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EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO EM MEDICINA VETERINÁRIA*

A manutenção da vida animal requer uma série de reações químicas. Estas


reações podem produzir substâncias acidificantes ou alcalinizantes. As reações
enzimáticas mantêm o funcionamento do organismo e as enzimas são bastante sensíveis
a variações de pH (assim como de temperatura).
O sangue é usado como parâmetro para a avaliação do estado ácido-base dos
animais, portanto, avaliamos o pH sanguíneo e extrapolamos este dado para os tecidos.
Assim, se o pH do sangue é fisiológico, cada tecido também deverá estar em seu pH
ideal.
O pH do sangue está próximo da neutralidade com leve tendência à alcalinidade
(aproximadamente 7,4). As reações metabólicas, porém, tendem a desviar continuamente
este pH para ácido ou básico.
Existem diferentes tipos de mecanismos de controle do pH. No meio intracelular os
principais tampões são as proteínas, que agem a partir de aminoácidos básicos (lisina e
histina) e ácidos (glutâmico, aspártico), bem como o fosfato que tem como base o ácido
fosfórico (H2PO4) e a base conjugada HPO4. Estes dois sistemas mantém o pH intracelular
entre 7,0 e 7,4.
No meio extracelular o principal sistema tampão é o do ácido carbônico/bicarbonato
(H2CO3  HCO3- + H+). In vitro este sistema manteria o pH num valor menor do que o
compatível com a vida, porém dentro do corpo ocorre outra reação entre seus
componentes, a partir da anidrase carbônica, em que o ácido carbônico é transformado
em água e gás carbônico (H2O + CO2 H2CO3). Para completar o sistema, o CO2 é
retirado do corpo através da troca de ar dentro dos alvéolos. Através destes mecanismos
é possível manter o pH do sangue em 7,4. Este sistema tampão ainda é complementado
por outros como o das proteínas (inclusive dentro da hemácia onde o ácido carbônico
reage com a hemoglobina) e do fosfato.
Para evitar que ocorram grandes variações séricas de pH, existem sistemas
amortecedores plasmáticos, ou sistemas tamponantes. Os sistemas tamponantes são:
• proteínas plasmáticas
• hemoglobina
• sistema fosfato-ácido fosfórico
• sistema bicarbonato-ácido carbônico

Proteínas plasmáticas.
No meio intracelular é o tampão mais eficiente (o que não ocorre no plasma). O
mecanismo de ação ocorre através dos aminoácidos, os quais podem associar ou
dissociar H+ de acordo com a necessidade do sangue e assim, atuar na manutenção do
pH fisiológico.

Hemoglobina.
Como proteína, ela mantém um grande número de grupos ácidos ou básicos. Como
transportadora de gases, ela aumenta ou diminui sua afinidade pelo gás carbônico,
permitindo sua maior liberação (em caso de acidose) ou sua retenção (na alcalose).
Grande parte do tamponamento na faixa fisiológica de pH ocorre devido às modificações
dos grupos imidazol da histidina (aminoácidos essenciais presentes na hemoglobina). Os
grupos tamponantes da hemoglobina estão associados com os átomos de ferro. Na
oxihemoglobina, o oxigênio é transportado pelos átomos de ferro. Quando o oxigênio é
removido, as modificações que ocorrem na estrutura eletrônica dos átomos de ferro
influenciam o imidazol e os outros grupos tamponantes. Modificações na dissociação do
grupo imidazol relacionam a capacidade tampão da hemoglobina com a sua oxigenação e
desoxigenação. O aumento da acidez favorece a liberação de oxigênio, enquanto que sua
redução facilita a fixação de oxigênio.
A maior porção do gás carbônico que entra nos eritrócitos é hidratada para formar ácido
carbônico por ação da anidrase carbônica e em seguida se converte em bicarbonato.
Estas reações ocorrem porque os produtos de reação são removidos do eritrócito à
medida que se formam, por intermédio de dois processos: a hemoglobina tampona a
maioria dos íons H+ e boa parte do íon bicarbonato difunde para o plasma.

Sistema fosfato - ácido fosfórico.


Abundante nos líquidos tubulares (néfron), eficiente no sangue, porém em menor
quantidade. Possui grande poder de tamponamento. Atua no transporte de H+ e de sódio,
aumentando as trocas renais para a correção dos desequilíbrios ácido-básicos.

Sistema bicarbonato - ácido carbônico.


Com menor poder de tamponamento, porém mais abundante no plasma, mais facilmente
controlado e mais fácil de medir. Assim, ele se torna o mais importante. O líquido
céfalorraquidiano é pobremente tamponado e um pequeno aumento na PCO 2 representa
redução significativa de pH.

