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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

1ª CÂMARA CRIMINAL

Autos nº. 0000051-60.2024.8.16.0127

Recurso em Sentido Estrito n° 0000051-60.2024.8.16.0127 RSE


Vara Criminal de Paraíso do Norte
Recorrente(s): JAIR FERREIRA LAZARI
Recorrido(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Relator: Desembargador Substituto Sergio Luiz Patitucci

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO


SIMPLES (ART. 121, CAPUT C/C ART. 14, INC. II, CP) – SENTENÇA DE
PRONÚNCIA – RECURSO DA DEFESA – PLEITO DE CONCESSÃO DA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – NÃO CONHECIMENTO –
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL – MÉRITO –
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – ALEGADA LEGÍTIMA
DEFESA – DESACOLHIMENTO – REQUISITOS DA EXCLUDENTE
NÃO DEMONSTRADOS DE MANEIRA INDUBITÁVEL –
DESCRIMINANTE PUTATIVA, TAMBÉM, NÃO EVIDENCIADA –
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA DIRIMIR A QUESTÃO
– AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE PROVAS CABAIS DE QUE O ACUSADO
DESISTIU VOLUNTARIAMENTE – EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE –
PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO POR AUSÊNCIA DE
ANIMUS NECANDI – NÃO ACOLHIDO – INDÍCIOS DE QUE O
ACUSADO TENHA AGIDO COM DOLO – DECISÃO AFETA AO
CONSELHO DE SENTENÇA – QUESTÃO A SER APRECIADA PELO
TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSO – PARCIAL CONHECIMENTO –
NEGA PROVIMENTO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 0000051-


60.2024.8.16.0127, da Comarca de Paraíso do Norte – Vara Criminal, em que é apelante Jair Ferreira
Lazari, recorrido Ministério Público do Estado do Paraná e interessado Wilson Gantzel (Assistente de
acusação).

I – RELATÓRIO

Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu Denúncia em face de Jair Ferreira


Lazari, qualificado na peça inicial, como incurso nas sanções do artigo 121, caput c/c artigo 14, inciso II,
ambos do Código Penal, pela prática do fato delituoso assim descrito na denúncia (mov. 22.1):
“No dia 19 de fevereiro de 2022, por volta das 03h00min, em via pública, nas imediações do Bar
do Moacir, localizado na Travessa Pedro Marin, n. 999, Centro, no Município de São Carlos do
Ivaí-PR, Comarca de Paraíso do Norte-PR, o denunciado JAIR FERREIRA LAZARI, com
consciência e vontade dirigida ao fim ilícito, iniciou os atos executórios tendentes a matar a vítima
Wilson Gantzel, uma vez que, munido com arma de fogo pistola Taurus, 9mm, número de série
ABG7121521 , efetuou em direção ao ofendido diversos disparos, dos quais 01 (um) o atingiu nas
costas, precisamente na região escapular esquerda, provocando-lhe, assim, as lesões corporais
descritas no Laudo de Exame de Lesões Corporais de mov. 1.6.
Segundo se apurou, a vítima Wilson conduzia seu veículo automotor VW/Gol, placas DCE5D16, em
via pública, quando foi interceptado pelo denunciado JAIR, o qual, após persegui-lo na condução
de seu veículo automotor e proferir contra o ofendido expressões injuriosas, chamando-o de “filho
de puta”, efetuou os disparos de arma de fogo em direção à vítima Wilson, atingindo-a nas costas
na região escapular esquerda, após o que o ofendido se evadiu do local na condução de seu veículo
automotor.
O crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado JAIR, em razão do
erro de pontaria, não obtendo êxito em atingir o ofendido em região vital do corpo, além de que a
vítima Wilson, mesmo atingida por um dos disparos, conseguiu se evadir do local na condução de
seu veículo automotor e buscar pronto e eficaz atendimento médico’’.

Proferida sentença, o réu foi pronunciado pelo crime de tentativa de homicídio simples
(art. 121, caput c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal), constando como vítima Wilson Gantzel,
para o fim de submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri (mov. 198.1).

As partes foram regularmente intimadas da decisão (mov. 201 e 207.1), e a Defesa interpôs
recurso em sentido estrito (mov. 218.1), recebido pelo juízo sem efeito suspensivo (mov. 222.1).

