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Gasometria Arterial: interpretação, parâmetros, distúrbios acidobásicos e

mais!

SanarFlix

15 min• Há 1.097 dias

Índice

1. O que é a gasometria arterial?


2. Parâmetros do pH plasmático
3. Distúrbios acidobásicos identificáveis na gasometria arterial
4. Considerações técnicas da coleta na gasometria arterial
5. Técnica da punção na artéria radial para gasometria arterial:
6. Caso clínico de gasometria arterial
7. Confira o vídeo sobre conceitos gerais da gasometria arterial: Índice

O que é a gasometria arterial?

A gasometria arterial é um exame de sangue que é coletado a partir de uma


artéria, com o objetivo de avaliar os gases presentes no sangue, como o
oxigênio o gás carbônico, assim como sua distribuição, do pH e do equilíbrio
acidobásico. Importante lembrar que se o objetivo for apenas medir o pH é
possível fazer a gasometria venosa.
Principais parâmetros

Os principais parâmetros que observamos no exame de gasometria arterial


são: pH, SatO2 (saturação de oxigênio), pCO2 (pressão parcial do gás
carbônico), HCO3 (bicarbonato), Ânion Gap (AG).

Entretanto, podemos encontrar outros parâmetros também como, por exemplo,


a dosagem de alguns eletrólitos, são eles: sódio, potássio, cálcio iônico e
cloreto, podendo variar devido ao gasômetro usado.

O Gasômetro

O aparelho de gasometria mede o pH e os gases sanguíneos sob a forma de


pressão parcial do gás (pO2 e pCO2), ao passo que os demais parâmetros são
calculados.

Parâmetros do pH plasmático

O pH plasmático representa a relação entre o bicarbonato e o dióxido de


carbono, segundo a fórmula de Henderson-Hasselbach:

pH = 6,10 + log [HCO3]/0,03 x PCO2.

Esta fórmula nos mostra que, se o HCO3 aumenta, o pH aumenta (relação


diretamente proporcional), tornando o meio básico. Ao contrário, se o pCO2
aumenta, o pH diminui (relação inversamente proporcional), tornando o meio
ácido.

No plasma sanguíneo, o HCO3 e o CO2 compõem o sistema tampão


bicarbonato-CO2 (de acordo com reação química descrita abaixo), que é o
principal sistema regulador do pH plasmático, evitando variações bruscas.

HCO3- + H+ <—> H2CO3 <—> CO2 + H20


O HCO3 é a base do sistema, pois é o receptor de íons hidrogênio, ao passo
que o CO2 é o ácido, já que libera íons hidrogênio.

O Ânion Gap (AG) representa os ânions não quantificáveis no sangue, como o


lactato. Os ânions quantificáveis são: HCO3- e Cl-. Vamos lembrar que existe a
lei da eletroneutralidade, a qual diz que as cargas negativas são iguais as
cargas positivas. O principal cátion mensurável é o sódio. Dessa forma, a
quantidade do sódio tem que ser igual a quantidade do somatório de AG,
HCO3- e Cl-, conforme equação e ilustração abaixo:

AG: Na – [HCO3 + Cl]

Vistos esses conceitos, para identificar as alterações da gasometria arterial


precisamos conhecer os valores normais dos parâmetros avaliados:

 pH = 7,35 – 7,45
 pCO2 = 35 – 45 mmHg
 HCO3 = 22 – 26 mEq/L
 AG = 6 – 12 mEq/L

Distúrbios acidobásicos identificáveis na gasometria arterial

Temos inicialmente quatro distúrbios acidobásicos primários, dois metabólicos


e dois respiratórios. Os distúrbios acidobásicos metabólicos são aqueles que
alteram primariamente os valores do HCO3 na gasometria, já os respiratórios,
modificam primariamente os valores de pCO2 na gasometria.

Na presença desses distúrbios, o corpo reage através de respostas


compensatórias (respiratórias ou renais) a fim de evitar mudança do pH.

De modo geral, a resposta compensatória de um distúrbio acidobásico


respiratório é renal (metabólico), através da retenção ou excreção de HCO3 ou
H+.

Por outro lado, a resposta de um distúrbio metabólico é respiratória, induzindo


a hiper ou hipoventilação.

A resposta compensatória renal é mais demorada do que a resposta


respiratória!

Acidose metabólica

Na acidose metabólica temos uma queda do HCO3 na gasometria e,


consequentemente, redução do pH (acidose).

A resposta compensatória deve ser uma hiperventilação a fim de reduzir o CO2


(que também acidifica o meio).

Para avaliarmos essa resposta compensatória, calculamos o valor da pCO2


através da fórmula de Winter: pCO2 esperada = 1,5 x [HCO3] + 8 ± 2. Se a
pCO2 estiver dentro da faixa esperada significa que está ocorrendo
compensação, dessa forma, temos uma acidose metabólica COMPENSADA.

