Guia Gasometria Arterial Yellowbook

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GUIA

GASOMETRIA
ARTERIAL
Interpretação passo a passo
GASOMETRIA ARTERIAL
INTERPRETAÇÃO PASSO A PASSO

Guia de consulta rápida para interpretação


de gasometria arterial e identificação de
distúrbios ácido-base.
1. INTRODUÇÃO

Você está diante um paciente grave dando plantão na emergência. Um dos


principais exames no contexto do paciente grave é a Gasometria Arterial!
Esse exame é responsável por identificar os distúrbios ácido-base, que são
acometimentos que demandam condutas enérgicas do médico que está a frente
do caso. O aparelho de gasometria mede o pH e os gases sanguíneos sob a
forma de pressão parcial do gás (pO 2 e pCO2), ao passo que os demais
parâmetros são calculados.
É um exame no qual a coleta é de fácil realização e o resultado rápido. Portanto,
o ideal é a sua interpretação ocorra do mesmo jeito! O principal objetivo desse
e-book: sistematizar a análise da gasometria!
2. OS DISTÚRBIOS ÁCIDO-BASE

O pH plasmático representa a relação entre o bicarbonato e o dióxido de


carbono, segundo a fórmula de Henderson-Hasselbach:

pH = 6,10 + log [HCO3] / 0,03 x PCO2

Esta fórmula nos mostra que, se o HCO 3 aumenta, o pH aumenta (relação


diretamente proporcional), tornando o meio básico. Ao contrário, se o pCO 2
aumenta, o pH diminui (relação inversamente proporcional), tornando o meio
ácido.
No plasma sanguíneo, o HCO3 e o CO2 compõem o sistema tampão bicarbonato-
CO2 (de acordo com reação química descrita abaixo), que é o principal sistema
regulador do pH plasmático, evitando variações bruscas.

H+ + HCO3 H2CO3 CO2 + H2O

Nessa equação de um equilíbrio químico, a parte da esquerda é a parte


metabólica da equação, exercida pelos rins, enquanto que a parte da direita é a
parte respiratória, exercida pelos pulmões. Percebam que qualquer alteração em
um lado irá repercurtir no outro, através de uma compensação. A compensação
respiratória de um distúrbio metabólico é imediata, gerando hipo ou
hiperventilação. Já a compensação metabólica de um distúrbio respiratório pode
levar até três dias para acontecer com sua máxima efetividade.
Com isso, temos que o pH normal varia de 7,35 – 7,45.
• pH < 7,35 → acidose
• pH > 7,45 → alcalose
Estes, são divididos em: acidose metábolica, alcalose metabólica, acidose
respiratória e alcalose respiratória.
Um distúrbio metabólico compensa com um mecanismo respiratório, ou vice-
versa. Se essa compensação do distúrbio primário for insuficiente ou excessiva,
temos um distúrbio secundário associado.
Exemplo: Uma acidose metabólica pode estar associada a uma alcalose
respiratória ou a uma acidose respiratória. Vamos aprender como isso funciona
mais na frente.
3. OS PARÂMETROS AVALIADOS NA GASOMETRIA

3.1 OS GASES

• PaO2:
A pressão parcial de oxigênio indica a fração de oxigênio que está livre no
sangue, o que reflete a hematose: a troca de oxigênio alveolo-capilar.
Valor de referência: 80-100mmHg. Valores menores traduzem uma
hipoxemia.

• PaCO2
Diferentemente da PaCO2, a pressão parcial de gás carbônico reflete a
ventilação alveolar. O gás carbônico é o gás mais solúvel no sangue.
Valor de referência: 35-45 mmHg
Valores maiores demonstram hipoventilação, retenção de gás carbônico,
retenção de gás carbônico, enquanto que valores menores que 35 mmHg
demonstram hiperventilação.

• Saturação de O2
A Saturação de Oxigênio (SaO2), por sua vez, é o percentual de hemoglobina
do sangue arterial que está ligada ao oxigênio.
Valor de referência: acima de 95%
Uma oxigenação tecidual adequada gira em torno de 95-97% de saturação.
Importante lembrar que na gasometria, a Saturação de Oxigênio é calculada a
partir da PaO2 sanguínea, podendo diferir do valor da Oximetria de Pulso, que
calcula a saturação de maneira indireta.
3.2 AS BASES

