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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Turma de Uniformização de Jurisprudência Fazendária

Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0180299-


66.2020.8.19.0001
Requerente: ADNIR ISRAEL DE OLIVEIRA
Recorrido: O FUNDO ÚNICO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DO
ESTADO
DO RIO DE JANEIRO – RIOPREVIDÊNCIA e o ESTADO DO RIO
DE
JANEIRO

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA. MILITAR INATIVO. REFORMA POR
INVALIDEZ. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
ALÍQUOTA DE 9,5% SOBRE O TOTAL DA
REMUNERAÇÃO APÓS A EDIÇÃO DA LEI FEDERAL Nº
13.954/2019. INCIDENTE QUE SE DESTINA A DIRIMIR
APENAS DIVERGÊNCIAS ENTRE ÓRGÃOS
JULGADORES SOBRE QUESTÕES DE DIREITO
MATERIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 24-
C, CAPUT E §§ 1º E 2º, DO DECRETO-LEI N° 667/1969, NA
REDAÇÃO DADA PELA LEI FEDERAL N° 13.954/2019.
TEMA 317 DO STF - O ART. 40, § 21, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL É NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA, CUJOS
EFEITOS ESTÃO CONDICIONADOS À EDIÇÃO DE
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ULTERIOR.
INEXISTÊNCIA DE LEI NO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO. UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTO
DAS TURMAS RECURSAIS FAZENDÁRIAS E, NO CASO
CONCRETO, MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO.

RELATÓRIO

Trata-se de Incidente de Uniformização de Jurisprudência requerido por


ADNIR ISRAEL DE OLIVEIRA no processo nº 0180299-

Assinado em 23/11/2022 14:12:30


SUZANE VIANA MACEDO:26906 Local: TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO FAZENDÁRIA
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66.2020.8.19.0001, admitido pela Presidente desta Turma de


Uniformização (índex 431).

ADNIR ISRAEL DE OLIVEIRA, no índex 393, e com apoio nos


documentos dos índices 414 e 420, sustenta que haveria divergência entre
as 1ª e 2ª Turma Recursais Fazendárias no que diz respeito a pedidos para
manutenção dos descontos que eram realizados com base nos artigos 33
e 34, I, da Lei Estadual nº 3.189/1999, que determinavam a
incidência da contribuição previdenciária sobre os valores que
ultrapassassem o denominado “duplo teto previdenciário”, na alíquota
de 14%, aplicáveis aos militares estaduais por força do artigo 4º da Lei
Estadual nº 4.275/2004 e, no seu entender, correto seria o entendimento
adotado pela 2ª Turma, que acolhe que acolhe pretensões similares à sua,
o que se repetiria nas Câmaras Cíveis.

Quanto à questão de fundo, aponta a ilegalidade da Lei nº13.954/2019 que


determina que os descontos de contribuições previdenciárias dos policiais
militares e bombeiros militares ocorra sobre a totalidade da remuneração
dos servidores inativos e pensionistas. Aduz que tal diploma legal afronta
as disposições da Emenda Constitucional nº 103/2019 (artigos 10, §7º, 20
§4º e 22, § único. Acrescenta que anteriormente à referida lei, a matéria
estava regulada nos artigos 33 e 34, da Lei Estadual nº 3.189/1999, que foi
alterada pela Lei Estadual nº5.260/2008, que estabelecia que a
contribuição incidiria apenas sobre os valores que ultrapassassem o
denominado “duplo teto previdenciário”, com o percentual de 14%
(quatorze por cento). Ressalta que a partir da Lei Estadual nº5.260/2008,
todo e qualquer servidor do Estado do Rio de Janeiro, civil ou militar, que
passasse à inatividade ou reforma, em razão de qualquer incapacidade
laborativa, era aplicada a regra do desconto previdenciário apenas sobre
o saldo da remuneração que ultrapassava o duplo teto previdenciário.
Que recentemente, aos 21/10/2021, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, nos autos do RE 1338750 RG / SC, sob relatoria do Exmo. Min.
Luiz Fux, tratando de questão exatamente idêntica à ora posta,
reconheceu a Repercussão Geral da matéria - Tema 1.177. Que
descabe a aplicação do Tema 317 do STF que fixou como tese
“Autoaplicabilidade da imunidade relativa à contribuição sobre os
proventos de aposentadorias e pensões dos servidores públicos, prevista
no art. 40, § 21, da Constituição Federal, quando o beneficiário for
portador de doença incapacitante.”, considerando que o Estado do Rio de
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Janeiro editou a Lei nº 5.260/08 e a ação não envolve a autoaplicabilidade,