Nas suas razões recursais (mov. 218.1), preliminarmente, a Defesa requer a concessão da
gratuidade judiciária. No mérito, sustenta a necessidade de reforma da decisão com a absolvição sumária
do recorrente, em razão da existência de causa excludente de ilicitude consistente na legítima defesa,
própria e de terceiro, em razão de a vítima ter praticado atitude suspeita ao rondar a caminhonete do
recorrente, que se encontrava estacionada em via pública, com o seu automóvel. Na sequência, quando o
recorrente trafegava com o veículo, a vítima emparelhou o automóvel e interceptou a trajetória dele,
apontando-lhe algo que possivelmente seria uma arma de fogo, ocasião em que o recorrente apenas
defendeu a si próprio e à informante Janaína, sua passageira, da injusta investida da vítima, utilizando-se
moderadamente dos meios necessários. Subsidiariamente, almeja a absolvição sumária pelo
reconhecimento da legítima defesa putativa, aduzindo que o recorrente acreditava que seria vítima de
crime de roubo, considerando as circunstâncias de tempo (madrugada) e de local (ermo e escuro), aliadas
às atitudes suspeitas da vítima, o que culminou nos disparos de arma de fogo. Sucessivamente, busca a
“impronúncia” por ausência de indícios mínimos de autoria, alegando que o laudo pericial não esclareceu
o calibre da munição que atingiu o carro da vítima e a acusação não encaminhou o projétil apreendido
para a realização de perícia, a fim de comprovar que partiu da arma de fogo do recorrente. Ademais, o
recorrente negou ter desferido disparos de arma de fogo contra o veículo da vítima. Não sendo acolhidos
os pedidos anteriores, pugna pela desclassificação do crime de tentativa de homicídio simples para lesão
corporal de natureza leve, sob as alegações de que o recorrente é policial militar aposentado e não tinha a
intenção de matar, pois, caso tivesse, considerando a experiência profissional, teria alcançado o resultado
morte, também incidindo a hipótese de desistência voluntária.
Contrarrazões do Ministério Público do Estado do Paraná pelo conhecimento e
desprovimento do recurso (mov. 227.1).

Em sede de juízo de retratação, o Magistrado manteve a sentença de pronúncia por seus


próprios fundamentos e remeteu os autos a este e. Tribunal (mov. 235.1).

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em parecer do ilustre Procurador de Justiça Ivonei


Sfoggia, pronunciou-se pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso (mov. 13.1/TJ).

É o relatório.

II – O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto face a sentença que pronunciou o réu
pelo crime de tentativa de homicídio simples (art. 121, caput c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal),
no qual a Defesa pleiteia a absolvição sumária, com fundamento na existência da causa excludente de
ilicitude da legítima defesa, seja real ou putativa. Subsidiariamente, pugna pela despronúncia do réu, com
amparo na insuficiência de provas da autoria ou, alternativamente, pela desclassificação da conduta por
ausência de animus necandi. Ao final, requer a concessão da gratuidade judiciária.

Inicialmente, quanto ao pedido de gratuidade de justiça do recorrente, é sabido que sua


análise é de competência do juízo da execução penal, o qual verificará as condições financeiras e a
possibilidade de arcar com as custas processuais, sem prejuízo à subsistência.

Nesse sentido:

“(I) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO


SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. (II) ÂMBITO DE CONHECIMENTO DO RECURSO. (II.
A) PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. MATÉRIA
AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. (II.B) PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO COM FULCRO NO
ART. 386, INCISO IV, DO CPP. PLEITO QUE NÃO COMPORTA ANÁLISE NESTE MOMENTO
PROCESSUAL. (II.C) ALEGADA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. TESE CARENTE DE
FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. (II.D) PRETENSÃO DE
RECORRER EM LIBERDADE. RÉU QUE RESPONDE AO PROCESSO EM LIBERDADE.
AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO, NESSES PONTOS, NÃO CONHECIDO.
(III) MÉRITO RECURSAL. PRETENDIDA DESPRONÚNCIA. SUSTENTADA NEGATIVA DE
AUTORIA. TESE DUVIDOSA. APRECIAÇÃO PROBATÓRIA APROFUNDADA QUE COMPETE
AO CONSELHO DE SENTENÇA, JUIZ NATURAL E SOBERANO DA CAUSA.
PREPONDERÂNCIA, NESTE MOMENTO PROCESSUAL DE MERO JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO, DO PRINCÍPIO ‘IN DUBIO PRO SOCIETATE’.(IV)
CONCLUSÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO
PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0002292-80.2015.8.16.0140 - Quedas do Iguaçu - Rel.: Des. Adalberto
Jorge Xisto Pereira J. 05.08.2023 – destaquei).

Assim, não se conhece do recurso nesta parte.

Presentes os demais requisitos do recurso, passa-se à análise da insurgência recursal


apresentada.
Em que pesem as razões do inconformismo, razão não lhe assiste.

Saliente-se, primeiramente, que a pronúncia consiste em um juízo preambular de


admissibilidade da denúncia que, sem adentrar no mérito da causa, confere a prova da materialidade do
delito e a presença de suficientes indícios de sua autoria, decidindo apenas se tais elementos autorizam a
submissão do réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri, a fim de exercer o juízo soberano sobre o mérito
dos delitos dolosos contra a vida.