• HCO3: Bicarbonato Standard


A principal base avaliada na gasomeria é o bicarbonato de sódio, sendo o
Bicarbonato Standard a principal representação da concentração dessa base
para o nosso organismo.
Valor de referência: 21-27 mEq/L
• Buffer Base e Base Excess
O Bicarbonato, porém, não é a única base do nosso organismo. Há ainda outras
que, quando somadas, habitualmente representam um valor, que é o Buffer
Base. Esse valor do Buffer Base é fixo, funcionando como uma espécie de valor
de referência esperado para a soma das bases.
Se todas as Bases do paciente quando somadas não corresponderem ao valor
de referência da Buffer Base, esse excesso é correspondente ao Base Excess.
Valore de referência para o Base Excess: de -3 a +3.
Se tivermos um valor de bases menor que -3, o organismo está perdendo bases
por um distúrbio primário (acidose metabólica) ou compensatório (alcalose
respiratória – excreção maior de bases para compensar uma diminuição da
PCO2).
Caso tenhamos um valor superior a +3, há um aumento do total de bases, ou
seja, o organismo está retendo bases podendo indicar um distúrbio primário
(alcalose metabólica) ou compensatório (acidose respiratória – retenção de
bases para compensar um aumento de PCO2).
4. ABORDAGEM SISTEMATIZADA DA GASOMETRIA ARTERIAL

Hora de partir para a análise sistemática passo-a-passo da gasometria arterial.


Se ligue!

• PASSO 1: Determine se existe uma acidemia ou alcalemia


Antes de tudo: analise o pH (Tabela 1)!
Tabela 1 – Analise o pH

pH

Interpretação

Possibilidades

Fonte: Adaptado de Rocha PN. Abordagem diagnóstica dos distúrbios do equilíbrio


ácido-base.

• PASSO 2: Identifique o distúrbio primário


Após identificar se há acidemia ou alcalemia, devemos identificar se o distúrbio
primário é metabólico ou respiratório!
Para isso devemos analisar o HCO3 (componente metabólico) e a PaCO2
(componente respiratório).

• PASSO 3: Determinar se o distúrbio está sendo compensado


Para acidose metabólica: A resposta compensatória deve ser uma
hiperventilação a fim de reduzir o CO2 (observe a equação). Para avaliarmos
essa resposta compensatória, calculamos o valor da pCO2 através da fórmula
de Winter: pCO2 esperada = 1,5 x [HCO3] + 8 ± 2. Se a pCO2 estiver dentro
da faixa esperada significa que está ocorrendo compensação, dessa forma,
temos uma acidose metabólica COMPENSADA. Se estiver abaixo do valor
mínimo esperado significa que está ocorrendo uma hiperventilação maior do
que deveria e, por isso, existe TAMBÉM uma alcalose respiratória associada.
Por fim, se o valor esperado for acima da faixa esperada, o paciente não
hiperventila como deveria e, por isso, existe ASSOCIAÇÃO de uma acidose
respiratória.
Para alcalose metabólica: A resposta compensatória deve ser uma
hipoventilação a fim de reter o CO2. Para avaliar essa resposta compensatória,
calcula-se o valor do pCO2 através da fórmula: pCO2 = [HCO3] + 15 ± 2.
Para acidose respiratória: existe uma dificuldade de ventilação do paciente,
isso leva a uma hipoventilação e, consequentemente, retenção do CO2. A
resposta compensatória neste caso é renal (retém HCO 3 ou excreta mais ácido),
com posterior elevação do HCO3 na gasometria. Nos distúrbios respiratórios,
avaliamos se o distúrbio é crônico ou agudo através da resposta compensatória.
Nos distúrbios crônicos, observamos maior elevação de HCO 3. Dessa forma,
usamos as seguintes correlações: um acréscimo de 1 mEq/L no HCO 3 para cada
elevação de 10mmHg do pCO2 acima de 40 mmHg, nos casos agudos e um
acréscimo de 4 mEq/L no HCO3 para cada elevação de 10mmHg do pCO2 acima
de 40 mmHg, nos casos crônicos.
Para alcalose respiratória: o paciente está hiperventilando e,
consequentemente, “lavando” o CO2, isto é, expulsando o CO2. A resposta neste
caso é renal com excreção de HCO3. Da mesma forma da acidose respiratória,
aqui também avaliamos se o distúrbio é agudo ou crônico. Neste caso, as
relações que usamos são: um decréscimo de 2 mEq/L no HCO3 para cada
redução de 10mmHg do pCO2 abaixo de 40 mmHg, nos casos agudos e um
decréscimo de 5 mEq/L no HCO3 para cada redução de 10mmHg no pCO 2
abaixo de 40 mmHg, nos casos crônicos.
Algumas vezes observamos a ocorrência simultânea de dois ou três distúrbios
acidobásicos independentes. Este fenômeno é chamado de distúrbio misto, que
não representa uma resposta compensatória. Uma forma de distinguir se é
resposta compensatória ou distúrbio misto é observar o valor do pH. Na resposta
compensatória, o pH nunca se normaliza, mas de forma oposta, podemos
encontrar pH normal em distúrbios mistos opostos (por exemplo: acidose
metabólica e alcalose respiratória simultaneamente).
O resumo dos cálculos de compensação podem ser vistos na Tabela abaixo:

Compensação do distúrbio inicial


Identificando o Distúrbio Primário
• PASSO 4: Calcule o ânion gap e corrija seu valor para a albumina
ATENÇÃO: TUDO DO PASSO 4 PARA BAIXO SÓ É VÁLIDO PARA ACIDOSE
METABÓLICA!
Se seu distúrbio inicial foi outro, sua análise termina no PASSO 3!
Existem duas classificações (“sobrenomes”) da acidose metabólica. Ela pode ser
com ânion gap elevado ou hiperclorêmica. Portanto, diante de uma acidose
metabólica, devemos calcular o ânion gap para saber se é uma acidose
metabólica com Ânion Gap elevado ou não.
Mas o que é o ânion gap?
O Ânion Gap (AG) representa os ânions não quantificáveis no sangue, como o
lactato. Os ânions quantificáveis são: HCO3- e Cl-. Vamos lembrar que existe a
lei da eletroneutralidade, a qual diz que as cargas negativas são iguais às cargas
positivas. O principal cátion mensurável é o sódio. Dessa forma, a quantidade do
sódio tem que ser igual a quantidade do somatório de AG, HCO3 - e Cl-, conforme
equação e Figura 2 abaixo:

[Na+] – (Cl- + HCO3-) = Ânion gap


Valor de Rerefência: 8-12 mEq/L

Ânion gap (sem o potássio)

As proteínas plasmáticas são as principais constituintes do AG, como a


albumina. Logo, em casos de hipoalbuminemia devemos corrigir o valor do
ânion gap de acordo com a albumina plasmática.
Essa correção é feita através da fórmula de Figge: AG corrigido = AG + [(4,0 −
Albumina) x2,5]. Porém, existe uma regra prática: para cada 1,0 g/dL que a
albumina cai abaixo de 4, devemos acrescendo 2,5 mEq/L ao ânion gap
calculado.

• PASSO 5: Calcule o Delta/Delta


Este passo deve ser feito se foi achado inicialmente uma acidose metabólica
com ângio gap elevado. A relação ΔAG/ΔHCO3- (veja equação abaixo)
normal é entre 1 e 2. Ela existe porque se eu tenho AG aumentado, eu tenho
acúmulo de ácidos orgânicos. Assim, para que se mantenha o equilíbrio, deve
existir uma diminuição obrigatória do bicarbonato.
Se o delta/delta < 1, temos uma acidose metabólica hiperclorêmica
associada à acidose metabólica com AG elevado. Ou seja, a diminuição do
bicarbonato superou a elevação do AG.
Se o delta/delta > 2, temos uma alcalose metabólica associada à acidose
metabólica com AG elevado.

ΔAG/ΔHCO3- = (AG – 12) / (24 – HCO3)


5. VAMOS PRATICAR!
Hora de colocar a mão na massa! Siga o caso abaixo:
1) Paciente com diarreia aquosa volumosa, tosse e febre há 3 dias.

Primeiro: olhar o pH! O paciente se encontra em acidemia. Como o HCO3 está


diminuído, isso configura uma acidose metabólica!
Agora vamos analisar a compensação, através da fórmula pCO2 esperada = 1,5
x [HCO3] + 8 ± 2. Portanto o pCO2 esperado nesse caso é varia de 28,5 até 32,5.
Estando abaixo do pCO2 da gasometria, ou seja, este paciente não está
conseguindo compensar o distúrbio metabólico com o componente respiratório,
que nesse caso é a hiperventilação. Algo está impedindo essa “lavagem de CO 2”,
portanto ele tem uma distúrbio secundário: uma acidose respiratória.
Vamos então para o passo 4: calcular o ânion gap, pela fórmula: [Na+] – (Cl- +
HCO3-). Logo AG = 145 – (110 + 15) = 145 – 125 = 20. Como o valor de referência
é entre 8 e 12, o paciente tem uma acidose metabólica com ânion gap
elevado.
Vamos calcular o Delta/Delta: ΔAG/ΔHCO3- = (AG – 12) / (24 – HCO3). Para
este caso temos Delta/Delta = (20-12)/(24-15) = 8/9 = 0,89. Como o delta/delta
< 1, o paciente tem uma acidose hiperclorêmica associada.
ANÁLISE FINAL: ácidose metabólica com ânion gap elevado associado à
acidose hiperclorêmica e acidose respiratória.
6. FLUXOGRAMA FINAL
REFERÊNCIAS

Dzierba AL, Abraham P. A practical approach to understanding acid-base


abnormalties in critical illness. Journal of Pharmacy Practice. (24)1. 2011.

Rocha PN. Abordagem diagnóstica dos distúrbios do equilíbrio ácido-base.

Emmet M, Palmer BF. Simple and mixed acid-base disorders. 2018.

]Viegas CAA. Gasometria arterial. J Pneumol 28(Supl 3) – outubro de 2002.

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