Ação dos rins no tamponamento de pH.


A função do rim é manter a constância do meio interno. Para isto, ele excreta água,
promove a troca de íons e mantém o organismo em equilíbrio.
Os túbulos renais secretam íons H+ na urina tubular, e para cada mol de ácido secretado,
um mol de bicarbonato (base) aparece no sangue.
As células tubulares também secretam potássio na urina tubular e a secreção de íons
potássio está inter-relacionada com a de H+.
Na acidose respiratória, a taxa de secreção de ácido está elevada e a de potássio
reduzida. Por outro lado, na deficiência de potássio, a secreção deste está reduzida e a
de H+ aumentada. Como resultado, ocorre alcalose metabólica de origem renal.
O pH mínimo da urina é em torno de 4,5, e isto acontece devido à capacidade
tamponante dos rins. Um dos tampões mais importantes é o fosfato.

DISTÚRBIOS ÁCIDO-BASE
Os distúrbios ácido base, poderão estar relacionados a parâmetros respiratórios (CO 2) ou
metabólicos (HCO3). Então, a acidose e a alcalose poderão ser metabólicas ou
respiratórias.

Acidose metabólica.
Causas:
• cetoacidose diabética; inibidores da anidrase carbônica; insuficiência renal com
perda da capacidade de reabsorver o sódio ; acidose láctica – choque; hipoxemia;
exercício; toxinas exógenas – etileno-glicol; ácido salicílico; acidificantes urinários;
diarréia.
Na diarréia, ocorre aumento do cloro porque os rins corrigem a acidose
acompanhando sódio com cloro.

Acidose ruminal
A acidose ruminal é problema muito frequente em bovinos, que ocorre em três
formas: a aguda, a subaguda e a crônica. É causada pela administração de dietas com
alta quantidade de concentrado em animais não adaptados. Isso leva a uma fermentação
rápida do concentrado, produzindo assim ácido láctico, que leva o pH ruminal a cair,
podendo chegar a <5,5. Isso pode ter varias consequências clínicas, como laminite, perda
de peso e ruptura da barreira ruminal, levando a translocação de patógenos para a
circulação causando inflamação em vários locais

Acidose urêmica
Seria a acidose metabólica que se desenvolve em animais com insuficiência renal
crônica que ocorre pela grande perda de HCO 3- , o que acaba por diminuir sua
concentração plasmática. No início da doença também ocorre uma hipercloremia,
posteriormente a acidose ocorre pela retenção de sulfatos, fosfatos e ácidos orgânicos.
A acidose metabólica pode ocorrer também durante a insuficiência renal aguda, inclusive
neste caso ela é muito mais grave, pois o rim não tem tempo para se adaptar a nova
condição, além disso, a septicemia e catabolismo tecidual acentuado, complicações que
às vezes acompanham a insuficiência renal aguda podem agravar o quadro de acidose

Alcalose metabólica.
Causas:
• vômito gástrico puro; overdose de bicarbonato de sódio (NaHCO3); diminuição do
LEC; diminuição do potássio (atualmente esta hipótese está sendo contestada);
desidratação; intoxicação pela uréia (em bovinos).

Alcalose respiratória.
A alcalose respiratória é uma condição na qual o sangue é alcalino porque a
respiração rápida ou profunda acarreta uma concentração baixa de dióxido de carbono no
sangue. A hiperventilação (respiração rápida e profunda) provoca uma eliminação
excessiva de dióxido de carbono do sangue.
Hiperventilação - causas:
• calor; ansiedade; medo; dor; lesões do SNC; anemia pronunciada; ventilação
mecânica aumentada.

Acidose respiratória
A acidose respiratória é a acidez excessiva do sangue causada por um acúmulo de
dióxido de carbono no sangue em decorrência de uma má função pulmonar ou de uma
respiração lenta. A velocidade e a profundidade da respiração controlam a concentração
de dióxido de carbono no sangue. Normalmente, quando o dióxido de carbono acumula-
se, o pH sanguíneo cai e o sangue torna-se ácido. A concentração alta de dióxido de
carbono no sangue estimula as partes do cérebro que regulam a respiração, as quais por
sua vez estimulam o aumento da frequência e da profundidade da respiração
Causas:
• enfisema, a bronquite crônica, a pneumonia grave, o edema pulmonar e a asma.

https://www.ufrgs.br/lacvet/site/wp-content/uploads/2013/05/I_simp_patol_clin2003.pdf
https://www.ufrgs.br/lacvet/site/wp-content/uploads/2013/10/acidoses.pdf
Trall, 2007

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