Inicialmente, é de se verificar a materialidade do delito, a qual resta consubstanciada pelo


Boletim de Ocorrência nº 2022/1079748 (mov. 1.2), Imagens (mov. 1.7/1.10), filmagem (mov. 1.11), Boletim
de Ocorrência nº 2022/1233316, Auto de Exibição e Apreensão (mov. 15.7), Laudo de Lesões Corporais nº
107.866/2022 (mov. 1.6), Coleta de Padrão nº 10.179/2023 (mov. 17.1), Laudo de Perícia Criminal de
Exame de Arma de Fogo nº 7.213/2023 (mov. 18.1), Laudo de Exame de Veículo Automotor nº 56.215
/2023 (mov. 139.1), além das provas testemunhais colhidas na fase do inquérito policial e em juízo.

Quanto à autoria, das provas coligidas até o momento, há indícios suficientes de que o réu
pode ter praticado o crime de tentativa de homicídio simples pelo qual foi pronunciado, conforme
descrito na denúncia, em que pesem as irresignações apresentadas pela defesa, existindo elementos
satisfatórios para esta fase processual acerca da responsabilidade do acusado na descrita prática
criminosa.

Procedendo ao exame do conjunto probatório, a d. Procuradoria Geral de Justiça


evidenciou os elementos de cognição que autorizam a pronúncia, em análise à prova testemunhal extraída
do seguinte excerto do seu bem lançado parecer (mov. 13.1/TJ):

“A vítima Wilson Gantzel ratificou em juízo a versão extrajudicial, declarando que: conhecia o
recorrente ‘de vista’, o qual era policial militar na cidade; nunca foi abordada por ele e não
tinham amizade nem inimizade; na madrugada do fato, dirigia seu automóvel modelo Gol, pois
retornava da casa da namorada, localizada no município de Paraíso do Norte, em direção à sua
casa, situada no município de São Carlos do Ivaí; entrou numa rua, cujo nome não lembra, onde o
recorrente encontrava-se em pé, encostado numa caminhonete; não reconheceu-o e transitou
normalmente por tal rua; continuou seu percurso e, de repente, uma caminhonete modelo Hilux, de
cor prata, surgiu atrás de seu carro e lhe deu sinal de luz; pensou que era um amigo que possui um
veículo com as mesmas características e estacionou; a caminhonete parou ao lado do seu carro,
ocasião em que avistou uma arma de fogo apontada para o seu rosto e a pessoa armada lhe disse
‘vai morrer, filho da puta’; acelerou seu automóvel e escutou 05 (cinco) ou 06 (seis) disparos de
arma de fogo, dos quais 03 (três) atingiram o carro e 01 (um) as suas costas; dirigiu até o hospital,
mas o recorrente continuou a lhe perseguir; ficou com medo de parar direto no hospital e deslocou-
se até a casa do pai, para que a acompanhasse até o hospital; o recorrente somente parou de lhe
perseguir, quando entrou na rua da casa do seu pai; no trajeto, ele tentou interceptar a sua
trajetória por duas vezes e a perseguiu ‘por quatro esquinas, mais ou menos’; tentou lhe ‘fechar’
antes dos disparos; em momento algum trafegou atrás da caminhonete do recorrente, sempre na
frente; no hospital de São Carlos do Ivaí recebeu os primeiros socorros e o médico acionou a
Polícia Militar; permaneceu 03 (três) dias internada e quase 02 (dois) meses afastada do trabalho;
não sofreu sequelas; soube que o recorrente era autor dos disparos, pois ele encontrava-se num
churrasco no município de São Carlos do Ivaí e as pessoas que lá estavam, disseram-lhe que a
caminhonete era dele; não sabe o motivo de ter sido alvejada; seu carro estava com o estepe
estourado, não sabe se o recorrente ficou irritado, pois quando trafegou perto dele, acelerou o
automóvel; seu carro fazia muito barulho; quanto ao vídeo de mov. 1.11, esclarece que duas
quadras antes da imagem, o recorrente havia começado a dar sinal de luz e ainda não havia
desferido os disparos de arma de fogo; os tiros foram desfechados no momento em que realizou a
conversão e parou o carro, como mostra no vídeo; quando a luz de freio do carro foi acionada, os
disparos ocorreram; depois disso, não houve novos disparos; não emparelhou seu carro com a
caminhonete do recorrente; depois do fato, o recorrente passou a frequentar o município de São
Carlos de Ivaí quase que diariamente; ele transitava com a mesma caminhonete, devagar, próximo
a ela (vítima) e aos seus familiares, encarando-os; não trafegava em frente a sua casa, por ter
câmeras de segurança no local, mas quando encontrava-se em via pública, o recorrente sempre
passava por ela, como se a perseguisse; a última vez que isso ocorreu, foi 05 (cinco) ou 06 (seis)
meses antes da audiência de instrução; por ocasião da confecção do boletim de ocorrência,
realmente declarou para os policias militares que tinha escutado 04 (quatro) tiros e que não sabia
de onde vieram; não quis falar que partiram de dentro da caminhonete, com medo de que o
atirador (recorrente) estivesse dentro do hospital e fosse ‘terminar de lhe matar’.

