seu nível. ― Algo te
preocupa carinho?
― Georgie disse que tinha que fazê-lo ― disse, seu queixo
ainda apoiado contra seu peito. ― Porque ela não pode. Eu
prometi.
― E o que é o que tem que fazer? ― perguntou. Isto soava
muito secreto.
― Lhe dizer ― disse.
― Me dizer? ― Ela franziu o cenho. ― O que ela deseja que
me diga?
Ele murmurou algo outra vez e logo a olhou
repentinamente, seus olhos enormes e sérios.
― Que você é nossa mamãe ― disse.
Eleanor inclinou a cabeça para um lado.
― Sou sua mamãe?
― Logo que Georgie a viu ― disse ― soube. Disse-me que o
visse por mim mesmo quando fosse jantar, e então eu também
soube. E logo pensamos que não voltaríamos a vê-la, mas
estava aqui e Georgie disse que era o destino e que significava
que devia ser e que tudo o que tínhamos que fazer era dizer a
papai antes que escolhesse outra dama que ia enviar Georgie à
escola. Georgie disse ao papai, mas ele disse que pode ser que
não queira casar-se com ele ou ser nossa mamãe, e lhe fez
prometer que não diria nada a você porque poderia sentir-se
envergonhada. Mas ele não fez nada depois e em dois dias
voltaremos para casa e nunca mais a veremos de novo. Georgie
disse que devo dizer-lhe porque uma promessa é uma
promessa e ela não pode quebrar a sua. Mas acredito que papai
se zangará com ela por me ter enviado. Também se zangará
comigo por vir. Mas tinha que vir, não só porque Georgie disse.
Não quero não voltar a vê-la nunca mais. Por favor, pode fazer
algo?
Eleanor duvidava que alguma vez tivesse dito tantas
palavras juntas em sua vida. Estava sem fôlego, avermelhado e
chutando furiosamente a erva com um pé, e logo esfregou os
dois olhos com os punhos e voltou a deixar cair a cabeça. Ela
se sentia muito perto das lágrimas. Estes dois preciosos
meninos a queriam como mãe? Mas seu pai não a queria por
esposa?
― Papai disse que talvez não queira casar-se com ele e ser
nossa mamãe ― murmurou Robert em seu peito ― porque tem
uma vida própria e é alguém importante.
Eleanor estendeu os braços e o abraçou. Palavras
ambíguas, essas... talvez não queira casar-se com ele. Ele tinha
evitado estar a sós com ela. Mas tinha ido procurar esse livro
na biblioteca. Sentou-se perto dela algumas vezes quando
poderia haver-se unido a outro grupo. Em cada ocasião ela
tinha sido muito cuidadosa para ser muito correta e reservada
em sua atitude, para que ele não pensasse que ela tinha
expectativas tolas. Era possível...? E agora que o pensava, ele
não tinha passado muito tempo com a Senhorita Everly nos
últimos dias.
― Robert, carinho ― disse ― não posso pensar em
nenhuma honra maior que ser sua mamãe e de Georgette.
Quero aos dois muitíssimo. Mas não pode acontecer, sabe, a
menos que também seja a esposa de seu papai. E
possivelmente ele não queira isso. Mas se não puder ser sua
mamãe, de todos os modos sempre lhes amarei. ― Ele tinha
razão, entretanto. Provavelmente não os voltaria a ver depois de
que se fossem daqui depois de amanhã.
Ela se levantou quando ele se liberou de seu abraço.
― Mas o faria se ele o quisesse? ― perguntou-lhe, sua cara
toda radiante de entusiasmo.
― Bom, sim ― disse ela ― mas…
Ela não chegou mais longe. Ele deu meia volta e se
afastou, correndo e saltando em direção à casa.
― OH ― disse, estendendo um braço para ele. ― Mas...
OH.
OH, Deus querido.
OH, Deus querido!
CAPÍTULO 7

Michael estava jogando bilhar com alguns dos outros


convidados que se mantinham separados dos preparativos para
as festividades do dia. Estava de pé junto a uma das mesas,
com o taco na mão, quando sentiu que algo golpeava
persistentemente na parte posterior de sua cintura. Voltou-se
para encontrar a seu filho de pé ali, olhando-o com uma cara
que transbordava emoção. Supunha-se que devia estar acima,
no piso da creche com outros meninos. Mas aqui estava ele e,
maravilha das maravilhas, tinha entrado em uma habitação
cheia de adultos.
― Papai ― gritou logo que teve a atenção de seu pai ― ela
disse que sim.
― Ah, um sentenciado escapou ― disse Lorde Aidan
Bedwyn, sorrindo amavelmente para Robert, quem,
surpreendentemente, não se esgueirou para esconder-se.
Parecia duvidoso que inclusive tivesse ouvido.
― Quem disse que sim sobre o que? ― perguntou Michael.
― A Senhorita Thompson ― gritou Robert. ― Ela disse que
sim, que gostaria de ser nossa mamãe, e disse que também
seria sua esposa se quisesse.
Michael se deu conta muito tarde de que deveria ter posto
uma mão sobre a boca de seu filho no instante em que o nome
da dama saiu dela. A habitação ficou estranhamente silenciosa.
Todos os irmãos Bedwyn estavam presentes, exceto o Duque de
Bewcastle. Também estavam Lady Alleyne Bedwyn, os dois
homens que estavam casados com as irmãs Bedwyn, o
Reverendo Charles Lofter, o Marquês de Attingsborough e
outros dois hóspedes. Todos eles acabavam de ser convidados
ao anúncio de que a Senhorita Thompson o aceitaria se ele a
quisesse.
― Robert, meu menino ― disse ― se pode saber o que
esteve fazendo? E detecto a retorcida mente malvada de sua
irmã por trás disso?
― Georgie não foi papai ― disse seu filho com seriedade. ―
Não pôde. Tinha-o prometido. Assim fui eu. E a Senhorita
Thompson disse...
― Suficiente ― disse Michael energicamente ao notar a
proximidade de uma audiência cujos membros nem sequer
fingiam não estar escutando com avidez. ― Será melhor que
encontremos uma habitação privada em alguma parte para
falar disto. Cinco minutos muito tarde, poderia adicionar.
Não olhou a seu redor quando tomou a mão de Robert e se
dirigiu para a porta. Nem sequer olhou para ver quem tinha a
mão sobre seu ombro e o apertou com simpatia enquanto
saíam da habitação. Bom Deus. Sério. Bom Deus! Se só
houvesse um buraco profundo e escuro disponível justo além
da sala de bilhar, com muito gosto saltaria dentro e se
agacharia ali e nunca mais sairia.
Mas…
Ela o aceitaria?
Realmente havia dito isso? Havia dito a sério?
De verdade?