ou não, do §21, do art. 40, da C.F. Por fim, requer que seja dado
provimento ao presente Incidente, uniformizando-se a jurisprudência nos
termos dos acórdãos paradigmas, emanados da Colenda Segunda
Turma Recursal dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, adotando-
se a seguinte tese: “São inconstitucionais os descontos de contribuição
previdenciária sobre a totalidade da remuneração de militares
estaduais inativos e pensionistas, promovidos pelo Estado do Rio de
Janeiro com fundamento na Lei 13.954/2019, devendo retornarem à
sistemática anterior até que passe a viger a Lei nº. 9.537/2021.”, bem como
seja reformado o acórdão recorrido, determinando-se o restabelecimento
dos descontos de contribuição previdenciária do suscitante aos termos
dos artigos 33 e 34, I, in fine, da Lei Estadual nº. 3.189/1999.

Embora devidamente intimados, o FUNDO ÚNICO DE PREVIDÊNCIA


SOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RIOPREVIDÊNCIA e
o ESTADO DO RIO DE JANEIRO não apresentaram contrarrazões,
conforme certificado no index 428.

O Ministério Público, no índex 430, reitera anterior manifestação pela


ausência de interesse público justificador da intervenção.

É o relatório.

VOTO

A questão aqui controvertida e que deve ser examinada neste Incidente


de Uniformização de Jurisprudência diz respeito à aplicação ou não do
§21, art.40, da CF/88 sobre os descontos de contribuições previdenciárias
dos policiais militares e bombeiros militares portadores de doença
incapacitante, devendo ser analisado se há lei específica nos termos do
comando constitucional, que determine as espécies de doenças
incapacitantes que entrariam no âmbito de tal norma, requisito
fundamental para sua aplicabilidade.

A Lei nº 13.954/19, que, alterando o "Sistema de Proteção Social dos


Militares", inseriu a seguinte regra no Decreto-Lei nº 667/69:
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"Art. 24-C - Incide contribuição sobre a totalidade da


remuneração dos militares dos estados, do Distrito Federal e
dos territórios, ativos ou inativos, e de seus pensionistas,
com alíquota igual à aplicável às Forças Armadas, cuja
receita é destinada ao custeio das pensões militares e da
inatividade dos militares."

O referido dispositivo estabeleceu a contribuição dos inativos e


pensionistas de militares estaduais com base na alíquota prevista no art.
3º-A, da Lei 3.765/60, também alterada pela Lei 13.954/19, no percentual
de 9,5%, a partir de 1º de janeiro de 2020, e de 10,5%, a partir de 1º de
janeiro de 2021.

Em julgamento realizado em 11/10/2021, o eminente Ministro Roberto


Barroso, ao apreciar pedido de Medida Cautelar nos autos da Ação Cível
Originária nº 3.350/DF, cuja ementa transcrevo a seguir, decidiu que:

“EMENTA: Direito Administrativo. Ação cível originária.