O policial militar Vagner Rossini Venancio da Silva relatou na audiência de instrução que: na
madrugada do fato, por volta das 03h00, recebeu uma ligação do hospital, informando que havia
uma vítima de disparo de arma de fogo; tomou o depoimento da vítima dentro do hospital, quando
ela encontrava-se na maca; declarou-lhe ter escutado 04 (quatro) disparos de arma de fogo,
quando voltava da casa da namorada, cujo autor não sabia declinar; o pai da vítima encontrava-se
no hospital, acompanhando-a; avistou o veículo da vítima, os tiros acertaram o capô e o vidro
traseiros; não sabe de outro chamado da Polícia Militar que tenha ocorrido no mesmo dia.

A informante Janaína Aparecida Sakamae de Souza declarou em juízo que: estava com o
recorrente na data do fato; ele parou a caminhonete para urinar, desceu e foi atrás do veículo,
ocasião em que apareceu um carro por trás da caminhonete; o carro passou, foi até a frente e
retornou; o recorrente voltou para a caminhonete e falou: ‘acho que vamos sofrer um assalto’;
pediu-lhe para se abaixar; acatou o pedido e o veículo os seguiu; o recorrente freava e acelerava a
caminhonete; antes de sair da cidade, uma das vezes que freou e avançou, acredita que escutou
mais ou menos 03 (três) disparos de arma de fogo; o recorrente lhe disse para permanecer
abaixada, porque era um ‘assalto’ e que disparou para assustar a pessoa, a fim de que ela parasse
de os perseguir; pelo que conseguiu visualizar, os disparos foram direcionados para o alto; o carro
estava na pista de sentido contrário ao da caminhonete e emparelhou o veículo; após a deixar em
casa, o recorrente lhe disse que procurou a Polícia Militar; ‘achou que não ia dar nada, acreditou
que fosse uma tentativa de assalto também’; não avistou se havia arma de fogo com o condutor do
automóvel (vítima), o recorrente lhe pediu para se abaixar, então se abaixou e não levantou mais;
depois dos disparos de arma de fogo, o recorrente falou que o condutor do carro estava armado;
quando estavam parados, avistou o carro passar e acreditou que era alguém transitando
normalmente; o carro foi até a frente, fez o retorno e voltou na contramão, de frente com a
caminhonete; fez a volta novamente e veio por trás; não reconhece o local no vídeo de mov. 1.11,
acredita que estava abaixada; ficou com muito medo, por já ter sofrido um roubo; só levantou
quando o recorrente autorizou; não lembra se houve xingamento; escutava o barulho do outro
carro, que dava a entender que tentava emparelhar com o veículo onde estava; mesmo com medo
do roubo, ingressaram numa estrada de terra, sozinhos; era o caminho mais curto para chegar em
sua casa; não sabe porque o recorrente passou direto pela Delegacia de Polícia; não se recorda de
ele ter passado a mão por cima dela para efetuar os disparos; em certo momento, a perseguição se
inverteu, a ponto dela e do recorrente passarem a perseguir um terceiro (vítima).

O informante Edmaico Gantzel declarou judicialmente que: é irmão da vítima, a qual lhe telefonou
na manhã de 19 de fevereiro de 2022, pedindo que levasse-lhe roupas, pois havia sido alvejada;
avistou o carro dela com marcas de disparos de arma de fogo, no vidro lateral esquerdo e no porta-
malas traseiro; deu para ver onde a munição entrou, que transfixou o banco do motorista e que o
tiro foi desferido por trás do carro; conhecia o recorrente, o qual era policial em São Carlos do
Ivaí, já frequentou casas de amigos onde ele estava, mas nunca conversaram ou desentenderam-se;
não sabe o motivo dos disparos; 02 (dois) dias depois do fato, encontrava-se num bar em São
Carlos do Ivaí, quando o recorrente parou a caminhonete no local e desembarcou junto a um
rapaz; ambos passaram pela mesa onde estava, encarando-o; com medo, deixou o local; depois
disso, ligou para o advogado e pediu medidas protetivas em juízo; avisou o irmão sobre a medida,
o qual também estava com medo, falou que era perseguido e não queria sair de casa; seu irmão
relatou ter visto o veículo do recorrente passar algumas vezes pela esquina da casa dele, bem
como, quando encontrava-se no posto.

Em juízo, a testemunha Luiz Antonio Pettermann e o informante Jonautan Rosa da Silva prestaram
apenas declarações abonatórias em relação ao recorrente.

A testemunha Antonio Olimpio Ramires Lima relatou judicialmente que: o recorrente trabalhou no
oitavo batalhão sob o seu comando; quando ocorreu o fato, ele a procurou, assim como a outros
policiais militares da reserva, ocasião em que orientaram-lhe a procurar a Delegacia de Polícia de
Paraíso do Norte para comunicar o fato; o recorrente contou que acreditava que alguém queria
‘pegá-lo’ e que também poderia ter sido uma tentativa de roubo.