***

Eleanor passou uma hora a sós em sua habitação em um


intento por acalmar-se e logo foi à sala de estar de sua mãe,
onde também encontrou Hazel, Claudia e a Eve, Lady Aidan
Bedwyn ficou depois de que todas as demais se foram e
persuadiu a sua mãe para que lhes trouxessem o almoço. Se
pudesse ter pensado em uma desculpa suficientemente boa ―
uma dor de cabeça terrível? um ataque de varíola? ― teria
ficado ali toda a tarde e a noite e todo o dia seguinte. Mas, por
desgraça, ela tinha deveres que levar a cabo. Tinha aceitado
ajudar a organizar a corrida dos meninos.
Talvez Robert não houvesse dito nada a seu pai. Ele sabia,
depois de tudo, que tanto ele como sua irmã estaria em
problemas se o Conde de Staunton se inteirava. Mas OH, Deus
querido, nunca havia se sentido mais mortificada em sua vida.
O que aconteceria se Robert o tinha dito? Era insuportável
pensar nisso.
Saiu de sua habitação depois de vestir-se para a festa da
tarde e partiu escada abaixo e ao ar livre com um passo quase
marcial. Encontrou-se com a tranquilizadora visão de uma
série de hóspedes e vizinhos convidados para a ocasião e
hordas de meninos exuberantes, apressados e gritões. Não
havia sinais do Conde de Staunton nem de nenhum de seus
filhos. E se parecia que alguns dos convidados da casa a
olhavam com um sorriso cúmplice e malicioso, então, é óbvio,
era sua imaginação.
Ela continuou sua marcha para o lago e a área marcada
para as corridas. A antiga Lady Morgan Bedwyn, agora
Condessa de Rosthorn, estava a certa distância, preparando-se
para a competição de arco e flecha. Seu marido e Charles, o
cunhado de Eleanor, estavam organizando um concurso de
saltar à corda. Rannulf Bedwyn e seu irmão Alleyne estavam
revisando os botes que foram montar. A mãe de Eleanor e
Hazel estavam no posto de refrescos, embora um picnic em
grande escala se serviria no jardim oeste mais tarde. Judith,
Lady Rannulf Bedwyn, estava no círculo de disfarces, onde
havia montões de roupa velha, e chapéus, leques, sapatos e
perucas tiradas dos apartamentos de cobertura para que os
meninos pudessem vestir-se para representar as histórias que
ela contaria. Freyja, Marquesa de Hallmere, estava a cargo das
corridas rodando e caindo colina abaixo. Uma zona de banho
tinha sido demarcada no lago e devia ser fiscalizada por
Joshua, Marquês de Hallmere. Christine jogaria com os bebês
cada vez que pudesse encontrar um momento livre. Aidan
Bedwyn estava oferecendo aulas de esgrima com espadas de
madeira em uma área abaixo das árvores. Rachel, Lady Alleyne
Bedwyn, estava organizando um posto de brilhantes bagatelas
e doces, que se podiam comprar com uma das cinco fichas
entregues a cada menino no inicio.
Eleanor logo esteve ocupada com Eve, Lady Aidan
Bedwyn, organizando aos meninos em grupos de idade,
ajudando-os a meter-se nos sacos para a corrida de sacos e
atando-os firmemente ao redor de suas cinturas, assegurando-
se de que todos permanecessem atrás da linha de saída até que
se desse o sinal para começar. Recolheu aos meninos menores
quando caíram e os pôs no caminho de novo. Logo estava
ruborizada e rindo e se esqueceu da horrível vergonha da
manhã. Até que Georgette chegou para a corrida de três pernas
para os maiores de dez anos com Lizzie, e seus pais vieram
atrás delas para olhar.
― OH, Deus ― disse Eve ― vais correr, Lizzie? Que
esplendidamente valente de sua parte!
― Ela correrá comigo ― disse Georgette. ― Estaremos
juntas ― temos que está-lo, verdade? ― e nos abraçaremos uma
à outra pela cintura. Só necessitaremos um par de olhos,
estivemos praticando.
― O resto dos corredores é que são esplendidamente
valentes ― comentou o Marquês de Attingsborough ― por correr
contra Lizzie e Georgette.
Eleanor ajudou às cinco equipes a unir suas pernas.
Georgette e Lizzie estavam soltando risinhos. O cão de Lizzie
estava sentado alerta junto ao marquês, ofegando, com os
olhos fixos em sua proprietária. E então Eleanor se endireitou e
se separou do caminho para que a corrida começasse, e seus
olhos se encontraram com os do Conde de Staunton. Ele não
sorriu. Tampouco ela.
Ele sabia, pensou ela.
Becky, a filha de Eve, e seu irmão Davy ganharam a
corrida com facilidade, sem ter tropeçado ou cansado nenhuma
só vez. Lizzie e Georgette foram às últimas em percorrer uma
milha… ou o que teria sido uma milha se a pista tivesse sido
tão longa. Ziguezaguearam, caíram, levantaram-se, voltaram a
ziguezaguear, voltaram a cair, e assim sucessivamente até que
finalmente tropeçaram com a linha de chegada e desabaram,
rindo e aferrando-se uma à outra enquanto os outros
corredores e todos os adultos da vizinhança aplaudiam e
inclusive aclamavam.
― Não acredito ― disse Georgette enquanto desatava suas
pernas ― que tenhamos ganho um prêmio, Lizzie. ― E caíram
em outro ataque de bufos e risadas.
― Essa foi a última do conjunto das cinco corridas ― disse
Eve. ― É hora de chamar Wulfric para que entregue os
prêmios.
Eleanor se ocupou de recolher e dobrar os trapos que se
utilizaram para atar as pernas, mas levantou a vista quando o
Conde de Staunton falou-lhe.
― Sinto muito ― disse em voz baixa. ― Deve ter se sentido
horrivelmente envergonhada.
― Senti-me honrada ― disse ela, sem fingir que não o
entendia bem ― descobrir que esses dois pequenos que se
encontraram comigo brevemente em uma estalagem no campo
pensaram que viam seu ideal de uma nova mãe em mim.
Comove-me que inclusive depois de quase duas semanas aqui,
sigam sentindo carinho por mim. O afeto de seus filhos, tão
livremente dado, é como um presente precioso que levarei na
memória durante muito tempo. Não deve sentir-se
envergonhado em meu nome, Lorde Staunton, ou no seu. Não
tenho nenhuma expectativa de chegar a ser realmente sua
mãe. Tenho uma vida própria plena que desfruto.
― Sei ― disse. ― Obrigado por ser tão cortês. Entendi por
sua... atitude durante os últimos dias que não deseja me
encorajar a pensar muito sobre o que aconteceu durante nosso
passeio. Não precisa ter medo de que um par de jovens
casamenteiros a acossarão ainda mais ou me incitarão a fazê-
lo. Ah, aqui vem Bewcastle.
Wulfric, em efeito, estava se aproximando, com Lorde
Arthur Bedwyn, o mais jovem de seus filhos e sobrinho de
Eleanor, escarranchado sobre seus ombros e obstinado à parte
inferior de seu queixo com duas mãozinhas gordinhas.
― Devo entender que todos os participantes das corridas
recebem algo? ― perguntou o conde.
― Mas é obvio ― disse ela. ― Não há perdedores nesta
festa infantil. Não é como a vida real, graças a Deus.
Ele se afastou para unir-se ao Marquês de Attingsborough
e às filhas de ambos, que seguiam rindo de bom humor, ainda
cada uma com os braços ao redor da cintura da outra.
Ele tinha entendido por sua atitude?
Não o incitariam a acossá-la?
Simplesmente estava sendo amável, dando a entender que
ela era a única que não queria ter nada que ver com ele quando
na realidade era ao contrário? Ou realmente ele havia
entendido mal? Ela certamente tinha tratado de comportar-se
com dignidade durante os últimos dias. Não tinha querido que
sentisse ― o céu não o permitisse ― que seu beijo lhe tinha
criado falsas esperanças. Não tinha querido que se sentisse
apanhado. E de uma vez, ela tinha dado a impressão de que
não queria mais cuidados?
OH, que complicada podia ser a vida! Ela era muito velha
para isto.
Ele se foi depois de que Wulfric tivesse entregado os
prêmios, sem voltar a olhá-la. Ele havia dito sua opinião, ao
parecer, e agora tudo tinha terminado.
― O seguinte é a corrida de ovo na colher ― disse Eve. ―
Isso devera ser divertido.
Estava olhando Eleanor com... curiosidade? Simpatia?
Eleanor esperava fervorosamente que estivesse imaginando
coisas.