Se estiver abaixo do valor mínimo esperado significa que está ocorrendo uma
hiperventilação maior do que deveria e, por isso, existe TAMBÉM uma alcalose
respiratória associada.
Por fim, se o valor esperado for acima da faixa esperada, o paciente não
hiperventila como deveria e, por isso, existe ASSOCIADO uma acidose
respiratória.

Alcalose metabólica

Na alcalose metabólica, ocorre um aumento de HCO3 na gasometria e,


consequentemente, elevação do pH (alcalose).

A resposta compensatória deve ser uma hipoventilação a fim de reter o CO2.


Para avaliar essa resposta compensatória, calcula-se o valor do pCO2 através
da fórmula: pCO2 = [HCO3] + 15 ± 2.

Acidose respiratória

Na acidose respiratória, existe uma dificuldade de ventilação do paciente,


isso leva a uma hipoventilação e, consequentemente, retenção do CO2.

A resposta compensatória neste caso é renal (retém HCO3 ou excreta mais


ácido), com posterior elevação do HCO3 na gasometria.

Nos distúrbios respiratórios, avaliamos se o distúrbio é crônico ou agudo


através da resposta compensatória. Nos distúrbios crônicos, observamos maior
elevação de HCO3.

Dessa forma, usamos as seguintes correlações: um acréscimo de 1 mEq/L


no HCO3 para cada elevação de 10mmHg do pCO2 acima de 40 mmHg,
nos casos agudos e um acréscimo de 4 mEq/L no HCO3 para cada
elevação de 10mmHg do pCO2 acima de 40 mmHg, nos casos crônicos.

Alcalose respiratória

Na alcalose respiratória, o paciente está hiperventilando e,


consequentemente, “lavando” o CO2, isto é, expulsando o CO2.
A resposta neste caso é renal com excreção de HCO3. Da mesma forma da
acidose respiratória, aqui também avaliamos se o distúrbio é agudo ou crônico.

Neste caso, as relações que usamos são: um decréscimo de 2 mEq/L no


HCO3 para cada redução de 10mmHg do pCO2 abaixo de 40 mmHg, nos
casos agudos e um decréscimo de 5 mEq/L no HCO3 para cada redução de
10mmHg no pCO2 abaixo de 40 mmHg, nos casos crônicos.

Distúrbios acidobásicos mistos

Algumas vezes observamos a ocorrência simultânea de dois ou três distúrbios


acidobásicos independentes.

Este fenômeno é chamado de distúrbio misto, que não representa uma


resposta compensatória. Uma forma de distinguir se é resposta compensatória
ou distúrbio misto é observar o valor do pH.

Na resposta compensatória, o pH nunca se normaliza, mas de forma oposta,


podemos encontrar pH normal em distúrbios mistos opostos (por exemplo:
acidose metabólica e alcalose respiratória simultaneamente).

Existem duas classificações (“sobrenomes”) da acidose metabólica. Ela pode


ser com ânion-gap elevado ou hiperclorêmica.

Portanto, diante de uma acidose metabólica, devemos calcular o ânion gap


para saber se é uma acidose metabólica com Ânion Gap elevado ou não.

Confirmamos esse distúrbio após calcularmos o AG (ânion-gap) pela fórmula


[AG= Na – (HCO3 + Cl)] e obtermos um valor maior que 12.

Quando o ânion-gap aumenta, isto é, quando os ânions não mensuráveis


aumentam, o HCO3 deve diminuir, pois ocorre uma reação acidobásica entre
eles que “consome” o HCO3.
Ou seja, o aumento do AG é compensado naturalmente pela redução do
HCO3, tornando a variação do AG igual a variação do HCO3.

Entretanto, às vezes, o HCO3 diminui muito mais do que o esperado para


compensar o aumento do AG, ou seja, a variação do AG é menor que a
variação do HCO3.

Dessa forma, lembrando-se da lei da eletroneutralidade, o que aconteceu foi


que o Cl também aumentou, justificando essa maior queda do HCO3.

Assim, está ocorrendo algum fenômeno que leva ao aumento do AG e também


está ocorrendo uma situação que leva ao aumento do Cl, justificando essa
enorme redução do HCO3 a fim de manter a eletroneutralidade.

Além disso, em algumas situações também encontramos um aumento do AG,


mas, ao invés de redução, ocorre uma elevação de HCO3. O que explica esse
fenômeno? Já consegue dizer?

Bom, o que explica isso é a ocorrência de alguma situação que leve ao


aumento do AG e, associado a isto, outro fenômeno que induza a retenção de
HCO3 no corpo.

Dessa forma, está acontecendo uma alcalose metabólica sobreposta a uma


acidose metabólica com AG aumentado (analise as figuras abaixo).

Ânion Gap normal


Acidose metabólica com AG aumentado e normoclorêmica

Acidose metabólica com AG aumentado e alcalose metabólica

Para determinar qual situação estamos diante devemos realizar o cálculo do


delta/delta: ΔAG/Δ[HCO3] = (AG paciente – 12) / (24 – [HCO3] do
paciente). Esta fórmula só é utilizada quando temos acidose metabólica com
ânion Gap elevado!