Alíquota de contribuição para inatividade e pensão. Policiais e
bombeiros militares estaduais. 1. Ação cível originária por meio da
qual o Estado pretende não ser sancionado caso continue a aplicar
aos militares estaduais a alíquota de contribuição para o regime de
inatividade e pensão prevista na legislação estadual (14%), em
detrimento de lei federal que determinou que se aplicasse a essa
categoria a mesma alíquota estabelecida para as Forças Armadas
(então, 9,5%). 2. A União, ao definir a alíquota de contribuição
previdenciária a ser aplicada aos militares estaduais, extrapolou a
competência para a edição de normas gerais sobre “inatividades e
pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares”
(art. 22, XI, da Constituição Federal, com a redação dada pela
Emenda Constitucional nº 103/2019). Precedente recente e
unânime do Plenário desta Corte. 3. A interpretação sistemática da
Constituição fortalece o argumento de que a alíquota da
contribuição previdenciária devida por militares estaduais deve ser
fixada por meio de lei estadual que considere as características dos
regimes de cada um desses entes públicos (arts. 42, § 1º, 142, § 3º,
X e 149, § 1º, da Constituição). Precedentes. 4. A edição de atos
normativos cuja aplicação implicará a redução das alíquotas de
contribuição praticadas pelo Estado revela comportamento
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contraditório da União – que, de um lado, exige dos demais entes


públicos que assegurem o equilíbrio de seus regimes próprios de
previdência e, de outro, restringe os meios para o alcance desse
objetivo. 5. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art.
24-C, caput e §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei n° 667/1969, na redação
dada pela Lei federal n° 13.954/2019 e, por arrastamento, das
Instruções Normativas nºs 05 e 06/2020 da Secretaria Especial de
Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. 6. Pedido
julgado procedente, prejudicado o agravo interno.”

Diante de tal julgamento, concluiu-se que ao dispor sobre as alíquotas


previdenciárias dos servidores militares estaduais, a Lei nº 13.954/2019
exorbitou a competência da União para a edição de normas gerais, em
prejuízo da autonomia dos entes federativos. Assim, foi declarada
incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 24-C, caput e §§ 1º e 2º, do
Decreto-Lei n° 667/1969, na redação dada pela Lei federal n° 13.954/2019.

Ressalte-se que até o advento da referida reforma da previdência, sob a


égide da Emenda Constitucional nº 103/2019, a Constituição Federal, na
seção pertinente aos servidores públicos, consagrava o benefício da
isenção parcial no valor descontado a título de contribuição
previdenciária aos inativos portadores de doença incapacitante, que era
previsto no art. 40, §1º da Lei Maior, que ora transcrevo:
“Art. 40
[...]
§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá
apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de
pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os
benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.
201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for
portador de doença incapacitante.”

Assim, os proventos de aposentadoria e pensões dos servidores restavam


isentos do pagamento de contribuição previdenciária até o limite de duas
dezes o valor do maior benefício pago pelo Regime Geral da Previdência.

Cumpre registrar que a questão discutida foi tratada no Tema 317 do STF
(RE 630137-RS), em que se firmou a seguinte tese de repercussão geral,
verbis:
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“O art. 40, § 21, da Constituição Federal, enquanto esteve em


vigor, era norma de eficácia limitada e seus efeitos estavam
condicionados à edição de lei complementar federal ou lei
regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos
respectivos regimes próprios de previdência social”.

O aludido julgado ficou assim ementado:

EMENTA: Direito constitucional, tributário e previdenciário.