***

O grande salão era um magnífico cenário para o banquete.


A orquestra que tinha sido contratada para o baile,
proporcionou música suave da galeria dos histriões… até que
uma só trompetista soou como uma fanfarra enquanto todos
olhavam para cima com surpresa e deleite e Wulfric olhava com
um tranquilo olhar chapeado ao longo da grande mesa de
carvalho onde Christine lhe estava sorrindo radiante. Ele
inclusive levou o monóculo a seu olho, mas sem acovardar-se,
ela sorriu ainda mais deslumbrantemente. A fanfarra era o
sinal para que Lorde Aidan Bedwyn se levantasse para começar
os discursos e fazer os primeiros brindes por seu irmão mais
velho.
O salão de baile luzia magnífico quando chegaram ali mais
tarde. Eleanor se sentou ao lado de sua mãe… ela poucas vezes
dançava nas reuniões ou nos bailes. Nem sequer levava um
elaborado vestido de baile. Seu traje de seda azul claro tinha
cumprido com seu dever durante vários anos e o faria durante
mais um ou dois. Estava muito feliz de ver os recém-chegados
enquanto se moviam ao longo da linha de recepção.
Reconheceu vários vizinhos de outras visitas nos últimos cinco
anos. O Conde e a Condessa de Redfield vinham desde Alvesley
Park com seus filhos Kit, Visconde Ravensberg, e o Senhor
Sydnam Butler e suas respectivas esposas. A esposa do Senhor
Butler, Anne, tinha ensinado na escola de Bath durante alguns
anos quando Claudia ainda era proprietária.
O salão de baile logo esteve abarrotado. A Senhorita
Everly, vestida maravilhosamente com um resplandecente
vestido rosado, sua mãe vestida de azul real com um elaborado
turbante e altas plumas que se abatiam a seu lado, tinha uma
pequena corte de cavalheiros a seu redor. Não incluía, ao
menos nesse momento, ao Conde de Staunton. Ele, com um
aspecto esplendidamente atrativo, vestido com roupa de noite
negra e flamejante linho branco, conversava com Anne, Claudia
e o Conde de Redfield.
Seus filhos, de mãos dadas, tinham batido na porta da
habitação de Eleanor depois da festa dos meninos. Os dois
pareciam pálidos e aflitos, e Georgette tinha recitado uma
desculpa inusitadamente breve por tê-la incomodado e
envergonhado. Eleanor se agachou e pegou aos dois entre seus
braços e os sustentou com força.
― OH, não ― havia dito ela. ― Não, não, não. Por favor,
não se desculpem. Sinto-me muito honrada de que vocês
gostem de mim, de que me tenham eleito para me dar seu
carinho. Por favor, não sintam. Quero aos dois muitíssimo.
― Mas não será nossa mamãe? ― tinha sussurrado
Robert, aferrando-se a sua manga.
― Não pode sê-lo, Robbie ― havia dito Georgette através
das lágrimas que brotavam de seus olhos e se deslizavam por
suas bochechas. ― Não, a menos que se case com papai. Não
ama ao papai, Senhorita Thompson?
― Georgie ― havia dito Robert, ainda sussurrando. ― Papai
disse que devíamos pedir perdão e logo ir.
― Mas não o ama? ― Georgette tinha gemido.
― Aprecio-o profundamente ― havia dito Eleanor. ― É um
pai maravilhoso, não é assim? E é uma pessoa muito
agradável.
― E ele também sente respeito por você ― havia dito
Georgette, apartando do abraço de Eleanor. ― Assim o disse.
Senhorita Thompson, por que os adultos são tão estúpidos?
por que não dizem o que querem dizer? E o que sentem?
Vamos, Robbie, ou teremos problemas outra vez.
― Não tínhamos problemas, Georgie ― lhe havia dito,
tomando sua mão e afastando-se com ela. ― Papai nos beijou e
nos disse que entendia, e não nos disse que viéssemos a lhe
pedir perdão. Só nos perguntou se pensávamos que talvez
deveríamos fazê-lo.
Eleanor negou com a cabeça ligeiramente e se aproximou
de sua mãe para escutar o que estava dizendo.
Pela regra geral, um baile se abria com uma quadrilha ou
um alegre baile campestre. Este baile, de maneira muito
incomum, ia ser aberto com uma valsa. Tinha sido idéia de
Christine. Ela e Wulfric iriam dançar sozinhos a primeira parte
da peça, e logo todos os outros seriam convidados a unirem-se
nas outras duas partes. Wulfric tinha estado de acordo depois
de lhe lançar um olhar duro.
― Ante a hipótese, suponho, meu amor ― havia dito ― de
que esta pode ser minha última oportunidade de dançar em
público. Para meu aniversário número quarenta e um, é
possível que esteja muito artrítico para dançar. Por não
mencionar a gota.
Eleanor ficou de pé para vê-los dançar. Sempre o faziam
tão bem. Christine seguia seu mando como se flutuasse em
seus braços, com a cabeça inclinada para trás, os olhos em seu
rosto, seu sorriso suave e radiante, como se justo nesse
momento tivesse se apaixonado por ele pela primeira vez. E
Wulfric dançava a valsa muita corretamente, mas também com
certo estilo que não podia descrever-se com palavras. E olhava
o rosto de sua esposa com sua acostumada expressão austera,
inclusive fria… mas com uma adoração que de algum jeito
também irradiava dele. OH, era impossível pô-lo em palavras,