Por sua vez, o recorrente JAIR FERREIRA LAZARI, em seu interrogatório judicial, declarou que:
parou a caminhonete para urinar em via pública; dirigiu-se para a parte de trás do veículo,
momento em que surgiu um automóvel com a luz alta, o qual passou por ele, foi até a frente da
caminhonete, retornou e fez um zigue-zague; falou para sua passageira, Janaína: ‘vamos sair
daqui porque eu sou visado, jurado de morte, uma hora dessas, a camioneta não tem seguro e essa
cidade está tendo roubo com frequência’; saiu e não avistou o carro; de repente, notou a luz alta
de um veículo atrás do seu; acelerou e o tal veículo atrás também acelerou; a rua era bem estreita;
o carro emparelhou ao seu lado e o condutor lhe apontou uma arma; disse para Janaína abaixar-
se, pois achava que seriam roubados; freou e desferiu 03 (três) disparos de arma de fogo com a
mão esquerda, para cima; não avistou mais o carro; estava com medo, porque já foi ameaçado
muitas vezes e é jurado de morte; havia uma estrada ‘de chão’, perto do sítio onde Janaína residia,
deixou-a em casa e foi embora; no outro dia, registrou boletim de ocorrência; não conhecia a
vítima, nunca teve desavença com ela; aposentou-se em janeiro de 2015; a caminhonete no vídeo
de mov. 1.11 é sua; urinou perto do local que aparece no vídeo; queria escapar da perseguição da
vítima, mas as ruas eram muito estreitas; o vídeo mostra o momento em que ‘o outro carro’ o
ultrapassa; a vítima havia lhe apontado a arma de fogo bem antes das imagens registradas pelo
vídeo em questão; neste, aparece o instante em que freou, pois avistou a vítima à frente e pensou
que seria encurralado por ela; não recebeu ‘voz de assalto’; não teve intenção de alvejar ninguém;
atirou para o alto, para escapar do local; o carro estava na sua frente quando disparou, instante
em que freou e, com a mão esquerda, desferiu 03 (três) disparos; após os disparos, o carro foi
embora.

Examinado o conjunto probatório, verifica-se a existência de indícios suficientes de autoria contra


o recorrente, os quais consubstanciam-se nas declarações da vítima, no sentido de que ele desferiu-
lhe disparos de arma de fogo de dentro da caminhonete Hilux, prata, em via pública, enquanto
encontrava-se dentro do seu automóvel modelo Gol, parada, após ter recebido sinal de luz dele”.

A análise do contexto fático-probatório exposto permite concluir que o pleito de


absolvição sumária se revela descabido, pois, conforme estabelece o art. 415 do Código de Processo
Penal, o Magistrado somente absolverá sumariamente o denunciado quando “provada a inexistência do
fato; provado não ser ele autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal; demonstrada
causa de isenção de pena ou de exclusão do crime”, o que não ocorre na espécie.

In casu, os elementos trazidos à análise não permitem conclusão inexorável acerca da


alegada legítima defesa, seja real ou putativa, existindo versões diferentes a respeito da dinâmica do
evento, não havendo a certeza indubitável para reconhecer-se, neste momento processual, da alegação.
Verifica-se, portanto, que persiste a dúvida.

Cabe ressaltar que, para configuração da legítima defesa putativa, é necessário que,
excluído o erro, sejam respeitados os requisitos do artigo 25 do Código Penal.
As declarações prestadas pelo ofendido foram corroboradas pelo vídeo acostado ao mov.
1.11 referente à data do fato, no qual é possível visualizar os veículos da vítima e do recorrente
trafegando pelas mesmas vias. A caminhonete do réu se encontra ao lado esquerdo do carro da vítima,
que faz uma curva à direita e o recorrente, mesmo podendo seguir em frente ou virar à esquerda, também
realiza a conversão, junto à vítima, o que parece amparar a versão apresentada na denúncia.

As imagens do veículo do ofendido também corroboram sua versão, observando-se marcas


de disparos de arma de fogo no lado esquerdo da traseira (porta-malas), no vidro traseiro esquerdo e no
lado esquerdo do banco do motorista (mov. 1.7 a 1.10).

Ademais, o Laudo do Exame de Lesões Corporais da vítima evidenciou “Ferimento


pérfuro-contuso em região escapular esquerda, de aproximadamente 1 cm de diâmetro, com ponto de
sutura central e halo equimótico cutâneo de aproximadamente 12 cm de diâmetro” (mov. 1.6).

A hipótese de absolvição sumária do réu, por presença de excludente de ilicitude, só


encontra acolhimento quando não restarem dúvidas acerca da configuração fática de sua ocorrência. Do
contrário, incumbe ao juiz proceder à pronúncia do réu para que seja julgado pelo Tribunal do Júri, como
in casu.