Recurso extraordinário com repercussão geral. Contribuição
previdenciária. Não incidência. Portadores de doenças
incapacitantes. Norma de eficácia limitada. 1. Repercussão geral
reconhecida para determinação do alcance da não incidência
prevista no § 21, do art. 40, da Constituição, acrescentado pela EC
nº 47/2005. O referido dispositivo previa a não incidência de
contribuição previdenciária sobre a parcela dos proventos de
aposentadoria e pensão que não superasse o dobro do limite máximo
do regime geral de previdência social, quando o beneficiário, na
forma da lei, fosse portador de doença incapacitante. O presente
recurso envolve a análise de dois aspectos: (i) a autoaplicabilidade
do dispositivo; e (ii) se o Poder Judiciário, na ausência de lei
regulamentar, pode utilizar norma que dispõe sobre situação
análoga para disciplinar a matéria. No caso concreto, o Tribunal de
origem considerou a norma autoaplicável e determinou a restituição
dos valores retidos a partir da publicação da EC nº 47/2005. 2. Há
acórdãos do Plenário desta Corte que consideram o art. 40, § 21, da
Constituição Federal norma de eficácia limitada, cujos efeitos estão
condicionados à edição de legislação infraconstitucional para
regulamentar as doenças incapacitantes aptas a conferir ao servidor
o direito à referida não incidência. Alinho-me a esses precedentes,
aplicando-os ao presente caso a fim de conferir efeitos vinculantes à
tese jurídica neles firmada. 3. Além disso, a jurisprudência do
Tribunal é pacífica no sentido de ser inviável a extensão pelo Poder
Judiciário de norma de desoneração tributária a título de isonomia.
Dessa forma, incabível a utilização, por analogia, de leis que regem
situação diversa da presente hipótese. 4. Recurso extraordinário
provido. Modulação dos efeitos do presente acórdão, a fim de que os
servidores e pensionistas que, por decisão judicial, vinham deixando
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de pagar as contribuições não as tenham que restituir. Nesses casos,


o acórdão terá eficácia somente a partir da publicação da ata de
julgamento, momento em que os entes que não tenham editado lei
regulamentando o dispositivo poderão voltar a reter as
contribuições previdenciárias. 5. Fixação da seguinte tese em sede
de repercussão geral: “O art. 40, § 21, da Constituição Federal,
enquanto esteve em vigor, era norma de eficácia limitada e seus
efeitos estavam condicionados à edição de lei complementar federal
ou lei regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos
respectivos regimes próprios de previdência social”. (RE 630137,
Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
01/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-047 DIVULG 11-03-2021 PUBLIC 12-
03-2021)

Em decorrência de tal Tema, ficou sedimentado que o art. 40, § 21, da


Constituição Federal é norma de eficácia limitada, cujos efeitos estão
condicionados à edição de legislação infraconstitucional para
regulamentar as doenças incapacitantes aptas a conferir ao servidor o
direito à referida não incidência.

O artigo 36, II, da Emenda Constitucional 103/2019, dispõe que a


revogação do §21 do artigo 40 da Constituição, feita pelo artigo 35, I, "a",
da Emenda, somente entra em vigor quando for publicada uma lei
estadual, de iniciativa privativa do Governador do Estado, referendando
a revogação do §21 do artigo 40 da Constituição. Tal dispositivo assim
dispõe:

“Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor: II - para os


regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º
desta Emenda Constitucional no art. 149 da Constituição Federal e
às revogações previstas na alínea "a" do inciso I e nos incisos III e
IV do art. 35, na data de publicação de lei de iniciativa privativa do
respectivo Poder Executivo que as referende integralmente;

Desse modo, as alterações promovidas pela EC nº 103/19, nas esferas


estaduais e municipais, somente vigorarão em relação aos servidores
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portadores de deficiência a partir da data de publicação de lei de


iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, os artigos 33 e 34, I e II da Lei


Estadual 3.189/1999, são aplicáveis aos militares do Estado do Rio de
Janeiro por força do artigo 4º da Lei Estadual 4.275/2004, que assim
dispõem:

“ Art. 33 - A contribuição a que se refere o art. 14, inciso I, desta


Lei será devida pelos servidores públicos estatutários, ativos e
inativos, do Estado do Rio de Janeiro, suas autarquias e fundações,
vinculados ao plano financeiro e ao plano previdenciário, bem
como pelos beneficiários de pensão por morte de servidor público
estadual estatutário sob a alíquota de 14% (quatorze por cento)
passando a ser arrecadada a favor do RIOPREVIDÊNCIA e a
compor suas receitas. Nova redação dada pela Lei 7606/2017.
Revogado pelo art. 24 da Lei Complementar 195/2021.”
“ Art. 34. A contribuição prevista no artigo anterior incidirá
sobre a seguinte base de cálculo:
I – para os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da
Defensoria Pública, do Tribunal de Contas e os servidores públicos
estatutários inativos, o montante de seus proventos de
aposentadoria que exceder o limite máximo estabelecido para os
benefícios do regime geral de previdência social de que trata o
art. 201, combinado com o art. 40, § 21, ser for o caso, ambos da
constituição da República; (...). Art 34 - nova redação dada pela Lei
nº 6243/2012. Revogado pelo art. 24 da Lei Complementar
195/2021.”