inclusive dentro de sua própria cabeça. E era igualmente
impossível não sentir inveja.
“Entendi por sua atitude durante a semana passada, que
não deseja encorajar a pensar muito sobre o que aconteceu
durante nosso passeio juntos.”
Eleanor suspirou para seus adentros enquanto a música
tocava seu fim, e retomou seu assento junto a sua mãe
enquanto todos aplaudiam e outros casais agarravam seus
lugares na pista de baile para a segunda parte da valsa. Se
Gregory tivesse vivido, ainda estariam profundamente
apaixonados tanto tempo depois? Haveriam...
― Senhorita Thompson. ― O Conde de Staunton fez uma
reverência ante ela e sorriu a sua mãe. ― Faria a honra de
dançar a valsa comigo?
OH. Ela não o tinha visto aproximar-se. OH. Deteve-se
bem a tempo de cruzar suas mãos tranquilamente no regaço e
lhe informar que ela não dançava. Deus santo, inclusive
poderia ter agregado que era muito velha para dançar. Era
consciente de que sua mãe estava ao seu lado, olhando
radiante de um ao outro.
― Obrigado ― disse Eleanor e ficou de pé sem sorrir.
Colocou sua mão em sua manga. Esperava... OH, Deus
querido, esperava que ele não houvesse se sentido obrigado a
pedir-lhe, mas ela negou com a cabeça levemente... entendi por
sua atitude... Olhou-o enquanto ocupavam seus lugares na
pista de baile e apoiou uma mão em seu ombro enquanto uma
das suas descansava atrás de sua cintura e a outra agarrava
sua mão livre. E ela sorriu. Não estava segura de que não fora
uma careta. Seus músculos faciais estavam rígidos.
― Entendo ― disse ele em voz baixa justo antes que
começasse a música ― que você me aprecia profundamente
igual faço com você, Senhorita Thompson. Também entendo
que os adultos são estúpidos… com ênfase, por favor. E já que
você e eu somos ambos os adultos, então me atrevo a dizer que
também somos estúpidos.
A música começou.
Eleanor conhecia os passos. Tinha dançado a valsa em
alguma ocasião. Sempre se sentindo um pouco decepcionada,
porque era um baile potencialmente romântico, e o tinha visto
dançar como deveria fazer. Tinha-o visto fazia um momento
com sua irmã e seu cunhado, obviamente muito apaixonados
um pelo outro, inclusive depois de cinco anos de matrimônio e
três filhos. Ela executou os passos agora. O mesmo fez ele, que
os conhecia bem e dançava com confiança. Foi fácil seguir sua
liderança. Depois o primeiro minuto ou assim, ela relaxou
apesar do fato de que suas palavras ― ou mas bem as de
Georgette ― ainda davam voltas em sua cabeça.
E de repente já não era um exercício mecânico. De
repente, estavam dançando e girando e era extremamente
consciente dele ― do tato de suas mãos e o calor de seu corpo e
a firmeza sólida de sua presença e o aroma de sua colônia ― e
também de seu entorno: as luzes dos candelabros girando, o
aroma das flores e as velas e os perfumes, o caleidoscopio de
cores enquanto as damas com vestidos brilhantes davam voltas
rapidamente e as flores se derramavam por cima das bordas
dos vasos de barro. De repente, dançar a valsa era a coisa mais
encantadora que tinha feito, e nunca o esqueceria. OH, ela
nunca o esqueceria... nem a ele. E não o recordaria com
tristeza. Recordaria com gratidão que o tinha conhecido e tinha
passado breves momentos com ele. Ela poderia haver passado
o resto de sua vida sem sequer um novo grande sonho.
De repente se deu conta de que estava sorrindo, e ele lhe
devolvia o sorriso. Se sua consciência se expandisse além dele,
poderia ter notado que havia muita atenção curiosa sobre eles
dois, ao menos entre os convidados da casa, embora a maioria
deles também estivesse dançando a valsa. Mas ela não estava
para tanto e por isso estava despreocupada.
― Que atitude? ― perguntou ela quando se deteve a
música. ― Qual foi minha atitude?
― Ameaçadora ― disse, mas ainda estava sorrindo. ―
Advertindo que mantivesse distância.
― Não queria que pensasse ― disse ― que eu estava...
bom, perseguindo-o.
― E eu não queria que pensasse ― disse ― que procurava
implacavelmente uma mãe para meus filhos sem nenhum
respeito por você como pessoa. E sem ter em conta a escolha
de sua forma de vida.
― A escolha de minha forma de vida ― disse. ― Estou
vendendo minha escola. Não fui tão feliz desde que a comprei
como fui quando era simplesmente uma professora. Não sei o
que farei uma vez que se venda. Sem dúvida pensarei em...
algo. Mas e a Senhorita Everly?
― Deixei-lhes claro, a ela e a sua mãe, antes que você e eu
saíssemos a caminhar naquela tarde ― disse ― que não havia
noivado entre nós e que realmente nunca tinha existido, salvo
em sua imaginação. Era meu título e minha fortuna o que
atraía sua atenção, não tenho dúvidas. Lady Connaught está
decidida a que sua filha tenha um matrimônio vantajoso.
Desejo o melhor à Senhorita Everly, mas ela não seria
adequada como minha esposa, você sabe. E certamente não