Inexiste prova cabal da alegada legítima defesa, real ou ficta, não havendo como se
acolher, neste momento processual, da pretendida absolvição sumária (artigo 415, inciso IV, do Código
de Processo Penal), devendo o feito deve ser submetido ao Conselho de Sentença, por imperativo
constitucional.

A respeito, destaco precedente desta c. 1ª Câmara Criminal:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO -


ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA AO ARGUMENTO DE LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA – NÃO
ACOLHIMENTO - INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL A CORROBORAR A TESE DEFENSIVA -
MANUTENÇÃO DA DECISÃO GUERREADA - CAUSA QUE DEVE SER SUBMETIDA AO
CONSELHO DE SENTENÇA - RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0004882-
64.2008.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Desembargador Antonio Loyola Vieira - J. 11.04.2021).

“PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2.º, INCISOS II E IV, CP). RECURSO
DA DEFESA. 1) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA SOB A INVOCAÇÃO DE TER O RÉU
AGIDO EM LEGÍTIMA DEFESA. DESACOLHIMENTO. REQUISITOS DA EXCLUDENTE
NÃO DEMONSTRADOS DE MANEIRA INDUBITÁVEL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
DO JÚRI PARA DIRIMIR A QUESTÃO . 2) EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS.
INVIABILIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DE QUE O ACUSADO AGIU POR MOTIVO FÚTIL
E COM EMPREGO DE RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DO OFENDIDO.
RECURSO DESPROVIDO.” (RESE nº 17159- 16.2019.8.16.0083, Relator: Des. Miguel Kfouri Neto, J. 5.2.2021).
(Destaquei)

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO


DUPLAMENTE QUALIFICADO PRONÚNCIA. LEGÍTIMA DEFESA. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO CABAL. (...). Embora o art. 397 do Código de Processo Penal autorize a
absolvição sumária do réu, tal decisão somente poderá ser adotada ante a manifesta existência de
causa excludente de ilicitude ou das demais situações previstas no referido artigo. Caso
contrário, havendo dúvidas quanto à tese defensiva, caberá ao Tribunal do Júri dirimi-las” (AgRg
no AREsp nº 1.420.950/ PB, 6ª Turma, Relator: Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 20.2.2020). (Destaquei).
De igual forma, incabível o pleito de despronúncia, pois, conforme estabelece o art. 414 do
Código de Processo Penal, o Magistrado somente impronunciará o réu quando não existir prova da
materialidade do delito, nem houver indícios mínimos de autoria.

Embora a Defesa sustente ausência de indícios de autoria e inexistência de animus necandi


na conduta, as alegações se encontram destituídas de amparo, assim como se manifestou o d. Procurador
de Justiça:

“A despeito de o recorrente ter declarado que não agiu com intenção homicida e que
acreditava que seria vítima de um crime de roubo, foi claro ao narrar que não recebeu ‘voz de
assalto’ da vítima e que desferiu os disparos de arma de fogo, quando o veículo dela encontrava-se
em frente ao seu. Assim, confirmou ter desfechado os disparos, ainda que não tenha admitido o
intento homicida e que direcionou-os ao carro da vítima.
Não há dúvida, portanto, de que os disparos desferidos pelo recorrente foram os que
atingiram o carro e o corpo da vítima, revelando-se irrelevante a não apuração, no laudo pericial
do automóvel, do calibre da munição que atingiu-o.
De mais a mais, não há que se falar em legítima defesa, uma vez que a única pessoa que
presenciou a suposta ameaça representada pela vítima, qual seja, a informante Janaína, declarou
que não avistou-a de posse de arma de fogo, tampouco visualizou os disparos desferidos pelo
recorrente, porquanto encontrava-se abaixada dentro da caminhonete”

Registra-se, por oportuno, que em análise ao vídeo de mov. 1.11, percebe-se que a vítima
e o recorrente são os únicos indivíduos presentes na via.

Da mesma forma, não há como se firmar certeza indubitável a respeito da ausência de


animus necandi pela argumentação apresentada pela defesa, afastando-se o animus necandi e ensejando a
desclassificação da conduta

Como a decisão de pronúncia não forma convicção definitiva acerca do fato criminoso e a
desclassificação da conduta criminosa, com o afastamento do animus necandi exige a presença de
elementos concretos acerca da inexistência de dolo caracterizador do crime contra a vida, o que não é o
caso, não há como se proceder à despronúncia.

Nesse sentido, a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça e desta c. 1ª Câmara


Criminal:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA.


HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. TENTATIVA CRUENTA. PLEITO DE PARCIAL
DESCLASSIFICAÇÃO DELITIVA. INDUVIDOSA CONSTATAÇÃO DA AUSÊNCIA DO
ANIMUS NECANDI NA CONDUTA DO AGENTE. NÃO OCORRÊNCIA. CONEXÃO COM
DELITO DOLOSO CONTRA A VIDA. JUÍZO DE PRELIBAÇÃO DA ACUSAÇÃO POSITIVO.
FASE DE INSTRUÇÃO PRELIMINAR. PRESERVAÇÃO À SOBERANIA DOS VEREDICTOS E
À COMPETÊNCIA PREVALENTE DO JUÍZO NATURAL DO JÚRI POPULAR. PRONÚNCIA
MANTIDA. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) Na fase prelibatória da acusação, submetida ao rito do Júri,
somente não será pronunciado o acusado, com mitigação ao postulado doin dubio pro societate, e
até autorizada – de forma excepcional – a desclassificação delitiva, pelo Juízo da pronúncia,
quando clara e inconteste a inexistência do animus necandi na conduta do agente” (STJ, AgRg no
AREsp nº 1.499.923/DF, 6ª Turma, Relatora: Min. Laurita Vaz, DJe 9.9.2019). (Destaquei)
“PRONÚNCIA. MAUS TRATOS (ART. 32, DA LEI N.º 9.605/98), HOMICÍDIO SIMPLES (ART.
121, CAPUT, DO CP), TENTATIVA DE LESÃO CORPORAL (ART. 129, CAPUT, C.C. O ART. 14,
INC. II, AMBOS DO CP) E AMEAÇA (ART. 147, DO CP). RECURSO DA DEFESA. 1) PLEITO
ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE MAUS TRATOS, TENTATIVA DE LESÃO
CORPORAL E AMEAÇA. DESCABIMENTO. EXISTÊNCIA DE PROVAS DE MATERIALIDADE E
INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. CONDUTAS IMPUTADAS AO ACUSADO QUE SE
AJUSTAM, EM TESE, AOS TIPOS PENAIS DE REFERÊNCIA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA
PARA A PRONÚNCIA DOS CRIMES CONEXOS. 2) PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO
CRIME DE HOMICÍDIO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. ALEGADA
AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. DESACOLHIMENTO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE
QUE O RÉU AGIU COM DOLO DE MATAR. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
(ART. 5º, XXXVIII, “D”, DA CF/88) PARA APRECIAR A MATÉRIA QUE SÓ PODE SER
AFASTADA QUANDO HOUVER PROVA INEQUÍVOCA DA TESE INVOCADA. DECISÃO
MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. ” (TJPR, 1ª C. Criminal, RESE nº 0009081-74.2020.8.16.0058, Rel.
Des.: Miguel Kfouri Neto, julgado em 26/06/21). (Destaquei)

“PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO(ART. 121, § 2.º, INCISOS II, III E IV, CP).
RECURSO DA DEFESA. 1) PRELIMINAR DE NULIDADE DA PRONÚNCIA, POR AUSÊNCIA
DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DEVIDAMENTE MOTIVADA. 2)
MÉRITO. PRELIMINAR SUSCITADA PELA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA DE NÃO
CONHECIMENTO DO RECURSO NESTA PARTE, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA
DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. 3)
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. DESACOLHIMENTO. REQUISITOS
DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE NÃO COMPROVADOS. 4) DESCLASSIFICAÇÃO DA
CONDUTA PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. IMPOSSIBILIDADE.
INDÍCIOS SUFICIENTES DE QUE O ACUSADO PRATICOU O FATO NARRADO NA
DENÚNCIA COM INTENÇÃO DE MATAR, AO GOLPEAR A VÍTIMA COM UMA ARMA
BRANCA NA REGIÃO DO PESCOÇO E DESFERIR CHUTES EM SEU ROSTO,
ENQUANTO CAÍDA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 5.º, INC. XXXVIII,
“D”, DA CF/88) PARA APRECIAR A MATÉRIA, QUE SÓ PODE SER AFASTADA QUANDO
HOUVER PROVA LÍMPIDA. 5) EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE.
MOTIVO TORPE, EMPREGO DE MEIO CRUEL E EMPREGO DE RECURSO QUE
DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA COM AMPARO NO CONJUNTO PROBATÓRIO.
RECURSO DESPROVIDO.O Júri Popular é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida,
consumados ou tentados. O recurso em sentido estrito permite que o Tribunal de Justiça altere a
decisão de pronúncia. Isto, tão somente quando verificável manifesto equívoco ou evidente
contrariedade ao ordenamento jurídico – circunstâncias ausentes do presente caso. ” (TJPR, 1ª C.
Criminal, RESE nº 0001985-50.2020.8.16.0044, Rel. Des.: Miguel Kfouri Neto, julgado em 24/07/21). (Destaquei)

A incerteza a respeito da presença, ou não, do elemento subjetivo na conduta investigada


deve ser apurada pelo Conselho de Sentença. A desclassificação só teria cabimento se inexistissem
quaisquer dúvidas acerca da ausência de dolo na ação criminosa, o que não ocorre na espécie.

Em suma, a decisão de pronúncia consiste em um juízo preambular de admissibilidade da


denúncia, bastando, nessa fase, a demonstração da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação, como in casu, restando ao Tribunal do Júri o juízo soberano
sobre o mérito dos delitos dolosos contra a vida e análise das teses de defesa.