No entender do requerente, diante da inconstitucionalidade da Lei


Federal 13.954/2019, no ponto em que define alíquotas de contribuições
previdenciárias para os policiais e bombeiros militares dos Estados, deve
ser mantida as regras previdenciárias praticadas pelo Estado do Rio de
Janeiro em face de seus servidores inativos, preconizadas pela Lei
Estadual nº. 3.189/1999, aplicando-se o duplo teto da contribuição
previdenciária quando o beneficiário for portador de doença
incapacitante.
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A aplicação ou não do duplo teto da contribuição previdenciária quando


o beneficiário for portador de doença incapacitante gerou a controvérsia
entre os julgados das Turmas Recursais Fazendárias, havendo julgados
da 2ª Turma aplicando o mesmo, e da 1ª Turma negando a sua aplicação.
A título exemplificativo, citem-se os seguintes julgados:

0054537-37.2020.8.19.0002 – RECURSO INOMINADO


SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZ. ESP. FAZ. PÚBLICA
Julgamento: 17/02/2022
“Recorrente: ESTADO DO RIO DE JANEIRO E OUTRO. Recorrido:
ALTAIR BRITO BASTOS. VOTO JUÍZO DE RETRATAÇÃO EM SEDE
DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 317 DO STF. DECISÃO
COLEGIADA QUE SE ENCONTRA EM CONSONÂNCIA COM A TESE
DEFINIDA PELO STF AO APRECIAR O TEMA EM QUESTÃO.
MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO, NÃO SE EXERCENDO O JUÍZO DE
RETRATAÇÃO. Trata-se de determinação da 3ª Vice-Presidência deste
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para exercício do Juízo de
retratação, diante do Tema 317 do STF. No recurso inominado, o réu
pugna pela reforma da sentença de procedência proferida. Acórdão
proferido por esta Turma Recursal mantendo a sentença por seus
próprios fundamentos. Interposto recurso extraordinário às fls. 309/325,
tendo a Terceira Vice-Presidência deste Tribunal determinado o retorno
dos autos a esta Turma Recursal para eventual exercício do juízo de
retratação à luz do Tema 317 do STF (fls. 340/342). É o relatório. Passo ao
voto. Diante da decisão prolatada pela Terceira Vice-Presidência passo a
análise do Juízo de retratação na forma do que dispõe o art. 1.030, inciso
II, do Novo Código de Processo Civil. A questão a ser novamente
apreciada por esta Turma Recursal diz respeito à suposta violação do
julgamento colegiado que ao manter a sentença que determinou que o
Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro -
Rioprevidência cobre a contribuição previdenciária apenas sobre os
valores que excederem o dobro do limite máximo estabelecido para os
benefícios do regime geral de previdência social com a alíquota de 14%,
na forma dos artigos 33 e 34, I e II da Lei Estadual 3.189/1999, aplicáveis
aos militares do Estado do Rio de Janeiro por força do artigo 4º da Lei
Estadual 4.275/2004, teria violado à tese definida pelo Supremo Tribunal
Federal ao julgar o Tema nº 317, objeto do RE 630137 ("Recurso
extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 2º; art. 40, § 21; 146, II e
III; e 150, II, da Constituição Federal, a auto-aplicabilidade, ou não, do art.
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40, § 21, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda


Constitucional nº 47/2005, o qual estabelece que a contribuição sobre os
proventos de aposentadorias e pensões dos servidores públicos incidirá
apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que
superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do
regime geral de previdência social, de que trata o art. 201 da Constituição
Federal, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença
incapacitante"). Como se infere pelos fundamentos adotados pelo acórdão
ao confirmar a sentença de procedência proferida pelos seus próprios
fundamentos, entendeu-se que a autora faria jus à contribuição
previdenciária nos termos requeridos na inicial, qual seja, a alíquota de
14%, na forma dos artigos 33 e 34, I e II da Lei Estadual 3.189/1999,
aplicáveis aos militares do Estado do Rio de Janeiro por força do artigo 4º
da Lei Estadual 4.275/2004. E, neste sentido, a decisão colegiada encontra-
se em consonância com a tese definida pelo Supremo Tribunal Federal ao
decidir o referido tema. Assim, há que se reconhecer a necessidade de
manutenção da decisão colegiada, deixando-se de exercer o juízo de
retratação. Desta forma, VOTO PELO CONHECIMENTO E
DESPROVIMENTO DO RECURSO INOMINADO, DEIXANDO DE
EXERCER O JUÍZO DE RETRATAÇÃO.”

049812-68.2021.8.19.0002 – RECURSO INOMINADO


PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZ. ESP. FAZ. PÚBLICA
Julgamento: 17/02/2022
“POLICIAL MILITAR REFORMADO. ISENÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA POR INVALIDEZ PERMANENTE. SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA. INCABÍVEL DESCONTO DE 9,5% - EC 103/2019.
NECESSIDADE DE LEI ESTADUAL PARA DISPOR SOBRE REGRA
ESPECÍFICA. APLICAÇÃO DO § 18 DO ARTIGO 40 DA CRFB. TEMA
317 DO STF. LEI ESTADUAL Nº 9.537/2021 REGULAMENTANDO A
BASE DE CÁLCULO E A ALÍQUOTA PRÓPRIA DOS MILITARES DO
ERJ A CONTAR DE 01 DE JANEIRO DE 2022. PEDIDO ILÍQUIDO EM
RELAÇÃO ÀS PRESTAÇÕES VENCIDAS. PROVIMENTO PARCIAL DO
RECURSO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.”

049812-68.2021.8.19.0002 – RECURSO INOMINADO


PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZ. ESP. FAZ. PÚBLICA
Julgamento: 19/04/2022
515

“POLICIAL MILITAR REFORMADO. ISENÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO


PREVIDENCIÁRIA POR INVALIDEZ PERMANENTE. SENTENÇA DE
PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCABÍVEL DESCONTO DE 9,5% - EC
103/2019. NECESSIDADE DE LEI ESTADUAL PARA DISPOR SOBRE
REGRA ESPECÍFICA. APLICAÇÃO DO § 18 DO ARTIGO 40 DA CRFB.
TEMA 317 DO STF. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE
PROVIDO.”

De acordo com voto acima exemplificado, proferido pela 2ª Turma


Recursal Fazendária, após a interposição de Recurso Extraordinário pelo
Estado do Rio de Janeiro e determinação para retorno dos autos à turma
de origem, a Relatora entendeu por não exercer o juízo de retratação,
eis que o acórdão proferido nos autos do recurso inominado não
afrontaria o Tema nº 317 do Supremo Tribunal Federal. Desta forma, foi
mantida a sentença que determinou a incidência da contribuição
previdenciária apenas sobre os valores que excedessem o dobro do
limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social com a alíquota de 14%, na forma dos artigos 33 e
34, I e II da Lei Estadual 3.189/1999, aplicáveis aos militares do
Estado do Rio de Janeiro por força do artigo 4º da Lei Estadual
4.275/2004. Transcrevo a seguir um trecho da fundamentação da sentença:
“ (...) Ocorre que, até o presente momento, não se tem notícias de
qualquer Lei do Estado do Rio de Janeiro que tenha referendado a
revogação causada pelo artigo 35, I, ´a´ da Emenda Constitucional
103/2019, sendo certo que, até a publicação da referida lei, continua a
viger, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, o §21 do artigo 40 da
Constituição. Consequentemente, ainda que não seja imediatamente
aplicável aos servidores militares inativos, continua a existir o ´duplo
teto´ previdenciário previsto no §21 do artigo 40 da Constituição, ante a
extensão feita na parte final dos incisos I e II do artigo 34 da Lei Estadual
3.189/1999, aplicáveis aos militares do Estado do Rio de Janeiro por força
do artigo 4º da Lei Estadual 4.275/2004. (...)