seria como a mãe de meus filhos, tanto presente como futuros.
Eleanor mordeu o lábio e lhe devolveu o olhar.
― Às vezes os meninos possuem uma grande sabedoria ―
disse. ― Acredito que fui estúpido, Senhorita Thompson. E me
atreveria a esperar, por descortês que pareça, que você também
o tenha sido?
Ela liberou seu lábio.
― OH, eu fui ― disse.
A terceira parte da valsa começou. E se existia algo assim
como magia, então alguém devia ter agitado uma varinha cheia
de estrelas sobre suas cabeças e tinha criado um mundo de
música, dança e admiração que os encerrava e os fazia únicos.
Se só pudesse durar para sempre.
Ficou de pé e a olhou quando terminou, sem fazer
nenhum movimento para devolvê-la ao lado de sua mãe.
― Não sei qual será a próxima peça ― disse ― ou a que
venha depois. Entretanto, não tenho absolutamente nenhum
desejo de dançar. E você?
Ela negou com a cabeça.
― Vamos. ― Ofereceu seu braço e a conduziu para as
janelas francesas abertas e para o amplo balcão de pedra mais
à frente do salão de baile. Ainda estava deserto ao ser uma
hora precoce da noite. ― Senhorita Thompson… posso te
chamar Eleanor?
― Sim ― disse ― Michael. ― Seu coração palpitava com
tanta força que sentia que lhe faltava o fôlego.
― Eleanor ― disse ― venho sobrecarregado com dois
meninos.
― Sobrecarregado? ― ela disse. ― Que palavra tão
estranha.
― Sem dúvida é uma tarefa ingrata aceitar aos filhos de
outra pessoa ― disse ele.
― Michael ― disse, e se sentiu bastante enjoada quando se
aferrou com mais força a seu braço ― está pedindo que os
aceite?
― O problema é ― disse ― que eles lhe escolheram e foram
embaraçosamente públicos a respeito. Sabia que Robert
anunciou sua vontade de me aceitar em uma abarrotada sala
de bilhar esta manhã?
OH, Deus querido. OH não!
― Assim que se sente obrigado pela honra a me pedir isso.
disse ela.
Ele pronunciou um juramento amortecido.
― Não teria acreditado ― disse ― que poderia ser tão torpe,
ou tão estúpido, para usar as palavras de minha filha, como o
fui recentemente. Estou-lhe pedindo isso, Eleanor, porque
acredito que podemos ser felizes juntos, embora não nos
conheçamos a muito tempo. E porque, à avançada idade de
quarenta anos, apaixonei-me. Casará comigo?
Estavam de pé na parte superior dos degraus que
conduziam ao jardim iluminado pela lua. Ainda estavam
sozinhos no balcão.
― OH ― disse ― não posso pensar em nenhuma outra
coisa que preferiria fazer. Quero a seus filhos e me causa
prazer a perspectiva de ser uma mãe para eles. Mas não
poderia me casar contigo só pelo bem deles. Amo-te, Michael. É
absurdo. O mundo o denominaria assim em todo caso.
Conhecemo-nos há muito pouco tempo, e durante anos nunca
pensei em amar de novo. Mas o faço. Sonhei um novo sonho no
último par de semanas e já se está fazendo realidade. Que
afortunada sou. Sim, casarei com você.
Havia pessoas reunidas perto da entrada atrás deles,
falando e rindo. Em qualquer momento poderiam decidir sair
ao ar mais fresco.
― Não faz muito frio aqui fora, verdade? ― disse ele. ―
Nem está escuro. Posso te persuadir para passear até o lago
comigo?
OH. Seria muito inapropriado. Mas a idéia lhe trouxe um
sorriso. Ela tinha trinta e nove anos.
― Que maravilhosa idéia ― respondeu.
Conduziu-a pelos degraus até a parte dianteira da casa.
Quando passaram frente à fonte, ele soltou seu braço e em seu
lugar tomou sua mão, entrelaçando seus dedos.
Ela riu.
― Sinto-me como uma garotinha outra vez.
― Por favor não o faça. ― À luz da lua, ela podia ver que
seus olhos sorriam. ― Não estou interessado nas garotinha,
Eleanor.
― Só nas mulheres? ― perguntou ela.
― Nem sequer nas mulheres ― disse. ― Em uma mulher.
Em você.
Se isto era um sonho, esperava não despertar logo. Ou
nunca.
Estiveram de pé um momento na beira do lago, olhando a
água. Uma franja de luz de lua o cruzava, iluminando-o,
mostrando a superfície como cristal. Não havia nem um sopro
de vento. Ele soltou sua mão e rodeou sua cintura com seu
braço. Ela moveu o seu ao redor dele e apoiou o flanco de sua
cabeça em seu ombro. Ah, não tinha acreditado que isto
pudesse lhe acontecer de novo. Ele girou sua cabeça e a beijou
calidamente nos lábios.
― Eleanor ― perguntou, sua boca ainda quase roçando-a
― é virgem?
OH.
― Não ― disse, levantando a cabeça. ― ia à guerra, deve
entendê-lo. Ambos fomos conscientes de que era possível que
não retornasse. Éramos jovens e estávamos muito
apaixonados. E fomos temerários.
― Não precisa se justificar ― disse. ― Virá comigo a esse
claro entre as árvores onde nos beijamos faz alguns dias?
Ela tomou um fôlego lento e audível.
― Mas só se o desejar ― adicionou.
― OH ― disse ela com um suspiro ― de fato o desejo,
Michael.
Caminharam até ali, seus braços ainda ao redor um do
outro, e ele tirou sua jaqueta de noite e a estendeu sobre a