In casu, os elementos trazidos à análise não permitem conclusão inexorável acerca da


alegada desistência voluntária, existindo versões diferentes a respeito da dinâmica do evento, não
havendo a certeza indubitável para reconhecer-se, neste momento processual, da alegação. Verifica-se,
portanto, que persiste a dúvida.
Para fins de caracterização da desistência voluntária, não basta a mera cessação do ataque,
uma vez que o recorrente pode ter parado de atirar contra o veículo da vítima por inúmeras razões,
inclusive pelo fato de ela ter obtido êxito na fuga do local.

Embora a Defesa sustente que o recorrente não prosseguiu na execução, e não possuía
animus necandi em relação à vítima, a análise de tais circunstâncias são matérias afetas ao Conselho de
Sentença, ao qual incumbirá verificar as provas e versões constantes nos autos.

Imperioso salientar que para o acusado ser pronunciado não é necessário um juízo de
certeza, típico de um édito condenatório, uma vez que a simples suspeita ou probabilidade da
participação do agente em crime doloso contra a vida já é suficiente para ser admitida a acusação e
levada à apreciação do Júri.

Nesse sentido, entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta C. Câmara Criminal:

“A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o


ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se
demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório” (AgRg
no AREsp nº 681.426/PR, 5ª Turma, Relator: Min. Jorge Mussi, DJe 13.3.2018).

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PLEITOS DE ABSOLVIÇÃO


SUMÁRIA OU DESPRONÚNCIA. NEGATIVA DE AUTORIA. INEXISTÊNCIA DE PROVAS
INEQUÍVOCAS NESSE SENTIDO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA
DIRIMIR TAIS CONTROVÉRSIAS. PRETENSÕES AFASTADAS. INTELIGÊNCIA DO ART.
413, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DECISÃO DE PRONÚNCIA QUE ENCERRA MERO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. (...). RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR - 1ª C. Criminal - 0001054-
64.2020.8.16.0006 - Curitiba - Rel.: Desembargador Macedo Pacheco - J. 18.02.2021).

Em suma, a decisão de pronúncia consiste em um juízo preambular de admissibilidade da


denúncia, bastando, nessa fase, a demonstração da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação, como in casu, restando ao Tribunal do Júri o juízo soberano
sobre o mérito dos delitos dolosos contra a vida e análise das teses de defesa.

Por oportuno, a aplicação do princípio in dubio pro reo só teria lugar, nesta fase
processual, diante da atuação inexitosa da acusação em apresentar indícios suficientes de autoria e prova
da materialidade, nos termos do que exige o art. 413, CPP, o que não ocorreu na espécie.

Reitera-se que a decisão de pronúncia não é exauriente, ou seja, o juiz da instrução


preliminar não se aprofunda no debate acerca das provas, tanto da defesa quanto acusação. Em verdade,
deve se abster de tecer considerações a respeito do valor das provas, limitando sua atuação a uma
fundamentação técnica, sem tecer valorações subjetivas em prol de uma parte ou outra. Neste momento,
as teses de acusação e defesa não são rechaçadas de plano. Conforme doutrina:

“O magistrado fará menção da viabilidade da imputação e da impossibilidade de se acolher


naquele momento, por exemplo, a tese da legítima defesa, salientando a possibilidade do júri
acolhê-la ou rejeitá-la. É o júri o juiz dos fatos e a pronúncia fará um recorte deles, admitindo os
que se sustentam e recusando aqueles evidentemente improcedentes. O juiz togado não deverá
exarar motivação tendenciosa ou que tenha o condão de influenciar os jurados ao receber cópia da
peça” (Távora, Nestor; Alencar, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal, 12ª ed., p. 1239).
No caso, as provas trazidas até o momento não apontam com certeza nesse sentido, pois
não se dessume que a agressão imputada ao réu visava apenas repelir injusta provocação, tampouco que
os meios empregados possam ser considerados como utilizados moderadamente.

Assim, evidenciada a materialidade e havendo indícios suficientes de autoria, de rigor a


submissão da recorrente a julgamento pelo Tribunal do Júri, competindo aos jurados, juízes naturais da
causa, decidirem sobre eventuais dúvidas existentes.

Diante do exposto, é de se conhecer parcialmente e negar provimento ao recurso em


sentido estrito apresentado pela Defesa de Jair Ferreira Lazari.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO EM PARTE O
RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO OU DENEGAÇÃO o recurso de JAIR FERREIRA LAZARI.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargadora Lidia Maejima, com voto, e dele
participaram Desembargador Substituto Sergio Luiz Patitucci (relator) e Desembargador Substituto
Benjamim Acácio De Moura E Costa.

Curitiba, 17 de maio de 2024

Des. Subst. SERGIO LUIZ PATITUCCI

Relator

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