A 1ª Turma Recursal Fazendária, tal como consta no Acórdão prolatado


nestes autos, tem concluído pela não aplicabilidade do art. 40, § 21, da
Constituição Federal, quando o beneficiário for portador de doença
incapacitante, tendo em vista que o mesmo condiciona o benefício à
edição de lei que especifique o teor da expressão “doença
incapacitante”, lei esta que ainda não foi editada no âmbito do Estado do
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Rio de Janeiro. É, portanto, norma não autoaplicável, de eficácia


limitada, sendo incabível a aplicação da sistemática, antes da
necessária regulamentação.

Em julgamento ocorrido em 21/03/2022 do RE 1371855, de relatoria do


eminente Ministro Alexandre de Moraes, que transitou em julgado em
19/04/2022, interposto em face de acórdão proferido pela Segunda Turma
Recursal Fazendária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou
provimento ao Recurso Inominado interposto pela Rioprevidência e pelo
Estado do Rio de Janeiro para manter sentença que julgou procedente o
pedido para “(...) a) determinar que o Fundo Único de Previdência Social
do Estado do Rio De Janeiro - Rioprevidência cobre a contribuição
previdenciária apenas sobre os VALORES QUE EXCEDEREM O DOBRO
DO LIMITE MÁXIMO estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social com a alíquota de 14%, na forma dos artigos 33 e 34, I e
II da Lei Estadual 3.189/1999, aplicáveis aos militares do Estado do Rio de
Janeiro por força do artigo 4º da Lei Estadual 4.275/2004; (...)”, foi dado
provimento ao RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para julgar
improcedentes os pedidos iniciais, cujo trecho do voto transcrevo a
seguir:

“(...) Tal entendimento, todavia, diverge da orientação firmada pelo


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL na análise do RE 570.177-RG
(Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tema 15), julgado pela
sistemática da repercussão geral, em que se assentou que aos
militares não se aplica o regime jurídico dos servidores civis.
Confira-se:
“CONSTITUCIONAL. SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO.
SOLDO. VALOR INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO.
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 1º, III, 5º, CAPUT, E 7º, IV, DA CF.
INOCORRÊNCIA. RE DESPROVIDO. I - A Constituição
Federal não estendeu aos militares a garantia de remuneração não
inferior ao salário mínimo, como o fez para outras categorias de
trabalhadores. II - O regime a que submetem os militares não se
confunde com aquele aplicável aos servidores civis, visto que têm
direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos próprios. III - Os
cidadãos que prestam serviço militar obrigatório exercem um
múnus público relacionado com a defesa da soberania da pátria. IV -
A obrigação do Estado quanto aos conscritos limita-se a fornecer-
517

lhes as condições materiais para a adequada prestação do serviço


militar obrigatório nas Forças Armadas. V - Recurso extraordinário
desprovido.” (grifo nosso)
Por fim, no julgamento do RE 596.701-RG (Tema 160), o Plenário
do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL fixou a seguinte tese:
“É constitucional a cobrança de contribuições sobre os
proventos dos militares inativos, aqui compreendidos os
Policiais Militares e o Corpo de Bombeiros dos Estados e do
Distrito Federal e os integrantes das Forças Armadas, entre o
período de vigência da Emenda Constitucional 20/98 e da
Emenda Constitucional 41/03, por serem titulares de regimes
jurídicos distintos dos servidores públicos civis e porque a eles
não se estende a interpretação integrativa dos textos dos
artigos 40, §§ 8º e 12, e artigo 195, II, da Constituição da
República.”(...)
Diante do exposto, com base no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, DOU PROVIMENTO AO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para julgar improcedentes os
pedidos iniciais.”