erva. Ela nem sequer podia recordar essas outras ocasiões com
Gregory… tinham sido duas vezes. Mas não queria recordar.
Isso foi então e com o amor de sua juventude. Isto era agora
com o amor de seu coração.
Amou-a lenta e cuidadosamente depois de tombarem
juntos, sua boca e suas mãos acariciando-a através de sua
roupa e debaixo dela enquanto ela o tocava e sentia todo o
quente e firme esplendor de seu corpo masculino e toda a
maravilha de saber que passariam o resto de suas vidas juntos.
Não a despiu, só levantou seu vestido e apartou as peças
principais antes de desabotoar a lapela de suas calças de noite
e liberar-se. Situou-se em cima dela, protegendo-a com suas
mãos da dureza do chão, e quando a penetrou, fez com firmeza
mas lentamente, lhe dando tempo para adaptar-se ao impacto
da intimidade.
― É tão formosa ― murmurou contra sua boca. E embora
ela sorrisse ante a extravagância da palavra, também
acreditou. Não era nem bonita nem jovem, mas neste momento
era consciente de ser formosa, porque era mais uma vez
adorada e amada, e não havia melhor sensação no mundo.
Especialmente quando ela devolveu esse amor
incondicionalmente e para sempre. Não importava que se
conhecessem fazia só um par de semanas. Simplesmente não
importava.
Era um amante maravilhoso, hábil e paciente. Tomou seu
tempo e deu tempo a ela enquanto o prazer se transformava em
algo que era quase doloroso e logo estalou em algo mais à
frente da dor ou do prazer enquanto o sentia imóvel, profundo
e quente em seu interior e estremeceu com o relaxamento mais
completo que nunca antes tinha conhecido.
― Ah, meu amor. ― Sua voz era profunda contra seu
ouvido.
― Mmm. ― Ela sorriu.
Jaziam um ao lado do outro, olhando para a lua e as
estrelas, dormitando um pouco. Um lobo estava uivando a
certa distância. Chegava um leve som de música da direção da
casa. Houve um suave chapinho de água contra a borda. Seus
dedos estavam entrelaçados de novo com os dele. Os dedos de
sua outra mão tocaram brevemente o anel de compromisso
debaixo do sutiã de seu vestido, e sorriu com uma triste e
última despedida a um velho e precioso amor. Esta noite tiraria
a cadeia do pescoço. Esta noite havia um novo amor, um novo
sonho.
― Terá que ser logo ― disse, girando seu rosto para ela.
― Sim? ― Ela ainda não se desvinculou de sua escola. A
realidade começava a intrometer-se.
― Georgette e Robert vão estar muito impacientes quando
souberem que estamos comprometidos ― disse. ― Por não
mencionar enlevados. E poderia te haver deixado grávida,
Eleanor. Não, não responda, como suspeito que está a ponto de
fazer, que é muito velha. Apostaria que não o é. O mais
importante de tudo, eu não quero esperar e espero que
tampouco você o queira. Podemos fazer que as admoestações
se leiam aqui, se insistir, e esperar um mês. Ou irei procurar
uma licença especial e nos casaremos dentro de uma semana e
retornará a casa conosco. Trataremos juntos o tema de sua
escola, ou pode se encarregar disso sozinha. Mas como uma
dama casada, Eleanor, me diga que escolhe a licença especial.
― Dentro de uma semana? ― Ela o olhou fixamente à cara
apesar de que estava escuro.
― Sei que parece uma eternidade ― disse.
Ela riu.
― Sempre é tão impulsivo? ― perguntou ela.
― Não. ― Ela viu o brilho de seus dentes antes que ele
fechasse a distância entre ambos e a beijasse de novo. ― Diga
que sim.
― Sim ― disse ela.
― O diremos a sua mãe e a suas irmãs, e aos meninos,
pela manhã antes de sair correndo em busca de uma licença ―
disse. ― Pode que Georgette não deixe de falar até que eu
retorne. Dou-lhe uma clara advertência e me desculpo
adiantado.
― E eu lhe dou uma clara advertência ― disse ― de que
não deixarei de os escutar, nem a ela nem ao Robert, durante
toda a vida. Ou de amá-los. Desculpo-me adiantado.
Ele deslizou seu braço debaixo de seu pescoço e a girou
contra ele.
― Mas esta noite ― disse ― estou egoisticamente
encantado de ter nossa felicidade para nós dois. Amo-te,
Eleanor. Casaria contigo vinte vezes mais, inclusive se não
tivesse filhos que a necessitassem e que confabularam
vergonhosamente para a conseguir.
― Mas uma vez será suficiente ― disse ela.
A luz da lua tinha captado seu rosto, e ela pôde ver a
amabilidade, a felicidade em seus olhos e a curva de um sorriso
em seus lábios. Lhe devolveu o mesmo olhar.
Eles estavam sonhando o mesmo sonho, pensou. Exceto
que não era um sonho noturno. Mas bem, era um sonho de
vida e os levaria através de todos os altos e baixos do
matrimônio e da vida. Ela nunca tinha estado mais segura de
nada em sua vida.
― Devo te levar de volta ao salão de baile ― disse.
― Sim.
Mas a beijou de novo, e não foi até meia hora mais tarde
que uma reunião avidamente curiosa de parentes e amigos
puderam ver que sim, sem dúvida, havia um romance entre os
dois.
Provavelmente mais que um romance.
CAPÍTULO 8