Ela nos mostra que a variação do ânion gap deve ser igual a variação do
HCO3. Se as variações forem iguais, o resultado da equação será 1,
significando que temos apenas uma acidose metabólica com AG aumentado.

Ou melhor, o nosso AG elevou, o HCO3 reduziu para compensar e não houve


variação do Cl. Se o valor do delta/delta for menor que 1, significa que a
variação do ânion gap foi menor que a variação do HCO3, ou seja, o AG
elevou, o HCO3 reduziu muito, além da variação do AG, e o que explica isso é
o aumento do Cl.

Dessa forma, existe uma acidose metabólica com AG aumentado e acidose


metabólica hiperclorêmica.

Por fim, se o ânion gap for maior que 2, significa que está ocorrendo um grande
aumento do AG com pouca redução do HCO3, ou seja, o HCO3 não reduziu
proporcionalmente à elevação do AG, mostrando que existe retenção de HCO3
também. Neste caso, há uma alcalose metabólica associada.

Considerações técnicas da coleta na gasometria arterial

O recomendado é que na hora da coleta o paciente esteja sentado, exceto


naqueles acamados, com o paciente em repouso pelo menos 10 minutos antes
da punção.

Devemos ter em mente que a punção arterial pode causar espasmo vascular,
formação de trombo intramural ou aparecimento de hematoma periarterial (daí
a importância de comprimir o local de punção por 5 minutos, geralmente, em
um paciente não anticoagulado).

O local preferencial para a punção é a artéria radial ao nível do túnel do carpo


devido a facilidade de acesso ao vaso (menos músculos, tendões e gordura
superpostos) e a menor chance de punção venosa acidental por não
apresentar veias importantes próximas.

A famosa punção de artéria femoral deve ser a última alternativa devido a falta
de circulação colateral adequada abaixo do ligamento inguinal.
Após a coleta, o tempo até a análise do material não pode ultrapassar 10-15
minutos.

Técnica da punção na artéria radial para gasometria arterial:

1. Explicar o procedimento ao paciente;


2. Escolher o local de punção;
3. Hiperestender o punho do paciente;
4. Limpeza da pele com álcool ou outra solução antisséptica (Ex:
clorexidina);
5. Injetar via SC pequena quantidade de anestésico local (Lidocaína) sem
adrenalina e fazer o botão anestésico (opcional);
6. Usar seringas lubrificadas com heparina;
7. Introduzir agulha (de insulina) com bisel voltado contra a corrente em um
ângulo de 45º (se for femoral, introduzir 90º) com a pele;
8. Colher entre 2-3 mL;
9. Comprimir o local da punção por 5 minutos;

Caso clínico de gasometria arterial

Paciente masculino, 80 anos, portador de doença diverticular dos cólons,


iniciou quadro de dor abdominal em fossa ilíaca esquerda progressiva,
náuseas, vômitos e febre há 24hs da admissão no departamento de
emergência.

Realizada TC de abdome, sendo visualizado abscesso pericólico. Após retorno


do setor de bioimagem, evoluiu com quadro de sonolência, hipotensão, pulso
filiforme e fraco, pele pegajosa e tempo de enchimento capilar maior que 3
segundos.
Realizada gasometria arterial que revela: pH 7,29 HCO3 10 pCO2 23 Na 130
Cl 100

E ai, com o resultado dessa gasometria, você já sabe dizer qual é o distúrbio
ácido-base do paciente?

Interpretação da gasometria arterial

1º Determinar pH:

O pH do nosso paciente é 7,29. Portando está abaixo do valor mínimo de


referência, configurando uma ACIDOSE.

2º Determinar se o distúrbio primário é metabólico ou respiratório:

Observamos que o HCO3 está baixo e o pCO2 também está baixo, deixa
forma, temos como distúrbio primário uma ACIDOSE METABÓLICA. Lembre-
se que se fosse uma acidose respiratória o pCO2 deveria ser alto.

3º Determinar se o distúrbio primário está compensado:

Para determinar se uma acidose metabólica está compensada, usamos a


fórmula de Winter: pCO2 esperado = 1,5 x 10 + 8 = 23. Após isso, avaliamos o
valor do pCO2 do paciente, que neste caso é exatamente igual ao pCO2
esperando, demonstrando que o distúrbio é COMPENSADO.

4º Diante de uma acidose metabólica, devemos calcular o AG:

AG = 135 – (10 + 100) = 20. O AG desse paciente é superior a 12, dessa


forma, vemos uma acidose metabólica com AG aumentado.

5º Diante de uma acidose metabólica com AG aumentado, devemos


analisar se tem acidose hiperclorêmica ou alcalose metabólica associada:
ΔAG/Δ[HCO3] =( 20-12)/(24-10) = 8/14 = -6. Como o AG menor é que 1,
completamos nossa análise dizendo que o paciente tem uma acidose
metabólica com AG aumentado e uma acidose metabólica hiperclorêmica.

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