De acordo com tal julgamento, decidiu-se pela não aplicação do ´duplo


teto´ previdenciário previsto no §21 do artigo 40 da Constituição, sob
pena de violação aos Temas nºs 15 e 160 do STF.

Ressalte-se que pós a edição do Tema 317/STF, o Superior Tribunal de


Justiça passou a modificar seu entendimento, conforme se verifica do
julgado, cuja ementa transcrevo a seguir:

“TRIBUTÁRIO. SERVIDORA INATIVA PORTADORA DE


DOENÇA INCAPACITANTE. ART. 40, § 21, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (INCLUÍDO PELA EC 47/2005).
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA.
NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. JULGAMENTO DA
QUESTÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM
REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 317/STF. JUÍZO DE
RETRATAÇÃO PELO STJ. ADEQUAÇÃO AO QUANTO
DECIDIDO NO STF. RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA
IMPETRANTE DESPROVIDO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
630.137/RS-RG (Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 12/3/2021), com
518

repercussão geral reconhecida, firmou a tese de que "O art. 40, §


21, da Constituição Federal, enquanto esteve em vigor, era norma
de eficácia limitada e seus efeitos estavam condicionados à edição de
lei complementar federal ou lei regulamentar específica dos entes
federados no âmbito dos respectivos regimes próprios de previdência
social" (Tema 317/STF), a cuja compreensão se deve adequar o
pretérito e contrário entendimento deste STJ, no que havia
compreendido pela desnecessidade da edição de legislação
secundária.
2. Juízo de retratação exercido (artigo 1.040, II, do CPC/2015), em
ordem a se negar provimento ao recurso ordinário de Marli
Nogueira Pianta.” (RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA - 27064 / RS, julgado em 05/10/2021, Ministro
SÉRGIO KUKINA)

Desta forma, após o julgamento do Tema nº 317 pelo STF, inequívoco que
a aplicação do art. 40, §21, da CF, no âmbito estadual, depende da edição
de lei própria, não sendo possível adotar o rol de doenças consideradas
pela anterior legislação estadual como incapacitantes para o exercício de
função pública, para a também finalidade de caracterização da não
incidência de contribuição previdenciária, por ser imperativo
constitucional a edição de legislação específica para tal fim. Ou seja, se
mostra inviável a extensão pelo Poder Judiciário de norma de
desoneração tributária a título de isonomia.

A jurisprudência das Turmas Recursais Fazendárias, portanto, deve ser


unificada pelo reconhecimento da não aplicação §21 do artigo 40 da
Constituição Federal sobre os descontos de contribuições previdenciárias
dos policiais militares e bombeiros militares portadores de doença
incapacitante no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, diante da ausência
de lei específica.

No caso concreto, o autor, policial militar do Estado do Rio de Janeiro,


reformado por incapacidade definitiva do serviço, postula a cessação dos
descontos efetuados a título de contribuição previdenciária de inativo,
observando-se o regramento contido no art. 40 § 21º da Constituição
Federal, além da restituição dos valores descontados, pedido estes que
foram julgados improcedentes.
519

Diante do juízo de retratação exercido, o acórdão foi reformado de forma


a afastar a aplicação do § 21 do art. 40 da Constituição Federal,
considerando a aplicação do Tema do 317 do STF e ausência de edição de
lei que especifique o teor da expressão “doença incapacitante”.

Assim, impõe-se a manutenção do voto, eis que adotados os fundamentos


ora mencionados neste incidente e preconizados pela Primeira Turma
Recursal.

Isso posto, voto pela UNIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O


TEMA, editando-se enunciado com o seguinte teor: “Aos policiais
militares e bombeiros militares portadores de doença incapacitante do
Estado do Rio de Janeiro não se aplica o §21 do artigo 40 da Constituição
Federal sobre os descontos de contribuições previdenciárias, diante da
ausência de lei específica.”; e, no caso concreto, pela manutenção do
acórdão do índex 386.

Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2022.

SUZANE VIANA MACEDO


Juíza Relatora

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