Cinco dias depois das celebrações pelo aniversário de


Wulfric, Duque de Bewcastle, a grande sala medieval estava se
preparando para outro banquete. Esta vez a ocasião eram as
bodas da irmã da duquesa, a Senhorita Eleanor Thompson,
com Michael, Conde de Staunton. Mas o esplêndido café da
manhã não se serviria até depois de que se oficiassem as bodas
na igreja do povoado e esta não começaria até dentro de meia
hora.
Wulfric esperava a aparição de sua cunhada. Christine,
Hazel e sua mãe lhe haviam dito fazia uns minutos que estava
pronta e que baixaria quase imediatamente. As três pareciam
ter os olhos um pouco úmidos enquanto as escoltava fora e as
deixava na carruagem que as esperava. Foram as últimas
convidadas em ir-se. Os outros se foram antes, adultos e
meninos por igual… todos os meninos, inclusive os bebês,
incluída Lady Caroline Bedwyn, a filha de três meses de
Wulfric.
Eleanor tinha perguntado se a entregaria em suas bodas.
O problema de qual de seus dois cunhados favoritos deveria
perguntar se fez grandemente mais fácil para ela, tinha
explicado com os olhos brilhantes, depois de que Charles
aceitasse a petição de Michael para que celebrasse as núpcias
com o pároco local.
Staunton tinha pedido ao Wulfric, bem tarde na noite do
baile de aniversário, fazer o anúncio de compromisso. Também
tinha perguntado, antes de que se fizesse o anúncio, se as
bodas podiam celebrar-se aqui, na igreja do povoado, logo que
pudesse obter uma licença especial e falasse com o pároco.
Tudo tinha sido notavelmente fácil de arrumar. O pároco e sua
esposa tinham estado no baile, e ele tinha aceito, esfregando as
mãos com entusiasmo, oficiaria o feliz evento no momento em
que lhe avisasse, com a condição de que o noivo chegasse à
igreja com a documentação adequada e preferivelmente com
um anel para o dedo da noiva. Igualmente esteve encantado de
incluir o Reverendo Charles Lofter no serviço. E quanto ao
resto... bom, Christine era a duquesa de Wulfric. Não era
necessário dizer nada mais.
Staunton tinha partido de Lindsey Hall ao amanhecer do
dia seguinte ao baile, depois de ter despertado a seus filhos
para lhes explicar a situação. Tinha retornado ontem, a
primeira hora da tarde, e os Bedwyn e seus cônjuges e os
Lofters e os outros convidados da casa, todos os quais ficaram
com as exceções óbvias de Lady Connaught e a Senhorita
Everly, tinham sido informados que hoje seria o grande dia.
Quando Eleanor entrou no grande salão e olhou a seu
redor ante o bulício dos preparativos e logo olhou ao Wulfric, a
ele ocorreu que parecia ao menos cinco anos mais jovem que a
primeira vez que a tinha visto. Não era que estivesse vestida
como uma noiva ruborizada recém-saída da escola. De fato,
estaria muito surpreso se não lhe tinha visto levar esse vestido
azul mais de uma vez antes. E seu cabelo não estava arrumado
de maneira mais elaborada que de costume. O beira de seu
chapéu tinha sido recentemente adornado com o que pareciam
flores frescas, era certo, e levava um pequeno buquê de flores a
jogo em uma mão enluvada. Mas não era nenhuma dessas
coisas as que a tinham rejuvenescido.
Era ― certamente tinha que sê-lo, porque Christine o
havia dito muitas vezes a Wulfric durante os últimos dias, e ele
não teria sonhado discutir com sua duquesa sobre um assunto
no qual ela era uma autodenominada perita ― era, de fato, o
amor.
E embora ficasse olhando sua cunhada com sua
acostumada expressão austera e com olhos chapeados que
muito estranha vez deixavam entrever qualquer calidez que
pudesse sentir dentro, porém, Wulfric a contemplava com afeto
e aprovação. Uma noiva deve estar apaixonada por seu noivo,
igual ao noivo deve estar apaixonado por sua noiva.
Ele sabia por experiência pessoal.
― Está muito bonita, Eleanor ― lhe disse, oferecendo seu
braço.
― É amável, Wulfric ― disse. ― Meu espelho me diz que
estarei… a condição de que nos dirijamos à igreja sem demora
antes que murchem minhas flores.
Era o tipo de resposta que poderia ter esperado dela…
embora procedeu a arruinar o efeito quase imediatamente.
― OH ― disse, tomando-o do braço e aferrando-o. ― É
natural sentir-se tão nervosa?
Ele a conduziu da casa até a carruagem que esperava.
― Acredito ― disse ― que seria completamente antinatural
não fazê-lo.

***

A igreja do povoado estava respeitavelmente lotada,


embora só dois membros da congregação assistissem por parte
de Michael. Eram suficientes. Eleanor tinha expressado sua
preocupação sobre o tema e lhe tinha devotado ser paciente e
esperar até que todos seus parentes e seus amigos pudessem
ser convocados. Entretanto, ele não tinha estado disposto a
esperar mais. Apaixonou-se inesperadamente e não queria
atrasar nenhuma parte de seu futuro. Seus filhos também se
apaixonaram, e fazê-los esperar poderia ter provocado um
imediato motim.
Georgette estava longe da vista, na parte posterior da
igreja com a Duquesa de Bewcastle e a Senhora Lofter. Levava
um novo vestido de festa rosa que ele tinha comprado
apressadamente em Londres, esperando que ficasse bem e que
fosse algo que ela gostasse. Tinha sido afortunado em ambos os
aspectos. Ela tinha uma tarefa para realizar hoje. Devia
caminhar pela nave da igreja atrás de Eleanor, e devia
permanecer junto a ela durante o serviço para sustentar suas
flores e suas luvas.
Robert, vestido com sua roupa nova, estava sentado
contra o flanco de Michael no banco dianteiro. A Senhora
Harris lhe tinha penteado o cabelo antes de que saíssem da
casa, mas agora luzia sua habitual penugem loira… como um
halo. Robert também tinha que levar a cabo uma tarefa.
Michael lhe tinha atribuído as funções de um padrinho. Seu
filho estaria de pé ao seu lado e lhe entregaria o anel quando
chegasse o momento. Curiosamente, parecia que Robert não
tinha ficado nervoso ou temer que pudesse deixar cair o anel.
― Quando virá a mamãe? ― perguntou com um forte
sussurro. ― Poderei chamá-la assim logo, papai?
― Muito em breve ― disse Michael enquanto um ligeiro
alvoroço na parte posterior da igreja anunciava a aparição de
Lofter e o pároco, quem deu o sinal para que a congregação
ficasse de pé. O órgão tocou um acorde.
E ela se dirigiu para ele ao longo da nave, com o braço
apoiado no de Bewcastle. E Michael, longe de ficar nervoso,
sentiu uma quebra de onda de alegria porque uma certa
tormenta os tivesse apanhado juntos na mesma pequena
estalagem fazia três semanas ― realmente só tinha passado
esse tempo? ― e que Georgette se convidou a tomar o chá com
Eleanor no comilão. Era certo que teriam se conhecido de todos
os modos e que teriam passado duas semanas aqui, na mesma
festa campestre, mas teriam se relacionado se não tivesse sido
por essa tormenta? teriam se vinculado os meninos com ela?
Parecia familiar, formosa, muito amada, e foi consciente
de que sorria com carinho tal como sorria para ele.
Podia sentir como Robert estava agarrando uma das
caudas de sua jaqueta. Georgette estava olhando furtivamente
ao redor de Eleanor e lhe sorria com alegria.
Voltaram-se juntos para enfrentar aos párocos. E assim
começou sua nova vida juntos, um novo sonho para substituir
o antigo. Não, não para substitui-lo, para acrescentá-lo. Porque
ambos tinham amado sinceramente antes, e ambos tinham
sofrido sua perda. Ambos tinham chorado e recordariam para
sempre. Mas agora, hoje, havia outro sonho que prometia
felicidade presente e futura.

***

O nervosismo se desvaneceu logo que Eleanor deu um


passo dentro da igreja e viu o Christine e Hazel esperando ali, e
Georgette, com o rosto aceso pela emoção. Na realidade, estava
saltando acima e abaixo no mesmo lugar, apesar de seu
espumoso vestido rosa.
― Vou segurar suas luvas e suas flores ― disse ― e não
vou dobrar as luvas nem esmagar as flores nem deixar cair
nada, e eu...
Eleanor cavou seu rosto com suas mãos e a beijou.
― Sei, carinho ― disse ela, reconhecendo seu terrível
nervosismo quando o viu. ― Mas não importaria absolutamente
nada, inclusive se fizesse alguma dessas coisas inconfessáveis.
E então, enquanto caminhava ao longo da nave,
segurando no robusto braço do Wulfric e viu Michael
esperando-a, luzindo imaculado e elegante em negro e branco
como a neve, foi a felicidade e a amabilidade em seu rosto o
que a impressionou mais que qualquer outra coisa. Nunca em
sua vida tinha feito nada mais acertado que o que estava
fazendo agora, pensou. Nunca tinha sido mais feliz… e nem
sequer estava casada ainda.
Robert, empunhando uma das caudas da jaqueta de seu
pai, estava olhando com atenção perto de sua perna, seus
olhos muito abertos, seu cabelo selvagem e adorável.
E então começou o serviço nupcial, e enquanto Eleanor
ainda estava tratando de concentrar-se e saborear cada um de
seus momentos, tudo tinha terminado, e Charles, sorrindo
bondosamente de um ao outro, informava-lhes que eram
marido e mulher. Eleanor pensou que bem poderia estalar de
felicidade.
― Papai ― perguntou uma voz sussurrando ― podemos
chamá-la mamãe agora?
A congregação riu a gargalhadas… e aplaudiu. Foi um
momento assombroso. Aplausos dentro de uma igreja ao final
de uma cerimônia solene? Michael se agachou e recolheu
Robert com um braço, e Eleanor envolveu o seus ao redor dos
ombros de Georgette, que tinha se aproximado dela.
― Podem ― disse ela em voz baixa, olhando a cada um dos
meninos enquanto Michael punha sua mão livre na cabeça de
sua filha. ― OH, sim, claro que podem.
E partiram juntos como uma família com suas
testemunhas escolhidas ― Wulfric e o Conde de Ravensberg ―
para assinar o registro. E logo retornaram à igreja e
caminharam pela nave, sorrindo de um lado a outro a seus
convidados ali reunidos, e Eleanor soube que este era sem
dúvida o dia mais feliz de sua vida, como devia ser o dia das
bodas de uma mulher.
― OH… problemas ― disse ela sem grande surpresa
quando emergiram da igreja a brilhante luz do sol e olharam
com o passar do sinuoso atalho do cemitério até as portas e a
multidão congregada de numerosos aldeãos além destas.
Porque dentro das portas e sob a sombra do grande olmo
suspenso sobre o atalho, esperavam os homens Bedwyn, e os
maridos das mulheres Bedwyn, e alguns dos outros hóspedes
masculinos da casa e também alguns dos meninos maiores.
Todos aferravam punhados de pétalas de flores, que logo
choveriam sobre os noivos e seus filhos.
― Seria desconsiderado ― disse Michael ― passear
lentamente pelo atalho como se não nos importasse, inclusive
desfrutássemos da experiência, não é assim? Grita, Georgette.
Ruge, Robert. Toma minha mão, Eleanor e se preparem para
correr.
Puseram-se a correr, rindo impotentes conforme se
afastavam, enquanto Georgette gritava obedientemente e
Robert soltava risinhos sufocados e se aferrava ao pescoço de
seu pai.
A dura prova não terminou quando passaram pelas
portas, é óbvio. O coche aberto, decorado festivamente com
flores e cintas, também levava toda a velha parafernália
metálica que Eleanor recordava das bodas de outras pessoas.
Logo que a carruagem ficasse em movimento, o ruído seria
ensurdecedor. Agora o ruído só era alegre. Houve um som de
gente gritando e rindo, e dos sinos da igreja ressonando com a
notícia de um novo matrimônio.
Instalaram-se no coche enquanto a congregação ― ou o
que ficava dela ― começou a sair da igreja. Todos estavam no
mesmo assento, Robert no colo de Eleanor, Georgette apertada
entre ela e seu pai.
― Se recline um momento, Georgie ― disse Michael,
estendendo um braço sobre o respaldo do assento enquanto o
coche ficava em movimento. E se inclinou sobre sua filha,
beijou a Eleanor nos lábios e sorriu aos olhos.
Os sinos repicaram alegremente, os convidados e os
aldeãos aclamaram o beijo… e um terrível estrondo bloqueou
tudo. Seu sorriso se converteu em risada quando Eleanor riu
dele e Robert tampou as orelhas com as mãos e Georgette jogou
a cabeça para trás e gritou ao céu do verão.

FIM
Notas
[←1]
Coachman: cocheiro. Antigamente se usava a profissão de uma pessoa como
apelido ou sobrenome.
[←2]
No original: “out of the mouths of babes”: usa-se com humor, quando uma
criança acaba de dizer algo inteligente ou interessante.
[←3]
Cidade espanhola

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